Estação Dez

Hoje 03/06/12, acordamos cedo com temperatura de montanha e uma neblina que não permitia visibilidade de 10 metros, porém a chuva que bateu suave no telhado do albergue durante a noite havia cessado.

Estávamos tomando café quando chegou um casal de alemães e nos ofereceu um prato de salame, queijo e presunto. Agora o clima mudou bastante, tanto no verdadeiro sentido da palavra, quanto no espiritual. O Cebreiro é indescritível, só estando lá para entender.

Pairava no ar algo diferente do trivial, parecia que estávamos levitando. O Willemann estava impressionado, se encantou com o lugar e não quis mais sair, quase pedi para o Frei mandá-lo embora. Começou numa romaria de visitas e fotos, percebi que estava extasiado com o ambiente, então deixei o tempo correr solto. Às vezes eu insinuava que estava na hora de partir, mas ele não se atinava, parecia que havia entrado em estado de êxtase. Eram 09:15 da matina quando estava chegando o Daniel que havia se hospedado no Albergue do Brasil em Vega de Valcarce, no sopé da montanha. Ele nos disse que começou a caminhar às 06:00, havia subido O Cebreiro em 03:15, o que nós fizemos em 02:40 pedalando pela carreteira no dia anterior, perfazendo 9 km a mais que pela trilha.

Quando o relógio marcava 09:45 consegui tirar a concentração do Willemann e demos a partida, ainda com frio e uma bruma que não permitia visibiliadade de 15 metros.

Tocamos em frente e passamos por Liñares, Alto de San Roque, Hospital de La Condessa, Padornelo, Alto do Poio, Fonfría e Biduelo.

Alto do Poio (homenagem ao nosso colega que puxa os pedais

do Duas Rodas nas segundas feira)...he...he..

Agora se percebe que o número de peregrinos vai aumentando, pois muitos começam o Caminho nessa região, e o espírito jacobeu vai se impregnando com mais afinco.

A topografía é de sobe e desce, são dois minutos passando frio nas descidas, e sete ou oito passando calor nas subidas.

Chegamos em Tricastela, onde esperava visitar três castelos, mas na real não encontrei nenhum, paramos para o lanche, e optamos pelo caminho via San Cristobo, que não é o trivial, mas foi muito bonito, pedalamos um bom trecho por túnel verde, até chegar a Renche que não possui mais que uma dúzia de casas, e finalmente a Samos. Nesse povoado tem um Mosteiro Beneditino onde também funciona um albergue. Tem também um capelinha pré românica, do século IX, junto a um cipreste milenar, cujo caule com aproximadamente um metro de diâmetro já está encostando na capela.

Capela românica em Samos

O nome Samos me lembrou os velhos tempos de Fiorita, quando vendíamos vinho Samos que era fabricado em Urussanga. Na época eu deveria ter uns 10 anos, quando percebi que o vinho havia mudado de nome para Santé. Os mineiros que vinham na venda beber umas biritas comentavam que tinha uma fábrica de vinho na Itália com este nome e os italianos haviam aberto um processo contra o pessoal de Urussanga, o que os obrigou a mudar o rótulo.

Lembrei também da ilha grega de Samos onde nasceu o grande matemático e filósofo Pitágoras. Quem estudou no Colégio Dom e teve aulas de matemática com o padre Luiz, jamais esquecerá do Teorema de Pitágoras. Na saída de Samos quebrou o bagageiro da bike do Willemann. Fizemos uma gambiarra com amarradilhas de borracha e haste de aluminio.

Gambiarra para conserto do bagageira da bike so Willemann

Passamos por Teiguim, e fomos em frente pois nossa intenção era pedalar até Sarria e lá comprar bagageiro novo. Quando passamos por Sarria nos demos conta que era domingo e o comércio estava fechado. Continuamos na labuta, e ao passarmos por Barbadelo, onde furou a primeira câmara de ar, exatamente da bike do Willemann. O Édio aplicou um remendo e continuamos o pedal pela Galícia. Nessa região a cada 500 metros tem um mini obelisco, que os espanhóis chamam de “mojon” indicando a distância em contagem regressiva até Santiago de Compostela.

Obelisco (mojon) do emblemático km 100 (contagem regressiva)

Percebi também que a região é toda de minifúndios, tendo vilas a menos de 1 km uma da outra. A região é essencialmente pecuarista e a quantidade de bosta de gado no caminho vai aumentando. De vez em quando pedalávamos dentro dos riachos para limpar os pneus.

Chegamos em Ferreiros e o albergue municipal estava lotado, então tocamos um pouco à frente e nos hospedamos em Mirallos, a uns 500 metros do centro de Ferreiros, num albergue abaixo da crítica, não chegava a ser um pardieiro, porque o clima não era para isso, mas uma verdadeira espelunca. Era uma sala onde tinha aproximadamente 30 camas dispostas de três em três, portanto quem dormia próximo à parede e no meio, se tivesse que levantar à noite, tinha que sair pelo lado dos pés.

Albergue ruim

O albergue oferecia apenas dois bacios e um chuveiro. As tralhas eram jogadas no chão juntamente com as botinas infestadas de chulé. Quando chegamos tinha apenas três camas disponíveis, depois chegou mais um peregrina, cedi minha cama para ela e dormi no sofá, sem travesseiro. No meio da noite tive cãibra, peguei a lanterninha e quando fui procurar o cataflan gel, onde havia deixado o alforje tinha um cara dormindo no chão, o alforje estava debaixo do sofá.

Uma raça chegou tarde e fez um rebú do cão. Teve gente que no meio da noite derilou cantando, a sinfonía de roncos quebrou todos os recordes até então, parecia que tinha uma disputa entre um trator D8 da Caterpillar e um D51 da Komatsu. Foi o albergue da desorganização mas salvou muita gente de dormir ao relento, porque nessa região os albergues estavam todos lotados.

RESUMO DO DESAFIO

Distância percorrida no dia : 64 km

Velocidade média no dia : 13,8 km/h

Inicio e final do pedal : 09h45 - 19H00

Distância acumulada desde o 1º dia : 746 km

MEDITAÇÃO DO DIA

Eu só confio no Senhor, que não vai falhar, eu só confio no Senhor, sigo a cantar, se o sol chegar a escurecer, e o céu nublar, eu só confio no Senhor, que não vai falhar....

Vânio (Mano)