Dionísio, o Aeropagita
A mais marcante semelhança em todos os escritos cristãos com as doutrinas dos plantonistas de Alexandria, é encontrada nos famosos trabalhos de São Dionísio. Esse santo era o Aeropagita que aderiu a São Paulo depois do seu discurso em Atenas. Não era sabido por três ou quatro séculos depois da morte de Dionísio que seus trabalhos eram existentes ou mesmo que ele tinha escrito qualquer trabalho. Eles apareceram abruptamente na controvérsia entre a igreja e o lado dos hereges e foram classificados como sendo em favor dos hereges. Eles tem especulações e sua piedade mística suave sempre encontraram admiradores e até mesmo defensores da sua qualidade genuína.
A doutrina favorita das três ordens da igreja, bispos, padres e diáconos como cópia e símbolo das três ordens na hierarquia celestial sempre foi fazê-las queridas aos homens de igreja. O abade Darboy, numa recente introdução aos trabalhos de São Dionísio mostrou que o autor desses trabalhos foi inclusive o Aeropagita convertido por São Paulo que vivia nos dias em que São João era bem conhecido como um teólogo, apóstolo e evangelista em exílio em Patmos; quando Timóteo e Tito eram bispos de Éfesos e Creta e quando Pedro era papa em Roma. Além disso, que esse Dionísio esteve certamente presente no funeral das obséquias da Virgem Maria, que ele tenha sido feito bispo de Atenas, tendo deixado sua diocese grega indo como missionário à França, tornando-se o venerado São Denis, que fundou a igreja de Gauls é sabido. “Ele não tomou emprestado de Plotinus” diz o abade Darboy. “mas foi Plotinus que tomou emprestado dele.” Guizot, que estava menos interessado em defender as “ três ordens” e não concernia pela admissão que os pais do cristianismo beberam dos escritos da filosofia neoplatônica, faz uma diferença de ponto de vista entre àquela do abade Darboy. “O neoplatonismo”, ele diz, “quando foi perseguido e abandonado pelos príncipes, declinado e perseguido, não teve outra alternativa além de perder-se no seio do inimigo.” A opinião de Brucker é quase a mesma. “Os trabalhos de São Dionísio introduziram o platonismo alexandrino no ocidente e deixaram o legado da fundação desse sistema de teologia mística que antes tinha prevalecido tão grandemente.” Ele descreve-a como “ uma entusiástica filosofia nascida no oriente, sustentada por Platão, ensinada em Alexandria, amadurecida na Ásia e introduzida sob a chancela e autoridade de um homem apostólico na igreja ocidental.”
Antes da Reforma, a originalidade desses escritos forma uma questão aberta na igreja católica e para alguns ainda é assim. No Concílio de Trento eles foram apelados como sendo genuínos. Desse tempo em diante, muitos teólogos consideraram essas doutrinas em harmonia com os ensinamentos da igreja.
Nós já vimos como os discípulos de Platão na Alexandria consideravam o universo do ser, na qual estavam todos os níveis de existência desde o primeiro Um até o que é nada. Nós já vimos como Porfírio e Proclus preencheram os espaços intermediários que estavam encima e embaixo do ser, com hipóstases da Trindade, deuses, pagãos, demônios, heróis, homens, animais, vegetais e matéria não-formada; o todo que tem em Deus, onde quer que houvesse a verdadeira existência, ela a possuía. São Dionísio, como cristão, tinha que expulsar todos os deuses e demônios da totalidade pagã do ser e, como bom homem de igreja, saciar seus lugares com existências mais ortodoxas. Ao invés de uma corrente, começando com Deus ou uma pirâmide na qual o topo era a unidade primeira, São Dionísio concebeu uma habitação central e especial do Eterno, ao redor da qual estavam todas as ordens do ser em círculos consecutivos do maior até o menor. Primeiro, estavam os querubins, serafins e os tronos. Abaixo deles, os domínios, as virtudes e os poderes. Depois, principados, arcanjos e anjos. Da hierarquia celeste, a eclesiástica foi uma cópia: bispos, padres e diáconos. Os “três” do pagão Proclus foram tríades do cristão Dionísio. Todas as coisas trinas não eram uma unidade? O Supremo Um era uma trindade. Cada nível era uma trindade. A hierarquia eclesiástica era uma trindade. Fora do celestial, está imediatamente abaixo dos anjos, a ordem dos seres abençoados com o intelecto como o homem, depois aquelas que tem sentimentos mas não razão e, por último, criaturas que simplesmente existem. Luz e sabedoria, graça e conhecimento, emanam do supremo e se espalham entre todos os níveis do ser. O divino permeia tudo. O Supremo Um tem os chamado em seus vários degraus e de acordo com suas várias capacidades para serem compartilhadores da sua existência. Sua essência é o ser de todos os seres, indo tão distante quanto eles existem. Até as coisas inanimadas compartilham da divindade. Aqueles que meramente vivem partilham naturalmente da energia vital que é superior à toda vida, porque abarca toda a vida. Os seres com razão e inteligência partilham da sabedoria que é maior do que toda sabedoria e que é essencialmente uma perfeição eternamente. Os seres superiores estão unidos a Deus pela contemplação transcendente desse padrão divino e, buscando a luz, eles obtém tesouros superabundantes de graça e, desse modo, expressam a majestade da natureza infinita. Todas essas ordens admiram o superior. Cada uma foi desenhada pelo Supremo e cada uma desenha a si própria no nível abaixo dele; e então num progresso contínuo de seres em que cada uma é maior e descendem continuamente do divino, elevando todos os níveis e ajudando uns aos outros no progresso até Deus. A divindade ultrapassa todo conhecimento. Está acima de todo pensamento e de toda substância. Assim como o sensível não pode entender o inteligível, como o múltiplo não pode entender o simples e imaterial, como o corpóreo não pode entender o incorpóreo, assim também, o finito não pode entender o infinito. Ele permanece superior a todos os seres – uma unidade que escapa a toda concepção e a toda expressão. Ele é uma existência diferente de todas as outras existências, o autor de todas as coisas e, ainda, nenhuma coisa: ultrapassa todas as coisas. Nós devemos pensar e falar de Deus apenas como as sagradas escrituras falaram e elas o declararam incognoscível. Os teólogos o chamam infinito e incompreensível, sendo ainda, assemelhado a um abismo, tentar dar conta do mistério e das profundidades da divindade. Nós não podemos entende-lo e , ainda assim, ele nos dá participação no seu ser. Ele desenha dos seus tesouros infinitos e, acima de todas as coisas, ele difunde as riquezas do seu esplendor divino.
São Dionísio antecipa uma objeção de que se Deus excede palavras, pensamentos, conhecimento e ser, se ele eternamente abraça e penetra todas as coisas, se ele é absolutamente incompreensível como nós podemos falar de nomes divinos? Ele responde, primeiro, que para exaltar a grandeza de Deus e para mostrar que ele não é identificado com qualquer ser em particular, ele não pode ser chamado de nenhum nome. E também, em segundo lugar, nós devemos chama-lo por todos os nomes, como Eu sou, vida e verdade, Deus dos deuses, Senhor dos senhores, sabedoria, ser, eterno, antigo dos dias. Ele está no coração, no corpo e na alma. Ele está no mundo, entre o mundo e acima do mundo. Ele está acima do céu e de todo ser e ele é, ainda, o sol, a lua, as estrelas, a água, o vento e o fogo. Ele é o orvalho e os vapores. Ele é tudo que é e ainda, o nada de tudo. Na infinita riqueza e simplicidade da sua natureza, ele tem eternamente visto e abraçado todas as coisas, qualquer realidade em qualquer coisa deve ser afirmada por ele. Assim como as linhas desenhadas do centro de um círculo para a circunferência, assim são até as menores existências unidas a Deus. “O abençoado Hierotheos” diz São Dionísio, “ ensinou que a divindade de Jesus Cristo é a causa e o complemento de todas as coisas. Ela mantém tudo em harmonia sem ser tudo nem uma parte e, ainda, está em tudo e em toda parte, porque compreende tudo e, por toda a eternidade possui tudo e todas as partes. Substância augusta! Ela penetra todas as substâncias, sem afetar sua pureza e sem descender da sua sublime elevação. Ela determina e classifica os princípios das coisas e, ainda, permanece pré-eminentemente sobre todos os princípios e toda classificação. Sua plenitude aparece nas criaturas que não a tem e, é superabundante, brilhando, nas criaturas que a tem.” “Como na natureza universal” diz o Aeropagita, “os diferentes princípios de cada natureza particular são unidos numa perfeita e harmoniosa unidade – como na simplicidade da alma - a multiplicidade de faculdades eu servem, a necessidade de cada parte do corpo é unida, assim nós devemos ver todas as coisas, todas as substâncias, até as mais opostas em si mesmas coo unidas numa unidade indivisível.” Dessa unidade tudo provém. Ela tem uma existência compreendida em Deus mas não compreende a ele. Ela partilha dele, mas não partilha, ao mesmo tempo, porque ele precede de todo ser e de toda duração. Da sua vida brota toda vida. O que quer que exista agora, existiu na simplicidade da sua fé nele. O Aeropagita antecipou uma objeção da existência do mal. Ele sofreu, coo todos os predecessores e sucessores que sentiram a mesma dificuldade para estabelecer a sua existência. Não que ele dissesse que não havia nenhum mal no mundo, mas ele não era um ser real e, consequentemente, não poderia emanar do seu ser. Ele é apenas uma acidente do bem, não tendo uma existência em nenhum lugar.
Sobre a impossibilidade de conhecer o infinito, São Dionísio e Plotino concordam inteiramente. Todas as coisas falam de Deus, mas nada fala da inteireza das suas perfeições. Nós sabemos tanto por nosso conhecimento quanto por nossa ignorância. Deus é acessível pela razão através do seus trabalhos e nós o discernimos pela imaginação, por sentimento e por pensamento e, ainda, ele é incompreensível e inefável, para ser chamado por nenhum nome. Ele não é nada que possa nos habilitar a que possamos compreendê-lo. Ele é todas as coisas e, essencialmente, ele não é nenhuma delas. Todas as coisas o revelam mas nenhuma suficientemente o declara. Nós podemos chama-lo de nomes de todas as realidades porque ele tem alguma analogia com tudo o que produziu, sublime ignorância dele que nós alcançamos por uma incompreensível união com ele. Então nós sentimos o quanto incognoscível ele é, então a alma esquece de si mesmo e mergulha no oceano eterno da Divindade; então, ela recebe a luz entre os bilhões de luzes da glória divina e irradia entre os abismos brilhantes da sabedoria inefável.
Livre tradução do livro Pantheism and Christinity de John Hunt . 1884 . Capítulo VI, a igreja . Dionísio, o Aeropagita