Estação Seis

Hoje 30/05/12, acordamos com cantos gregorianos, amanheceu frio, tomamos café no albergue servido de um panelão através de conchas, juntamente com todos os demais peregrinos, pois nesse albergue tem horário fixo para tudo, hora que fecham as portas, hora que apagam as luzes, hora de despertar, hora do café e hora de deixar os aposentos.

Nosso planejamento furou de vez, e resolvemos não mais persegui-lo, optamos por curtir o caminho, pedalando o que fosse possível cada dia, parando em todos os povoados, cidades e pontos interessantes do caminho. Nossa programação previa dias para eventuais contratempos físicos, climáticos e ou mecânicos.

Na bica d'água de Boadilla del Camino

Saímos de Castrojeriz as 08:00 e passamos por: Itero de Castillo, Puente Fitero, onde deixamos para trás a província de Burgos e entramos em Palencia. Continuamos por Itero de La Vega, Boadilla del Camino, onde na entrada do povoado tinha um senhor pegando água numa bica cuja bomba d’água é manual e se parecia com o timão de um navio. Após uma conversa descontraída e várias informações, ele nos aconselhou a continuar pela trilha que era muito boa para bikes, sempre beirando o Canal de Castilla, uma obra faraônica. Fomos até o vilarejo e tomamos café, nesse que foi o mais aconchegante albergue até o momento. O cara que nos atendeu, já chegou perguntando se éramos catarinenses, conhece nosso estado, nosso sotaque e tem vários amigos em Floripa, e fala português fluente.

UMA PARADA NO CAMINHO

Palencia é uma província em que o caminho é muito plano, pedalamos somente em trilha, e sempre com vento de popa. Tocamos em frente e passamos por Población de Campos, Ravenga de Campos, Villamenteros de Campos, Villalcázar de Cirga, agora com vento de boroeste, passamos por muitos peregrinos. Nunca na minha vida cumprimentei tanta gente e tanta gente me cumprimentou em tão pouco tempo.

Meditando lembrei-me de meu pai, Seu Galdino, que lá de cima deveria estar feliz acompanhando nosso desafio. Lembrei-me da educação que nos deu, dos seus ensinamentos, do respeito ao próximo, da honestidade, da dedicação ao trabalho, e eu pedalando solitário com um soluço preso na garganta e os olhos lubrificados com colírio natural, pela primeira vez perdi de vista meus colegas que de vento em popa pedalavam bem a minha frente. O vento soprava as lufadas, eu flanava parecendo estar levitando, sentia que o espírito do caminho se avolumava, as sinalizações aumentavam, os albergues barateavam, e cada vez mais lotados devido ao fato de muitos peregrinos iniciarem o caminho nesta região.

COM OS ITALIANOS

Passamos por Carrion de Los Condes, no caminho encontramos uma turma de italianos, um deles falava português fluente, pois havia trabalhado 11 anos na FIAT em Betim. Dali fomos a Calzadilla de La Cueza, onde o hospitaleiro era um baiano que nos chamou quando viu a bandeira do Brasil tremulando no bagageiro da bike. A poeira gerada pelos pneus das bikes fazia uma espécie de bruma que chegava a atrapalhar os peregrinos que iam a pé com suas pesadas mochilas nas costas, debaixo de um sol escaldante. Imagino que não havia trecho pior para formar bolhas nos pés, era um trecho longo e plano, com pedrinhas que absorviam o calor do sol e repassava para os pés dos peregrinos.

Com os japoneses em frente ao albergue de Lédigos

Tocamos em frente e fizemos uma parada estratégica em Lédigos, pois já era 14:00, o horário em que o sol mais ardia na Espanha. No bar que também é albergue encontramos uma raça grande entre eles, mãe e filha, australianos que faziam o caminho de bike, e uma trupe de japoneses. Sei a pronúncia de meia dúzia de palavras em japonês que aprendi com o mestre Hideo, um engenheiro projetista de transformadores que está no Brasil a mais de 50 anos, então passei pelos japoneses e falei “sumui mais cem” pronuncia que em japonês significa “de licença”. Um deles, o Jim, de cara já começou a falar português, disse que tem amigos no bairro da Liberdade em São Paulo e havia feito intercambio de um ano em Barcelona. O cara é fera também fala espanhol. Falou que para gravar o seu nome é fácil, só lembrar-se de “gim tônica”. Esse é um japonês com espírito ocidental, um gozador de marca maior. Despedimos-nos com um “arigatô” e fomos para Terradillos de Templarios, Moratinos, San Nicolás del Real Camino, aqui deixamos para trás a Província de Palencia, e entramos em Leon.

Na ponte da divisa das províncias de Palencia e Leon

Passamos por Sahagún, Calzada de Coto, Berciano del Real Camino, El Burgo Ranero, onde chegamos as 18:30. Nesse dia com vento a favor e muita planície quebramos a barreira dos 100 km/dia.

Chegando em El Burgo Ranero

Por mais incrível que pareça a programação voltou a ficar em dia. Hospedamos-nos num Albergue privado como presente a nós mesmos, evitando um pouco o tumulto dos albergues comunitários. Aqui encontramos dois italianos e fomos jantar juntos na cidade. Durante o jantar falamos que tínhamos café do Brasil, e convidamo-los para o café da manhã no dia seguinte. Um deles já se prontificou dizendo que os cornetos e brioches seriam por conta deles.

RESUMO DO DESAFIO

Distância percorrida no dia : 108 km

Velocidade média no dia : 18,2 km/h

Inicio e final do pedal : 08:00 - 18:30

Distância acumulada desde o 1º dia : 477 km

MEDITAÇÃO DO DIA

Pelos prados e campinas verdejante eu vou, é o Senhor que me leva a descansar, junto às fontes de águas puras, repousantes eu vou, minhas forças o Senhor vai animar, Tu és, Senhor, o meu pastor, por isso nada em minha vida faltará. Nos caminhos mais seguros junto d'Ele eu vou, e pra sempre o Seu nome eu honrarei.....

Vânio Savi (Mano)