Filosofia hindu
A história da mente na Índia corresponde à mesma história na Europa. Todo sistema que apareceu no Ocidente, teve sua contrapartida no Brahmanismo. Houve dogmatismo, misticismo, materialismo, idealismo e cepticismo em todas as suas manifestações e em todos os estágios do seu desenvolvimento. Um escritor francês, M. Martin, achou até “positivismo” no Rig-Veda. Sir William Jones comparou os seis maiores filósofos da Índia com os principais sistemas da Grécia. Os dois de Nyaya possuem sua contrapartida na escola dos peripatéticos e na dos ionianos. Os dois de Mimansa correspondem aos platônicos e os dois de Sankya aos italianos e estóicos. Nós verificamos que, no começo, quando considerava-se Deus e o universo um só, que, se o universo é material e se o que nós chamamos de matéria possui alguma realidade por ela mesma, a conclusão é que a divindade é matéria. Não há escapatória dessa alternativa, a não ser declarar nossa ignorância do que a matéria é ou da nossa convicção de que haja uma verdade do Ser. E essa, na maioria, dos casos, é uma declaração do Brahmanismo. Mesmo os indianos, à maneira deles, possuem seus sistemas de materialismo. O chefe desses grupos é Sankya de Kapila, que foi reconhecido como ateu. É peculiar ao sistema de racionalismo hindu: colocando a autoridade dos Vedas, Kapila substitui por sacrifícios védicos, o conhecimento daquele que é imperceptível. Nós nos libertamos da nossa servidão e degradação não por prescrições dos livros sagrados, mas por estarmos fora da nossa individualidade – por parar de nos vermos como separados e distintos das outras coisas e as outras coisas como distintas de nós. Kapila não quer dizer para nos tornarmos ateus, mas ele inferiu que seria o primeiro a colocar o princípio indefinido que nós chamamos de Prakriti ou natureza ou Alma do mundo.
O que ele queria dizer por esse princípio pode estar aberto a muitas respostas. É a existência eterna indefinida, sem partes ou formas, que produz tudo o que nós vemos e sabemos. Há uma inteligência, também, na natureza, nas vidas naturais. Nós vemos sua presença em todos os seres pensantes e nos seres sensientes: mas essa inteligência não é a causa produtora, ela é produzida. Buddha, ou inteligência não é o primeiro, mas o segundo princípio na natureza; ele depende da organização das partículas materiais. O que é verdadeiro no mundo espiritual é também verdadeiro ao espírito do homem. Ele se origina com o corpo e com o corpo se vai. Kapila descreve o espírito como o resultado de dezessete princípios anteriores. Ele a coloca no cérebro, extendendo para o crânio, como uma chama que é elevada pelas mechas do cabelo. Ela é o resultado de elementos materiais, do mesmo modo que uma intoxicação por bebidas alcoólicas é o resultado da combinação química de ingredientes.
O outro Sankya carrega o nome de Pantajali, um discípulo de Kapila. Ele concorda com o seu mestre em tomar ciência do que significa a libertação da escravidão atual. Levando esse princípio ao extremo do misticismo, ele inculca uma abstração inteira de todos os objetos de senso e uma pura contemplação da divindade sozinha. Ele exorta todos os homens a tornarem-se yogis perante Deus. Pantajali afasta-se totalmente de Kapila, na sua doutrina de matéria e espírito. Considerando os corpos como o resultado do espírito, ele aproxima-se do idealismo, admitindo que a matéria existe como um reflexo, uma ilusão, uma aparência. A alma, ele diz, é colocada por cima da sensibilidade, a inteligência por cima da alma e o Ser por cima da inteligência. Esse é que é o não-Ser com nenhum atributo, que é o verdadeiro Ser, um e todas as coisas.
A Nayaya é dividida em duas escolas: a física e a metafísica. O autor da primeira é Kanada. Sendo uma doutrina atomista, ela é comparada com o sistema de Democritus, mas a concordância é apenas aparente. Os átomos de Kanada foram abstrações matemáticas ou pontos metafísicos que não tem peso, cheiro ou forma. Dentro de um sistema físico, acaba em idealismo. Kanada julgou que as substâncias materiais não tem realidade a não ser aquelas derivadas das suas qualidades e essas, de novo, são derivadas da percepção mental e não podem ser encontradas no objeto percebido. O autor da segunda Nyaya foi Gotama. Ele não concerne a si próprio muito com a matéria, mas discursa principalmente a respeito da mente. Sua grande questão é “O que é a alma?” e ele conclue que é um princípio inteiramente distinto do corpo e não depende, para existir, de qualquer combinação dos elementos. O tratado de Gotama é puramente dialético e rivais em obscuridade e sutilmente, afastam qualquer coisa que possa ser encontrada na metafísica do Ocidente.
O terceiro sistema é o Vedanta que tem duas escolas: A Parva Mimansa e a Uttara Mimansa. A primeira, que é atribuída a Jamini, é inteiramente prática e parece não ter características de recomendação para uma vida virtuosa.
A segunda foi ensinada por Vyasa e ele é o primeiro representante quando falamos do Vedanta. Essa é, propriamente, a filosofia ortodoxa – a que é geralmente recebida como exposição da doutrina védica. Aqui Brahma é o centro, a raiz, o eixo, a origem de todo o fenômeno. A mente não é produto da natureza, e sim a natureza é declarada como sendo um produto, ou, ao menos, uma mera manifestação da mente. A verdaeira introspecção positiva do homem é declarar que não está na natureza, e sim nos seios do eterno Brahma. No Vedanta Sara ou essência do Vedanta, Brahma é chamado a alma universal, aquele que todos os espíritos humanos fazem parte. Essa parte está ligada a uma sucessão de conjuntos, que englobam uns aos outros como revestimentos de uma cebola. O espírito do homem torna-se livre pelo conhecimento do revestimento Mas o que é esse conhecimento? Saber que o intelecto humano e todos as suas faculdades são ingnorância e desilusão. É jogar fora a casca e encontrar a verdade que Deus é tudo. O que não é Brahma não é nada. Desde que o homem perceba a si própria como algo, ele está na ignorância. Quando ele descobre que sua suposição de individualidade não é individualidade, então ele está no conhecimento. Brahma é a substância, nós somos a sua imagem e o rosto de Brahma permanece para sempre sozinha.
O homem precisa esforçar-se para livrar-se dele próprio como um objeto de pensamento. Ele deve ser apenas um sujeito, um pensamento, um prazer, uma existência. Como sujeito ele é Brahma, enquanto o mundo objetivo é um mero fenômeno, um traje ou vestimenta de Deus.
O conhecimento místico de Deus, quando nos tornamos um com Ele, é dito ser uma introdução tardia no Brahmanismo; mas parece ser uma das mais antigas das antigas filosofias e é parte essencial de todas elas. A doutrina é recorrente em repetir onde nos encontramos: tão rápido nós existamos, nós seremos Brahma e tão logo não sejamos Brahma, nossa existência é apenas aparente. Conhecer deus é conhecer a nós mesmos; ser ignorante dele é viver uma vida de ilusão. O que, será, desse modo, nosso dever, nosso destino? Estar unido a Brahma, em outras palavras, perceber que nós somos um com ele. Contemplar meramente o mundo das formas e a existência aparente é contemplar nada, é cair na desilusão, permanecer na vaidade, sim, é ser mesmo a vaidade. Nós temos que voar por sobre o fenômeno, por sobre os instintos brutos, por sobre as dúvidas da razão, por sobre a inteligência. Nós temos que separar a nós mesmos do que é sujeito à mudança, temos que entrar no nosso próprio ser, unir a nós mesmos ao puro ser, que é Brahma, o eterno. Ele alcança esse estado livre da escravidão da individualidade. Ele não une mais ele mesmo a nada; ele não tem mais paixões, sua consciência foi absorvida em graça. Ele não tem mais medo, nem prazer, nem desejo, nem atividade, nem vontade, nem pensamento. Para ele não é dia, nem noite, nem eu, nem eles, nem saber, nem conhecimento: tudo se foi. Permanece apenas o espírito universal, separado do mundo, fora das ilusões de maya. Ele é um com o Eterno. Ele encontrou o objeto da sua busca e é um com o objeto do conhecimento. Ele conhece a ele mesmo na verdade do seu ser. Alcançar essa elevação é o final e o objetivo de toda religião, de toda filosofia. Todo homem tem um vislumbre dessa união quando está dormindo, quando a vida do espírito é livre e simples; quando fala com todos os nomes, os olhos com todas as formas, os ouvidos com todos os tons, o entendimento com todas as suas imagens retorna a Brahma. Desse modo, aqueles que na morte não estavam preparados para essa união devem retornar à Terra, alguns uma vez, outros várias vezes, até o espírito estar suficientemente purificado para a absorção final. Sim, a absorção final; que é a consumação abençoada de todas as coisas. Essa vinda do eterno é levada em conta de muitos modos. A maior parte delas, gira em torno de que a criação se tornou imperfeita e má e que logo que passemos do parto da criação, estaremos na existência que foi anterior ao que a criação foi. Isso que, em todas as coisas é real, sendo eterno, permanecerá unido a ele que é eterno; o que é ilusório passará. Brahma mudará sua forma, como o homem muda sua vestimenta. Como a maré retorna para o oceano, como as bolhas rebentam na água, como as marolas se misturam na onda, assim todas as coisas serão, por fim, perdidas no universo do ser. Criador e criatura estão ambos dormindo um sonho. O sonho pode desvanecer-se, mas o dormir pode permanecer. A vida individual misturar-se-á nesse oceano de praias do ser, esse infinito abissal que nenhum intelecto pode compreender e até a língua védica falha em descrever, o eterno e o imutável Brahma.