Os discípulos de Erígena
Erígena não deixou nenhuma escola e se ele teve algum seguidor imediato, nada se conhece dele ou deles. “O século” diz Neander, “em que ele viveu não estava preparado para o seu sistema; mas o espírito especulativo que passou além do século 12 para o século 13 preparou o caminho para a adequação de uma influência que não foi possível ser realizada na sua primeira aparição.” Nós não temos dados históricos suficientes das heresias do século 13; mas temos indícios de que foram numerosas e tão grandemente espalhadas que alarmaram as autoridades da igreja. A principal dessas heresias em suas várias formas é o que nós chamamos panteísmo.
No ano de 1204, a Universidade de Paris condenou as doutrinas de Amalric de Bena, professor de teologia na universidade. Como não temos nada dos escritos de Amalric, nós podemos apenas ver suas doutrinas por passagens preservadas por outros autores. Essas passagens nos mostram que eles concordavam tão inteiramente com as doutrinas de Erígena que não temos dúvida que vieram dessa fonte. Que Deus sozinho realmente existe – tudo o mais sendo meramente fenômeno – que Deus e a criatura são um e o mesmo, que todas as coisas irão finalmente retorna a Deus, são pontos principais na heresia com as quais ele compartilhava. Então nós temos em detalhe a doutrina platônica de ideias e causas primordiais – as formas e padrões que, como a segunda divisão da natureza, criaram e foram eles próprios criados. Eles existem em Deus e o que Deus é, eles são. Como Abraão não é um com a natureza e Isaac de outra forma, mas ambos são o mesmo, assim também todas as coisas são um – todas são divinas, Deus sendo a essência de todas as criaturas. Nós temos a repetição da doutrina de Erígena concernindo à queda do homem e, como resultado, a queda na produção do corpo dos sentidos e a origem dos dois sexos. Amalric foi deposto de sua cátedra. Ele apelou a Inocêncio III, mas a sentença da universidade foi confirmada. Condenado pela Santa Sé, ele reviu seus erros, assinou uma retratação que foi rapidamente colocada depois de sua morte.
Mas as doutrinas de Amalric tinham uma raiz mais profunda da qual tanto o Papa quanto a Universidade de Paris não sabiam. Seu discípulo, Davi de Dinanto não foi menos formidável do que Amalric tinha sido. Refutar Davi de Dinanto foi o trabalho dos teólogos desse século, e extirpar seus seguidores, a especial vocação da igreja. Davi escreveu um livro “Em Divisões” que, das porções preservadas por Albert, o Grande, parecem ter sido uma imitação do texto de Erígena, “Na Divisão da Natureza”. Ele é lembrado por ter ido além do seu mestre, tendo definido Deus como o princípio material de todas as coisas” que era uma substituição para a frase mais idealística de Amalric, “o princípio formal”. Mas a diferença aparece mais em palavras do que em significado. O que é “formal” na filosofia platônica é essencial e quem sabe, “material” e não é nada mais, nada menos, do que outro nome para a mesma coisa. A matéria, como tal, não tinha mais existência para ele do que tinha para Erígena ou Amalric. O que quer que signifique, nós podemos seguramente concluir que ele não pensava que Deus é material. Essa distinção entre a teologia de Amalric e Davi de Dinanto foi primeiro feita por Tomás de Aquino, que descreveu o último como tendo ensinado que Deus foi a primeira matéria; o que quer dizer, que Deus é uma substância, essência ou matéria que constitui o universo. Ele divide o “todo” em “três indivisíveis”, o substrato do mundo corpóreo; fora de onde o espírito procede, e, por último, dessas ideias ou substâncias eternas. A primeira é chamada matéria, a segunda, espírito e a terceira, Deus. Mas as três são um; elas são apenas designações diferentes da essência divina de acordo com o que consideramos em relação aos mundos corpóreo, espiritual e ideal. Deus sozinho é o ser verdadeiro, a única substância, das quais, os outros seres são apenas acidentes.
Tão amplamente essa teologia especulativa se espalhou por si mesma entre o clero e entre os leigos que a Universidade de Paris proibiu a leitura de todos os livros metafísicos. Aristóteles e livros relacionados a Aristóteles que tinham lugar de leitura na Universidade, foram publicamente condenados. O corpo de Amalric foi exumado e queimado, ou, ao menos, levado para fora de uma urna consagrada. O trabalho de Davi de Dinanto foi proscrito com os comentários em árabe e os escritos de um outro herege panteísta, que era chamado “O Mauricio espanhol” foram para a oposição da igreja confinados a proscrição dos livros e anátemas e postas contra seus autores. A estaca foi colocada e todos os padres de inclinação metafísica e homens de lei que não refizessem sua fé fora das doutrinas de Aristóteles e Amalric seriam consumidos. “Mas você não pode me queimar” gritou Bernard, um bravo padre da seita panteísta, “você não pode me queimar, porque eu sou Deus”. Isso, no entanto, não impediu seus inimigos. Eles juntaram todas as fagulhas que ele deixou em volta de si e, logo, todo o fenômeno Bernard desapareceu.
Neander diz, “O panteísmo com todas as consequências práticas que vem dele, foi mais fortemente e abruptamente expresso do que talvez os fundadores originais dessa escola, tinham como objetivo.” Essa distinção das três eras que são atreladas à doutrina da Trindade e, que nós notamos nas doutrinas do Abade Joaquim, foi empregada por essa seita também, depois com a sua própria maneira peculiar.
Com a predominante revelação de Deus o Pai, no Velho Testamento, seguiu-se a revelação do Filho, pelo qual todas as formas de culto sob as quais as legais dispensações foram deixadas de lado e então agora é a era do Divino Espírito Santo – a encarnação do Divino Espírito Santo em toda humanidade, o ser de Deus pela forma do Divino Espírito Santo depois de uma medida igual em toda fé, que é, a dependência da consciência religiosa por uma pessoa individual como em quem Deus está encarnado seria quebrada e a consciência de todos tendo o mesmo destino, que Deus exista nelas, tem nelas assumido a natureza humana, isso teria sempre lugar, nesse sentido. Os sacramentos, pelos quais o Filho de Deus tinha sido cultuada seriam jogadas fora; a religião seria realizado inteiramente e sagradamente independente de cerimonias; de qualquer coisa positiva. Os membros dessa seita são aqueles nos quais a encarnação do Divino Espírito Santo teve início, os pioneiros do acima descrito período do Divino Espírito Santo. Muitas outras opiniões são compartilhadas pelos membros dessa seita, que certamente estão de acordo com o seu modo de pensar em geral; como por exemplo, a ideia de que Deus tinha falado em Ovídio, bem como em Augusto; que o único céu e o único inferno estão na vida presente; que aqueles que possuem o verdadeiro conhecimento não precisam mais de fé nem de esperança, eles estão atrelados já a ressureição verdadeira, o verdadeiro paraíso, o céu real, que aquele que vive em pecado mortal, tem o inferno em si mesmo. Essas pessoas se opuseram ao culto dos santos como se esse culto fosse uma espécie de idolatria. Eles chamavam a igreja corrente de Babilônia e o papa de Anti-Cristo.
Um vestígio da heresia de Erígena e Amalric supostamente fez considerável progresso entre os da Ordem de São Francisco. Abade Joaquim, de São Floris, um fervoroso advogado das doutrinas especulativas e místicas condenadas pela Universidade de Paris, foi muito reverenciado entre os franciscanos. Joaquim tinha escrito um comentário sobre o Apocalipse. Ele era um profeta e um intérprete de profecia. Entre outras predições, ele previu o grande sucesso da Ordem de São Francisco e entre suas interpretações de profecia, ele supostamente teria descoberto a lei da revelação progressiva de Deus no mundo. Primeiro foi a era do Pai. Com a encarnação, foi a do Filho; e agora a era do Divino Espírito Santo está por começar. Essa era será marcada por um tal acrescentar de luz e graça, que superará a necessidade de uma igreja e o sacerdócio tal como eles existem. Todos os homens serão iguais, livres das preocupações do mundo e plenos do Espírito de Deus. Esse milênio de bênçãos foi chamado “o eterno evangelho” e a Ordem de São Francisco será a líder dessa abordagem. A histórica questão do evangelho eterno pode ser vista nas palavras de Neander: “Como os franciscanos colocaram uma estrita reverência para o Abade Joaquim, que tinha predito a sua Ordem e a regeneração da igreja, na qual eles seriam instrumento e que ocuparam-se longamente com a explanação de seus escritos, a interpretação e a aplicação dessas ideias correntes da mesma forma, então um grande esforço foi feito entre eles para um novo evangelho perpétuo. A ideia de um tal evangelho pertencente realmente entre as características e noções peculiares de Joaquim, e nós temos visto, como por essa expressão, tomada emprestada do capítulo 14 do Apocalipse, ele tem entendido, seguindo a visão de Orígenes, ua nova apreensão espiritual da cristandade, oposta ao ponto de vista no sentido católico e respondendo à era do Divino Espírito Santo. Uma grande sensação foi agora criada por um comentário no evangelho eterno, que, depois do século 13, o franciscano Gerhard, cuja devoção pelas doutrinas de Joaquim, o fez envolver-se em muitas perseguições e ser preso durante 18 anos, tendo publicado um texto sob o título: “Introductorius in Evangelium Aeternum” Muitas noções vagas foram propagadas sobre o evangelho eterno dos franciscanos, surgindo visões superficiais ou entendimentos superficiais dos escritos de Joaquim e veio a primavera dos meros rumores ou espírito de caçadores de hereges. Os homens falavam do evangelho eterno como se fosse um livro composto com esse título e que circulava entre os franciscanos. Ocasionalmente, também, o eterno evangelho foi confundido, quem sabe, com o acima mencionado “Introductorius”. Na realidade, não havia nenhum livro com esse título de evangelho eterno; mas tudo o que é dito sobre isso, se relaciona com os escritos de Joaquim. Os oponentes da Ordem dos Franciscanos objetavam aos padres do evangelho eterno que, de acordo com suas opiniões, o cristianismo não era nada, senão uma coisa transitória, e uma nova, mais perfeita religião, com forma absoluta, destinada a durar para sempre, iria sucedê-lo.
Muito proximamente aliados a esses devotos franciscanos estavam os albigenses que, como nós temos já mencionado, clamavam o discipulado de Erígena e apelavam a reinvindicação de suas doutrinas em seus trabalhos. Das intenções dos albigenses nós não sabemos nada, exceto o que seus inimigos diziam. Eles eram representados como maniqueus e arianos. Muitas doutrinas foram espalhadas e compartilhadas por eles, mas qual o volume que acuradamente isso aconteceu nós não podemos determinar.
Uma afinidade doutrinária tem também sido mostrada entre o “Divisão da Natureza” e o livro “Nas nove rochas” que é dito como sendo o oráculo secreto dos “Irmãos e Irmãs do Espírito Livre”. Há, no entanto, extravagâncias nesse livro que não são encontradas nos trabalhos de Erígena. A existência do universo é negada por causa da sua identidade com Deus. Ele é uma emanação dele e a ele deve retornar. A alma do homem é declarada como sendo incriada e uma parte do Ser divino. Abstracionar a nós mesmo para o infinito é o único caminho para realizar nossa união com o infinito – sentir que nós somos Deus. O que as escrituras dizem de Cristo é verdadeiro de todo homem bondoso – ele é o filho de Deus e Deus. Pelo abrigo dessas doutrinas, se o que a história fala é verdade, “Os Irmãos e Irmãs” justificaram práticas que não são consideradas recomendadas pela visão católica. Se, eles dizem, a alma é uma com Deus, então esses atos que podem parecer cheios de pecado, deixam de ser assim e são, essencialmente, atos de Deus. Se Deus quer que nós pequemos, porque nós não deveríamos pecar? E se, nós pecamos um milhão de vezes, porque nós deveríamos nos arrepender? Os pecados que nós cometemos são parte do plano divino, que traz o bem fora do mal e faz uso parcial da vontade do ser do bem universal do mundo. Há ainda uma estreita linha entre a verdade e o erro, entre as doutrinas próprias do homem e o senso em que outros a entendem e ainda em que linha, em si mesma, é um mundo. São Judas condenou aqueles que por aparentemente legitimarem a razão, trocaram a graça de Deus em lascívia e, tão indubitavelmente, se essas coisas são verdadeiras, teria João Escoto Erígena censurado e condenado os “Irmãos e Irmãs do Espírito Livre.”
(Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt, 1884 . Capítulo VII . Heresia . Os discípulos de Erígena)