Mary Shelley, nascida em 1797 e falecida e 1851, apanhou em cheio o impacte do turbilhão romântico. Filha do romancista, historiador, dramaturgo, filósofo e profeta do anarquismo William Godwin e mulher do poeta Percy Bysshe Shelley (ele próprio discípulo do sogro), aprendeu com um e outro o radicalismo, o cepticismo e o culto da liberdade. Sem desprimor para o génio da autora, Frankenstein foi um parto natural.
Mary conheceu Shelley em 1814, quando este andava desavindo com o pai por ter dado o nó com Harriet, filha do caseiro da mansão familiar. Pobre Harriet. O coud de froude foi mútuo, pois daí a três meses Mary e Percy viajavam juntos por Itália, com os seus baús e as suas ideias.
Em 1816, de regresso a Inglaterra, regularizavam o estado cicil e “empurravam” Harriet para aquele lago do Hyde Park londrino chamado Serpentine, onde a jovem filha do caseiro se afogou de mágoa.
Imperturbável, Mary sentou-se à velha escrivaninha Queen Anne e começou a escrever. O que lhe saiu foi Frankenstein, porventura o melhor e o mais famoso romance fantástico de que há memória. É a história de um cientista perturbado que resolve desafiar a lei divina fabricando um ser humano com recurso à sua inteligência e às suas mãos. Em 1818, o livrinho, encadernado em pele castanha, apareceu nas montras dos livreiros do Strand e foi um êxito. cem anos mais tarde, os fãs da ficção científica começaram a reinvidicar o nome de Mary Shelley para as hostes dos seus ídolos. E com razão. Nunca Julio Verne foi tão longe, como esta fausse timide de 21 anos e penteado em bandeaux.
Mary não ficou por aí. No mesmo ano voltou a partir para a Itália com Shelley , e enquanto ele escrevia poemas entre as ruínas da Antiguidade que o fascinava. ela conjecturava enredos de literatura fantástica. Aos 25 anos ficou viúva e ancorou novamente na velha Albion. escrivaninha, papel, tinta - e nasce O Último Homem, a história de um fulano que descobre o segredo da imortalidade e sofre na pele os efeitos da sua própria descoberta. Depois, não se sabe se mordida pelo remorso ou se fascinada pelo tema, dá à estampa Lodore, um romance sobre a relação entre Percy e Harriet que ela própria destruíra com o seu olhar límpido e talvez triste.
Sobreviveu 29 anos ao marido e 15 ao pai. Quando morreu, aos 54 anos, já Victoria reinava e se viajava de comboio.
Luís Almeida Martins
“Visão” 26/01/1995