Jacob Boehme
Lutero reteve muito do espírito dos místicos alemães mas nem ele nem seus seguidores imediatos adotaram a teologia daqueles. A sucessão mística foi quebrada na Alemanha por mais de um século. Ela foi depois tomada de volta por Jacob Boehme, o fundador filosófico de Görlitz. Boehme foi um membro da igreja luterana, as autoridades de lá trataram-no como a igreja católica tratou Eckart e Tauler. O significado do trabalho de Boehme é ainda obscuro. Ele não tinha a leitura dos místicos da pré-Reforma, mas o que ele perde em leitura, ele ampliou em muito na sua originalidade.
Nós podemos, ele diz, começar com a razão do homem e chegar a Deus, ou nós podemos começar com Deus e chegar à razão do homem; a conclusão será também a mesma. Conhecermo-nos é conhecer Deus, porque nós somos uma similitude da Deidade – uma imagem viva da natureza divina eterna. Isto é o triuno Deus manifestado na natureza e criação; e o todo da natureza e criação; o homem é o resumo.
Começando com a consideração do ser infinito, podemos contemplá-lo como em si mesmo; como em sua palavra, ou da natureza eterna, e ele é a criação visível “o leal ou a palavra visível”. Em si mesmo, Deus é uma unidade eterna; um nada eterno, um abismo sem tempo ou espaço. Ele não precisa de habitação, porque está fora e entre o mundo igualmente em semelhança; mais profundamente do que o pensamento; mais algo do que a imaginação; nenhum número pode expressar sua grandeza, porque Ele é sem fim e infinito. Ele manifesta a si mesmo na sua Palavra, natureza eterna – o Todo do universo. Ele preenche todas as coisas e está em todas as coisas. “O ser de Deus é como uma roda na qual muitas rodas são colocadas uma na outra, encima, embaixo, entrecruzando e, ainda continuamente todas elas estão juntas.” O Todo da natureza; céu, terra e acima dos Céus no corpo de Deus. Os poderes das estrelas são as veias da fonte do seu corpo natural, que é o mundo ou o universo.
O processo do divino indo do nada à alguma coisa é realizado deste modo. No abismo do nada há uma vontade eterna, que é o Pai; e uma mente apreendedora, que é o Filho. Da vontade e da mente há um processo que é o Espírito. O Pai eternamente gera o Filho. O Filho é a sabedoria na qual todas as coisas são formadas. O Espírito expressa o egresso da vontade e da mente, “permanecendo continuamente no frescor onde a vida é gerada.” Este ser triuno é ainda uma essência, que é a Essência de todas as essências. É suficiente nomeá-lo Deus, mas com a própria concepção de Deus é a raiz e o grau; a concepção da natureza eterna. Dessa natureza Deus é a raiz e o grau; mas ele não é antes disto, isto é co-eterno com ele. O mundo externo é o nascimento, fora de si mesmo, dessa natureza. Num deles estão todos os princípios que são encontrados no outro. Mas embora a natureza eterna seja divina, para entrar em Deus, entra como ele em si mesmo como um bem eterno, ainda que o mundo externo não possa ser tão irreversivelmente chamado divino, por que ao entrar ele entra tanto como ira quanto como amor. Deus está em todas as coisas como a seiva no mato e no florescimento da árvore. Ele vive nas estrelas e nos elementos da natureza. Ele está presente no mais minúsculo dos insetos e na maior planta herbácea. Pela sua sabedoria e pela sua essência, toda a criação foi feita. Na tranquilidade do pôr-de-sol, podemos sentir a presença do Divino Espírito Santo, no seu reino onde todas as criaturas rejubilam-se com a vida. Se os nossos olhos estiverem purificados, podemos ver Deus em todos os lugares. Ele está em nós e nós estamos nele, e se nossas vidas estiverem plenas, nós podemos nos reconhecer como sendo Deus. Tudo termina no homem, ele é o livro da vida de Deus e de todas as coisas.
Essas doutrinas são repetidas nos escritos de Boehme um sem número de vezes, e com tantas modificações e adendos desenvolvidos, que é difícil definitivamente estabelecê-las como um sistema harmonioso constituído. A ideia raiz parece ser um dualismo, como o que é encontrado nos gnósticos, mas com esta diferença, que Boehme não recebe nenhum princípio como independente do ser de Deus, mas como posicionado numa dualidade de princípios na própria essência de Deus.
Nessa essência está uma oposição entre trevas e luz, dureza e candura, e dessa essência procede toda oposição na vida da natureza e do espírito, e até a oposição entre o bem e o mal. Há uma dualidade de princípios na qual o primeiro, que são as trevas, o ódio e a adstringência não é Deus no seu Ser maior; ainda também sendo Deus, ou ao menos pertencendo à essência de Deus. “Desde que o homem soube que ele é duplamente formado, possuindo tanto o bem quanto o mal, foi altamente necessário que ele conhecesse a si mesmo; como ele foi criado; de que modo seus bons e maus impulsos foram criados; o que é o bem e o que é o mal e do que estes dependem; como e quando o mal veio para o demônio, ou para os homens, e todas as criaturas; se o demônio foi um anjo sagrado, e se o homem também foi criado bom, porque tal miséria é encontrada em todas as criaturas; e por que tudo está colidindo, batendo, puxando e conflitando uns com os outros e ocorre tal oposição não apenas nas coisas vivas, mas nas pedras, nos elementos, na terra, nos metais, na madeira, nas nuvens e na grama: em tudo está envenenado e quebrantado e, tem que ser assim, porque de outro modo não haveria nem vida, nem movimento, nem cor, nem virtude, nem fraqueza, nem saúde, nem percepção de nenhum tipo, mas tudo seria um nada. Desse modo, encontramos, em alta consideração, o fato de que tudo provém de Deus e fora de Deus e da sua substância, é o demônio pertencendo à formação e ao movimento de ser bom para amar e o severo ou o encontro da vontade de regozijar-se.” Essa oposição que Boehme encontra em toda natureza, ele estava compelido a levar para Deus, para seguir a analogia que ele tinha colocado abaixo, o que ele viu na criatura, ele deve posicionar no Abismo da Deidade. Embora Deus em sua primeira concepção, seja uma simples unidade e da qual não existe diferença supostamente inferida; ainda quando inquirimos a origem do amor e do ódio, nós achamos que eles vem da mesma fonte e que eles são crianças dos mesmos pais. Nós não podemos dizer que a escuridão, a violência, o adstringente princípio está em Deus mais do que na terra, no ar, na água e, ainda, que todas essas coisas vieram de Deus. A tristeza, a morte e o inferno não podem estar em Deus, e ainda assim, devem sua origem ao nada divino. A inquirição deve estar na causa de que o mal não está só nas criaturas, mas está na essência divina, porque na raiz ou no original, tudo é um. Tudo vem da essência de Deus considerada em sua natureza triforme. Deus em seu princípio primeiro não é propriamente Deus, mas o ódio e o terror são a origem do conflito e do mal. Embora isto não seja Deus, está, ainda assim, na mais profunda e interior primeira fonte que está em Deus, o Pai, de acordo com o que ele chama a si mesmo de um Deus colérico e ciumento. Essa fonte é o primeiro princípio e, no mundo tem a sua origem. É o princípio da severidade e da raiva, revelando um espírito de coração de pedra e constituindo “o abismo do inferno no qual o príncipe Lúcifer permanece depois da extinção da sua luz.” Esse princípio de escuridão não é Deus e a sua essência está fora da luz de Deus e do seu coração e do que estes estejam eternamente produzindo. Na mente eterna que gera a vontade eterna e a vontade eterna gera o coração de Deus, e o coração gera a luz, e a luz, o poder e o poder, o espírito, e isto é o Todo-Poderoso Deus, que é uma vontade imutável. A cabeça de Deus é, desse modo: - Deus o Pai, e a luz que faz a vontade do poder eterno, é Deus, o Filho, desde que o poder e a luz são eternamente geradas; e a luz fora do poder da qual procede o Divino Espírito Santo, que, de novo, na mente da escuridão gera a vontade do Ser eterno. “Veja, agora querida alma,” diz Boehme, “essa é a cabeça de Deus e contém, em si mesma, o segundo e o meio do princípio, embora Deus seja sozinho o bem, ele é amor, luz e poder. Considere agora que não houvesse em Deus tal sabedoria eterna e conhecimento, sendo que a sua mente permanecesse na escuridão.”
Tal coisa é o nascimento eterno da divina essência. Por isto, Deus, em si mesmo, realiza a ideia eterna do seu Ser. Os momentos do seu eterno nascimento são diferentemente estabelecidos nos escritos de Boehme, de acordo com o que o Ser divino tenha sido considerado em si mesmo, ou em sua relação com Satã, o mundo ou o homem. De novo, na primeira relação, há diferentes pontos de vista sob os quais podemos considerar o eterno nascimento da Deidade.
O processo da vida em Deus constitui uma trindade, que é o eterno e necessário nascimento de Deus, que produz a si mesmo e sem o seu processo vital que não poderia ser pensado como sendo um Deus vivo. Boehme diz, “Quando nós falamos da Santíssima Trindade, devemos antes dizer que há um Deus – que é chamado o Pai e o Criador de todas as coisas, que é, no entanto, Todo-Poderoso, e tudo em tudo. Tudo está nele. Tudo se origina nele e dele e permanece eternamente nele. Nós dizemos que ele é triforme em Pessoas, e que ele tem gerado, durante toda a eternidade, seu Filho, que é seu coração, luz e amor, sendo o Pai e o Filho não dois seres, mas apenas um. Então dizemos que das Escrituras Sagradas não há um Espírito que procede do Pai e do Filho, e que essa uma essência está no Pai, no Filho e no Divino Espírito Santo. “Veja, desse modo,” diz Boehme, “ que desde que o Pai é a mais original essência de todas as essências, que se outro princípio não houve e não foi ao nascimento do Filho, então o Pai seria um vale de escuridão. Você vê agora que o Filho que é o coração, a vida, a luz, a beleza e a gentil beneficência do Pai, manifesta em seu nascimento, outro princípio, e reconcilia a raiva, o Pai terrível, e o faz amoroso e misericordioso e é outra Pessoa diferente do Pai, desde que em seu centro não há nada, mas puro contentamento, amor e deleite. Você pode agora ver como o Divino Espírito Santo procede do Pai e do Filho.” Boehme teve esse seu conhecimento de Deus em visões e revelações e em exposições de seus livros ele usava termos alquímicos e ilustrações que tornam impossível para pessoas comuns saber o que ele queria dizer. Seus discípulos diziam que apenas aqueles que acreditavam nele poderiam entendê-lo; mas todos as sínteses feitas por seus discípulos pareciam mais incompreensíveis do que o original.
Na sua interpretação das Escrituras, Boehme é mais místico do que todos os místicos. Com a revelação por dentro disto, ele fez toda a revelação externa em concordância com essa visão. Deus, ele diz, fez todas as coisas fora de sua própria essência, porque não havia outra essência pela qual ele poderia fazer todas as coisas. O Espírito de Deus também moveu-se da água, formando o mundo, mas esse é o Espírito do eterno trabalho. É o nascimento do Filho de Deus, seu movimento vindo da água, porque é o poder puro do Pai fora da água e da luz de Deus. O homem é feito da imagem da Trindade. Como o Pai, ele tem mente; como o Filho, ele tem luz nessa mente: como o Divino Espírito Santo ele tem “um espírito que vem de todos os poderes.” Sua queda foi um evento necessário, pelo qual Adão foi contendo os princípios abaixo do domínio do mais danoso com o qual ele não podia fazer nada, a não ser cair. Como os anjos ele foi criado com um corpo espiritual e que seria multiplicado seu tipo como fê-lo. Mas ele sentia, e então, Eva foi criada, p ara que sua posteridade pudesse ser continuada, assim como somos agora. Isto não está de acordo com a Carta da narração nas Escrituras onde Eva pecou primeiro e depois Adão; mas é apenas uma representação mística, com a qual o senso é, que Adão pecou pelo desejo. Ele sente num sono profundo, a morte da sua alma. Quando ele acorda, ele encontra Eva. Eles ambos conhecem que estavam nus – o sensual eclipsou o espiritual e eles se sentiram envergonhados dos seus corpos materiais.
Livre tradução do livro Pantheism and Christianity de John Hunt . 1884 . Capítulo X . Místicos . Jacob Boehme