LISBOA

DE OLISIPO A LISBOA

AS MIL HISTÓRIAS DA CIDADE DAS SETE COLINAS

Sabe-se muito pouco sobre as origens de Lisboa. O facto do seu nome primitivo -Olisipo - se ter conservado durante séculos de permanência romana indica que se tratava de uma povoação de certa importância.

A importância da cidade, nas suas origens, é tipicamente mediterrânica combinando uma acrópole que permite vigiar e defender um abrigo natural.

Coroada provavelmente por um "Castellum" romano, no cimo de uma colina, a povoação desenvolvia-se pela encosta que desce para o rio.

A primeira silhueta de Lisboa é dada pelo conjunto de muralhas - a Cerca Velha - que o cingem. Formavam um conjunto que abrangia o castelo, protegendo com muros altos e espessos, por dois lados, a encosta que desce para o rio fechando-se também deste lado.

O Castelo com um bairro interior, corresponde ao tipo de inúmeras povoações alcandoradas e muralhadas; das duas extremidades do castelo partia a muralha que, descendo até ao Tejo, cingia a maior parte do aglomerado. O traçado típico das aglomerações muçulmanas encontra-se em Lisboa: ruas tortuosas e estreitas, becos sem saída, largas à margem da circulação, pátios acessíveis por passagens cobertas, balcões saídos sobre as ruelas onde apenas poderiam circular pessoas ou animais.

Com a Reconquista cristã, em 1147, o número e a preponderância passaram dos mouros para os cristãos; os ricos e poderosos procuraram outras paragens onde a sua gente dominava, mas muitos mouros das classes mais humildes permaneceram, garantindo-lhes o rei, por foral de 1170, o respeito da sua lei religiosa e civil, o livre exercício da profissão e a posse dos bens. Viviam na base da encosta do castelo, na Muraria, que até 1496 possui alcaide, escrivões, açougue e curral próprios, duas mesquitas, banhos públicos e cemitérios privativos.

Lisboa só parece ter adquirido preponderância sobre outras cidades do reino, no tempo de D. Afonso III. Com o tempo, bairros mais populares foram-se desenvolvendo para sul e a oeste do primitivo núcleo.

Estes elementos constam de um trabalho, publicado pela ESBAL, através do seu Departamento de Arquitectura, e destinado a um ciclo de conferências sobre Lisboa organizado pelo Centro Nacional de Cultura. Continuando, o trabalho refere que o século XIII, com o influxo cultural europeu, a preponderância da economia monetária, o incremento da produção agrícola e, consequentemente dos mercados, não podia deixar de reflectir na vida da primeira cidade portuguesa. De D. Dinis datam os dois principais paços régios da Idade Média (São Martinho-Limoeiro e Alçácona) e o pano de muralha que protege a Baixa do lado do mar, pondo este arrabalde a coberto dos piratas. Parece ser também do seu reinado a regularização do Rossio, nele acumulando as funções económicas: centro de negócio, do artesanato e de câmbio da moeda.

A CERCA NOVA OU DE D. FERNANDO

No fim do século XIV define-se outro perfil de Lisboa, com a construção da Cerca Nova ou de D. Fernando (1373-1375).

A estrutura de Lisboa é em grande parte condicionada pelo relevo. Na área central abre-se um vasto largo e profundo (a Baixa) que se bifurca por altura do Rossio, em dois ramos: um correspondente à actual Avenida da Liberdade; outro à Rua da Palma - Avenida Almirante Reis. Estes vales separam as colinas do Castelo, seguidas pelo enfiamento das da Graça, do Monte e da Penha de França; a de Santana e a de S. Roque.

A cidade extravasou para ambos os lados, tendo-se desenvolvido a ocidente um extenso subúrbio, que abrangia toda a Baixa e parte da colina a oeste, até às actuais Rua do Alecrim e de S. Roque.

A Cerca Nova protegia ainda mais a cidade pelo lado do rio, descia a S. Roque para o Rossio, para novamente subir, pela colina de Santana, donde tornava a baixar à Mouraria , que ficava de fora, e a galgar a íngreme encosta do castelo. Os dois vales que convergem no Rossio determinam duas inflexões importantes no traçado da Cerca Nova, que se retrai ao atravessá-los.

Pela extremidade norte das primitivas defesas partia o outro lanço da cerca nova, englobando os conventos da Graça e de São Vicente de Fora, descendo ao rio e correndo, à margem dele, pela base da colina do castelo. Alfama ficava agora completamente dentro das novas muralhas. Todavia era dentro do perímetro primitivo, que palpitava ainda, no século XV, o coração da cidade: os paços do rei e do arcebispo, no Castelo; na encosta, a Sé; os Paços do Concelho e as residências da primeira nobreza do reino.

A primeira área de expansão da cidade foi a própria margem do Tejo, ou Ribeira, em terrenos ganhos ao Tejo tanto pela construção e entulhos, como por colmatagem natural. No fim do século XV, para embelezar e animar a margem, D. Manuel revoga a proibição de construir fora da muralha, mandando fazer tendas e boticas. Toda a margem se urbaniza do Terreiro do Paço, às cercanias do actual Cais do Sodré, em menos de vinte anos.

A tendência de maior crescimento é para oeste e todo o subúrbio que pouco a pouco se formara estava ligado à cidade por um caminho interior: saindo da porta de Santa Catarina, no actual Largo das Duas Igrejas, seguia aproximadamente o traçado da Calçada do Combro e atravessava o vale da Rua de São Bento, que conservava, como todas as outras, hortas e pomares.

Na era manuelina, termina a preponderância da colina original, agora apenas afectar a funções espirituais (Sé e Universidade). A vida da cidade passa a gravitar entre o Terreiro do paço e o Rossio; a preponderância da Baixa, no comércio, no governo, e noutras funções de relação, perdurará por mais de 4 séculos, até à descentralização dos nossos dias.

A bem dizer a cidade apenas se havia expandido para ocidente; começando por ocupar parte da grande cerca do Convento de São Francisco, povoaram-se além dela, as alturas de Santa Catarina reabriu-se por entre hortas e vinhedos que a toponímia ainda recorda, o traçado regular das Ruas do Bairro Alto: propriedade às portas da cidade que pela sua situação foi retalhada e, no lugar dela, em arruamento geométricos, as primeiras que se traçaram em Lisboa, ergueu-se um novo bairro urbano.

À excepção deste sector, fora do perímetro medional apenas alguns conventos e ermidas começaram a aglutinar população. Pelos dois vales principais corriam caminhos rurais que, antes de se tornarem eixos de crescimento da cidade, traziam o campo, com hortas, pomares e olivais, até ao centro.

AS PRAÇAS DO ROSSIO E DO TERREIRO DO PAÇO

Dois traços essenciais da morfologia urbana fixam-se definitivamente na época manuelina: as praças do Rossio e do Terreiro do paço, uma aberta para o interior, outra para o mar e que são um símbolo da importância que tiveram, na fisionomia da cidade, tanto as navegações distantes como a intensa e minuciosa agricultura dos arredores.

Com o intuito de afastar do Terreiro do paço certos fins utilitários, D. Manuel rodeou-a de edifícios monumentais, como o Paço da Ribeira, a Casa da Índia, a Alfândega, a Misericórdia e o Celeiro Público.

O Rossio era o lugar onde se faziam feiras e mercados e entram em contacto o estilo da vida urbana e rural. Autêntico "fórum" da cidade, ainda hoje, em horas de expectativa, que levam o povo a concentrar-se, é aí que os lisboetas se costumam encontrar.

Ligando as duas praças principais, abria-se no século XVI, um eixo de circulação que bifurcava antes de chegar ao Rossio.

Como tantas outras cidades portuguesas, Lisboa desenvolveu-se em torno de grandes edifícios conventuais colocados em sítios altos, cujas igrejas, com seus zimbórdios e campanários, recortavam acima do casario, uma silhueta inconfundível. Trabalhadores e homens de ofícios, negociantes e artífices, ou gente grada a quem esta vizinhança era aprazível davam forma urbana aos bairros que se desenvolviam à sombra dos mosteiros.

Nesta época, fizeram-se trabalhos de urbanização: arranque dos olivais dois sítios altos, construções nas encostas e nos vazios interiores da cidade, demolição da porta da Cerca Velha, junto da Sé, que estorvava o trânsito e as procissões, alargamento das ruas comerciais, construção do cais ao longo da margem, edificação dos conventos dos arrabaldes (Madre de Deus, em Xabregas; Jerónimos, em Belém) que serão núcleos de subúrbios, mais tarde integrados na cidade.