PORTO DE LISBOA

Inauguração das obras do porto

“Justíssimo orgulho de todos os Governos”

Quando, em Outubro de 1818, Diogo Ratton obtém o privilégio para a introdução em Portugal do primeiro “moinho a vapor”, o Barão de Sobral apressa-se a pedir licença similar (“igual graça para fazer uso do mesmo maquinismo nas embarcações”).

No ano seguinte é a vez de João Hedgecook, mestre instrutor de navios, de nacionalidade inglesa, com estaleiro na Junqueira desde pelo menos 1803, solicitar, através de outro documento, idêntico privilégio.

É contudo a João Baptista Angelo da Costa & Cª, que é de atribuir a introdução da navegação a vapor em Portugal, em 1820. Nesse esmo ano o cônsul português em Liverpool, António Julião da Costa, adquiriu para aquela companhia o primeiro vapor da Marinha Mercante portuguesa, que baptizou, em honra do então ministro de D. João VI na corte inglesa, com o nome de “Duque de Palmela”.

A imprensa da época relata a sua chegada ao Tejo, a 14 de Outubro de 1820, após sete dias de viagem desde Liverpool, à velocidade média de seis nós.

destinando-se á carreira entre Lisboa e Santarém, a sua primeira viagem realizou-se a 27 de Janeiro de 1821. Na manhã de 9 de Junho do mesmo ano zarpou do seu ancoradouro, defronte do Cais do Sodré, para inauguração da carreira entre Lisboa e Porto.

o “Conde de Palmela” foi comprado em Março de 1839 pela Nova Companhia dos Vapores do Tejo, continuando ao serviço até 1853. Em Julho de 1954 foi de novo vendido e mais tarde desmantelado.

A fisionomia ribeirinha

A fisionomia ribeirinha de Lisboa, no século passado, começou a sofrer grandes alterações: primeiro, coma instalação de fábricas em Xabregas, Beato e Alcântara, depois com os caminhos-de-ferro de Santa Apolónia e Alcântara; por fim, com as obras do porto de Lisboa: novos cais, novos diques, novos equipamentos.

a 4 de Setembro de 1886, a direcção das obras do porto de Lisboa apresenta o plano geral definitivo para os melhoramentos do porto, que é aprovado em 20 de Dezembro do mesmo ano. Dois dias depois é publicado o decreto com o programa para adjudicação, por empreitada geral, das obras para melhoramento do porto, concernentes à primeira secção do plano geral.

No dia 20 de Março de 1887, cumpridas as formalidades do estilo, procedeu-se á abertura das propostas, que foram em número de duas: a primeira de H. Hersent e a segunda de Frederic William Reeves. É no dia 20 de Abril de 1887 que o ministro e Secretário de Estado dos negócios e Obras Públicas, Comércio e Industria faz a adjudicação destas obras, propostas por H. Hersent. Por portaria de 8 de Outubro de 1887 foi marcado para 31 do mesmo mês, dia do aniversário de D. Luís I a inauguração das obras do porto de Lisboa.

“Não fará a reputação de nenhum indivíduo”

25 de Abril de 1884, António Augusto Aguiar, então Ministro das Obras Públicas e Comércio, ao apresentar a sua proposta de lei sobre melhoramentos do porto de Lisboa, escrevia assim:

“A construção do porto de Lisboa não fará a reputação de nenhum indivíduo isoladamente, mas será uma obra nacional, fruto da vontade de todos os cidadãos, glória de todos os partidos, e justíssimo orgulho de todos os governos.

É um monumento levantado ao comércio e á indústria cosmopolita, e a afirmação mais acentuada da nossa vitalidade, ao mesmo tempo que será a maior de todas as homenagens prestadas à memória dos antigos navegadores portugueses. Desta nova conquista ficarão tributários todos os povos marítimos do universo”.

A imprensa da época, em especial o “Diário de Notícias”, deu grande relevo ao acto inaugural, que se revestiu de grande solenidade, dedicando vários números, quer para anunciar o acontecimento e convidar a população lisboeta a participar, quer para relatar os festejos e transcrever os discursos dos representantes das entidades - Câmara Municipal de Lisboa, Associação dos empregados do Comércio e Indústria - que mais se debateram pela concretização do evento.

O “Diário de Notícias” descrevia assim a festa da inauguração:

“Muito antes da hora que estava anunciada para a cerimónia de inauguração, começaria a afluir para o porto, que seria o centro dos festejos, defronte do baluarte, a Alcântara, onde estão as grandes oficinas do empreiteiro, muitos milhares de pessoas, que tomaram logo lugar em volta do extenso tapume, que reservava lugares para os que tinham bilhete de convite do ministério das obras públicas, e em todas as minências próximas, montes e encostas, por cima dos muros e telhados, varandas e janelas se começou a aglomerar uma concorrência verdadeiramente extraordinária que ainda se estendia formando duas compridas alas, ao longo do aterro, desde a ponte de Alcântara até à rampa e Santos.

No rio balouçava-se também num numerosa esquadrilha de barcos e diversas lotações, todos embandeirados e cheios de famílias, que dali foram gozar o festejo.

As oficinas achavam-se elegantemente decoradas, com arbustos e sanefas, bandeiras e trofeus; todo o recinto estava decentemente arranjado para aí receber os convidados, que foram muitos, sendo também grande o número de senhoras, que tomaram lugar em frente do docel, que fora feito para a família real, um docel de veludo carmesim, encimado com as armas reais, onde também foi assinado o respectivo de auto de inauguração dos trabalhos.

Compareceu toda a família real, excepto o príncipe da Beira.

Suas majestades e altezas entraram pouco depois das 4 horas da tarde, rompendo as bandas regimentais dos diversos corpos de guarnição, o hino real.

A rainha trajava vestido de hiliotropic, o chapéu de seda branca com flores”.

“Embaraços”

Desde pelo menos 1891 que entre o empreiteiro Hersent e o Governo português surgem alguns embaraços e dificuldades que conduziram a que, por portaria de 26 de julho de 1892, o governo tivesse tomado posse administrativa de todas, as obras, materiais, ferramentas, utensílios, e máquinas da 1ª secção das obras do porto de Lisboa.

Após trabalhosas negociações é assinado entre o governo e o empreiteiro Hersent um novo contrato, em 8 de Maio de 1894, que “em relação à construção (...) considera-se para todos os efeitos como uma simples modificação do contrato de 20 de Abril de 1887” (artigo 16º.

Terminando este em Maio de 1907 é publicada a 11 de Março desse ano uma Carta de lei autorizando o Governo a explorar por conta própria o porto de Lisboa, segundo determinadas bases, e a partir de 8 de Maio do mesmo ano.

Semanário, “O Jornal”, 27 de Novembro de 1987.