[VALOR] Subsídio e futuro do microcrédito

Data de postagem: 30/04/2012 23:19:39

Subsídio e futuro do microcrédito

A presidente lançou em agosto de 2011 o Crescer, programa de microcrédito orientado que prevê juros de 8% ao ano, bem abaixo das taxas atualmente praticadas no microcrédito, que podem chegar a 60% ao ano. Foi assinada ainda uma medida provisória autorizando a União a conceder subvenção econômica, ou seja, subsídios para "equalização de taxas" para as instituições financeiras dispostas a realizar operações cobrando os juros previstos pelo programa.

A legislação brasileira estabelece que 2% dos depósitos a vista devem ser aplicados nas modalidades de microcrédito para consumo ou para microempreendimentos, sob pena de ficarem retidos sem rendimentos. O objetivo declarado do Crescer é a expansão do crédito, a juros mais baixos, para atividades empreendedoras. O governo, portanto, busca incentivar o direcionamento dos recursos da exigibilidade dos 2% para o microcrédito produtivo orientado.

Obviamente, é cedo para que se avalie o cumprimento das metas do programa. Ademais, incentivar o microcrédito produtivo é correto. Entretanto, quando são examinadas as diversas experiências práticas, inclusive aquelas desenvolvidas aqui mesmo no Brasil, assim como as pesquisas acadêmicas disponíveis, há razões para argumentar que as medidas do governo podem acabar gerando retrocesso.

É correto incentivar o microcrédito produtivo, mas o programa Crescer pode acabar gerando retrocesso

Em primeiro lugar, as estatísticas disponibilizadas pelo Banco Central já apontavam, antes mesmo das medidas anunciadas, uma tendência de crescimento maior do microcrédito produtivo, se comparado à modalidade de consumo. Em dezembro de 2008, o microcrédito produtivo representava 17,5% do total da exigibilidade, enquanto o consumo representava 30,2%. Os 52,3% restantes não estavam aplicados em nenhuma modalidade, sendo recolhidos sem qualquer remuneração. Em julho de 2011, um mês antes das medidas, os números do microcrédito produtivo representavam 33,2% da exigibilidade, em comparação com 34% do consumo.

O último dado disponível é de dezembro de 2011 e mostra 43% e 28%, respectivamente para produtivo e consumo. Portanto, houve um aumento da aplicação de recursos preponderantemente puxado pelo microcrédito produtivo, que cresceu mais de 250% em dois anos e meio. Haveria necessidade de subsídio?

Em segundo lugar, o subsídio pode ser questionado por um fator empírico elementar. O Brasil já dispõe de uma experiência de microcrédito produtivo orientado sustentável do ponto de vista econômico. Trata-se do Programa Crediamigo, do Banco do Nordeste (BNB). O Programa evoluiu de uma carteira ativa de pouco mais de 70 mil clientes, em 2002, para mais de um milhão, ao fim de 2011. As taxas de juros cobrem os custos e a inadimplência divulgada é inferior àquela verificada nos segmentos tradicionais de crédito.

Ao invés de subsídios, não seria adequado ter como foco investir recursos para adaptar o modelo de negócio do BNB para realidade dos outros bancos públicos, notadamente a Caixa e o Banco do Brasil? Obviamente, a tarefa não seria trivial por diversas questões, tais como diferentes padrões de governança e mecanismos de prestação de contas. Os ganhos de longo prazo, entretanto, parecem óbvios, sobretudo pela escala potencial desses bancos. Haveria ainda um efeito de segunda ordem na medida em que o sucesso do microcrédito em larga escala poderia atrair o setor privado para as microfinanças, acelerando o processo de inclusão financeira.

Em terceiro lugar, o subsídio concedido pelo governo, dada a restrição orçamentária existente, utiliza recursos públicos que poderiam ser alocados para outras áreas, como educação e saúde. Para que tal subsídio se justifique, é preciso avaliar o "impacto do microcrédito" sobre o bem-estar daqueles que o utilizam. As pesquisas disponíveis apresentam resultados não consensuais acerca dos impactos gerados. Um conhecido estudioso do assunto, David Roodman, acaba de lançar um livro (Due diligence: an impertinent inquiry into microfinance) no qual questiona o sucesso e os impactos do microcrédito em diversos países. Estudos aplicados ao Brasil também não permitem conclusões definitivas sobre o tema.

Por fim, o subsídio proposto não é focalizado, podendo ser utilizado para concessão de empréstimos a microempreendedores que não são os "mais pobres dentre os pobres". Talvez se justificasse o uso de recursos subsidiados se, por exemplo, sua aplicação fosse exclusivamente dirigida aos beneficiários do Bolsa Família, em uma conjugação de políticas de transferência de renda e crédito como forma integrada de combate à pobreza e inclusão nos mercados formais.

A construção de um sistema financeiro inclusivo é fundamental para a continuidade do desenvolvimento brasileiro. Não obstante o longo caminho a ser percorrido, tem havido avanços importantes. É preciso inovar para o futuro e aprender com os acertos e desacertos das experiências passadas, evitando o caminho do retrocesso.

Lauro Gonzalez é professor de Finanças da EAESP-FGV e coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças da FGV.

Fonte: Valor Econômico

Data da informação: 30/04/2012

Obs: Danieli Moraes, obrigado pela disponibilização deste!