ESCRAVATURA

Escravatura

LIBERDADE FAZ 160 ANOS

As primeiras restrições ao comércio de escravos em domínios portugueses foram “para inglês ver”. Aliás, foi assim que surgiu esta expressão idiomática. Só depois de um conturbado período de mais de quarenta anos é que se passou da teoria à prática. A primeira medida tomada para acabar com a escravatura faz agora 160 anos. No dia 16 de Dezembro.

Texto de Marina Marques

No dia 10 de Dezembro de 1836, Sá da bandeira, presidente do “Ministério Setembrista” segundo as suas próprias palavras, aboliu “totalmente em toda a monarquia portuguesa, o tráfico da escravatura” e impôs aos transgressores severas penas, como o degredo, multas, e incapacidade para servir empregos nacionais e trabalhos públicos. Assim, e por decreto, era abolido o comércio de escravos em domínios portugueses. Faz no dia 10 de Dezembro 160 anos. Foi um passo importante, mas da teoria à prática perderam-se mais de quarenta anos, período que em Portugal esteve dividido entre as pressões inglesas para acabar com a escravatura e o poderio dos interesses económicos coloniais sustentados pela mão-de-obra africana.

Não foi devido ao súbito despertar de sentimentos humanitários que se aboliu o comércio de escravos. Foi antes o culminar de uma profunda mutação nas condições de exploração do sistema colonial a par do desenvolvimento industrial inglês. E foi a Grã-Bretanha a grande promotora de todo o processo da abolição do tráfico esclavagista e da escravatura.

Mas, também, no caso britânico, não foram motivos filantrópicos que alimentaram o movimento abolicionista. Sabendo-se que a Grã-Bretanha foi uma das grandes potências marítimas e que a sua economia se baseava na exploração das colónias, pode parecer contraditório que fosse precisamente este país a ter a iniciativa de acabar com o comércio de escravos, mão-de-obra essencial ás grandes plantações de açúcar das suas colónias.

E, de facto, até 1783, todas as classes sociais inglesas foram favoráveis ao tráfico de escravos. a Monarquia, o Governo, a Igreja e a Opinião Pública em geral aceitavam-no pacificamente. Quando não eram eles próprios os promotores. E nesse mesmo ano, o Parlamento rejeitou uma petição quaker a favor da abolição da escravatura, apesar do movimento filosófico e literário ter começado a influenciar a opinião pública contra a escravatura em 1774.

A revolução Francesa veio dar renovado impulso á campanha crescente contra a escravatura em geral. Também a ciência económica nascente se pronunciou contra a escravatura. O próprio Adam Smith, em a Riqueza das Nações, contrapõe ao trabalho escravo as vantagens do trabalho livre, não sujeito e, portanto, mais inventivo, zeloso e inteligente. A utilização de mão-de-obra escrava só encarecia os produtos, defendia Adam Smith.

Mudanças económicas

Para se perceber a importância da mão-de-obra escrava africana torna-se necessário compreender a economia colonial. O sistema económico internacional, no século XVIII, era basicamente este: a Grã-Bretanha, como a França, e a América colonial, forneciam as exportações e os navios, a África as mercadorias humanas, e as plantações coloniais as matérias brutas. Era o chamado comércio triangular. O navio negreiro deixava a mãe pátria com uma carga de produtos manufacturados; nas costas de África, estes eram trocados, com lucro, por negros; os escravos eram depois vendidos, com novo lucro, às plantações, em troca de carga de retorno, constituída por produtos tropicais destinados à metrópole. Com o aumento o volume de negócios, apareceram, suplementarmente, as trocas directas, sem intermediários entre a Grã-Bretanha e o açúcar das Antilhas britânicas. Assim, a acumulação de capital, em Inglaterra fez-se a custa das colónias. E surgiram grandes fortunas particulares. os plantadores das Antilhas, possuidores do monopólio da venda do açúcar em Inglaterra, constituíram fortunas fabulosas e, regressados à Grã-Bretanha, começaram a invadir a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes. E fizeram-no por uma questão de prestígio, mas também para defesa do privilégio económico que possuíam - o monopólio do açúcar.

Não é estranho, portanto, que tanto plantadores como comerciantes ingleses se tenham unido, em 1780, para defesa conjunta do monopólio, ameaçado pelo livre cambismo que começava a ganhar expressão. Foi assim, com alguma facilidade, que se conseguiram opor às ideias abolicionistas e de liquidação do seu monopólio, posição que conseguiram manter até á independência americana em 1776.

A declaração de independência americana foi o sinal do declínio das ilhas e açúcar que vieram a perder a maior parte do seu mercado europeu, o que fez com que a Inglaterra perdesse o monopólio do negócio com a América do Norte. Os americanos passaram a exportar livremente para as ilhas não inglesas e, nos finais do século XVIII, as plantações inglesas estavam em plena decadência bem como a influência dos seus senhores em Londres. Cai o sistema mercantilista.

Toda esta subversão do sistema colonial não representou para a Grã-Bretanha qualquer desastre uma vez que já estava iniciado o, seu desenvolvimento industrial e dispensava bem o negócio de escravos. Por isso, viria a proibir, logo nos princípios do século XIX, o transporte de escravos nos seus navios. E, quando a Inglaterra se decidiu pela extinção do tráfico e da escravatura, não podia permitir que outros povos os praticassem contra os seus próprios interesses.

Pressão inglesa em Portugal

A partir de 1810, o governo britânico desenvolveu uma larga campanha em Portugal e em Espanha pressionando os dois países ibéricos a abolir a escravatura. As primeiras medidas legislativas abolicionistas em Portugal (excluindo as pombalinas) integram-se num conjunto de factos históricos que envolve as invasões napoleónicas, a fuga da Casa Real para o Brasil, os tratados impostos pela Inglaterra nesse contexto, e a vitória final da Grã-Bretanha na guerra europeia.

Tirando partido dessa hegemonia e aproveitando a situação criada em Portugal pelas invasões napoleónicas, o Reino Unido fez celebrar, no Rio de Janeiro, em 19 de Fevereiro de 1810, os dois Tratados: o do Comércio e navegação e o da Aliança e amizade. No artigo X do Tratado de Aliança e amizade, o Príncipe Regente de Portugal obriga-se a não permitir aos seus vassalos continuar o comércio de escravos em qualquer parte da costa africana. No entanto, esta medida não saiu do papel e marcou o início de um verdadeiro jogo do rato e do gato em que Portugal por um lado, fingia cumprir as disposições dos tratados e, por outro, continuava a fazer vista grossa à necessária “importação” de mão-de-obra africana para o Brasil.

A abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, isto é, à Inglaterra, com o Tratado de Comércio e Navegação, juntamente com o compromisso de Portugal colaborar na extinção do comércio de escravos, não só destrói o circuito fechado do comércio luso-brasileiro como retira da competição o mercantilismo marítimo nacional ainda, nessa altura, e em grande parte, apoiado e subsistindo do tráfico escravo.

è neste contexto que por tratado bilateral assinado entre Portugal e a Inglaterra, celebrado a 22 de Janeiro de 1815, fica proibido o tráfico de escravos na costa de África a norte do Equador, ressalvando, porém, o que se fazia no sul para o fornecimento da mão-de-obra escrava ao Brasil. Dava-se por nulo o Tratado da Aliança e Amizade de 1810 e ficava reservada para futura convenção a fixação da data de abolição universal do tráfico.

Para inglês ver

A abolição legal do tráfico e da escravatura em território português, resultando de pressões externas, tentava iludir o problema colocado pelo Reino Unido e, ao mesmo tempo, encontrar soluções que a abolição iria implicar. Por isso mesmo, não admira que tenha aparecido a expressão “para inglês ver”. É que não passavam disso mesmo as supostas restrições ao tráfico de escravos dispostas no decreto de 10 de Dezembro de 1836, promulgado por Sá da bandeira, presidente do ministério setembrista. E os registos das colónias provam isso mesmo. Em 1837, entraram no porto de Havana 48 navios com a bandeira portuguesa, depois de terem desembarcado escravos na vizinhança. No mesmo ano, entraram no Rio de Janeiro 93 navios de escravos coma bandeira portuguesa, que desembarcaram nessa província 41 mil escravos. Em 1838, de Benguela, saíram vinte mil escravos, ao Rio de Janeiro chegaram 36 700 escravos e a Havana chegaram 44 navios com bandeira portuguesa, estimando-se para cada 443 escravos. E a cultura do café viria mesmo a reactivar a importação de mão-de-obra escrava. De 1840 a 1847 entraram no Brasil, idos das colónias portuguesas, perto de 450 mil escravos.

Novas medidas legislativas

Entretanto, a 3 de Julho de 1842, foi celebrado, de comum acordo, novo Tratado anglo-luso para abolição total do tráfico. O primeiro artigo desse documento era claro: “As duas Altas Partes Contratantes mutuamente declaram que a prática infame e prática de transportar por mar os naturais de África, para o fim de os reduzir à escravidão, é, e sempre continuará a ser, um crime rigorosamente proibido e altamente punível em toda a parte dos seus respectivos domínios, e para todos os súbditos das suas respectivas Coroas”. Mais uma vez estava legalmente extinto o tráfico.

Mas é óbvio que enquanto não fosse abolida a escravatura, e não apenas o tráfico, continuaria a existir quem comprasse escravos e quem os fosse buscar a África. Os cruzeiros de fiscalização pouco conseguiriam porque, apresando os navios, aumentariam os riscos para os traficantes que assim elevariam os preços, e consequentemente, os lucros, excitando o contrabando. E estabelece-se um círculo vicioso.

A partir de 1854 sucedem-se as medidas legislativas tendentes à abolição da escravatura. è publicado um decreto, a 14 de Dezembro de 1854, que mandava fazer o registo dos escravos existentes, considerando libertos aqueles que os patrões não inscrevessem. Os escravos do Estado ficavam igualmente libertos, mas obrigados a servir durante sete anos. O decreto garantia ainda aos escravos registados o direito de obterem liberdade contra a indemnização a pagar ao respectivo dono. Neste caso, passavam a libertos e ficavam obrigados a servir o senhor por dez anos.

A 23 de Julho de 1856 legislava-se que os filhos de mulher escrava nascidos a partir dessa data fossem declarados livres mas obrigados a servir os donos até aos 20 anos de idade, e 29 de abril de 1858 fixa-se para daí a vinte anos a total extinção da escravatura. No ano seguinte, manda-se abolir, desde logo o estado de escravidão em todo o território português mas ficando os antigos escravos na condição de libertos e obrigados a servir durante dez anos ao seus donos. Mas esta servidão não podia ultrapassar o limite de 29 de abril estabelecido pelo decreto de 1858.

Antes dos Descobrimentos

Quando os “invasores” europeus do continente africano iniciaram o tráfico de homens, tanto africanos como europeus tinham experiência de escravatura.

Em África, os escravos nem correspondiam á categoria ocidental clássica de escravatura nem estavam sujeitos a um estatuto homogéneo. A escravatura era inserida num contexto social constituído por tr~es ordens: a nobre, a livre e a servil. Enquanto na Europa o escravo era um bem negociável como qualquer outro, em África era um elemento entrado no clã, a grande família, vindo de fora, alheio, portanto aos laços de parentesco. Não beneficiava do estatuto de cidadania própria, mas também não era simplesmente um valor económico negociável. Com a colonização, este sistema foi modificado e a possibilidade de compra e venda de escravos passou a ser uma realidade. Foram as influências externas que levaram os reis africanos a centralizar o comércio de escravos com os europeus. Entre as pressões exercidas sobre os antigos sistemas africanos sobressai a grande expansão do trafico da escravatura, a partir de 1650.

Em Portugal, a escravatura vem de tempos pré-românicos. Sob o domínio imperial estabeleceu-se grande tráfico. Os visigodos mantiveram a escravidão existente, mas a influência do cristianismo, assim como a substituição da grande pela pequena propriedade, devido à ruína do Império Romano, levaram a que a escravatura diminuísse. Mas não desapareceu nunca. Nos séculos XI e XII o comércio de escravos nada tinha de novo para a aventura que começava.

Assim, foi com toda a naturalidade que o tráfico de escravos se inscreveu, quase de imediato, como a grande mina das conquistas e descobertas africanas. E não funcionou apenas na travessia do Atlântico, a caminho das Américas. Os primeiros cativos negros chegaram á metrópole cerca de 1441. E, embora não se possa dizer que foram os portugueses os iniciadores da escravatura negra é certo que os Descobrimentos provocaram um enorme desenvolvimento desta nova forma de tráfico.

E é interessante verificar que em Crónica da Guiné, Gomes Eanes de Zurara, apesar de enaltecer os méritos do Infante D. Henrique “por trazer assim à verdadeira salvação aqueles”, não deixa de destacar o afastamento dos escravos dos seus familiares e a sua desumana divisão em lotes, às “peças”, sem outra preocupação que não fosse a de repartir o “saque humano”.

As consequências históricas mais importantes do nascimento e desenvolvimento do trafico luso-africano residiram nas novas dimensões tomadas pela escravatura, tanto nos países ibérico como no próprio processo de arranque económico da Europa. A escravatura tomou rapidamente importantes dimensões económicas. E, desde a primeira fase das capturas deteve um papel de redistribuição, distinguindo-se dos outros portos de entrada de escravos. Aí estava sediada a Companhia de Lagos, que explorava o comércio das descobertas, fundada em 1444 e, também naquela cidade, estava instalado o depósito da recolha de escravos - A Casa da Guiné - que, por volta de 1841/42 passou para Lisboa, com a designação de Casa da Guiné e da Mina.

Caça ao homem

A escravatura , radicada nos hábitos nacionais desde antes da nacionalidade, encontrara nas descobertas um campo de manobra fácil. Vinha ao encontro de uma necessidade histórica que não era exclusiva de Portugal: a revolução burguesa de 1383-1385 acentuou a política comercial e marítima de Portugal e o desvio para a empresa ultramarina de grandes massas de população. Os escravos eram mão-de-obra necessária a um sistema em desenvolvimento acelerado. Logo a seguir, seriam as Américas a exigi-la em grandes quantidades.

Os primeiros escravos obtidos em África foram aprisionados na sequência de raides aos acampamentos Tuaregue, ao longo do litoral do sara, e depois ás aldeias negras da região do Senegal. Depois, os portugueses descobriram ser mais cómodo e fácil obter escravos por negociações do que por pilhagem. Até porque esta não era isenta de perigos e tinham mesmo feito muitas vítimas. Sem abandonar os barcos ancorados nos estuários, base para a rapina ou para o negócio, os portugueses passaram à implantação de feitorias, pontos de apoio á navegação e, sobretudo, de troca de produtos: ouro, escravos e marfim em troca de cavalos e tecidos. O primeiro grande entreposto foi o de São Jorge da Mina.

Durante os primeiros cem anos (1450-1550), juntamente com o ouro, os escravos constituíram a “mercadoria” mais importante proveniente de África. Quando o tráfico passou a ser feito a partir do negócio com os locais, o preço era pago com bens de consumo idos da Europa, mas, sobretudo com armas de fogo e pólvora que as nações africanas tinham aprendido a considerar indispensáveis para sobreviverem. Uma nação que possuísse mosquetes e pólvora podia obter uma reserva de escravos atacando as demais; se lhe faltavam estas armas corria o risco de ser ela a atacada e a escravizada.

O sistema implementado pelos europeus era simples: partindo da compra de escravos particulares aos chefes locais, envolviam-nos e alimentavam as guerra entra nações para conseguirem aprisionar escravos. Começava a caça ao homem para o vender.

Com a benção papal

Se aos nossos olhos a escravatura é algo perfeitamente inadmissível, no século XV a situação era bem diversa. Um fundamento religioso-moral justificava a escravidão perante toda a Cristandade e a acção portuguesa em África foi mesmo legitimada pelo Pontificado. As bulas pontifícias, Dum Diversus e Divino amore communiti, de 18 de Junho de 1452, autorizam o rei de Portugal a atacar, conquistar e subjugar pagãos e outros infiéis inimigos de Cristo, a capturar os seus bens e territórios, a reduzi-los à escravatura perpétua e a transferir as suas terras e propriedades para o rei de Portugal e seus sucessores.

As bulas têm, principalmente, dois objectivos: por um lado, legitimar a conquista de Marrocos, das Canárias, da África sahariana e negra e, por outro lado, legitimar o comércio de escravos que então se desenvolve. Mas se as bulas legitimam tanto a conquista como a escravidão, os fundamentos dessa legitimação podem encontrar-se tanto nas crónicas de Zurara como nos autos de Gil Vicente, por exemplo. De acordo com estas duas fontes documentais, é lícito apoderar-se das terras dos infiéis porque estes a usurparam ao verdadeiro proprietário, isto é, a Deus. Ou até porque as conquistaram a cristãos, e tal conquista não pode ser legítima por essa razão.

Por outro lado, é lícito reduzir à escravidão os infiéis com base em três fundamentos: para os trazer à civilização, alimentando-os de pão e vinho, dando-lhes vestuário e habitação; para lhes salvar as almas, convertendo-os á Fé, a única, a verdadeira Fé; e para os trazer à vida moral, dando-lhes o conhecimento do bem e do mal, do valor do trabalho em oposição á ociosidade bestial.

Não foi muito prolongado no tempo o monopólio pacífico desfrutado pelos portugueses. Não só as garantias obtidas pelo Papa foram vistas com maus olhos, como as notícias das riquezas provenientes do Golfo da Guiné excitaram a cobiça da Europa, a começar nos espanhóis. Em 1475 já os reis católicos enviavam uma frota de trinta navios à Guiné, contra a qual Portugal preparou outra a fim de lhes dar combate.

Simultaneamente, com o crescimento contínuo e acelerado do seu comércio internacional, empolavam-se as exigências quantitativas de escravos na origem. Aproximava-se o momento trágico em que as exigências nas Américas fizeram aumentar a procura de mão-de-obra negra. Para se ter uma ideia, basta referir que se calcula, para o período de 1450 a 1500, terem os portugueses capturado qualquer coisa como 150 mil negros. E, até à sua extinção, a escravatura manter-se-ia como a maior e quase única fonte de receitas públicas nas colónias africanas.

Pilares da economia nacional

Com o florescimento do carácter internacional do tráfico de escravos, na segunda metade do século XVI, coincidiu a entrada dos ingleses na cultura do açúcar. O açúcar provocou novas formas de produção capitalista e exigiu quantidades inusitadas de mão-de-obra, sob a forma de escravatura. Relativamente ao Brasil, há ainda a observar que a descoberta do ouro em Minas Gerais levou à procura de escravos que os portugueses tentaram obter na Costa da Mina, já na posse dos Holandeses.

Em 1625 tinham desembarcado os primeiros escravos na América do Norte, na então Nova Amsterdão. Em 1652 são autorizados armadores holandeses da América a comerciar directamente com África. Ao findar do século, as condições económicas da América do Norte exigiam grandes quantidades de escravos pelo que se intensificou o tráfego dos barcos negreiros americanos, nomeadamente para o canal de Moçambique.

No final do século XVII e no início do século XVIII verificou-se uma grande crise tanto no Brasil como em Portugal. As grandes quantidades de açúcar provenientes do Brasil e reexportadas não conseguiam cobrir as importações de um país voltado para o mar e alheio à produção própria.. Em 1706, o Governador do Brasil previa a ruína total da colónia, que atribuía exclusivamente à carência de escravos todos encaminhados para Minas. A coroa dependia quase exclusivamente das taxas aduaneiras. E estas dos escravos, uma vez que em África não havia outro negócio e no Brasil não havia produção sem eles.

O século XVIII abria, assim, com os quadros económicos e geográficos distribuídos de forma que seria sensivelmente a definitiva do tráfico da escravatura, até à sua extinção: nas Américas do Norte e do Sul e nas possessões francesas no Índico as plantações viviam da escravatura negra; portugueses, holandeses, espanhóis, ingleses e franceses no “resgatavam” e transportavam mão-de-obra necessária para África.

A acção do Marquês de Pombal

Em Portugal, o século XVIII é marcado pela figura do Marquês de Pombal. Como em outros aspectos da Administração Pública, também no sistema do tráfico esclavagista teve uma intervenção decisiva. A sua visão económica foi eminentemente esclavagista. Paradoxalmente, foi ele o autor da primeira lei de libertação de escravos. Fê-lo não por quaisquer motivos humanitários, mas unicamente, tão só e expressamente económicos.

Por esta razão, há autores que defendem a tese que Portugal foi a primeira potência da Cristandade que, em colónias suas, aboliu o tráfico da escravatura e a própria escravidão dos negros: o que foi decretado por El-Rei D. José, em 1773, em relação á Madeira e aos Açores. No entanto, é preciso não esquecer que Portugal fez, na realidade, foi proibir a entrada de mais escravos na metrópole, procurando encaminhar o tráfico exclusivamente para o Brasil. Para aí tratou Pombal de o intensificar o mais possível e a isso se devem algumas medidas que tomou nesse sentido - as carências de mão-de-obra nas plantações brasileiras e em Minas Gerais assim o exigiam.

Portanto as medidas implementadas pelo Marquês de Pombal foram no sentido de pôr impedimento á exportação de negros dos domínios portugueses da África, América e Ásia, onde escasseavam para a cultura das terras e lavra das minas, e evitar a superabundância deles na metrópole, onde nem sempre encontravam pronta acomodação e se entregavam geralmente à ociosidade e vícios consequentes. Várias decisões do Marquês de Pombal revelam um interesse da Administração Central pela África Oriental jamais verificado. Interesse, bem entendido, centrado na obtenção de escravos a colocar no Brasil contra artigos a serem entregues na Metrópole.

No seguimento dessa política económica nacional e colonial é formada a 6 de Junho de 1755 a Companhia do Grão-Pará e Maranhão que, entre outras funções, ficou com o exclusivo da importação dos escravos de África para as capitanias do Grão-Pará e Maranhão. Logo no início, a importação de escravos para o Brasil atingiu os cem mil por ano. De 1759 a 1803 foram de Angola para o Brasil 642 mil negros, ou seja, entre 14 a 15 mil ano. O rendimento da colónia africana era de 190 e para essa receita contribuía a escravatura em 160.

Tratamento desumano

Um testemunho da época (1700) descreve assim o transporte de escravos: “É lamentável ver como amontoaram esses pobres desgraçados metendo seiscentos e cinquenta e até setecentos escravos em cada barco; os homens de pé nos porões, atados; as mulheres nas entrepontes e as que levam crianças na câmara grande; as crianças na câmara do timoneiro que naquele clima quente produz um odor intolerável”.

O porão de um barco negreiro dispunha de um pé direito de cinco pés. Como os capitães estavam interessados exclusivamente no máximo de escravos vivos a desembarcar no destino, achavam esta altura desmesurada. Para maior aproveitamento do espaço construíam uma prateleira a meia altura de cada lado, com a largura de seis pés. Quando o chão estava repleto enchiam as prateleiras. Se o pé direito passava dos seis pés, em vez de uma construíam duas ordens de prateleiras. Durante a travessia, ficavam impedidos até de se sentarem. Como iam algemados perna direita de um à perna esquerda de outro e o espaço se encontrava inteiramente ocupado, que não podia um escravo fazer o mais pequeno movimento sem incomodar o vizinho. Indispensável á economia das grandes potências marítimas desde o século XV até ao século XVIII, a escravatura foi apanágio de todas as nações coloniais. Os escravos eram designados como “peças” e entendia-se por “peça” o escravo entre os 15 e os 25 anos, cuja altura ideal era de 1,80. Um molecão, negro entre os 8 e 15 anos, ou um negro entre os 25 e os 35 anos não faziam uma “peça” inteira - eram necessários três para fazerem duas “peças”. os moleques, crianças de menos de 8 anos, e os adultos entre os 35 e os 40a nos contavam-se por meia “peça”. esta quantificação mostra bem até que ponto os escravos eram tidos exclusivamente como mercadoria.