PORTUGAL - MPLA

conversas em roma

angola em dois tempos. as negociações secretas com o mpla antes do 25 de abril. o diálogo aberto do presidente

Texto de José Pedro Castanheira

6 de Abril de 1974. as campaínhas do telex da Secção da Cifra do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) não param de tinir. É hora do almoço de sábado e o pessoal escalado tarda em chegar. Às 14 horas, entra na sala o primeiro funcionário. Curioso perante o nervosismo da máquina, abeira-se do rolo de papel e repara que é um telegrama cifrado, proveniente da embaixada em Roma. Habituados ao código, os seus olhos não t~em dificuldade em identificar a classificação de “secreto” de uma mensagem “pessoal”, dirigida ao próprio “ministro”. É , manifestamente, um telegrama de excepção que os funcionários da cifra não perdem tempo em descodificar. A supresa cresce à medida que os funcionários da cifra progridem no texto. Chegados ao fim, não querem acreditar no que lêem. o conselheiro de Imprensa, Mário Matos e Lemos, acabara de ser convidado para um encontro com o representante em Roma do MPLA, Manuel Jorge, em casa de um homem ligado á Democracia Cristã Italiano, Alessandro Mattei.

Desnorteado, sem saber o que fazer, o embaixador pede instruções ao ministro. Alertado e alarmado, Rui Patrício aproveita o fim-de-semana para indagar e reflectir. Quinze dias antes, estivera envolvido até aos cabelos, juntamente com o Presidente do Conselho, numa operação secretísssima: a primeira rinda negocial com uma delegação do PAIGC, em Londres. Sobre o MPLA, porém, ninguém lhe comunicou nada. A resposta, conclui Patricío, não pode deixar de ser negativa. ao priuncípio da tarde de segunda-feira, dia 8, a embaixada em Roma recebe um telegrama cifrado do ministro, proibindo formal e terminantemente, “qualquer conatcto” com “representante movimento terrorista”.

Em Roma, o embaixador, mais tranquilo, comunica ao conselheiro de imprensa o teor do telegrama. Matos e Lemos não se surpreende e encolhe os ombros. É verdade que o patríco é o ministro, mas não é o seu superior hierárquico. Como adido, reporta, antes de mais, a César Moreira Baptista - foi ele quem o nomeou para o lugar, quando era secretário de Estado da Informação e Turismo. Como foi ele que em nome de Marcelo Caetano, o incumbiu de uma missão especial. A sua obrigação profissional, o seu dever pessoal, pensa, é levar a cabo essa missão. Dias depois, o adido português avista-se com o delegado do PMPLA, sob a companhia tutelar de um untermediário italiano. Da conversa havida nada transpira, nem para o embaixador nem para o palácio das Necessiaddes. Lemos tenciona ir em breve a Portugal e então contará tudo a Moreira Baptista, entretanto promoivido a ministro do Interior. Depois se verá...

O 25 de Abril, contudo, frusra os planos do adido: a viagem a Lisboa é adiada “sine die”, já nãpo falará com Moreira Baptista e a política africana do novo regime esvazia de sentido a sua missão.

JORNALISTA DE REGIME

Matos e Lemos chegara a Roma a 9 de Janeiro de 1973. Jornalista do regime, com acesso directo ao secretário de Estado da Informação e Turismo e adepto confesso de Marcello Caetano, o novo conselheiro de Imprensa da embaixada de Portugal acumulava com as funções de correspondente da RTP.

Nascido em Lisboa, em 1 de Junho de 1933, Mário augusto Madeira matos e Lemos pertencera aurante anos aos quadros da Ag~encia nacional de Informação (ANI), para onde entrara em 57. “Foi o meu primeiro emprego como jornalista”. Era uma das duas agências do regime, de que foi correspondente no Porto e subchefe de redacção. Ali fez quase toda a carreira, salvo duas experiências fugazes na imprensa escrita. A primeira foi no ultra-oficioso “Diário de Notícias”, onde trabalhou durante um curto ano, entre 1964 e 65. A outra foi como subdirector do vespertino “Diário do Norte”, onde ingressou em Julho de 71. “O empresário Queiroz Pereiura adquirira os vespertinos ‘A Capital’ e o ‘Diário do Norte’ e convidou-me. Ele queria dar uma volta àquilo”. A directora era a escritora Agustina Bessa Luís. “Conforme me disseram, a ideia era que ela fosse apenas a fachada”. Desentendimentosa vários sobre a repartição do poder no jornal (parcialmente relatados no livro Um Vespertino do Porto, edição do autor) levaram o subdirector a demitir-se.

De regresso à “sua” ANI, acumulou com uma colaboração na RTP, onde durante dois anos foi responsável pelo programa semanal “Falando de Ópera”.

Algo desencantado com a experiência do “Diário do Norte”, Lemos decidiu candidatar-se a conselheiro de Imprensa. O director dos Serviços de Informação do MNE, Bonifácio de Miranda, propôs-lhe “a embaixada do Brasil. Não aceitei”. O lugar haveria de caber ao jornalista Fialho de Oliveira. Acabou por ir parar a Roma, cujo posto vagara com a transferência de Herculano Rebordão para a embaixada junto do vaticano.

AS INSTRUÇÕES DE MOREIRA BAPTISTA

A nomeação foi feita em 7 de Dezembro de 72, por despacho conjunto do ministro dos Estrangeiros, Rui Patrício, e do secretário de Estado da Informação e Turismo, César Moreira Baptista. Lemos conhecia-os a ambos, de há muito. Formado em História, frequentara anteriormente a Faculdade de Direito de Lisboa, onde Patrício fora seu professor, como “assistente do Lumbrales”, na cadeira de Economia Política. A relação mais estreita contudo, era com Moreira Baptrista. “A primeira entrevista que deu, quando foi nomeado secretário nacional da Informação, em 1958 ou 59, foi a mim - já eu estava na ANI”.

Pouco tempo depois colaboraram - com o director da ANI, Dutra Faria, e o ex-ministro da Presidência, Pedro teotónio Pereira - numa operação, aliás, sem sucesso, tendente a restabelecer as comunicações a partir de Goa, entretanto invadida pela União Indiana. Desde então, osa percursos do jornalista e do político cruzaram-se amiúde, gerando-se, entre ambos uma relação feita de amizade e confiança - o que explica a ida de Lemos para subdirector do “Diário do Norte”, “ por recomendação do Moreira Baptista”.

Marcelista assumido, o nóvel adido conhecera o presidente do Conselho na faculdade de Direito. Marcello era professor, Lemos estudante-trabalhador. Como jornalista reportara algumas das viagens e actividades de Caetano. A última vez que terá falado com ele foi em Dezembro de 71, durante a cimeira entre os Presidentes dos Estados Unidos, Richard Nixon, e da França, georges Pompidou, realizada nos Açores, e que Leos cobriu para o “Diário do Norte”.

Dias antes de tomar o avião para Roma o recém-nomeado conselheiro de Imprensa fdoi chamado pelo secretário de Estado da Informação e Turismo. Algo intrigado, compareceu no Palácio Foz. Não era para se despedir que Moreira Baptista o convocara. “Disse-me que falara recentemente com o prof. Marcello Caetano, que estava muito preocupoado com a situação na África portuguesa. O Presidente do Conselho gotaria de saber qual seria posição italiana face a uma alteração da poolítica portuguesa, incluindo uam eventual independência dos territórios africanos”. Invocando sempre a conversa com Marcello - com quem tinha uma ligação quase umbilical -, Baptista não se referiu explicitamente a nenhuma das colónias, “embora o caso mais cadente fosse a Guiné”. A Lemos foram então transmitidas “instruções para contactar e sondar discretamente as autoridades de Roma”. A rematar, o secretário de Estado fez uma recomendação: “Eu não deveria revelar ao embaixador em Roma” o teor daquela missão.

CONSELHEIRO DE NETO

Em 1973, o MPLA (movimento Popular para a Libertação de angola) tinha uma espécie de representação diplomática em Roma, à época um dos principais palcos da política mundial. Manuel Jorge fora o quadro escolhido por aquele gri«upo guerrilheiro para o representar na capital italiana, onde se estabeleceu na primavera de 71. O seu objectivo - tal qual lhe fora fixado pela direcção do MPLA e muito especialmente por Agostinho Neto - era dar prioridade absoluta à busca de soluções políticas para a guerra. “O problema de Angola rtinha que ser resolvido pela via negocial”.

Nascido em 1948 em Luanda - “sou um luandense puro”, diz de si mesmo, com orgulho -, fez os estudos secundários no Liceu Salvador Correia de Sá, onde aderiu ao MPLA, “tinha apenas 15 anos”. Rumou depois a Coimbra para estudar Direito, onde se lembra de Lucas Pires, Vital Moreira, Barros Moura. Chegado à crise académica de 68/69, interrompeu o curso. “Achei que devia dar um contributo directo á luta de libertação”. São parcos, quase nulos, os dados que acedar dar sobre esses anos. De Coimbra ganhou Paris, passou por Grenoble e frequentou um estágio militar de alguns meses na Coreia, antes de entrar em Cabinda, onde fez a guerrilha durante algum tempo. Encontrava-se regularmente com Agostinho Neto em Lusaca. “Conhecera-o nos anos 50, em Angola, já médico. Pertencia à família de um dos meus cunhadfos”.

Sem ter integrado os orgãos dirigentes do MPLA, ascendeu á categoria, ainda que informal, de conselheiro de Neto, “o que na realidade, era muito mais importante do que ser membro do Comité Central”.

Foi o próprio Neto quem o enviou para Itália, como uma espécie de embaixador. A partir de Roma, encarregou-se de missões várias: na Suíça (onde conheceu Medeiros Ferreira e António Barreto), em Paris, em Nova Iorque (nações Unidas).

Roma era uma placa giratória para os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Lá estavam colocados ou passavam regularmente quadros como Óscar Monteiro, da Frelimo, e Joseph Turpin, do PAIGC. De lá partiam muitas das acções e campanhas internacionais de apoio e solidariedade aos partidos independentistas. De frequência obrigatória era a livraria Paesi Nuovi, trânsito de políticos, intelectuais e militantes anticolonialistas, o local onde Amílcar Cabral divulgou, em conferência de imprensa, o teor da audiência concedida pelo Papa Paulo VI aos três movimentos de libertação das colónias portuguesas (MPLA, FRELIMO e PAIGC), a 1 de Julho de 70. Localizada junto ao Parlamento romano, a livraria era um espaço animado por Marcella Glisentti, conotada com os sectores mais proigressistas da democracia Cristã Italiana (DCI) e que convencera a diplomacia do Vaticano a dar a histórica audiência.

A Itália da época era, toda ela, um convite ao diálogo entre adversários, ao debate entre rivais, à trégua entre inimigos. Caldo de inovação e experimentação políticas, era uma fonte permanente de surpresas. No centro da arena política a ala da esquerda da DCI, liderada por Aldo Moro. Adepto entusiasta de um diálogo com o Partido Comunista de Itália (PCI), de Enrico Berlinguer, visando um famoso (mas nunca concretizado) “Compromisso Histórico”, Moro acabaria por ser assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, uma organização terrorista de extrema-esquerda.

Escala frequente de dirigentes do MPLA, Roma ousava questionar a eficácia da guerra em Angola. “Os italianos diziam ao Agostinho Neto que a solução era a negociação”, assinala Manuel Jorge. A leitura feita pelas autoridades itralianas ia no sentido de que, à falta de uma solução política, o mais provável era que com Angola, caísse um importante bastião da NATO, acarretando um reforço do poder soviético - “o que acabou por ser verdade”.

A Itália - nunca será demais sublinhar - respirava então um momento fecundo e ousado de debate entre velhos e aparentemente irredutíveis adversários políticos. Foi nesse ambiente que, relata Manuel Jorge, “alguns dos nossos amigos da DCI sugeriram que talvez não fosse má ideia uma tentativa de conversa” com a parte contrária “ num quadro informal”. Com Roma transformada num autêntico laboratório de ensaios políticos, as ocasiões não haveriam de faltar.

É então que entra em acção um outro elemento que haveria de propiciar um diálogo para o qual ambas as partes estavam disponíveis. Dá pelo nome de Alessandro Mattei, um italo-americano que era colaborador da Inter Press Service (IPS), agência de notícias internacional criada em Roma em 1964 e vocacionada para os países do terceiro Mundo e em particular para a América Latina. O angolano e o português recordam que ele vivia junto da Via Veneto, perto da embaixada dos EUA. Mattei, que aparenta uns trinta anos, identifica-se como jornalista da IPS, o que, na época era uma excelente referência. Na verdade, era um disfarce para ocultar a sua verdadeira actividade. “Apresentou-se-me com todas as acreditações de jornalista e eu, na altura, não tinha raz~ºoes para duvidar”, recorda os homens do MPLA. “Mais tarde, todas as pessoas que me falavam dele diziam que era um agente da CIA”. Matos e Lemos não descarta essa possibilidade. “Nunca apurei isso e nunca me interessou. Mas visto à distância, é muito natural que fosse”.

A eventual ligação de Mattei aos serviços secretos norte-americanos é admitida, como “muito possível” por Roberto Savio, o então director doa IPS. “Não era nosso jornalista e creio que nunca teve qualquer actividade jornalística. Tinha um contrato de tipo comercial, com o objectivo de distribuir os nossos seriços pelos eventuais clientes, como por exemplo as embaixadas”. Mattei foi vivamente recomendado ao ainda hoje director da IPS por um jornalista amigo, Ermpedocle Maffia, que trabalhava na RAI (a televisão italiana), para onde cobria a actualidade americana. “Foi Maffia quem o introduziu em Itália. Dizia que fora assistente na Universidade de Harvard - o que se verificou que não era verdade - e, aparentemente, estava a cursar qualquer coisa como Relações internacionais, em Roma”. Os proventos obtidos por Alessandro Mattei - Alex, para os amigos - junto da IPS não seriam suficientes, por si só, para manter o estatuto de vida que alardeava, tanto mais que “os seus resultados, até nem eram bons. Personagem estranha, levava, no dizer de Roberto Savio, “uma vida curiosa”, sobretudo se se reparar no ambiente da época,”marcado por uma guerra fria, mas dura”.

Seja como for, Mattei apresenta-se junto dos dois como jornalista da IPS. “Era um homem inteligente e muito activo, que tinha entrada fácil em várias embaixadas, como a dos Estados Unidos”, anota Manuel Jorge. “Movia-se muito nos meios políticos, culturais e jornalísticos, especialmente na RAI”. O falso jornalista virá a ser uam preciosíssima chave de acesso do angolano e do português aos círculos políticos romanos. “Na Democracia Cristã”, refere o primeiro, “ele chegava até ao topo”.

PONTE ENTRE ANGOLA E PORTUGAL

Trrato fácil, insinuante, hábil nas relações públicas, Mattei contacta com o representante do MPLA. “Veio falar comigo como enviado de Arslan Humabaraci, que chefiava uma espécie de gabinete de Imprensa da Zâmbia, em Roma”. De nacionalidade turca, Humbaraci tinha um estatuto misto de diplomata e jornalista e movia-se como peixe na água nos círculos anticolonialistas de Roma. “Era um homem com grande credibilidade”, confirma Manuel Jorge. “Conhecíamo-nos muito bem, e ele a todos os homens do MPLA que passavam por Roma”. Amigo pessoal de Kenneth Kaunda, fora, ao que parece, o próprio presidente da Zâmbia que o nomeara para a missão diplomática em Roma”.

Nas inúmeras conversas que Jorge vai mantendo com Mattei, este te-lo-à desafiado: “Porque é que vocês não negoceiam, não conversam?” O colaborador da IPS insiste e, atrevido, acaba por sugerir “várias vezes que houvesse um encontro mais ou menos informal” entre as duas partes. Ao que o embaixador do MPLA deixa cair um recado: “Se Portugal quiser negociar nós estaremos prontos. Não seremos nós s levantar qualquer obstáculo”.

Matos e Lemos não se recorda de que modo travou conhecimento com Mattei. “Talvez numa qualquer reunião com jornalistas. Ou num cocktail numa embaixada”. Até poderá ter sido na recepção dada, na embaixada, em finais de Janeiro de 73, para a apresentação do novo conselheiro de Imprensa. Presentes, segundo , segundo um telegrama enviado para o MNE, cerca de duas centenas de pessoas, entre jornalisrtas, diplomatas, professores e outros intelectuais.

SALVI, O DEPUTADO

O adido aborda Mattei e orientas as suas conversas para o tema que lhe interessa: Àfrica. “Ele pôs-me em contacto com alguns políticos muito influentes da DCI, entre os quais Franco Salvi”. Militante da resistência ao fascismo durante a II Guerra, deputado eleito pelo círculo de Brescia-Bergamo, membro da Comissão Parlamentar das Relações Exteriores, Salvi é um dos mais destacados dirigentes da ala esquerdista da DCI. Estreitamente ligado a Aldo Moro, passa por ser um dos participantes nas conversações secretas, como os eurocomunistas, tendo em vista o desejado “Compromisso Histórico”.

O adido português e o deputado italiano T~em vários encontros. “Ao todo, uma boa meia-dúzia. Normalmente era num café - não me lembro do nome, mas estou perfeitamente a vê-lo, na praça do Parlamento”. Avaliado o pseo político do interlocutor, Lemos trata de executar a missão atribuída por Moreira Baptista. “Quis saber até onde é que poderia ir a posição italiana na face de uma eventual alteração da política africana de Portugal”.

Integrado na legação portuguesa em Roma, o adido matém ao corrente o embaixador Armando Martins. Mas não lhe diz toda a verdade: “Contei-lhe a história ao contrário, na medida em que lhe disse que os italianos é que tinham procurado contacto”. Em Junho de 73, Franco Salvi é um dos convidados para um almoço na embaixada. O prato-forte é a prometida nova política ultramarina de Marcello. Ao ilustre deputado é prometido o envio do texto da reforma constitucional de Agosto de 71, que introduz tímidas alterações na política africana.

Os telegramas enviados para o MNE relatam vários passos e iniciativas de Matos e Lemos, que sustenta que o essencial das suas “démarches”era apresentado,deforma desenvolvida, nas informações enviadas por mala diplomática. Por sua conta, o adido mantém Moreira Baptista a par de tudo. “Mandei cópias de todas as informações para o seu gabinete, no Palácio Foz”; ao todo, asseguar, foram “uma dúzia bem fornecida”. Nas suas deslocações a Lisboa “mais ou menos de três em três meses”), aproveita para falar pessoalmente com o governante. “A última conversa foi no Terreiro do paço, já ele deixara a Secretaria de Estado e passara a ministro do Interior. Foi em Janeiro de 74, estava eu de férias em Lisboa. Nunca mais esqueço, porque foi a única vez que vi pessoalmente o major Silva Pais (o director da DGS, a polícia política), que estava á espera de ser recebido”.

Nas audiências com Baptista, o ex-redactor da ANI põe-no ao corrente da missão de que o incumbira. “Ele limitava-se praticamente a escutar, e a dizer que iria comunicar ao prof. Marcello Caetano”. Alguma vez o governante confirmou as instruções que transmitira antes de ir para Roma? “Não: nem essas, nem outras. Como não disse para estar quieto!”.

Através de Salvi, as conversas alargam-se a um outro deputado da DCI, Luigi Granelli, eleito por Milão e membro da mesma comissão parlamentar. O contacto com Granelli “é uma lança em África”, uma vez que em Julho de 73, ascende a subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. (Granelli manter-se-à no cargo durante o9 IV e V Governos de Mariano Rumor, donde transita para o IV e V gabinetes chefiados por Aldo Moro; cai com este, em Abril de 76). Será do gabinete de Granelli que, em Fevereiro de 74, surgem sugestões para que, na versão de um telegrama então enviado para o MNE, haja “ao menos uma ‘aparência’ de conversações com os terroristas”. O motivo são algumas informações recebidas de Moçambique, apontando para a eventualidade do que o mesmo telegrama designa de “uma solução rodesiana”.

VERSÕES DIFERENTES

Qual a espécie de relações públicas na política romana, Alessandro Mattei introduz o representante do MPLA aos conselheiros de Imprensa de várias embaixadas: Guiné-Conacri, Tanzânia, Portugal...

Manuel Jorge recorda, com algum detalhe, as circunstâncias em que Alex o apresentou a Lemos. “Foi creio eu, numa conferência de Imprensa que eu estava a dar”. Do lugar, não se lembra ao certo. talvez na livraria Paesi Nuovi, frequentada assiduamente por ambos, `cata de novidades, dos livros mais recentes, ou para ouvir palestras e debates.

O português não retém nem o quando, nem o onde. “Foi na fase final dos contactos com os italianos. Foi o Mattei quem mo trouxe. Disse-me que era o representante do MPLA e que queria falar comigo - ou pelo menos gostaria, ou que estaria disposto a uma conversa”.

Na Paesi Nuovi ou em qualquer outra tertúlia, Mattei faz as apresentações. representantes de duas partes que se guerreavam militarmente, não foi esse facto que os impediu de se cumprimentarem. “Não havia razão para não lhe apertar a mão, como homem cort~es que sou”, explica o angolano.

Infelizmente, é impossível reconstituir com absoluto rigor o conteúdo e as condições que rodearam as conversas. As duas versões não são coincidentes e a documentação disponível é insuficiente e lacunar. è bem possível que tenha havido várias trocas de impressões, mais informais ou menos circunstanciais, daquelas em que os círculos diplomáticos são pródigos, sobretudo numa Itália politicamente frenética e com a intermediação de um hopmem de vários instrumentos, como Mattei. certo, certo, a memória de ambos regista um encontro - mas ambos admitem que tenha havido outras conversas, em recepções, cocktails ou outras actividades mais ou menos mundanas em que a diplomacia sobretudo a romana, é fértil.

DOIS TELEGRAMAS

Por enquanto, o único dado seguro (até porque documentado) prende-se com um convite para um almoço a três, o angolano, o português e o italo-americano, em casa deste último. Matos e Lemos pondera o alcance e as consequências. “As instruções que eu tinha era para falar com os italianos e não devia pôr o problema ao embaixador