William Law
O espírito místico não tem sido frutuoso na Inglaterra. Os escritos de Jacob Boehme foram traduzidos para o inglês no tempo dos puritanos por alguns discípulos zelosos, mas seus seguidores nesse país não parecem ser nem mesmo numerosos. Na metade do último século ele encontrou um expoente eloquente das suas doutrinas em William Law, um não-juramentado clérigo da igreja da Inglaterra. O bispo Warburton incriminou Law com a acusação de ter ensinado a doutrina de Espinoza, com a qual sua única resposta foi que “Espinoza fez Deus importar e que isto certamente não poderia ser suposto que ele poderia ser capaz de qualquer pensamento tão absurdo quanto aquele.” Law não entendeu Espinoza, mas ele não fazia nenhum segredo de sua relação com Jacob Boehme.
Quem sabe o melhor texto para uma exposição da teologia de Law seja a seguinte passagem, “Tudo que está no ser, é também Deus, ou natureza, ou criatura; e tudo que está no ser é, apenas uma manifestação de Deus; como é nada, nem natureza, nem criatura, mas o que deve ter em seu ser dentro e de Deus, sendo que tudo deve estar de acordo com a sua natureza que é mais ou menos uma manifestação de Deus. Tudo, no entanto, por sua forma e condição fala tanto de Deus, e Deus em tudo fala e manifesta tanto de si mesmo. Propriamente e estritamente falando, nada pode começar de si mesmo. O começo de tudo é nada mais do que seu começo em ser um novo estado.” Qualquer que seja a separação, ao final de contas, feita entre Deus e a criatura, nós vemos nessa passagem em que sentido eles são um só. Todas as coisas vivem e se movem, e tem seu ser em Deus. Isto é verdade sobre demônios, bem como sobre anjos, e sobre todos os seres em níveis entre demônios e anjos. A alegria ou a miséria de toda criatura é regulada por seu estado e modo de existência em Deus. Ele é tudo em tudo. Nós não temos nada separadamente ou à distância dele, mas tudo nele. O que quer que ele nos dê, é algo dele mesmo, e nos torna mais e mais parte da natureza divina.
O homem foi criado com uma natureza angélica. Estava intentado que ele deveria ser o anjo restaurador que traria de volta todas as coisas ao seu primeiro estado, como eram antes da queda de Lúcifer. Ele foi colocado nesse mundo que foi formalmente o lugar dos anjos caídos. Ele estava num paraíso que cobria a Terra que foi revelada pelo pecado. Ele estava mantendo o paraíso, mas depois da sua queda, ele foi sentenciado ao nível em que agora está, porque esse mundo e tudo que vemos nele não são nada a não ser as coisas invisíveis de um mundo caído feito visível num novo e mais baixo estado de existência. A primeira criação que era perfeita, espiritual e angelical é representada pelo mar de vidro que São João viu antes no trono de Deus. Esse mar é divinamente e materialmente fora da qual foram formados os corpos dos anjos, e o angelical Adão. Nesse mar de vidro todas as propriedades e poderes da natureza se movem e trabalham na unidade e pureza da vontade uma de Deus. Cenas perpétuas de luz, glória e beleza estão brilhando e mudando através de todo peso e profundidade desse mar de vidro, na vontade e no prazer de anjos que uma vez habitaram a região que agora é essa Terra. Mas esses anjos se rebelaram e, por essa rebelião, o mar de vidro foi quebrado em pedaços e se tornou um lago negro; um horrível caos de fogo e ira; uma profundidade das propriedades da natureza confusas, divididas e em conflito. A revolta dos anjos trouxe já esse caos desordenado e essa matéria com a qual essa Terra é agora formada. Rochas e pedras, fogo e água, com todos os vegetais e animais que surgiram da contenda e se misturaram com os elementos que vieram à existência através da rebelião dos anjos. Eles existem apenas no tempo; eles são desconhecidos na eternidade. O mundo angelical ou mar de vidro tinha também seus frutos e flores, que eram mais reais do que os que cresciam no tempo, mas tão diferentes da densidade dos frutos deste mundo quanto o celestial corpo de um anjo é diferente do grosseiro corpo de um animal terrestre. Foi o espelho das belas figuras e formas ideais que, continuamente, manifestara as maravilhas da natureza divina e ministrara o júbilo dos anjos.
Adão foi criado com o domínio sobre o mundo caído e todas as criaturas, cuja existência era mortal, mas ele mesmo era imortal e possuía um corpo celestial. Ele foi colocado no paraíso onde poderia trazer já um numeroso florescer da primavera posta para habitar o mundo que tinha sido perdido para os anjos. O mar de vidro tinha que ser restaurado. O Sol, as estrelas, a Terra, e todos os elementos tinham que ser purificados pelo fogo e quando tudo que era grosseiro e morto for purgado fora, os filhos de Adão irão habitar a Terra renovada e cantarão aleluias por toda eternidade.
Adão com o corpo e a alma de um anjo num corpo material foi então colocado no paraíso. Ele foi colocado na sua prova por mero desejo de Deus, não por experimento, mas por necessidade da sua natureza. Ele era livre para escolher tanto a sua vida angelical, na qual ele poderia ter usado seu corpo material para um propósito de abrir as maravilhas do mundo material; quanto transformar seu desejo de abrir a vida bestial do mundo material em si mesmo, conhecendo o bem e o mal que há nele. Ele escolheu o último. No momento em que a vida bestial abriu nele, ele morreu espiritualmente. Seu corpo angelical e espírito foram extinguidos, mas sua alma sendo um fogo imortal se tornou um pobre escravo na prisão de carne e sangue.
Quando Adão caiu não era bom para ele estar sozinho, então Deus dividiu a perfeita natureza humana em duas partes. Eva foi criada, ou antes tirada de a partir de Adão. Ela se desviou muito do caminho, comendo o fruto proibido e, o persuadindo-o a comer também dele. Ele viu que estava nu; que ele era um animal de grosseiros carne e sangue, e ele ficou envergonhado de seu corpo bestial. Esse homem foi criado como primeiro macho e fêmea em uma pessoa e, esse florescer era para ser continuado depois do modo que se deu seu próprio nascimento de Deus, Law pretende provar, não apenas pela memória em Gênesis, mas das palavras do Nosso Senhor aos saduceus que “na ressureição eles nem se casarão nem serão dados em casamento, mas serão como os anjos no céu.” Ou como São Lucas diz, “eles são iguais aos anjos de Deus”, o que é suposto significar que o estado do ser angélico que Adão tivera antes de pecar, será restaurado de novo à humanidade.
Que essa substância original da humanidade fosse divina, é evidente da memória da criação, onde é dito que Deus soprou no homem “o hálito de vida”, e ele se tornou uma alma vivente. Essa alma nãoveio do seio do nada, mas como um sopro vindo da boca de Deus. O que é e o que tem em si mesmo vem de fora do primeiro e do mais alto de todos os seres. Da memória em Gênesis, São Paulo coloca que onde ele gostaria de mostrar que todas as coisas, todos os mundos, e todas as criaturas vivas não foram criadas do nada. A mulher, ele diz, foi criada do homem, mas todas as coisas foram criadas de Deus. De novo, ele diz que há em nós um único Deus, do qual vieram todas as coisas. A criação vindo do nada é uma ficção da teologia moderna, uma ficção grande o bastante para ser ficção da teologia moderna, uma ficção grande o bastante para ser o maior dos absurdos. Toda criatura nasce de alguma outra coisa. O nascimento é o único procedimento da natureza. Toda natureza é, em si mesma, um nascimento de Deus; a primeira manifestação do inconcebível oculto de Deus. Tão longe isto vem do ser fora do nada, é que é a manifestação do que em Deus não se manifestou antes e, como natureza, é a manifestação dos poderes da natureza. Essas criaturas estão mais próximas de Deus que é o maior dos poderes da natureza. A materialidade espiritual, ou o elemento do Céu, produz os corpos, ou celestialmente a carne e o sangue dos anjos, bem como os elementos desse mundo produzem a carne e o sangue materiais. A espiritualidade material do Céu, no Reino dos Anjos Caídos, tem vindo numa variedade de nascimentos ou criações, até alguns deles virem abaixo para o grosseiro do ar e da água, e o sólido das rochas e pedras.
Uma chispa da luz e do espírito de Deus está ainda no homem. Essa chispa tem uma tendência forte e natural entre a luz eterna de onde ela veio. Essa luz é Cristo em nós. Ela é o pé da mulher que desde o começo tem pisado a cabeça da serpente. Ele não começou a ser um Salvador quando nasceu de Maria, porque sua palavra eterna esteve sempre nos corações dos homens; a luz que ilumina todo homem que está no mundo. Ele é o nosso Emanuel, o Deus que nos deu vida por Adão, e por ele todo o seu florescer. Transformar na luz e no espírito conosco é a única transformação para Deus. O Salvador do mundo permanece oculto no homem, pois sua profundidade da alma da Sagrada Trindade emprestou sua própria imagem viva no primeiro homem criado, que era uma representação viva do Pai, do Filho e do Divino Espírito Santo. Esse é o Reino de Deus nele, e isto fez o paraíso sem ele. Na queda, o homem perdeu sua divindade com ele, mas desde o momento que Deus presenteou em Adão a luta com a serpente, todas as riquezas da natureza divina, essencialmente, voltaram para ele de novo, porque seu próprio bom espírito é o mesmo espírito de Deus.
O Cristo conosco, é esse Cristo que crucificamos. Adão e Eva foram seus primeiros assassinos. Comer da árvore proibida foi a morte do Cristo em Deus – a vida divina na alma do homem. Cristo não teria vindo ao mundo como o segundo Adão já que não teria a mesma vida e perfeição do primeiro Adão. O deliciar-se de Deus em qualquer criatura é justamente seu bem-amado Filho, a imagem expressa da sua Pessoa, é encontrada nessa criatura. Essa verdade dos anjos bem como dos homens, porque os anjos não necessitam de redenção é assim já que justamente a vida do Cristo repousa neles.
O trabalho de Cristo não é reconciliar ou apaziguar um Deus raivoso. Não há raiva em Deus. Ele é uma vontade imutável para todo o bem. A reconciliação é para transformar o homem da sua vida bestial, da natureza sem Deus. O efeito da queda dos anjos era para privar da natureza de Deus, que é dito, anjos e homens caídos transformados em natureza sem Deus. A natureza em si mesma é um desejo, um querer universal, que deve ser absorvida com Deus que é o Tudo universal. Nesse desejo há uma vontade para ter alguma coisa que não é, e que não pode ser mensurado. Na busca depois do que ele procura, criou resistência. Dessas duas propriedades, surgiu uma terceira, que é chamada “roda” ou “volta angustiada da vida”. Essas três grandes leis da matéria e da natureza são vistas na atração, resistência igual e movimento orbicular dos planetas. Suas existências são apontadas por Jacob Boehme desde quando foram demonstradas por Sir Isaac Newton. Essas três propriedades não foram nunca vistas ou conhecidas por qualquer criatura. Essa densidade, essa luta escuridão foram trazidas por Deus, em união com a luz, e glória e majestade do Céu, e, apenas por este final, que Deus pode ser manifestado neles. Nem poderiam eles saber, nem a natureza de qualquer criatura como em si mesma sem Deus, que não tenha a rebelião dos anjos transformada em desejo de voltar atrás na busca e encontrar o patamar original da vida. Esse ponto de virada, desse desejo na origem da vida, foi a transformação da luz de Deus. Eles descobriram um novo tipo de substancialidade, natureza caída de Deus.
À essas propriedades é adicionada uma outra quarta; fogo, a forma de luz e amor, som ou entendimento, e o estado de paz e contentamento do qual eles foram emprestados, cujo estado é chamado a sétima propriedade da natureza. A quarta, a quinta e a sexta expressam a existência de Deus na primeira das três propriedades da natureza. Boehme explica o primeiro capítulo do Gênesis, como uma manifestação das sete propriedades na temporal e material; a última das propriedades que está no estado de repouso, o contentamento do Sabbath na divindade. Como Adão caiu para ser restaurado em anjo, foi necessário que Deus se tornasse homem, “nascesse numa natureza caída, se tornasse unido a isto e se tornasse vida nisto, ou a natureza do homem deveria ter toda a necessidade de ser para sempre e sempre no inferno do seu próprio ódio, angústia, contrariedade e auto tormento, e tudo isto tem um plano de razão, porque a natureza é e pode ser nada mais do que essa variedade ou auto tormento, até a divindade ser manifestada e preenchida nele.”
Dessa doutrina, seguiu a necessidade da perpétua inspiração da raça humana. Deus vive e trabalha no homem. Isto é por sua inspiração que nós pensemos estas coisas que são boas. Isto não está confinado a indivíduos, nem dado apenas em ocasiões especiais. A verdade da Palavra de Deus não são as Sagradas Escrituras, mas a palavra viva falada na alma. A lei foi o mestre a nos trazer Cristo e o Novo Testamento é nada mais, nada menos do que outro mestre – uma luz, como aquela da profecia, que nós temos desde Cristo, a queda do dia, ou o dia da estrela, surgindo nos nossos corações. Os filhos da sabedoria no mundo foram iluminados pelo Espírito e pela Palavra de Deus. Cristo nasceu neles. Eles eram Apóstolos de Cristo que comissionavam chamar a humanidade, vinda da carne e do sangue de quem eles sabiam, a dignidade das suas naturezas e a imortalidade das suas almas.
Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt . 1884 . Capítulo X . Místicos . William Law