Os gnósticos
Do lado especulativo da igreja espalharam-se as heresias filosóficas. A mais antiga delas eram os gnósticos, que se dividiam em muitas seitas; por gnóstico, que significa aquele que sabe, parece ser aplicável a todas as heresias cuja especulação na natureza e no ser não concordam com as especulações aprovadas pela igreja. Talvez a mais marcante distinção entrre os gnósticos e os pais alexandrinos é que, os primeiros tem amis do espírito oriental e os últimos, mais dos gregos. Os gnósticos tem mais teosofia; os alexandrinos mais filosofia. Plotino que importou no seu sistema mais do orientalismo do que qualquer grego antes dele, escreveu contra os gnósticos, acusando-os de perverter a antiga filosofia dos gregos.
A característica geral do gnosticismo não difere em termos amplos das filosofias contemporâneas do mundo oriental. Ele está ocupado com as mesmas questões e chega quase às mesmas conclusões. Em especial a heresia dos gnósticos, como professam os cristãos, foi o de rejeitar a humanidade de Cristo e isso surgiu da crença que, como filósofos, eles entenderam que a matéria estava conectada com o mal, e que o corpo é morada do pecado e se o pecado fosse inseparavelmente conectado com o corpo material, eles concluíram que a humanidade de Cristo tinha sido ilusória. Ele era homem em aparência apenas. Alguns colocavam um tão grande intervalo entre o invisível e o visível, que fazem isso como que para separar o Deus do céu e o Deus da natureza. Isso, também, tinha sido feito por alguns dos antigos filósofos porque eles não admitiriam a criação de Deus ser a mesma com ele que que tinha essência inamovível. O Demiurgo era a “mente” de Deus com Platão e a segunda hipóstase da Trindade com Plotino; mas alguns dos gnósticos foram tão longe para fazer o Demiurgo o inimigo de Deus, como Ahriman dos persas, criando um reino oposto ao de Deus; que ainda esse dualismo de alguma forma levou à resolução, em si mesmo, no monismo; a existência de uma oposição a deus e seu mundo do ser natural sendo apenas um resultado necessário às emanações do Deus Supremo.
As seitas gnósticas são divididas em seis classes. A primeira, composta por pequenas escolas primitivas, cuja cabeça Cerinthus e Simon, aliados às doutrinas emprestadas do judaísmo, do politeísmo grego e do oriente. A segunda, consistindo nas escolas da Síria, juntava ao cristianismo algumas das ideias fundamentais do oriente. A terceira classe que abraçava as grandes escolas do Egito, foi hostil em algumas das divisões do judaísmo, mas fundiu em seu professar, as doutrinas da Ásia, do Egito e da Grécia. A quarta, uma das pequenas escolas do Egito, não difere muito das grandes escolas. A quinta classe foi a dos marcionitas, que levou sua hostilidade ao judaísmo muito longe, mas adicionou à cristandade algumas ideias do oriente. Outra classe era composta daqueles que professavam os princípios de Clementino, que aliavam o judaísmo e o orientalismo às doutrinas cristãs.
De Simão, o mágico, nós sabemos pouco além do mencionado dele no Ato dos Apóstolos. Ele era chamado o grande “poder de Deus”, uma designação que se supõe significar que ele era a encarnação de Deus ou um dos divinos poderes que rodeiam o Eterno e era, em realidade, atributos divinos. Quando nós víamos os trabalhos dos apóstolos, ele se juntou a eles como discípulos da cristandade. Para qualquer coisa que nós sabemos em contrário, ele pode ter sido um cristão no fim da sua vida. A tradição faz dele um impostor e o cabeça da seita gnóstica. Ele supostamente considerava que o Espírito Santo poderia ser comprado com dinheiro; mas a sua resposta a Pedro, alguns dizem, estabeleceu a sua boa fé e sua deferência aos apóstolos – “Deus reza por mim e nenhum desses males que você falou poderá acontecer comigo.”
Cerinthus, como nós aprendemos de Theodoret, foi um nativo da Judéia. Ele viveu algum tempo no Egito e tornou-se familiar com os sistema alegórico de Philo. Ele desejava preservá-lo na cristandade, mas encontrou extensa oposição nos discípulos de São João. Ele acreditava que o intervalo entre o Ser Supremo e o mundo material fosse tão grande, que estivesse descreditando o atributo da criação ao Supremo Deus. O criador do mundo era um poder inferior, separado do primeiro princípio por uma longa série de Aeons ou, poderes inferiores, que não conhecem a Deus, ou pelo menos, como Irineu expressou, tinham menos conhecimento dele do que o Logos tinha. Jesus de Nazaré, o filho de José e Maria, em virtude da sua grande sabedoria e bondade foi unido a Cristo em seu batismo no Jordão e o objeto dessa união foi a manifestação do Supremo Deus aos homens.
Saturnino, que representa a primeira escola síria era mais relacionado como discípulo de Zoroastro do que qualquer outro gnóstico, o que é dito dele é que foi o mais claro na enunciação da doutrina dos dois princípios. Ele identificava o “Eu sou” dos judeus com o Supremo Ser do Zendavesta; chamando-o não apenas Pai como os cristãos ensinaram a fazer, mas o “Pai desconhecido”. Ele chamava-o também de a busca de tudo o que é puro, pelos “poderes do ser” que se tornam fracos em proporção tanto quanto estão distantes da primeira ou primitiva busca. No último estágio do mundo puro estão sete anjos, que representam o que é mais perfeito no mundo inteligível; e esses sete anjos são os criadores do mundo material e visível. Isso difere, aparentemente, da doutrina de Zoroastro. Mas é, provavelmente, um outro modo de expressar a mesma coisa; a criação sendo frequentemente nada mais do que outra palavra para emanação. Os anjos fizeram a criatura homem; mas o sopro do Supremo poder o animou e o elevou à sua posição como homem. Ele deve ser libertado da escravidão da matéria e , para isso, Cristo veio ao mundo. Ele foi o primeiro dos poderes celestes e, na Terra, era sem forma, sem nascimento natural e sem qualquer corpo material.
Bardesanes foi o fundador da segunda escola da Síria. Ele também admitia os dois princípios; o Um do “Pai desconhecido” ou o Supremo e eterno Deus, que vive no seio da luz, abençoando na perfeita pureza do seu ser, o outro, a matéria eterna, essa inércia, escuridão, informada que o Oriente reconectou à busca de todo mal, a mãe e o assento de Satã. O Deus eterno feliz na plenitude da sua vida e em suas perfeições, tendo resolvido espalhar em volta sua vida e felicidade em si mesmo, multiplicou a si próprio, manifestando-se em muitos seres, partilhando sua natureza e bendizendo seu nome; pelos Aeons foi chamado El ou Deus.
O primeiro ser, com o qual o Pai desconhecido foi seu syzygy ou companhia, o qual ele colocou no paraíso celeste; e de onde ele veio, através dele, a mãe do FILHO do Deus vivo, Cristo. Isso é uma alegoria que significa que o Eterno concebeu, no silêncio dos seus decretos, o pensamento de revelar-se por outro ser, que era a sua imagem ou Filho. Depois de Cristo, veio sua irmã ou esposa, o Divino Espírito Santo, que a igreja chama de amor do Filho pelo Pai. Bardesanes admitia sete desses syzygies ou sete emanações de casais místicos. Com a ajuda de quatro Aeons, tipos dos elementos, o Filho e o Espírito fizeram o céu e a Terra e tudo o que é visível. A alma do homem, em última análise, era, ela mesma, uma emanação do ser supremo; um dos Aeons. Isso era o sopro de Deus, o espírito do Espírito que formou o mundo.
A terceira classe dos gnósticos, do Egito ou da Alexandria, é, talvez, a mais importante de todas, e a mais marcada pela doutrina alexandrina. Basilides, o cabeça dessa escola, como todos os outros gnósticos, colocou na cabeça de tudo, o não-revelado ou inefável Deus. Dele procederam emanações que, em seu turno, eram elas mesmas, Deus, por em realidade serem nada menos do que nomes divinos ou atributos personificados. Com Basilides, a multiplicidade de Deus aparece primeiro como um Ogdoad, consistindo em sete poderes divinos e o Um primal. Esse é o primeiro octógono, a raiz de toda existência; cada uma tentando ser uma cópia da procedente e inferior a ela. Toda lista ou série é composta de sete inteligências e o total delas, 355, fazem o inteligível ou mundo celestial. A alma do homem é um raio de luz celestial que tem feito uma migração perpétua desde o começo do mundo. Isso acaba sendo separado do material, que deve retornar à busca do que ele veio; e não apenas como o destino da alma do homem, mas sim, toda vida está agora aprisionada na matéria. A palavra veio para acompanhar essa libertação e, no fim, ele estará unida a Jesus de Nazaré.
A mais significante, de acordo com Baur e aquela que representa a primeira forma de gnosis, é, indubitavelmente, a seita valentiana, parcialmente como foi colocada por Valentinus ele mesmo e, parcialmente, como mais foi exposta com diferentes modificações por seus zelosos discípulos. Como o sistema dos Basilides, em Valentinus temos uma série dupla de manifestações ou de seres, que são todos unidos a uma primeira única causa. Dessas, algumas são as manifestações imediatas da plenitude da vida divina; outras são emanações de um segundo tipo. A cabeça de ambas as séries, que é a cabeça imediata do primeiro apenas, é um ser perfeito, o Bythos ou abyss, eu nenhum intelecto pode alcançar. Nenhum olho pode ver a invisível e inenarrável glória que habita nele. Nós não podemos compreender a duração da sua existência. Ele sempre foi e sempre será.
A manifestação desse ser deu existência ao mundo inteligível. Para esse ato, nós não podemos aplicar a palavra criação, porque não foi uma produção daquilo que não existe. O Supremo Ser pôs de fora de si o eu tinha que ser ocultado; aquilo que foi concentrado no Pleroma; e as inteligências que deu existência, margeiam o nome das manifestações, poderes ou Aeons. Os cabalistas deram a todas as inteligências superiores e, especialmente, ao Sephiroth, os nomes, El, Jeová, Elohim e Adonai. Eles queriam, com isso, expressar que tudo que emana de Deus, ainda é Deus. Os gnósticos tem o mesmo pensamento e deram às inteligências o nome de Aeon, que significa um mundo; uma era, uma eternidade. O atributo mais característico de Deus foi a eternidade; e essas emanações de Deus foram chamadas Aeons. Os valentianos dizem, de acordo com Irineu, que há nos pesos invisíveis e inenarráveis, um Aeon de toda perfeição, que tem existido antes de todas as coisas. Eles chamam-no também de Bythos.
O Bythos tem passado infinitas eras descansando, em silêncio e resolveu manifestar a si próprio e, para isso, ele fez uso do pensamento, que, sozinho, pertencia a ele; que não era uma manifestação do seu ser, mas sim, a busca de toda perfeição – a mãe que recebe os germes da sua criação. A primeira manifestação que o pensamento do Supremo Ser produziu foi a mente. Na linguagem alegórica dos valentianos, o pensamento estava impregnado pelo Bythos e, então, foi produzida a mente, a única criação e filho do Supremo. Bythos é, então, masculino, em outros tempos, masculino-feminino, como quando resguardada no estado da unidade com o pensamento. Bythos e pensamento tem suas contrapartes em Ammon e Neith dos egípcios. A mente é a primeira manifestação dos poderes de Deus – o primeiro dos Aeons, o começo de todas as coisas. Por isso, a divindade foi revelada, sem o ato que a deu existência, todas as coisas iriam permanecer fundidas no Bythos. Os Aeons são nada menos do que a mais completa revelação de Deus.
Eles são as formas do grande Ser, os seus nomes, cuja perfeição nenhum nome pode expressar – os nomes do Um inominável. Desses Aeons, alguns são masculinos e alguns são femininos. O feminino é análogo ao masculino; então o Ogdoad torna-se uma Tetrade e , pode ser reduzida assim: - Bythos, Mente, Palavra, Homem.
No Bythos, todas as coisas são um. Como ele criou a si próprio, dele resultou a antítese, que é formada através de todos os degraus da existência. Mas esses são antíteses desses tipos; syzygies ou uniões, cópias do Bythos e pensamento. Um é complemento do outro. O primeiro dos dois é o masculino, o ativo ou princípio formador; o segundo, o feminino ou princípio passivo. Dessa união resulta outros Aeons, que são as imagens desses. A união de todos os Aeons forma o Pleroma ou todo da natureza divina, a plenitude dos atributos e perfeições dele, eu nenhum homem pode conhecer, a menos que seja o Filho.
Todas as manifestações de Deus eram puras e refletiam os raios dos seus atributos divinos. Mas os Aeons não eram iguais em perfeição. Quanto mais eles se classificavam separados de Deus, menos eles sabiam dele e mais próximos estavam da imperfeição; sim, eles alcançaram a imperfeição e, como necessidade, houve degeneração ou, como outros dizem, uma queda. Os Aeons que estavam distantes de Deus, estavam animados por um veemente desejo de conhece-lo, mas isso foi impossível. O silêncio eterno, eu significa uma impossibilidade na natureza das coisas, preveniu que eles obtivessem esse conhecimento. A harmonia do Pleroma estava em perigo, havia uma necessidade de restauração, de uma salvação da queda. Essa salvação foi feita por Cristo.
Esse Pleroma, essa queda e salvação apenas concerciam ao celestial ou mundo inteligível; mas o inferior ou mundo terrestre é uma cópia do celestial; e embora por fora do Pleroma, o que acontece no celestial tem sua contraparte no terrestre.
Jesus fez para o mundo inferior o que Cristo fez para o Pleroma, como o Único nascido. Ele foi o primeiro nascido da criação e espalhou através de toda existência, colocada fora do Pleroma, os germes da vida divina, que ele abraçou na sua própria pessoa.
Há uma contradição manifesta em falar de um Pleroma ou todo, que contenha todo o ser e, então, assuma a existência da matéria fora do Pleroma. Mas os valentianos tinham uma resposta certa. Embora o pai de todas as coisas, eles dizem, contenha tudo, e nada esteja além do Pleroma, ainda assim, “dentro de” e “fora de” são apenas expressões adaptadas do nosso conhecimento ou da nossa ignorância, não tendo nenhuma referência de espaço ou distância. E quando eles explicam a matéria além do Pleroma, eles explicam a matéria como os filósofos tinham feito antes deles; não como uma existência real, mas um degrau necessário entre o ser e o não-ser, um algo negativo entre o que é e o que não é. A existência de um divino puro, um divino misturado com a matéria, requeria um conhecimento dos valentianos na sabedoria criativa de Deus, um ser duplamente formado , uma sabedoria maior e menor. Sendo a última a alma do mundo, o imaturo Aeon em seu progresso à perfeição. Dessa mistura, do Aeon com a matéria, vieram todas as existências vivas, em gradações sem número; maiores em proporção, como elas são livres da matéria e menores quanto mais elas estão em contato com a matéria.
As doutrinas dos basilides e valentianos, sob diferentes modificações, foram colocadas por todas as seitas dos gnósticos egípcios, ambos das grandes e pequenas escolas. Neander diz, “Havia alguns entre os tipos gnósticos que carregavam seu panteísmo com mais consistência. Eles defendiam que a mesma alma é difusa entre todos os seres vivos e a natureza inanimada; pelos degraus da matéria, pelos limites da existência individual, deve ser absorvida pela alma-mundo ou sabedoria, a busca original floresce. Tais gnósticos disseram: ‘Quando nós nos alimentamos, nós absorvemos a alma, colocada e dispersada nela, em seu próprio ser e conosco elas vão ser elevadas para a fonte original.’ Então comendo e bebendo nós praticamos uma espécie de culto.” Em evangelhos apócrifos dessa seita*, a alma mundo ou Supremo Ser diz ser iniciado, ‘Sou arte e sou eu; onde sou arte, sou eu e eu estou difuso entre tudo. Onde estou satisfeito, não se pode me abarcar, mas no meu abarcamento pode satisfazer-se.’ Dorner diz, “Uma epifania relata dos gnósticos do Egito, que provam que eles eram parte dada ao Natural Panteísmo. Eles chamavam os poderes do Cristo material. Esses que acreditavam que mensuraram o círculo inteiro da vida natural e que tem coletado e oferecido todo o poder, diziam, ‘ Eu sou Cristo.’ “
*O evangelho de Eva – a seita, os ophites.
Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt, 1884 . Capítulo VII, Heresia, Os gnósticos