TOMADA DA BASTILHA

À BASTILHA

No dia 14 de Julho de 1789, Luís XVI anotou no seu diário: “Rien”. Alguns historiadores viram nesta nota um sinal de inconsciência, outros admitiram que ele se estivesse a referir a peças de caça. De qualquer modo, é esse incomensurável “nada” que hoje se comemora. A tomada da Bastilha.

Texto Jorge Almeida Fernandes

Ao contrário do que o Diário dá a entender, Luís XVI terá compreendido que a queda da Bastilha era um acontecimento grave, mas não pôde medir todo o seu alcance. Foi a posteriori que se apercebeu a que ponto era importante que “uma fortaleza aparentemente inexpugnável, uma sinistra prisão do Estado em que as vítimas da tirania tinham frequentemente apodrecido na palha húmida das masmorras, tivesse soçobrado aos golpes do povo”.

A Bastilha, prédio nº 232 da Rue de Saint-Antoine, na parte oeste de Paris, tinha um aspecto imponente: oito torres de 30 metros de altura e metro e meio de espessura, cercadas por um fosso de água de 25. Fora construída em 1370 para defesa de Paris e transformada por Richelieu, no século XVII, na mais temida “prisão de Estado”, onde os prisioneiros “desapareciam por encanto”. Luís XIV meteu na bastilha 30 pessoas por ano. “Embastilhar” tornou-se sinónimo de ser encarcerado num forte por simples ordem real, sem qualquer garantia de libertação em vida.

O hóspede mais misterioso, e que lá morreu em 1703, foi o “Masque de Fer”, um prisioneiro de cara escondida sob uma máscara de metal e que nunca foi identificado: falou-se num irmão gémeo de Luís XIV, num filho ilegítimo de Mazarin e de Ana da Áustria (a mãe do rei), num bastardo do próprio Luís, no superintendente Fouquet, num conde italiano.

No fim do Antigo regime, a Bastilha como prisão política tornara-se “um anacronismo”. Em princípios de 1789 só havia oito presos: quatro falsários, dois lunáticos e dois “libertinos” - o conde de Solage e o marquês de Sade. Viviam em celas nas torres, tinham visitas da família e um passeio quotidiano no terraço. Já não estavam em uso as masmorras subterrâneas ou “calottes” debaixo de telhado, geladas de inverno, um sufoco de Verão.

A alimentação obedecia a uma estrita hierarquização social. No tempo de Luís XVI, havia três rações: 15 libras diárias para os nobres, nove para burgueses, três para os “comuns”. E, curiosamente, 19 para os “homens de letras”. os plebeus comiam sopas e papas. Os mais ricos sumptuosamente. O poeta revolucionário Marmontel evocou mais tarde “uma sopa excelente, um suculento bife, uma coxa de frango pingando gordura, um pratinho de alcachofras marinadas (...) um borgonha velho e o melhor café”.

Além do álcool e do tabaco, no tempo de Luís XVI foram autorizados os jogos de cartas. E Sade, quando lá chegou, em 1784, pode instalar uma pequena biblioteca de 133 volumes, onde predominavam os clássicos, filósofos modernos e livros de viagens. Foi na Bastilha que escreveu “Os Cento e Vinte Dias de Sodoma”.

As descrições idílicas da Bastilha foram relativizadas pelos historiadores. Mas parece estabelecido que no tempo de Luís XVI as condições de vida eram lá muito melhores do que nos outros presídios.

E é exactamente quando a prisão deixa de ser uma ameaça, que a sua “lenda negra” se avoluma. Prolifera nos anos 80 uma literatura de cárcere bastilhense que vai exercer uma grande influência na imaginação dos contemporâneos e dos vindouros.

Latude, a Pompadour e os ratos

Masers de Latude foi um dos autores da “lenda negra”. Chamava-se de facto Jean Henri, fora soldado, era um típico aventureiro do Ancien regime, com ambições e falta de dinheiro. Em 1750, joga a sorte num estratagema. Para ganhar as graças de Madame Pompadour (a favorita de Luís XV), escreve-lhe avisando-a de um iminente atentado contra ela - e como penhor da verdade explicava que ele próprio o organizara. É desmascarado e metido na Bastilha. Transferido para Vincennes, foge. Escreve segunda vez à Pompadour pedindo clemência e tão seguro dela estava que deu a morada do refúgio. A polícia foi buscá-lo e devolveu-o á Bastilha. Nova e rocambolesca fuga. Apanhado em Amsterdão, volta à Bastilha, mas agora para uma masmorra subterrânea.

Inventa então uma companhia: os ratos, que adestra e com quem compõe um circo que maravilha os guardas. Treina as ratazanas a comer no seu prato. Toca-lhes flauta. A mais hábil das 26 artistas, a “Rapino-Hirondelle”, pedia a comida como um cão e dava cambalhotas. Transferido para uma cela normal, foge de novo e logo se apresenta em Versalhes, no gabinete de um ministro, a pedir clemência. “Reembastilhado, é solto em 1777 e publica as virulentas “Memórias da Vingança” sobre a Bastilha. De novo no cárcere. Finalmente acerta numa protectora, Madame Necker que obtém a sua libertação definitiva em 1784: após 28 anos de cadeia estava em “perfeito juízo”. Morrerá em 1805, depois de Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” da democracia americana, o ter homenageado como herói da liberdade).

Outro divulgador da “lenda negra” foi o advogado e jornalista Simon Linguet, que nas suas “Memórias da bastilha” (1783) definiu a prisão como a “morte em vida”, e produziu abundantes descrições de antigos “corpos acorrentados” nas masmorras ou de “colchões comidos por vermes” e traças que desovam nas camas” e depois se transformam “em nuvens de mariposas”. (Linguet vai acabar mal: será guilhotinado em 1794 em plena febre patriótica, por “traição” cometida vinte anos antes. Na década de 70, quando denegria o absolutismo, elogiara e recebera subsídio do Imperador da Áustria e dos ingleses).

Se a diabolização era algo tardia, ela “tornava-se cada vez mais importante como arma de oposição ao poder do Estado”. os governantes começaram a interrogar-se sobre a utilidade do forte e do arquitecto oficial, Brogniard, propôs a sua demolição para embelezamento da cidade: um espaço aberto de jardins, rodeado de colunas. Em Junho de 89, perante o clima de revolução e a terrível atracção que a Bastilha continuava a exercer na imaginação dos parisienses, a Real Academia de Arquitectura desenterrou o projecto de demolição e propôs a substituição da fortaleza por uma imensa coluna de bronze com a inscrição: Luís XVI, restaurador da Liberdade Pública”.

Sade torna-se revolucionário

Donatien Alphonse François, marquês de Sade, era o mais ilustre preso. Após “sólidos estudos e uma carreira no exército”, fora detido sob denúncia de prostitutas a quem dera bombons com cantáridas, para “estimular os ardores” e condenado por “envenenamento e sodomia”. Passou seis anos no forte de Vincennes até ser transferido para a bastilha. Sua mulher, na visita semanal, começou a dar-lhe as notícias revolucionárias.

Narra o historiador Simon Sacha: “(Sade) decidiu ingressar no rol dos veneráveis mártires da bastilha. No começo de Julho, os gritos que dirigia aos transeuntes durante os passeios na torre tornaram-se subitamente políticos. Quando lhe proibiram os passeios, seguiu a tradição da criatividade artesanal da bastilha: transformou em megafone o funil de metal usado para lançar a sua urina na fossa. da janela, como um serviço informativo a intervalos regulares, noticiava que o governador de Launay se preparava para massacrar todos os prisioneiros, que estava mesmo a iniciar o massacre e que o povo devia libertá-los antes que fosse tarde. Com os nervos em frangalhos, De Launay obteve a sua transferência a 5 de Julho para Charenton (prisão-hospício), onde Sade protestou contra a humilhação de ser trancado junto de epilépticos e lunáticos. O Marquês de Sade tornara-se revolucionário”.

(Sade falha assim o 14 de Julho e só será libertado um ano mais tarde, para fazer uma agitada carreira de revolucionário e de escritor. Em 1801, depois de ter transcrito “Justine”, a obra “mais horrorosamente obscena jamais publicada”, será reencarcerado entre os loucos de Charenton, onde morrerá em 1814).

A Revolução chega a Paris

Todos os ricos e poderosos do reino vivem em Paris, uma grande cidade de 650 mil habitantes: cinco mil nobres, dez mil clérigos, 105 mil burgueses, 100 mil domésticos; o resto são vendedores ambulantes, migrantes vindos dos campos, pobres, ladrões e prostitutas. Só lá não vive o rei. Luís XVI construíra Versalhes contra Paris. A capital vai ser um dos grandes actores da Revolução e, desde Maio, tem os olhos postos em Versalhes.

Convocados para pôr fim à “revolta nobiliárquica” contra o poder absoluto e resolver a crise financeira do reino, os Estados gerais, reunindo as três Ordens (Nobreza, Clero e Terceiro Estado), são abertos em Versalhes por Luís XVI a 5 de Maio de 1789.

A 17 de Junho, começa a primeira revolução, a do fim do absolutismo, quando os deputados do Terceiro Estado se constituem em Assembleia Nacional (com poderes legislativos). A 23, recusam-se a obedecer ao rei e declaram a inviolabilidade dos membros da Assembleia. O Rei hesita e resigna-se. As outras ordens dividem-se e cedem. A 9 de Julho, a Assembleia proclama-se Constituinte e cresce a agitação na capital. A facção absolutista pressiona o rei a agir. Mas Luís limita-se a mandar cercar paris. A 11, “o ministro da Finanças” Necker, no auge da popularidade, é demitido. Emoção em paris: no dia seguinte, um domingo, os teatros fecham e 6000 pessoas, concentram-se junto do busto de Necker nas Tulherias. Há as primeiras confraternizações com os “guardas-franceses”. E o tribuno Camille Desmoulins enuncia demissão do ministro como a prova dum “complot aristocrático” para fazer “um Saint Berthélemy dos patriotas” (O São Bartolomeu é o massacre dos protestantes em 1572).

Falta o pão. Há saques e pilhagens. Os ricos têm medo. Para se defenderem das tropas reais e dos motins da plebe, os burgueses decidem formar uma milícia cívica, aprovada a 13, em reunião de eleitores do Hotel de Ville (sede do município).

Milhares de parisienses pedem armas. Na manhã de 14 há um assalto aos Inválidos, de onde se retiram 3000 espingardas. falta pólvora. Grita-se: “à Bastilha”. Não para libertar presos, mas à procura de armas e pólvora.

“A admirável escolha do objectivo é espontânea e improvisada. terá havido, no fundo das consciências humilhadas, o sentimento confuso de que o sombrio castelo, que com as suas oito torres barra a entrada de Faubourg Saint-Antoine, é um luminoso símbolo do inimigo?” (Furet).

O assalto

O governador da Bastilha, marquês de Launay, nasceu na fortaleza (era filho do anterior governador) e morrerá ás suas portas.

No dia 14 de Julho, viu chegar de manhã os primeiros manifestantes. pediam-lhe pólvora que tinha armazenada e a retirada dos canhões que atemorizavam a cidade. De Launay achou desonroso entregar a pólvora sem ordem de Versalhes, mas também não queria um banho de sangue. Como eram dez horas, convidou os emissários do Hotel de Ville para o almoço. Tentava ganhar tempo. Do lado de fora, a multidão crescia e enervava-se . O forte era defendido por canhões e por uma guarnição de 80 inválidos (veteranos ou soldados inutilizados para a guerra) e 30 suíços: a Corte nunca imaginou a possibilidade desta batalha. Do lado dos manifestantes havia cerca de 900 pessoas, muitos “homens de posição” mas também muitos artesãos do bairro, enquadradas por “guardas-franceses” que tinham desertado dos seus regimentos.

Ao meio-dia e meia, a multidão invade o pátio exterior e Launay julga-se atacado, perde o sangue-frio e manda disparar. Os manifestantes gritam “traição” e exigem o assalto: “Queremos a Bastilha”. às tr~es e meia, chegam reforços da Guarda, com dois canhões. O governador ameaça fazer explodir os paióis, mas é dissuadido pelos seus homens. Rende-se ás cinco da tarde, mediante garantia de salvaguarda da sua vida e da dos seus soldados. Mas havia 98 mortos a vingar. São massacrados três inválidos e tr~es oficiais. Bons profissionais, os suíços despiram os casacos dos uniformes e passaram por presos. De Launay será batido a caminho do Hotel de Ville.

Conquistada a Bastilha, recolhidas as armas e libertados os presos, a multidão inicia um cortejo festivo que entrará pela noite dentro.

O testemunho do doutor Rigby

O dr. Rigby, médico inglês de passagem por Paris, presenciou essas manifestações. O criado avisou-o de que se passava qualquer coisa. Saiu à rua com a família e assistiu a cenas de júbilo que registou: “O povo gritava e aclamava, dançava e abraçava, ria e chorava. Cada grito, cada gesto, com um carácter quase nervoso e histérico, testemunhava nesta multidão mesclada um acesso súbito e unânime de jubilação extrema, num grau, suponho, jamais experimentado por um ser humano”.

Mas, perto do Palais-Royal. o médico apercebe-se de uma mudança. “Um murmúrio surdo e prolongado fez-se ouvir de repente. Os rostos exprimiram um espanto de temor. De início não percebemos o que era. Mas avançando no meio da multidão, também nós partilhámos o sentimento geral, pois nesse momento divisámos na ponta de lanças, duas cabeças sangrentas que se diziam pertencer ao marquês de Launay, governador da bastilha, e ao senhor Flesselles, preboste do comércio. Uma ideia de feroz selvajaria apoderou-se dos espectadores e pôs termo aos trasbordantes sentimentos de júbilo que dominavam até aí”.

Fatalidade dos poderes decadentes

“De importância medíocre em si mesma, a tomada da Bastilha era no entanto um acontecimento de grande alcance e que desconcertou a Corte: a capital estava perdida para o Rei e decidida a defender-se” (G. Lefebvre). Os dias seguintes consagram a insurreição parisiense e a sua extensão ás principais cidades de França.

Luís XVI hesita uma vez mais entre deixar correr e intervir. Mas sem confiança nas tropas, submete-se. A 15 vai à Assembleia anunciar as suas boas intenções e a retirada do exército, a 16 volta a chamar Necker; a 17 vai a Paris, ao Hotel de Ville, pôr a “cocarde” azul e vermelha no chapéu: “O meu povo pode contar sempre com o meu amor”.

O americano Jefferson, testemunha ocular, comentou: “Foi um honroso pedido de perdão, como nunca nenhum soberano fizera e como nenhum povo jamais recebera”. Mas é mais realista a avaliação de Furet: “Por uma espécie de fatalidade dos poderes decadentes, o Rei mobilizou contra ele o máximo de adversários e nada pode fazer”. A reacção aristocrática nunca se recompôs da rendição do monarca.

Era a passagem da revolução parlamentar á revolução urbana. E uma terceira revolução eclode a seguir com a revolta camponesa: a 4 de Agosto, são abolidos os “direitos feudais”, morrendo com eles o resto do “Ancien Régime”.

A 26 é proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. “O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e a resistência á opressão” (artigo segundo).

Começava um processo de radicalização revolucionária e também uma outra batalha que iria durar 200 anos: a da memória.

Palloy reinventa a Bastilha

As revoluções precisam de destruir os símbolos do passado e fundar uma nova ordem, social e simbólica. Em França, vai ser criado, de raiz, um novo calendário, como os das grandes religiões. Muda-se a toponímia. E nas cartas de jogar, as rainhas passam a ser representadas pelas Virtudes e os reis dão lugar a escritores e filósofos: Rosseau, Voltaire, La Fontaine e Molière vão servir de ganha-pão aos batoteiros. o calendário revolucionário levou mais de uma ano a conceber. Mas a Bastilha revolucionária foi inventada em menos de 24 horas por um cidadão: o Patriota Palloy.

Jovem empreiteiro e membro da milícia burguesa de Paris, Pierre-François Palloy participa nas operações do 14 de Julho e logo a 15 faz votar pelos eleitores a demolição da bastilha para dela fazer um mito mobilizador contra a tirania. Meses depois, os parisienses constatavam que a fortaleza era muito mais imponente no seu vazio que na altura das suas torres. Um pintor chegou a representá-la como se tivesse 200 metros de altura.

Rico com a demolição, que ele próprio arrematara, Palloy vai montar um extraordinário negócio de memória. os cadáveres encontrados nas caves ou nas fundações são atribuídos a mártires e enterrados em grandes cerimónias revolucionárias. A “lenda negra” é retomada em brochuras de propaganda: “Esqueletos de pé, instrumentos de tortura, homens com máscaras de ferro(...) Escancararam-se as celas para libertar as vítimas inocentes e anciãos veneráveis que se maravilharam ao contemplar a luz do dia”.

No 1º aniversário do 14 de Julho, “um dilúvio de estampas, gravuras, poemas e canções” foram postos á venda. O Patriota Palloy organizou 246 caixas de “souvenirs” que foram exibidos e vendidos na França inteira por “apóstolos da Liberdade”. Algumas das relíquias chegaram a Nova Iorque.

(Palloy terá mais sorte que o seu percursor Linguet. Acusado de “enriquecimento ilícito” em 1794, será absolvido. Era popular no revolucionário Faubourg Saint-Antoine, onde a demolição da Bastilha criara mais de mil empregos).

O Elefante do Esquecimento

Entre 1814 e 1846 um elefante de gesso, com a altura de tr~es andares, decorou a praça da Bastilha. “Por volta de 1830, o elefante estava em adiantado estado de decomposição. Uma presa havia caído. O corpo estava negro de humidade e fuligem, a cabeça carcomida”.

Fora mandado fazer por Napoleão, que decretara o encerramento da Revolução e queria inscrever sobre a sua memória um símbolo do Império: “a superioridade da conquista universal sobre a insurreição caótica”. Pensou erguer lá o Arco do triunfo, mas o Faubourg Saint-Antoine era pouco nobre, por isso lhe preferiu, não se sabe bem porquê, um elefante que deveria ser construído com o bronze dos canhões apresados na campanha de Espanha. Mas a campanha correu mal, faltou o bronze e ficou na praça a faraónica maqueta de gesso. Simon Schama apelidou-o “O Elefante do Esquecimento Deliberado”. mas ele não podia competir com a “Persistência da lembrança Revolucionária” e a tomada da bastilha continuou a ser comemorada com festa, danças e fogo de artifício, ao lado do elefante desprezado. Durante anos e anos estudou-se o que fazer e a Bastilha permaneceu “Uma terra de ninguém da memória histórica”, entre a Paris patrícia e a Paris artesanal.

Em Julho de 1830, as barricadas e a revolução voltaram a Paris, o regime absolutista de Carlos X foi derrubado e instaurada uma monarquia constitucional com Luís Filipe.

Mas a memória da Bastilha continuava em aberto. E, no centro da praça, o novo rei fez erguer a “Coluna de Julho”, de 47 metros, com o génio da Liberdade, dourado, a equilibrar-se no pináculo: não para celebrar o 14 de Julho, mas uma vez mais para sobrepor a memória da revolução “moderada” de 30 aos excessos de 89. O monumento falhado duma revolução abortada”, comentou Vítor Hugo.

Happy End

Em 1880, com a III república, o 14 de Julho é reabilitado e promovido a dia da festa nacional da França. O primeiro centenário da Revolução será assinalado com a Torre Eiffel.

A grande reconciliação será no entanto obra de François Miterrand, nas comemorações do segundo bicentenário. Durante dois séculos a Revolução dividiu a França e o mundo. Em 1989, a Revolução passou a unir, constatou um historiador: chegara a altura de se tornar património. Miterrand definiu-a simplesmente como “o início da era moderna” e, em seu nome, reuniu em Paris, a 14 de Julho, dezenas de Chefes de Estado e uma cimeira do G7, naquela que foi até agora a sua única sessão revolucionária. Uma dupla reconciliação: na véspera á noite, inaugurara a Ópera da Bastilha.