Língua - objeto e multidimensionalidade

          O - Excerto de A República (Livro III) de Platão:

·       Preferiria, criado da lavoura, estar ao serviço de outro, de um homem pobre e levando vida modesta, do que possuir o império dos mortos...[1

·       Como morcegos no fundo de um antro sagrado levantam voo chiando e se agarram uns aos outros, quando um deles cai da fila que se aferra à rocha, assim, com gritos estridentes, elas partiam juntas...[2]

             Pediremos a Homero e aos outros poetas que não levem a mal que apaguemos estas passagens e todas as do mesmo género; não porque lhes falte poesia e não soem bem ao ouvido da maioria: mas, quanto mais poéticas são, menos convém deixar que sejam ouvidas por crianças e homens que devem ser livres e recear a escravatura mais do que a morte.

               - Tens toda a razão.

              - Portanto, todos os nomes terríveis e aterrorizadores relativos a tais sujeitos são também de rejeitar: os de Cocito, Estige, habitantes dos Infernos, espectros e outros do mesmo género que fazem estremecer os que os ouvem.[3] Talvez tenham a sua utilidade em qualquer outro contexto; mas receamos que esse estremecimento torne os nossos guardas febris e os amoleça exageradamente.

      I - A língua materna como objecto de ensino e de aprendizagem

                    1. O que é que significa, para o aluno, aprender a sua língua em contexto escolar?

                2. A realização individual da língua face à  língua como fenómeno supra-individual: o lugar da “variação” e da “norma”.

                2.1. Padrão linguístico adoptado pela Escola e os modelos linguístico - comunicativos adoptados pelos Media.

                3. A transversalidade do saber linguístico na Escola.

                3.1. A atitude do prof. das diversas disciplinas face à praxis linguístico-discursiva.

                4. Metodologia: o discurso acabado ( professor ) e o discurso construído ( aluno).

                5. As diversas opções didácticas e o insucesso escolar.

 

        II - A multidimensionalidade e a especificidade do saber linguístico

 

                1. Dimensões

 

              

                2. O ensino da língua materna como pedagogia dos discursos [Joaquim Fonseca, Linguística e Texto / Discurso, 1992]

 

                2.1. A língua como sistema modelizante primário do mundo

Sobre o conceito sistema modelizante do mundo, ver V. M de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, cap. O sistema semiótico literário, 8ª ed., p. 90 - 97.

 Em 1962, V.V. Ivanov estabelece como objecto de estudo da semiótica  os modelos / imagem / visão do mundo que o homem constrói. A modelização do mundo, em qualquer sociedade humana, através de um determinado número de sistemas semióticos coexistentes e complementares.

Por sistema modelizante, Lotman entende: o conjunto estruturado dos elementos e das regras; tal sistema encontra-se em relação de analogia com o conjunto dos objectos no plano do conhecimento, da tomada de consciência e da actividade normativa. Por isso, um sistema modelizante pode ser comparado com uma língua, no sentido saussureano de langue.

Os semioticistas soviéticos concebem as línguas naturais como sistemas modelizantes primários - visto que só as línguas naturais podem volver-se em metalinguagens e visto que os sistemas semióticos integrantes de uma cultura se constituem a partir e segundo o modelo das línguas naturais. - e os sistemas semióticos culturais (arte, religião, mito, folclore, literatura) como sistemas modelizantes secundários.

          A língua não é apenas o instrumento mas é, sobretudo, a raiz da construção do conhecimento e do exercício das actividades culturais. Neste sentido, a língua é uma forma de vida, de que os falantes participam, em que se inserem, que reconstroem e que fruem.

 

         O que significa então aprender a falar? Significa afirmar a identidade através da descoberta da alteridade, numa base de interindividualidade.

 

                2.2. É nos discursos / textos que a língua se torna viva - forma de vida.

         Porque, como refere Paul Ricoeur, [Do Texto à Acção, p. 111-112, 1986] o discurso oferece-se como acontecimento: alguma coisa acontece quando alguém fala.

                Dizer que o discurso é um acontecimento significa que:

                - “o discurso se realiza temporalmente e no presente.”

                - “ o discurso remete para o seu locutor por meio de um conjunto complexo de indicadores, tais como os pronomes pessoais.”

                - “ o discurso é sempre sobre alguma coisa: ele refere-se a um mundo que pretende descrever, exprimir ou representar.”

                - “ o discurso não tem apenas um mundo, mas tem um outro, uma outra pessoa, um interlocutor ao qual ele se dirige.”

 

                2.3. Por isso, a didáctica da língua “não é outra coisa que pedagogia dos discursos, visando a que cada indivíduo tenha, tanto como produtor quanto como receptor-intérprete, acesso efectivo à palavra como raiz / instrumento da descoberta e fruição de si mesmo, dos outros e do mundo, e como condição para uma intervenção na realidade social.” op.cit. p. 236.

 

                III - O Processo de Apropriação da Língua

                1. Processo “natural” vs “institucional

                1.1. Características da apropriação natural / aquisição:

1.     intuitivo

2.     subconsciente, implícito

3.     assistemático e instável

4.     mais orientado para a produção de sentido do que para a forma

5.     socialmente marcado

 

                1.2. Características da aprendizagem:

1.     reflexivo

2.     consciente e explícito

3.     sistematizado

4.     orientado para as relações forma-sentido

5.  tendente, pela via da regularização e da padronização, ao exercício do controle normativo da produção verbal

[1]  - Homero - Odisseia

[2]  - Homero - Odisseia

[3]  - Cocito: rio das lamentações; Estige: rio que faz tremer.