REFORMA

A cisão ocorrida dentro do catolicismo, no século XVI, não visava a princípio, a criação de uma nova igreja. A Reforma - o mais importante de uma série de protestos que, desde o séc. XII, vinham sendo feitos contra os abusos e distorções da vida eclesiástica, mas que a Santa Sé, sob o pretexto de que eram manifestações heréticas, reprimia brutalmente - queria de início, apenas recolocar a Igreja nas suas verdadeiras bases. Constatada, porém a dificuldade em renovar estruturas de organização viciadas, e o facto de que a sua interpretação no Evangelho deferia radicalmente da sustentada pela Igreja oficial, os reformistas optaram por constituir instituições independentes. Influência preponderante foi a do Renascimento, cujo liberalismo se reflecte no espírito de independência da autoridade papal e do livre exame dos textos sagrados.

Embora antecedidos por percursores significativos como o Jan Huss e John Wycliff, os reformadores mais importantes foram o alemão Martinho de Lutero (1483 - 1546) e o francês João Calvino (1509-1564). Lutero, monge agostiniano, professor na universidade de Wittenberg, afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, a 31/10/1517, uma lista de 95 teses, condenando os abusos do papado e, em especial, o comércio feito com a venda de indulgências. O papa Leão X condenou numa bula que ele queimou em praça pública; o imperador Carlos V convocou-o a Worms, onde ele reafirmou abertamente as suas crenças. Acolhido em Wartburg pelo eleitor da Saxónia, traduziu a Bíblia para alemão (1522) e retornou depois para Wittenberg, onde se dedicou a consolidar nos seus escritos, a doutrina protestante. A formulação oficial da sua fé - a Confissão de Augsburgo, em 1530 - não foi aceite pelo Imperador, que empreendeu uma guerra aberta contra os hereges luteranos, congregados à volta de alguns príncipes na Liga de Schmalkal. A Paz de Augsburgo, em 1555, pôs fim à guerra e reconheceu as igrejas luteranas da Alemanha. O Concílio de Trento, aberto em 1545, promulgou uma reforma administrativa e moral da Igreja Católica, mas não conseguiu impedir que a Reforma se fixasse na Alemanha e nos países escandinavos, transformando-se na religião oficial.

Os luteranos que aceitam o dogma da presença real de Cristo no sacramento da eucaristia, logo tiveram de opor-se aos seguidores do suíço Huldreich Zwingli (1484 - 1531), para quem a consagração não passa de um ritual simbólico de comemoração da Paixão. A Igreja-Estado formada por Zwingli em alguns cantões suíços incorporou-se depois na obra de Calvino, que transformou Genebra no segundo grande centro do protestantismo, de onde ele se difundiu para a França, Holanda, Escócia, Polónia e Hungria.

O teocentrismo calvinista é marcado pela ênfase na soberania e não na misericórdia de Deus, pela crença na predestinação e por um moralismo extremamente rígido, além de um espírito dinâmico preocupado com os negócios públicos e com as questões políticas - no que também se distingue do luteranismo, cuja perspectiva política sempre foi muito mais conservadora. Os protestantes entraram em choque com algumas seitas muito radicais, das quais as mais importantes foi a de anabatistas - liderada por um holandês, Menno Simmons -, que rejeitavam toda a autoridade eclesiástica e só baptizavam os adultos; actualmente eles fazem-se denominar menonitas.

Na Inglaterra, a Reforma iniciou-se por razões políticas, acobertadas por uma circunstância pessoal - o divórcio e segundo casamento de Henrique VIII - e só evoluiu para um protestantismo nítido, poderosamente influenciado por Calvino e Zwingli, depois dos Trinta e nove artigos de 1571.

Mas os puritanos, um grupo radical que pleitava a "reforma pura", foram duramente reprimidos pela coroa, no interesse da uniformidade religiosa do império, e acabaram procurando refúgio nas colónias do além-mar, dando início na América do Norte a uma série de seitas: presbiterianas, baptistas, congregacionais, quacres, etc.

Em França, enquanto isso, o choque entre os huguenotes e a religião católica oficial produziu uma série de sangrentas guerras de religião. Massacrados por ordem de Catarina de Médicis, na Noite de São Bartolomeu (24/8/1572), eles foram tolerados a partir da promulgação do Édito de Nantes (1598) por Henrique IV, que era protestante e abjurou para subir ao trono francês. Em 1619, as hostilidades recomeçaram e culminaram com a tomada de La Rochelle, em 1629, pelo Cardeal Richelieu. Sob Luís XIV, o édito de Nantes foi revogado (1685) e um grande número de huguenotes foi refugiar-se na Suíça, Alemanha, Inglaterra e Holanda. Um grupo dissidente, o de Camisards, permaneceu nas Cevenne, até ser massacrado em 1706. Só com Napoleão os protestantes que tinham ficado em França conseguiram igualdade com os católicos; e, ainda assim, uma série de direitos eram-lhes vedados até 1905, época em que a Igreja se separou definitivamente do Estado.

Os protestantes caracterizam-se pela rejeição das autoridades de Roma, a crença na Bíblia como fonte única de revelação, o reconhecimento da "missão de todos os crentes" e a afirmação de que a fé, mais do que as boas acções ou a intermediação da Igreja, leva à salvação. O individualismo característico do protestantismo ao mesmo tempo, que provocou o desenvolvimento da liberdade religiosa em muitas áreas, contribuiu para a fragmentação sectária. As igrejas protestantes que permitem que os sacerdotes se casem, e mesmo aquelas que têm bispos tendem a concentrar os poderes administrativos nas mãos dos leigos. A liturgia geralmente enfatiza a leitura e comentário do texto sagrado e dos seus rituais são bastante despojados. Porém, algumas seitas, principalmente, a ala anglo-católica do anglicanismo, tem grandes cerimónias. O actual movimento ecuménico originou-se do protestantismo e, com a excepção das igrejas fundamentalistas - portanto, a maior parte das igrejas baptistas - as principais seitas protestantes tendem a agrupar-se em organizações como o Conselho Mundial das Igrejas.

JOHN WYCLIFFE (WYCLYF), Teólogo inglês e percursor da Reforma (1320-1384): cura de Fillingham, doutor em Teologia e advogado eclesiástico, começou a sua pregação antipapal e anticlerical em 1377, defendendo o primado da Bíblia sobre as determinações da Igreja. Por ocasião do Grande Cisma (1378), concebeu a possibilidade da Igreja sobreviver sem o papa. Contrário às indulgências, a sua doutrina aproximava-se de Lutero e influenciou Huss. Foi condenada pelo Concílio de Constança (1415).

JAN (JOÃO) HUSS, reformador religioso nascido na Boémia (1369-1415), divulgou as ideias de Wycliffe e no seu primeiro livro protestou contra os abusos da Igreja. Foi declarado herege e excomungado. Porém, continuou a sua pregação e granjeou inúmeros adeptos (hussitas), publicando então a sua obra principal Sobre a Igreja baseada nas doutrinas heréticas de Wycliffe. Em 1413, perante o Concílio de Constança, foi-lhe exigido o reconhecimento das suas heresias, Huss negou-se e foi condenado à fogueira (6/7/1415). venerado pelo povo da Checoslováquia como patriota boémio e propugnador da língua checa, assim que chegou a Praga a notícia do seu suplício, iniciou-se o movimento hussita; que além da feição revolucionária religiosa, apresentava reivindicações sociais e nacionalistas de carácter antigermânico). Em meados de 1420 os hussitas promulgaram os Quatro Artigos de Praga: livre da pregação da palavra de Deus; comunhão sobre ambas as espécies; abolição do poder temporal da igreja e volta do clero á pobreza apostólica; punição por todos os pecados mortais e actos públicos contrários à lei de Deus.

HULDREICH ZWINGLI (1484-1531), reformador suíço, líder do protestantismo no seu país: sacerdote católico, pároco em Glarus e capelão militar, foi nessa condição por três vezes a Itália. Gradativamente foi chocando com os abusos da Igreja Católica da sua época; afastou-se do catolicismo mas não concordava inteiramente com as ideias de Lutero. Condenou as indulgências, o jejum, a veneração dos santos e o celibato dos padres (casou-se em 1524, com Anna Reinheard), e passou a divulgar uma doutrina mais radical do que a luterana. A Eucaristia não era um sacramento e a missão não podia ser um sacrifício; ambos, no seu entender, seriam uma recordação da ceia de Cristo. Rapidamente conquistou adeptos em vários distritos suíços, mas os distritos rurais (principalmente) continuavam apegados às ideias católicas e armaram-se contra os protestantes; o conflito resultou na Batalha de Kappel (10/10/1531), em que Zwingli morreu e as tropas protestantes foram derrotadas.

ADVENTISTA - seita religiosa, originária dos EUA, fundada por William Miller, que até 1831 congregou adeptos em vários Estados norte-americanos. Segundo os seus cálculos, sobre as profecias de Daniel, profetizou a destruição do mundo em 1843 e depois para o ano seguinte; caindo então em descrédito. Porém, os fundamentos básicos serviram para a subdivisão da seita em vários ramos. Os mais importantes são:

· Adventistas do Sétimo Dia: os membros celebram o sétimo dia, guardando o sábado são vegetarianos e praticam a abstinência. É o ramo mais conhecido, encontrado em centenas de países e ilhas, cujos ministros se utilizam de cerca de 790 línguas e dialectos na pregação evangélica.

· Cristãos adventistas, fundada em 1861, crêem que o homem foi criado para viver eternamente, como caiu em pecado, somente poderá readquirir o dom com a fé em Jesus Cristo.

· União de Vida e Advento, fundada em 1863, acreditam que os mortos em pecado não ressuscitam para viver eternamente.

Os Adventistas mantêm, escolas, igrejas, templos, hospitais, asilos, orfanatos, editoras e periódicos. No Brasil, é grande o número dos seus adeptos, sendo mantidas aproximadamente trezentas igrejas e templos, centenas de colégios secundários e primários, duas Faculdades de Teologia (São Paulo e Rio de Janeiro), e mais de trezentas associações filantrópicas, entre as quais o Hospital Mato-grossense do Pênfigo (fogo selvagem). O primeiro grupo de adventistas do Sétimo Dia chegou ao Brasil em 1894.

ANGLICANA - criada por Henrique VIII em 1534, na Inglaterra, depois de excomungado pelo papa . Os membros não aceitam a autoridade do pontífice de Roma, mas seguem a doutrina e liturgia católicas. Negam o Purgatório, a validade das indulgências, o culto dos santos e o de Maria. A rainha é considerada chefe da Igreja (aprovada pelo Sínodo de Londres em 1562).

EPISCOPAL - Em 1607, fundada a Igreja Protestante Episcopal dos EUA, em Jamestown, Virgínia, como uma subdivisão da Anglicana.

BAPTISTA - forma abreviada de Anabaptista (do grego anabaptizo, rebatizar), cujos adeptos dão importância específica ao baptismo e são adversários de várias seitas que negam o baptismo às crianças. Originou-se na Saxónia de uma seita de fanáticos dirigidos pelo pastor luterano Thomas Munzer (1520), que sonhavam com o restabelecimento do reino de Deus na Terra, a igualdade de todos os cristãos e comunidade dos bens. Vários príncipes protestantes unira-se contra este movimento, que rapidamente se espalhara pelos Países-Baixos. Os dirigentes foram executados (1535) e o movimento terminou. Menno Simmons congregou vários adeptos espalhados pelos Países Baixos e Alemanha, repudiou as doutrinas dos fanáticos e afastou-se dos excessos, assemelhando-se apenas na importância dada ao baptismo dos adultos, passando por isso a chamar-se Baptista. No Brasil a primeira Igreja Baptista foi fundada em santa Bárbara (SP), em 1871), por uma colónia americana que fugiu da guerra entre o Norte e o Sul dos EUA. Os baptistas fundaram várias outras igrejas por todo o país, uma Casa Editora no Rio de Janeiro (1900), dois seminários Teológicos (Recife, 1902 - Rio de Janeiro, 1908). Em 1903, fundaram na Baía, a Associação Baptista do Brasil, patrocinada pela North American Baptist Association, que sustenta, no Brasil, cinco casas missionárias. Para os seguidores, toda a reforma religiosa envolve uma melhoria social.

CALVINISMO - uma das seitas do Protestantismo, difundida por João Calvino (1509-1564) que se tornou um dos chefes da reforma Protestante e abandonou a Europa no século XVI. Começou, em 1523, a duvidar das doutrinas da Igreja católica. Em 1532, demonstrou publicamente a sua simpatia pelas doutrinas protestantes, abandonando o catolicismo em 1533/34, refugiou-se na Basileia (Suíça), onde publicou a obra Instituição Cristã, que contém os princípios pelos quais pautou a sua vida. Depois de três anos de desterro voltou a Genebra que se tornou o centro do calvinismo. na sua escola, receberam instrução os fundadores da Igreja Presbiteriana. A sua doutrina é severa e intolerante e proíbe qualquer culto exterior, enfatizando a soberania e não a misericórdia divina.

CIÊNCIA CRISTÃ - originária dos EUA, fundada por Maria Baker Eddy no século XIX, os seguidores acreditam que a ciência das leis divinas e naturais leva á libertação de todos os males, principalmente se pautada de todos os males, principalmente se pautada pelos ensinamentos de Cristo. Em 1910, instalou-se o primeiro grupo no Brasil.

CONGREGACIONALISTA - fundada em 1580, por um grupo de puritanos que se separou da Igreja Anglicana e fugiu para a Holanda. Admitem o baptismo e a comunhão e organizam-se em grupos autónomos. Em 1620, estabeleceu-se um ramo nos EUA.

DISCÍPULOS DE CRISTO - fundada por Tomás Campbell e seu filho Alexandre, em 1809, no Kentucky, nos EUA. Ambos pretendiam congregar todos os ramos cristãos numa única Igreja, fiel a cristo e com liberdade para interpretar a Escritura.

LUTERANA OU EVANGÉLICA - constituem o maior grupo reformista, com mais de setenta milhões de adeptos, que admitem como sacramentos apenas a confirmação, o matrimónio, o presbiterato (dignidade de superintendente da Igreja Protestante) e a extrema-unção. A doutrina foi condensada em O Livro da Concórdia.

METODISTA - seita protestante criada em 1729, pelos irmãos John e Charles Wesley, na Universidade de Oxford, como resultado do cisma da Igreja Anglicana, por divergirem quanto à administração dos sacramentos. Pregam o culto da vida interior pelo Espírito Santo.

MÓRMONS OU ADEPTOS DA IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMO DIA

fundada em 1830, por Joseph Smith em Nova Iorque (EUA) Mórmon é o nome de um livro que o fundador teria recebido das mãos de Deus. Acreditam num Deus pessoal, na revelação, no baptismo, na redenção pelos próprios pecados, etc., segundo os preceitos evangélicos. Em 1887 (ou 1890), foram proibidos, por um dispositivo legal do Congresso americano, de continuarem com a prática da poligamia. Em 1928, chegou ao Brasil o primeiro grupo da seita.

PRESBITERIANA - seita levada por John Knox (1505-1572), para a Escócia, foi reconhecida em 1560 pelo Parlamento. É praticamente Calvinista (João Calvino), com pequenas alterações: aceita o baptismo e a comunhão, condena as pompas litúrgicas e não reconhece a supremacia hierárquica do episcopado. O presbítero concentra a dignidade do pastor e o ofício de docente. Os presbiterianos constituem dos ramos mais numerosos com mais de quarenta milhões de adeptos actualmente.

QUAKERS (OU SOCIEDADE DOS AMIGOS) - fundada no século XVII, por Jorge Fox na Inglaterra. O termo quakers (trémulo) advém da frase atribuída ao fundador: “Tremam diante de Deus”. Os seus membros são pacíficos, e reconhecem no Espírito Santo o guia interior das almas.

UNITÁRIOS - seita protestante, cujos sectários só reconhecem uma pessoa em Deus e não acreditam na divindade de Cristo. A autoridade suprema consiste na experiência religiosa iluminada pela razão. No século XVII, os apóstolos Joseph Priestley e Theopilus Lindsey iniciaram a pregação do Unitarismo na Inglaterra. Actualmente, o maior número de seguidores encontra-se em terras de língua inglesa e não ultrapassam os 150 mil.