3. João Escoto Erígena

João Escoto Erígena

Não é com a total permissão da igreja católica que nós colocamos entre os hereges, o nome de João Escoto Erígena. Até o ano de 1583, tanto os martirólogos franceses quanto os ingleses celebravam-no como um completo mártir e desde a republicação dos seus trabalhos na Alemanha, muitos teólogos católicos daquele país clamavam-no como católico. Ele certamente viveu e morreu em comunhão com a igreja de Roma, era talvez um abade e provavelmente um padre, embora evidências sejam necessárias para estabelecer a certeza disso. Ele primeiro apareceu na história numa controvérsia de predestinação. Godescalcus, um monge saxão, caiu no desgosto do arcebispo de Rheims, por ensinar que a predestinação de Deus era formada por dois elementos – um do bem, a eterna benção e o outro, a reprovável condenação. Erígena adotou o lado do arcebispo, sustentando que Deus, em seu amor infinito, predestinou todos os homens à vida eterna. A controvérsia tornou-se tão importante que um apelo foi feito à Roma. Nicholas I aprovou a doutrina de Godescalcus e tentou checar os “venenosos” dogmas de Erígena. “Contudo” acrescenta seu biógrafo católico alemão, com um sentimento de triunfo, “Erígena não foi condenado”. Pelo pedido de Charles, o Bald, Erígena traduziu para o latim os trabalhos de São Dionísio, o Aeropagita. Isso, de novo, indispôs sua pessoa ao Papa. Nicholas o culpou por traduzir, sem a aprovação da Corte de Roma, um livro tão fácil de ser mal interpretado. Seu trabalho sobre a Eucaristia, em resposta a Radbertus, foi condenado e queimado pelo Conselho de Versalhes no século 11; mas seus advogados católicos na Alemanha dizem que esse livro não foi escrito por Erígena, mas por Ratrammus. Seu grande trabalho “Na Divisão da Natureza” parece ter passado sem censura até o século 13, quando Honorius III, achando que esse livro levantava a seita dos albigenses, que gabavam-se da adesão de um homem tão grande quanto Erígena, ordenou que todos os seus trabalhos fossem reunidos e queimados. No século 17, eles foram republicados em Oxford e imediatamente depois catalogados em Roma no index proibitthorium. Em qual extensão Erígena é um herege a igreja infalível não decidiu. Ele acreditava que a sua teologia especulativa estava em perfeita harmonia com a teologia da igreja. Isso tem sido mantido por alguns teólogos católicos, mas contrariado por outros. É conveniente aqui coloca-lo entre os hereges e, ainda, é impróprio, separá-lo do autor dos escritos dionísicos.

Na história desse grande homem, muito pouco é conhecido. Ao seu nome, João Escoto, foi adicionado Erígena ou nascido irlândes. A tradição traz o autor dos monastérios da Irlanda, onde, é dito, a filosofia e a linguagem gregas floresceram muito depois delas terem caído em negligência em outras partes da Europa, mas a Escócia e o País de Gales disputam com a Irlanda, a honra de serem o seu país de nascimento. Ele fundou o patronato liberal e Charles, o Bald o fez diretor da Universidade de Paris. Suas raras habilidades com a língua grega, suas familiaridades com as doutrinas de Platão e seus discípulos alexandrinos parecem ter constituído seu clamor para chefe patronato e a censura do Papa. De acordo com alguns, ele morreu na França. De acordo com outros, ele fundou um segundo patronato real com Alfredo, o Grande, que o fez professor de matemática e dialéticas em Oxford e, depois, abade de Malmesbury. Ele morreu junto dos seus alunos. Uma maravilhosa luz brilhou no lugar onde seu corpo estava, até onde foi sepultado no altar da grande igreja de Malmesbury. Ele foi considerado na lista dos santos e mártires. Como quase a maioria de todos metafísicos, ele era baixo em estatura e pleno com grande substrato de intelecto.

O grande trabalho de Erígena foi “Na Divisão da Natureza”. Por “Natureza”, ele entendia não apenas todos os seres, mas todos os não-seres; coisas que sã e coisas que não são. Essas duas são necessárias para constituir a existência absoluta, sendo o ser não como tudo e, sendo o não-ser, o que se opõe ao ser. Isso, no entanto, é nada mais do que uma divisão maior de quatro tipos:

1. Natureza que cria e não é criada.

2. Natureza que cria e é criada.

3. Natureza que é criada e que não cria.

4. Natureza que não é criada e que não cria.

Essas quatro divisões são puramente especulativas, começando com a ideia da existência na qual ser e não-ser, sujeito e objeto, Deus e o mundo, são todos um. O dualismo é apenas aparente, o monismo é real. Do lado humano, que é, nossa comtemplação subjetiva, “Natureza” é feita por dois e por um. Do lado divino, tudo é um. O segundo são coisas em seus ideais, com os quais os sentidos de Platão são realidades. O terceiro é oq eu alguns chamariam de realidade dos ideais, mas, na linguagem platônica, o mundo fenomênico. O quarto é Deus, ele mesmo, como a busca de todas as coisas e, como objetivo, pelo qual as coisas retornam. Reduzidas à duas, essas quatro divisões são Deus do qual tudo emana e as coisas emanando dele. Mas como os trabalhos recentes não consideram realidade exceto àquelas que derivam dele de quem elas emanam, nós voltamos à fórmula panteísta – Deus é um e todas as coisas.

Erígena alongou-se muito no assunto da incompreensibilidade de Deus Ele estava tão seguro na ideia da infinitude divina, que não imaginou Deus sendo conhecido por qualquer ser criado. Até mesmo esperar conhecer Deus como ele é, é tão imprudente quanto a pergunta de Filipe, “Mostre-nos o Pai.” E a resposta de Cristo a Filipe, a única resposta que nós teremos às nossas expectativas de ver Deus. Nós podemos observá-lo em suas teofanias; nós podemos vê-lo em seu Filho. Nós sabemos que Deus é e que ele é a maior realidade; a essência de tudo o que é, mas o qe essa essência é, nós não sabemos. Isso permanece acima de todos os pensamentos humanos e todas as concepções humanas do ser. Deus sozinho cria e sozinho é , não criado, ele não foi criado por ninguém porque ele criou a si mesmo. Mas se ele está acima de nós, como podemos pensar nele? Se nós não podemos conhecê-lo, a teologia é possível? Essa é uma questão que ainda nos é familiar. As diferentes respostas a isso e as conclusões dessas respostas são interessantes, quando nós as comparamos com as respostas e conclusões que foram feitas nos dias de Alfredo, o grande. Erígena não se desesperou com essa teologia, embora declarasse que Deus era absolutamente desconhecido e incognoscível. Nós podemos falar dele de duas formas, negativamente e positivamente. Nós primeiro consideramos que Deus é algo; qualquer das coisas que podemos falar sobre ou entender. Depois, nós predicamos a ele todas as coisas, mas afirmando que ele nã é nenhuma delas e que ainda, ele é tudo e tudo vem dele. Nós podemos falar que Deus é um ser, mas não propriamente o ser que o não-ser se opõe. Ele está acima do ser. Nós podemos dizer, ele é Deus. Se nós pegarmos a palavra grega para Deus, como derivada do verbo grego ver, então, escuridão é oposta à visão e Deus sendo mais do que a luz, está acima de Deus; se pegarmos o verbo correr, então não-correr é oposto a correr, o que é, nesse sentido, mais do que Deus. Foi escrito: “Sua palavra corre muito rapidamente”, o que significa que ele corre através de todas as coisas que são, assim como as coisas que ele pode ser. Do mesmo modo, ele é mais eterno do que a eternidade, mais sábio do que a sabedoria, melhor do que a bondade e mais verdadeiro do que a verdade. Esses atributos foram transferidos das criaturas para o Criador, do finito para o Infinito. Eles existem nele, mas em uma maneira tão transcendente que nós falamos mais reverentemente dele quando negamos a ele todos os atributos, nos resta poder associá-las à qualquer coisa de humano ou finito. Apenas predicando todas as coisas a Deus e, ao mesmo tempo, negando a ele a possibilidade de que esses predicados sejam aplicados a ele, podemos falar verdadeiramente de Deus. Há mais verdade na negação do que na afirmação. Nós conhecemos melhor a Deus sentindo nossa ignorância dele. É verdade divina o conhecimento de saber que nós não o conhecemos. O maior nome pelo qual ele pode ser chamado é chama-lo de nenhum nome e nossa maior concepção dele não é uma realidade de um ser, mas sim, como um Absoluto Nada que está acima de todo ser.

Mas Erígena não podia parar aí. O receio da limitação acompanhando o conhecimento do divino ser, é então, um passo pra a negação desse conhecimento. Mas outra questão imeditamente surge: Deus conhece a si mesmo? Se ele conhece, isso não e uma limitação, assim como o conhecimento humano dele? Se ele conhece a si mesmo ele deve se tornar um objeto do seu próprio conhecimento e ele, desse modo, não será mais o infinito e o incognoscível. Erígena estava próximo de legitimar a conclusão de sua rígida dialética. Deus não conhece a si mesmo. Ele sabe que é, mas não sabe o que ele é. Se ele não sabe, como nós vamos sabê-lo? De que modo não teríamos necessidade de chamar seu nome, desde que ele é tão maravilhoso? Deus não pode ser conhecido como algo determinado e ainda essa divina ignorância é, em verdade, a mais inexprimível sabedoria. E isso está em consonância com a inconsciência de Deus de si mesmo. Nós dizemos que ele não conhece a si mesmo, porque se ele conhecesse, ele estaria limitado. Esse atributo, como os outros, deve ser tanto afirmado quanto negado dele; sendo que para expressar o conhecimento de si mesmo é ser como ele mesmo, acima de todo ser ou essência, transcendentemente divino.

Erígena dividiu a natureza, ou todo o ser e não-ser em quatro divisões. Essas, como nós vimos, foram reduzidas para duas e de novo a uma, na identidade de Deus e da criação. Mas essa identidade pode ser entendida por dois caminhos, sendo a essência de Deus que vai inteiramente no ser do universo ou considerando que todas as coisas partem do seu ser e são manifestações dele, ainda que ele transcenda tudo. É muito recente o senso de que nós estamos aqui para entender a identidade de Deus e do universo. Ele cria todas as coisas e sua essência está em todas as coisas. Ele é manifesto em toda criatura e, ainda, Deus permanece um em si mesmo. Ele nunca deixa a simplicidade do seu ser. Deus se move e expande seu ser e, portanto, o universo, como um fenômeno visível, aparece. Tudo em sua extensão, porque tudo surge dele, qe deus estende a si mesmo; mas nessa extensão ele não ultrapassa se ser. Ele ainda existe, separado de tudo, assim como nossos espíritos existem separados dos nossos pensamentos expressados em palavras e escritos. Sua presença em todas as coisas não esconde que ele permanece um em si mesmo. O universo não em existência independente da existência de Deus; ele é Deus, mas não o todo de Deus. Ele é mais do que o universo, e também a natureza divina verdadeiramente e propriamente em todas as coisas. Nada realmente é, no qual a natureza divina não seja. Deus e a criatura não diferem na sua natureza essencial; eles sã ambos divinos. A criatura subsiste em Deus; e Deus, de uma maneira maravilhosa, é criado na criatura.

Erígena utliza a palavra criação e em seu catolicismo advoga isso, tão profissionalmente quanto um ortodoxo; mas nós não devemos misturar suas palavras. Criação com Erígena, é emanação. Seus argumentos perdem seu significado no momento em que esquecemos disso. Emanação é a chave que une o criado com o não-criado: o invisível elo que faz Criador e criatura um. Como na segunda das quatro divisões, nós temos: “O que cria e é criado.” Isso representa os ideais com os quais são constituídas as realidades de todas as coisas criados, que os gregos chamavam protótipos, espécies ou formas eternas de acordo com eles, e neles, o universo visível foi criado. Esses ideais são os pensamentos de Deus – sua concepção das coisas antes do começo do tempo. Elas são idênticas com seu espírito e sua vontade. Deus não pode existir sem criação, a criação é seu trabalho necessário. Os atributos divinos de ser, sabedoria, bondade e verdade requerem que Deus crie – e esses são um com seus princípios ideais de criação. Esses ideais tornam-se a ponte entre o infinito e o finito. Como os atributos de Deus eles participam em Deus e, ao mesmo tempo, eles são as realidades do universo fenomenal. Para entender isso, devemos deixar nossa concepção ordinária de pensamento, como algo na mente, distinto de toda a realidade em volta. Todos os pensamentos de Deus são mantidos, tem uma real existência objetiva no Logos que, como as escrituras ensinam, existiram no começo ou primeiro princípio, causa primordial do céu e da Terra. Ele formou nessa palavra, que tornaria-se o próprio Filho, todas as coisas que queria criar, antes que essas coisas viessem à existência fenomenal. A palavra, desse modo, é a união dos ideais; a original forma de todas as coisas, que numa maneira eterna e imutável, é representada nele e subsiste por ele.

Silenciosamente os ideais foram considerados como os atributos divinos ou como os pensamentos necessários de Deus, já que Erígena achou fácil identifica-los com Deus pela palavra. Mas como ele fez a ponte da separação entre o ideal e o universo fenomenal – entre a segunda e a terceira divisões da natureza – “O que cria e é criado” e “O que é criado e não cria?” Os ideais são co-eternos com Deus. Isso é claro; mas podem eles serem realidades objetivas até que passem ao estado fenomenal? Em outras palavras – podem eles serem uma causa até que façam-se bem suas existências por um efeito? O universo fenomenal é co-eterno com o ideal ou ele teve uma origem no tempo? Se for correta a última assertiva, a criação, desse modo, não é eterna, a menos que venha a ser uma causa sem um efeito. Mas a criação é eterna – o ideal do universo é eterno, o ser fenomenal sendo necessário para sua compleição, ele tem que ser eterno. Logicamente, o efeito segue a causa; a criatura deve vir depois da criação, aqui nós somos compelidos a distinguir entre a eternidade de Deus que tem seu início em si mesmo, e a eternidade das coisas criadas que tiveram seu início nele. Ainda, quando dele foi, eles foram; as causas primordiais são co-eternas com ele, porque elas sempre subsistiram nele. O que é matéria , tempo e espaço? Como realidades elas desaparecem. Tempo é nada mais do que a continuação e o mover de coisas mutáveis. A cognição disso precede tudo conhecido ou pertencente ao tempo. Espaço é a limitação dos sensíveis e inteligíveis objetos. Isso não é percebido pelos sentidos. Isso só pode ser pensado na razão. Tempo e espaço são existências meramente subjetivas. Quase o mesmo é dito da matéria. Ela vem a aparecer nas margens do tempo e do espaço, flutuando das causas primordiais. Tão logo tenha forma, é corpórea, mas tão logo é sem forma, é incorpórea e pode apenas ser conhecida pela razão. Aristóteles considerou a matéria como mera potencialidade; e forma como verdade que tomou emprestada o material indefinido ser algo. A doutrina de Erígena não difere muito disso. A matéria é, para ele, apenas a participação da forma e da imagem. O que quer que seja isso, não é nada verdadeiro. Mas forma e imagem são, em si mesmas, incorpóreas, e podem ser conhecidas apenas pela razão. E segue que as coisas formadas bem como as coisas sem forma são originalmente e essencialmente incorpóreas; as últimas querendo uma forma e, as primeiras, não em si mesmas, mas através da forma. Mas o que é, em si mesmo, incorpóreo torna-se corpóreo pela participação com outro incorpóreo e, assim, corpos são produzidos pela junção de dois incorpóreos. Se é desse modo, eles podem ser de novo colocados em seus estados originais, extinguindo seus corpos. O que é matéria? Nada – ou alguma coisa próxima de nada; a mutabilidade de coisas mutáveis; o sem forma e vazio; a nulidade de um corpo que permanece quando privado de todas essas qualidades – a mera reflexão, eco e sombra do ser verdadeiro.

O homem visível tem seu lugar na cabeça da “Natureza que é criada e não cria.” Como a essência de Deus é a única substância de todos os seres, como o Logos é a unidade de todas as causas primordiais, o homem é o ponto mediador das oposições e diferenças do mundo fenomenal. Seu ser contem todas as naturezas criadas em si mesmas; desde o espírito e razão do homem, Deus tem criado o invisível e inteligível mundo; e em seu corpo, o visível e o sensível. O homem está contido na causa original oculta de acordo com o que ele criou; e nele está contida toda a criação, então que ele seja chamado, não impropriamente, “o trabalho de todas as outras criaturas.” Ele entende como um anjo, tem razão como um homem; sente como um animal; vive como uma planta; consiste de corpo e alma e é semelhante à toda criatura. Ele foi criado à imagem de Deus que nele toda criatura, tanto inteligível e sensível poderosa forma e indivisível unidade. Precisamos nós nos maravilhar com eles, que em seu sofrimento, criaturas sofrem e que toda criatura lamenta e viaja junto com ele e com ele, espera por libertação?

A quarta divisão da natureza é: “Aquele que não cria e que não foi criado.” Isso, como nós já vimos, é Deus, ele próprio. A diferença é que, primeiro, Deus é o criador e a palavra, o ser da qual a criação emana. Nisso, ele é o ser no qual toda a criação retorna. Isso é Deus em nossa maior concepção dele; Deus sem atributos; Deus em sua essência super-essencial, nem criativo nem criado; Deus como a Mônada original, que não é nenhum ser e não é nenhuma coisa, é ainda, mais do que todas as coisas e de quem nós falamos mais reverentemente e mais verdadeiramente quando falamos dele como o absoluto não-ser.

Nós reservamos até aqui, a aplicação da filosofia de Erígena à interpretação da escritura e dos dogmas da igreja. Esse arranjo é da nossa própria realização. Não há lugar na “Divisão da Natureza”. As escrituras, a doutrina da igreja e a filosofia foram feitas juntas uma para explicar a outra, uma perfeita harmonia de todo ser, previamente assumida. Erígena foi um cristão e um católico. Veremos como ele entendia a Cristandade.

Neander diz: “- A disposição que vigora no espírito teológico nesse tempo era a de apegar-se, como nós temos antes marcado, às autoridades da tradição da igreja, mas ele estava fundando um sistema da verdade, que deveria repousar inteiramente em um insight racional, aprovando a si mesmo como verdade por uma necessidade interna de razão. Ainda de acordo com essa apreensão, o racional e a teologia tradicional da igreja, fé e conhecimento pela razão, filosofia e religião não ficariam em contradição, mas em perfeita harmonia uma com a outra. Para isso, diz ele, um homem pode elevar a si mesmo ao conhecimento de Deus, que é o fim da filosofia verdadeira, apenas seguindo o modo e a maneira nesse Deus, que é em sua essência incompreensível e incognoscível, deixando a si próprio a condição e o querer da humanidade que é educada, foi revelada em si mesmo; Deus em suas formas de revelação, em suas teofanias. Depois disso, apresenta a si mesmo, no desenvolvimento histórico da religião, através da autoridade da igreja, mas filosofia verdadeira, que surge acima das teofanias ao absoluto em si mesmo, que soa abaixo de toda apreensão conceitual, dá insight nas leis de acordo com como Deus deve ser conhecido e cultuado. A verdadeira filosofia e a verdadeira religião são, no entanto, um. Filosofia sem a forma da tradição é religião; religião sem a forma da tradição pelo conhecimento racional, é filosofia. Filosofia é o lado teorético da religião; a religião é o lado prático da filosofia.”

A fé católica é o que nós cultuamos, um Deus em trindade e a trindade em unidade. Essa é uma doutrina verdadeira. Nós podemos objetar às contrariedades e duras formas dogmáticas que ela tomou nas frases latinas do credo de São Atanásio; mas em substância, ela é verdadeira. Não há três pessoas na cabeça de Deus; mas o substituto da palavra grega e, desse modo, o credo de São Atanásio pode ser permitido passar. A Trindade não é mais do que um Deus em três pessoas como Deus em três operações. Ele é uma causa subsistindo por si mesmo e, ainda, em três causas por si mesmas subsistindo. O Pai é a causa do Filho, não como na natureza, porque ambos são um em essência, mas de acordo com a relação dele eu procria, a ele que é procriado, ou da causa que precede àquela que segue. O Espírito Santo procede do Pai, não dele, mas através do Filho, porque uma causa não pde ter duas causas. A luz procede do fogo pelo meio do raio, mas não de ambos, o fogo é a causa original de ambos, da luz e do raio. O raio produz a luz, mas não como se isso fosse, em si mesmo, uma causa propriamente subsistida; porque ele não pode nunca ser pensado, como separado do fogo do qual o raio procede e com o qual é incessantemente presente no raio e sofre da luz o ir-se por si mesmo. Desse modo, também o Pai é a causa que produz o Filho. E ele é a essência de todas as causas que são criadas nele pelo Pai, e o Pai, ele mesmo, é a causa do Espírito, procedendo dele, mas através do Filho. O Espírito, de novo, é a causa de toda divisão, multiplicação e distribuição de todas as coisas, que são feitas no Filho pelo Pai e, em geral e, em especial, nos trabalhos ambos nos reinos da natureza e da graça. Então, o Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho e, de novo, o Filho torna-se o Pai através da graça do Espírito Santo. Essas formas e modos de representar a Trindade eram comuns entre os pais gregos. Quão longe eles eram ortodoxos, não é da nossa conta. Com Erígena os “três” que formam a Trindade nunca aparecem como pessoas, mas apenas como poderes, nomes, relações ou operações de Deus. O Pai é essência; o Filho é poder; o Espírito é energia. O Pai é mente; o Filho é auto-conhecimento, o Espírito é amor próprio. Como Abraão não era pai em si mesmo; nem Cristo um Filho em si mesmo; mas um com o Pai e o outro um Filho em relação a cada outro, a substância de ambos sendo a mesma. Embora as operações sejam diferentes, é Deus que trabalha através de tudo. Como princípio diferencial, a criação é forjada para e na humanidade. O Pai deseja; o Filho cria; o Espírito Santo dá compleição ao trabalho. Mas para o Pai, desejar é fazer, sendo que o trabalho do Filho e do Espírito é, nada mais, nada menos, do que fazer a vontade do Pai. O Pai é o princípio da substância de todas as coisas – o Filho, suas causas ideais – o Espírito, as suas manifestações verdadeiras em tempo e espaço. As operações do triuno três são diferentes e, ainda, o trabalho é Um. Essa grande doutrina da igreja aponta momentos de tornar-se da natureza. É uma teofania da verdade, nada mais. Deus não é nem uma Trindade nem uma Unidade. Ele é alguma coisa mais do que três e um ou um em três.

A criação do homem, também, como o ser de Deus são, juntos, transcendentais. O homem existiu na mente divina or toda eternidade. Das velhas “delícias da sabedoria foram feitas os filhos dos homens.” O Adão ideal era completamente feliz no paraíso; ele tinha um corpo espiritual como o dos anjos. Nos seus discursos de glorificação dos corpos, São Paulo mostra, em sua linguagem, que o corpo e o espírito são essencialmente de uma substância. A esse Adão primordial foi ensinado amar o espiritual e o invisível, mas ele desejava o visível e o sensual e, como uma punição, ele foi vestido com o seu presente corpo de morte. Depois, estando sujeito às paixões e aos afetos de vilania, ele foi levado do Paraíso – que é, ele foi levado do espiritual para o mundo material. Ele não era mais como os anjos. Eva foi criada. O casamento foi instituído e o homem foi domado para perpetuar sua raça do mesmo modo que as bestas do campo. Isso pode parecer contraditório à narrativa do Gênese, mas em realidade não é, porque a Eva ideal existia previamente no Adão ideal e representava o senso, princípio que o seduziu para fora da vida espiritual. Nessa expulsão do Éden e dessa separação de sexos, o mundo fenomenal, para falar humanamente, tem sua origem. O homem passa do ideal espiritual para o fenomenal e material e como nele é contido em todas as formas e níveis as criaturas, isso teve o seu começo como ele começou sua existência material. Nessa queda nós aprendemos o que é pecado. Isso não é a coisa real, mas apenas uma privação do bem – um acidente do ser. Não é nada que tenha acontecido ao homem num tempo, mas uma enfermidade da sua natureza.

A semente do pecado ou a possibilidade da vontade diabólica sempre esteve com o homem. Foi sofrido por Deus estar nele. Além disso, a queda foi predestinada, a eclosão dessa semente diabólica pode trazer um bem maior. É impossível que Deus esteja desapontado ou que qualquer evento possa surgir que ele não tenha pré-ordenado. A queda do Adão ideal e a criação desse mundo fenomenal são passos no procedimento divino - partes de um trabalho eterno que, no fim, irão contribuir para a maior glória de Deus e uma maior benção de tudo no universo.

E a encarnação de Cristo, também, é fora do tempo. Ela deve ser, para o pensamento, uma co-existência com a compreensão de uma enfermidade no homem. Como ele estava predestinado a passar do estágio material, ele estava também, predestinado a retornar ao espiritual ou, ao menos, passar para ele, porque a queda e a encarnação são juntas, processos na história do progresso das criaturas pelo Criador. O sujeito da encarnação é o Logos eterno; o primeiro princípio no qual e pelo qual todas as coisas foram feitas. No Logos , o homem tem seu ser. Ele sentia pelo amor ao sensual. Ele participava pelo material. Foi necessário que o Logos, para restaurar o homem, tivesse que descer de maneira semelhante e participasse do material, embora ele tirasse a humanidade do seu estágio de queda; um corpo dos sentidos com alma e espírito e, além disso, ele uniu a si mesmo, o todo da criação sensível e inteligível. Tocando a natureza do homem ele levou toda a natureza abaixo do homem, o que incluía tudo, sendo ele o Redentor de toda criação. O Logos ou a causa eterna de tudo, descendia como na cabeça de Deus dos efeitos com os quais ele é a causa, que é no mundo dos sentidos: que ele deve salvar de acordo com sua humanidade, os efeitos das causas que ele tem eternamente em si mesmo. A encarnação não era questão de escolha. Era necessária pra a causa de todas as coisas, depois, sendo o bem os efeitos que descendiam neles. Isso foi feito pelo Logos, que em sua encarnação tornou-se homem e, manifestou a unidade em si mesma, subsistida do espiritual e do fenomenal; o infinito e o finito – a eterna imanência de Deus no universo. Como o homem é a essência de todos os efeitos produzidos pela causa ideal, então o Logos é a unidade ou a essência das causas em si mesmas. Nas escrituras a encarnação é necessariamente representada como lugar no tempo, mas como a criação, e na queda do homem, ela é a realidade eterna.

A restituição completa e final do homem é o resultado inevitável da encarnação do Logos. O universo procedeu de Deus. Ele é, nada mais do que a extensão do seu ser; a manifestação dele próprio; no entanto, ele deve retornar para ele, não em parte, mas como um todo. A predestinação de qualquer coisa à destruição, nada mais é do que uma figura de linguagem. Todos os homens devem ser salvos. Seu retorno a Deus é necessário, sim, não é algo no tempo, não é um evento do qual nós possamos falar, no passado ou no futuro. É algo verdadeiro. Na contemplação de Deus isso é eternamente realizado, mas para o homem, o Logos tornou-se encarnado em Jesus de Nazaré, que por sua morte, ressureição e ascenção, completou a salvação dos homens e dos anjos.

Livre tradução do livro Pantheism and Christianity . John Hunt, 1884 . Capítulo 7 . Heresia . João Escoto Erígena