[Karl Marx] A alienação econômica: uma análise de seus aspectos nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de Karl Marx

Data de postagem: 13/05/2011 15:41:50

A alienação econômica: uma análise de seus aspectos nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de Karl Marx

por Edivalma Cristina da Silva*

O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, (...) O trabalho não produz apenas mercadorias, mas também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria. (MARX, 2005: 111)

Salários, lucros, capital, renda de terras, propriedade privada, alienação: eis o “jovem” Marx. Os Manuscritos Econômico-Filosóficos, ou Manuscritos de Paris (como ficaram conhecidos) apresentam-se como um sistema in status nascendi, fundamentando as bases do sistema teórico marxiano, centradas no conceito da alienação. Nos Manuscritos, obra de caráter multidimensional, Marx delineia as características de uma nova ciência (humana), contraposta à parcialidade e fragmentações reificadas das ciências naturais e a universalidade abstrata da filosofia a partir de suas idéias-conceito chaves: alienação (análise a partir do trabalho) e Aufhebeng (transcendência e superação). Uma ciência com íntima ligação com a práxis humana, a partir do método materialista-histórico dialético: concreto (realidade) – abstrato (pensamento, estudo da realidade) – concreto (um concreto mais livre de determinações).

Este artigo traz uma análise dos Manuscritos Econômico-Filosóficos com o objetivo de se perceber de que forma a alienação econômica se constitui, se reproduz e como esta pode ser superada positivamente enquanto resultado de um tipo determinado processo de desenvolvimento histórico: o capitalismo. Partindo desta premissa busca-se entender o que é alienação econômica e como ela se faz perceptível através do trabalho (tendo em vista que Marx considera o trabalho como a objetivação primária do ser). Marx percebe que ao invés do trabalho tornar-se produtor de subjetividade transforma-se no contrário: aliena o homem relativamente (perda do controle sobre) à sua produção, à natureza, ao seu próprio trabalho, a outro homem e assim a toda a sociedade, produzindo o individualismo e o egoísmo enquanto manifestação ontológica da alienação do homem no trabalho. A partir desta análise do trabalho alienado, Marx possibilita a visualização de uma transcendência positiva através da práxis humana (comunismo). No entanto, segundo Mészáros a superação da alienação não se dá de forma absolutamente definitiva, mostrando que o processo de transcendência vai além da superação das mediações capitalistas de segunda ordem (propriedade privada, troca e divisão do trabalho). Para a superação da alienação é necessário um controle consciente e humano destas mediações.

É necessário ressaltar que o conceito alienação já havia sido trabalhado por economistas antecessores a Marx, mas os construtos teóricos não transcendiam a esfera abstrata e especulativa do conceito abstrato. Embora a economia política tenha desenvolvido a idéia de trabalho como forma única da essência da riqueza, e ter incorporado a propriedade privada ao homem, Marx desenvolve um trabalho mais profundo ao perceber o trabalho alienado enquanto a “liga” entre a totalidade da alienação e o sistema monetário, sendo a propriedade privada apenas produto desta inter-relação entre trabalhador e natureza, conclusão a que a economia política não poderia chegar.

São nos Manuscritos de Paris que se concentram as suas teorias da alienação. A alienação é um conceito eminentemente histórico, abstraído dos processos sócio-econômicos concreto-reais: trabalho e propriedade privada. Marx, diferentemente de Feuerbach, toma o trabalho alienado como centro de reflexão, transpondo a crítica da esfera religiosa para a esfera da economia política. A alienação em seus desdobramentos, bem como na sua superação constituem-se como os momentos do processo dialético que possibilitam a base explicativa da história, da formação de uma consciência crítica, bem como das próprias ações revolucionárias.

O trabalho aparece nos construtos teóricos de Marx como uma objetivação primária do ser (atividade produtiva) pela qual os homens edificam sua subjetividade através das relações sociais humanas (acepção geral). Marx compreende que o caráter genérico do homem é expresso através do trabalho, na sua produção e reprodução da vida material: “A vida produtiva, entretanto, é a vida genérica. É a vida criando vida. No tipo de uma atividade vital está todo o caráter de uma espécie, o ser genérico do homem. A vida revela-se simplesmente como meio de vida” (MARX, 2005: 116). Porém, é na acepção histórica particular, imbricados nos sistema capitalista (na forma de divisão do trabalho – troca – propriedade privada) que o trabalho assalariado se torna a base de toda alienação. Ao invés do trabalho tornar-se produtor de subjetividades (consciências) a partir da objetivação, transforma-se no contrário: aliena o homem, o priva de sua faculdade natural, torna-se mutilador e escravizante. Tudo foi reificado, e o indivíduo passa a ser visto como objeto, coisa, mercadoria: “a valorização do mundo das coisas aumenta a desvalorização do mundo dos homens” (MARX, 2005: 111). É necessário ressaltar que a passagem de um sistema de relações feudais para as relações capitalistas leva a formulação de um novo “contrato”, normas de fixidez que asseguram ao senhor (proprietário capitalista) usar como coisa os seres humanos “livres”, segundo o desejo e necessidade do último. Dessa forma, o homem primeiro foi reificado, tornou-se coisa, para poder ser dominado. Este contrato é o próprio trabalho assalariado, ou seja, o assalariamento alienado no contrato. Assim confirma MESZÁROS:

A alienação humana foi realizada pela transformação de tudo em objetos vendáveis, em escravos da necessidade e traficantes egoístas. A venda é a prática da alienação (...). A reificação de uma pessoa e, portanto da aceitação “livremente escolhida” de uma nova servidão – em lugar da velha forma feudal, politicamente estabelecida e regulada de servidão – pode avançar com base numa sociedade civil caracterizada pelo domínio do dinheiro, que abriu as comportas para a universal “servidão a necessidade egoísta”. (1981: 36).

A divisão do trabalho e a troca são as mais perceptíveis expressões alienadas da atividade humana na esfera econômica. Através delas o homem torna-se alienado relativamente (perde o controle sobre) à sua produção, à natureza, ao seu próprio trabalho, a outro homem e assim a toda a sociedade, constituindo-se em uma forma de auto-alienação. A alienação age de forma inconsciente na natureza humana, através da realização do próprio trabalho, como mostra MARX:

Como resultado da divisão do trabalho, por um lado, e da acumulação do capital, por outro, o trabalhador torna-se mesmo mais inteiramente dependente do trabalho e de um tipo de trabalho particular, demasiadamente unilateral, automático. Por esse motivo, assim como ele se vê diminuído espiritualmente e fisicamente a condição de uma máquina e se transforma em ser humano, em simples atividade abstrata e em abdômen, também se torna progressão mais dependente de todas as oscilações no preço corrente, no emprego do capital e nos caprichos do rico. (2005: 68)

Enquanto a produção capitalista produz, através do trabalho assalariado, o crescimento da riqueza da sociedade concentrada nas mãos de poucos (propriedade privada – proprietário capitalista), ocorre reciprocamente o empobrecimento da totalidade de uma parte da população: os trabalhadores. Este empobrecimento exterior-interior do homem materializa-se não apenas na miserabilidade do seu corpo, mas na perda de si, tornando-se coisa. A alienação (trabalho assalariado) está imbricada na relação entre o operário e seu produto de trabalho e no próprio ato da produção, no qual o objeto produzido opõe-se a ele como um ser estranho, uma força alheia, passando a existir independente de si: a objetivação do trabalho e ao mesmo tempo um “estranhamento da coisa”. Quanto mais o trabalhador produz, menos ele pode possuir, caracterizando a apropriação do objeto como a alienação.

Se o produto do trabalho é alienação, da mesma forma, a atividade produtiva é a “alienação ativa”.[1] O homem nega-se no trabalho, pois este é exterior a si, não se sentindo pertencente ao trabalho (atividade produtiva), mas a outro. No entanto, este se constitui como o único meio de satisfazer as suas necessidades de existência, contrapondo-se à idéia da vida genérica humana; o trabalho alienado (trabalho assalariado) aliena a natureza do homem (a essência natural humana), transformando a vida genérica em meio de vida individual, egoísta. Marx analisa o princípio do individualismo como uma manifestação ontológica da alienação do homem no trabalho.

No modo de produção capitalista, o trabalho torna-se estranho e alienado a partir das contraposições dialéticas entre capital e trabalho nas relações de produção. O capital e o trabalho se opõem, mas se relacionam reciprocamente, em que um depende do outro para a sua existência. “É contraditória a situação do capital que não pode subsistir como capital, senão pelo aumento crescente da miséria do operário; e não é menos contraditória a situação do operário, a não ser pelo aumento do capital”. (CALVEZ, 1962: 363). Para Marx, todo o trabalho na história social do homem é a própria história da alienação. Logo, a alienação da humanidade não se constitui enquanto uma força externa e natural, mas enquanto resultado de um determinado tipo de desenvolvimento histórico, que pode ser modificado de forma positiva pela intervenção consciente na transcendência da auto-alienação do trabalho.

Dessa forma entende-se que a alienação decorre de quatro “momentos” que resultam em uma forma de auto-alienação: perda do controle do processo de trabalho, “o operário perde-se como homem e torna-se coisa, no acto econômico da produção” (CALVEZ, 1962: 359); perda do controle do produto do trabalho, os produtos de seu trabalho tornam-se objetos estranhos que o dominam e sua atividade torna-se alheia a si; perda efetiva de si, de forma que o trabalho (atividade propriamente humana) escapa ao operário, expulsando sua humanidade e reduzindo a sua liberdade a funcionalidade animal ou maquinal, alienando-o; e a perda da civilização humana (essência humana), alienação do homem em relação à sociedade e a outro homem, quando “na proposição de que a natureza da espécie do homem está alienada significa que um homem está alienado do outro, significa que todos eles estão alienados da essência humana” (MÉSZÁROS, 1981: 16).

Os manuscritos vão além de simples comentários críticos da teoria hegeliana e das teorias dos economistas-políticos. A crítica a essas teorias o ajudou a desenvolver os vários temas (salários, propriedade privada, lucro, capital, divisão do trabalho) os inter-relacionando, e criando uma teoria da alienação a partir do trabalho (fonte de alienação econômica) e da superação da alienação. A idéia central do sistema teórico marxiano é a “sua crítica da reificação capitalista das relações sociais de produção e a alienação do trabalho através das mediações reificadas do trabalho assalariado, propriedade privada e troca” (MÉSZÁROS, 1981: 88). A dimensão ontológica geral da auto-alienação está presente em todos os manuscritos, sentida em sua universalidade no último manuscrito através da desmistificação que Marx faz do “sistema monetário”. O dinheiro (motor de troca e de uso), esta “proxeneta entre a necessidade e objeto, entre vida e os meios do homem”, eleva ao grau máximo a “confusão de todas as qualidades humanas e naturais”, tornando-se o caráter auto-alienante da humanidade. “O dinheiro converte as representações pensadas para o modo de existência sensível”, concreto, efetivo. É ele, o “mediador final de todas as mediações alienadas”: o fetichismo do dinheiro.

Na economia política o trabalho aparece somente sob a forma de atividade de aquisição, analisando-o abstratamente como uma coisa. “O trabalho é uma mercadoria; se o preço é elevado, a procura é grande e se o preço é baixo a oferta é grande. Como acontece com as outras mercadorias” (MARX, 2005: 77). Podemos pensar, então, que a dialética hegeliana está no âmago da análise crítica que Marx faz à economia política, e mais precisamente no núcleo do trabalho assalariado, através da análise dos movimentos contraditórios (ser – ter, meios – fins, produção – consumo), pois a economia política não “compreende” esta interface do movimento. A economia política tem origem no fator da propriedade privada, mas não o esclarece, bem como não fornece explicações para aos fundamentos da divisão do trabalho e do próprio capital. Estas lacunas são abstraídas por Marx para “entender” a alienação no trabalho através da dinâmica da dialética (atuação da contradição) num processo de superação positiva da alienação (comunismo).

Hegel antecipou a visão marxista da história na construção teórica da superação da alienação, muito embora só tenha conseguido encontrar expressões abstratas, lógicas e especulativas para o movimento histórico, uma transcendência apenas imaginária da alienação, permanecendo numa posição não-crítica perante as bases materialistas e reais da sociedade. Marx vai além, estabelece uma concepção de superação da alienação liberada dos postulados morais abstratos de seus antecessores a partir do entendimento da base ontológica objetiva do processo histórico por meio da práxis humana, do momento concreto (economia capitalista – proletariado), percebendo o caráter desumanizante da alienação. Logo, completa MESZÁROS:

A universalidade da visão de Marx tornou-se possível por ter ele conseguido identificar a problemática da alienação, do ponto de vista do trabalho, adotado criticamente, em sua complexa totalidade ontológica, caracterizada pelos termos objetivação, alienação e apropriação. Essa adoção crítica do ponto de vista do trabalho significou uma concepção do proletariado não simplesmente como uma força sociologicamente contraposta ao ponto de vista do capital – e com isso permanece na órbita deste último – mas como força histórica que transcende a si mesma e que não pode deixar de superar a alienação (isto é, a forma, historicamente dada, de objetivação) no processo de realização de seus próprios objetivos imediatos, que coincidem com a reapropriação humana. (1981: 62)

O trabalho, segundo Marx, é a essência subjetiva da propriedade privada. Esta é resultado do trabalho humano que produziu conseqüentemente o processo da alienação do próprio homem. A propriedade privada dos meios de produção precisa ser abolida para se chegar à redenção humana, a uma sociedade baseada na coletividade positiva, através da práxis humana (teoria mais práxis) pela classe operária (força histórica autotranscendente), chegando-se à superação da alienação. O comunismo é a expressão da propriedade geral e a superação das alienações, constituindo a

superação positiva da propriedade privada, enquanto auto-alienação do homem, e por isso como apropriação efetiva da essência humana através do homem e para ele; por isso, como retorno do homem a si mesmo enquanto homem social, isto é, humano; retorno acabado, consciente e que veio a ser no interior de toda riqueza do desenvolvimento até o presente. Este comunismo é como acabado naturalismo = humanismo, como acabado humanismo = naturalismo; é a verdadeira solução do antagonismo entre o homem e a natureza, entre o homem e o homem. (MARX, 1978: 08)

A propriedade privada é a expressão material e sensível da vida humana alienada, sua superação positiva representa a apropriação da essência humana natural, o retorno do homem enquanto homem: do ser social, consciente, confirmada através da sua exteriorização. Através disso, o homem converte para si seu modo de existência natural em humano. A superação positiva significa a apropriação da efetividade humana de forma que o objeto torna-se objeto de si próprio, sua subjetividade, superando as suas contradições dialéticas (só alcançável através do homem social). O anseio de Marx é que o homem saia do nível da necessidade desumanizante produzida pelo trabalho. Essa é a ação dinâmica da dialética, em que as contradições atuam nos processos de superação, seja a nível intelectual, corporal-natural ou espiritual-cultural. A superação da alienação (propriedade privada) só é possível através da práxis humana, para não se tornar novamente alienante e abstrata.

Dessa forma, tanto a alienação quanto a sua transcendência (superação) são necessidades objetivas e ontológicas na teoria de Marx, constituindo-se em conceitos que estão intimamente relacionados. Segundo Mészáros a alienação não é superada de forma absolutamente definitiva. A abolição da propriedade privada, assim como outras mediações capitalistas de segunda ordem (troca, trabalho assalariado, o caráter fetichista da mercadoria etc) são condições necessárias, mas não suficiente para a transcendência da alienação. Como mostra Mészáros estas mediações de segunda ordem, devem ser radicalmente superadas por serem instrumentos incontroláveis do capitalismo. A superação da alienação se encontraria na substituição dos instrumentos incontroláveis reificados, por instrumentos controláveis (conscientemente) do intercâmbio humano. Esta superação radical é lenta: “a expropriação dos expropriadores não é mais do que o primeiro ato de um processo longo e imensamente complexo de modificação, caracterizado pela dialética da continuidade na descontinuidade”. Complementa ainda que “a substituição das ‘mediações de segunda ordem’ capitalistas, alienadas, reificadas, por instrumentos de intercâmbio humano conscientemente controlado é o programa sócio-historicamente humano concreto da superação da alienação”. (MÉSZÁROS, 1981: 225). Dessa forma, afirma que nenhuma conquista que represente superação da alienação deve ser tida enquantoabsolutamente definitiva de todas as formas de alienação.

Os Manuscritos são a fonte da teoria da alienação em Karl Marx, embora tenham o caráter de textos de auto-esclarecimento, carregam em si a base do sistema teórico marxiano, a constituição de uma teoria ainda em nascimento, in status nascendi, que tende a ser aprimorado no decorrer de sua produção. A análise da alienação e de sua superação é um convite ao homem a conhecer a natureza íntima do capital e o desdobramento da alienação nas esferas social, estética-moral, religiosa e política.

Referências bibliográficas

CALVÉZ, Jean-Yves. A alienação econômica. In:_____. O pensamento de Karl Marx. Porto: Livraria Tavares Martins, 1962. P. 339 – 464.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2006.

________. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2005.

________. Os Manuscritos econômico-filosóficos: O terceiro manuscrito. Filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Col. Os Pensadores).

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

SÈVE, Lucien. Análises marxistas da alienação. São Paulo: Edições Mandacaru, 1990.

disponível em : http://www.espacoacademico.com.br/081/81silva.htm