[Krugman] Ciência econômica não é teatro das moralidades

Data de postagem: 30/09/2010 17:39:54

29 de setembro de 2010 | 16h50

Paul Krugman http://blogs.estadao.com.br/paul-krugman/2010/09/29/ciencia-economica-nao-e-teatro-das-moralidades/

Brad DeLong flagrou alguém indagando se estou realmente defendendo a guerra como solução para os nossos problemas. Contra a estupidez, os próprios deuses…

A verdade é que, de acordo com o que me diz o Times, sempre que menciono em minha coluna que a 2.ª Guerra Mundial pôs fim à Grande Depressão, o jornal recebe um grande volume de correspondência me acusando de incentivar a guerra. Incrível.

Mas talvez esta seja a oportunidade de reiterar um argumento que tento expor de tempos em tempos: a ciência econômica não é um teatro das moralidades. Ela não consiste em uma trama feliz na qual a virtude é recompensada e o vício é punido.

A economia de mercado é um sistema para organizar a atividade humana – um sistema que costuma funcionar bastante bem, apesar de às vezes produzir resultado indesejados – sem nenhum significado moral em particular. Os ricos não são necessariamente merecedores de sua riqueza, e os pobres certamente não merecem a própria pobreza; independentemente disso, aceitamos um sistema dotado de considerável desigualdade porque sistemas sem desigualdade não funcionam.

E, antes que os trolls aproveitem a chance de dizer ‘a-há, Krugman reconhece que as teorias da economia de oferta são verdadeiras’, não estou com isso atacando a taxação progressiva e nem o estado de bem-estar social; estou apenas mostrando que há limites. Cuba não funciona; a Suécia funciona bastante bem.

E, quando estamos vivenciando um período de economia deprimida, quero dizer, uma situação na qual é difícil criar demanda suficiente para atingir o pleno emprego – principalmente porque os juros de curto prazo enfrentam o limite inferior igual a zero – a natureza essencialmente amoral da ciência econômica se torna ainda mais aguda. Como já disse repetidas vezes, esta é uma situação na qual a virtude se torna vício e a prudência vira insensatez; o que mais precisamos é que as pessoas gastem mais, mesmo que este gasto não seja particularmente sábio.

Na prática, o problema está na tendência observada entre as mentalidades convencionais de prevalecer mesmo quando não deveriam; em especial, o gasto público na escala necessária parece nunca se materializar. É por isso que Keynes propôs ironicamente que garrafas cheias de dinheiro fossem enterradas nas minas de carvão, para que então as pessoas pudessem cavar atrás delas novamente: já que todas as propostas de gastos considerados necessários eram derrubadas em defesa da prudência e da eficiência, ele propôs em vez disso um gasto completamente desprovido de sentido.

E o que acabou solucionando o problema foi algo ainda pior do que o gasto sem sentido: o gasto destrutivo – uma espécie de piada cruel feita pelos deuses da economia.

A questão é que teria sido muito melhor se a Depressão tivesse sido superada por meio de gastos maciços em bens úteis, em estradas e ferrovias e escolas e parques. Mas o consenso político para proporcionar gastos numa escala suficiente nunca se materializou; para tanto, foram necessários Hitler e Hirohito.