17- Alentejo Profundis

Alentejo

Fotografia de Adriano Bastos

Natália Correia

Photo in blog wordpress.com

“(...) A solidão alentejana teve o seu antídoto na comunidade coral: é vê-los, cerrados numa determinação comunitária, que tem muito de sagrado (...) é a sacralização da vida pouca na

muita terra alentejana, e das agonias que ela engendra (...) cantam para não ouvir o silêncio.

A voz demoníaca do silêncio. E eu imagino ... não um ou outro grupo desgarrado, cantando

como orgãos dispersos na nave da planura. Mas todos os grupos formando um único coral

magnífico, o verbo alentejano finalmente incarnado.”

Natália Correia

ALENTEJO

Agonia

dos lentos inquietos

amarelos,

a solidão do vermelho

sufocado,

por fim o negro,

fundo espesso,

como no Alentejo

o branco obstinado.

Eugénio de Andrade

Tabernas do Alentejo

Fotografia e Pintura de José Bravo Rosa

Fotografia de Filipe José Galhanas

"São lugares ancestrais de conhecimento e cultura. Rituais sociais, onde o vinho desinibe e fomenta longas conversas entre as mais variadas culturas. Ali, entre aqueles odores agridoces, entre um copo e outro, fez-se o menino homem. Ali, enxuga-se a alma e esquecem-se por momentos os dissabores da vida.

Fotografia de Adriano Bastos

As tabernas são lugares sagrados, também elas compostas por mandamentos, onde o sangue de Cristo é tomado por todos religiosamente. Onde os sermões são dados pela sabedoria dos anos, de passados atribulados e duros, no uso, quase sempre, das palavras certas para o momento.

Fala-se do Ti António que morreu do coração, do Ti João que morreu de cancro, mas, ali, não se ouve falar que alguém tenha morrido por causas do vinho, pois o vinho é um elixir, um antídoto para todos os males. Diz-se que até mata o bicho.

É um espaço onde não existe stress. Entre uma rodela de linguiça e uma lasca de presunto também o colesterol é esquecido.

Fotografia de Adriano Bastos

Por fim, quando as pernas não obedecem e o andar torna-se desequilibrado, culpa-se sempre

o último copo. Mas existe sempre um amigo pronto a levar-nos a casa. As tabernas são escolas

de vida, de saberes populares, onde o cante marca o compasso."

José Bravo Rosa

Alentejo profundis...

Fotografia de Adriano Bastos

Évora

CANTARES E COMERES DO ALENTEJO

Fotografia in dotempodaoutrasenhora.blogspot.com

"António Marcos Galopim de Carvalho (Évora, 11 de agosto de 1931), conhecido em Portugal como "o avô dos dinossauros", é licenciado em ciências Geológicas pela Universidade de Lisboa (1959) e doutorado em Geologia pela mesma Universidade (1969). Já fez um pouco de tudo: foi carpinteiro, aprendiz de sapateiro, caixeiro de mercearia, ferrou cavalos, alimentou leões no circo, vendeu material de escritório e foi delegado de informação médica. Responsável pelo carinho do público pelos dinossauros, fez “lobby” da questão das esquecidas pegadas da pedreira de Carenque, Sesimbra - Espichel, um dos trilhos mais longos do Cretáceo e conseguiu salvar as pegadas. É um símbolo nacional da defesa e preservação do património cultural e científico, nomeadamente de sinais marcantes da riquíssima evolução da história natural. Dirigiu inúmeros projectos de investigação, de que são exemplo a "Paleontologia dos vertebrados fósseis do Jurássico superior da Lourinhã e Pombal" e "Icnofósseis de dinossáurios do Jurássico e do Cretácico Português". Dirige e integra diversos organismos nacionais e internacionais, nomeadamente a comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO. Foi colaborador dos Serviços Geológicos de Portugal e trabalhou no Centro de Estudos Geográficos, do Instituto de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa e no Centro de Estudos Ambientais. Foi consultor científico da RTP para as séries televisivas de divulgação científica na área das Ciências da Terra. Participou e dirigiu várias exposições. Contudo, devido ao enorme impacto causado, sobressai a famosa "Dinossáurios regressam a Lisboa", que contou com 347 000 visitantes em apenas 11 semanas. Em 1993, foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada e foi distinguido pela Casa da Imprensa com o prémio "Bordalo" para a Ciência, em 1994.Publicou diversos trabalhos e artigos científicos em revistas nacionais e internacionais das diversas especialidades em que desenvolveu investigação. É responsável por livros didácticos e de divulgação, como "Morfogénese e Sedimentógénese" (1996), "Petrogénese e Orogénese" (1997) e "Introdução à cristalografia e Mineralogia" (1997). Publicou também alguns livros na área da literatura de ficção: "O Cheiro da Madeira" (1994), "O Preço da Borrega" (1995) e "Os Homens não Tapam as orelhas" (1997). Foi Director do Museu Nacional de História Natural durante vários anos. É Professor Jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É Patrono da Escola Básica 2,3 Professor Galopim de Carvalho, em Queluz, Sintra, desde 2001. E Passou recentemente a ser patrono da Escola EB1/JI do Bacelo, em Évora, que ficou com o nome de Escola Básica Galopim de Carvalho."in Wikipédia.org

"Vinte anos antes de o Cante Alentejano ser declarado Património Imaterial da Humanidade, pela (UNESCO), Matilde Guimarães, no seu livro “Comeres Alentejanos” (Quetzal Editores, 1994), escreveu “Para mim, para sempre, ficam ligados os cantares e os comeres alentejanos”.

Fotografia in dotempodaoutrasenhora.blogspot.com

Sem me dar conta disso, esta associação tive-a, pela primeira vez, em criança, numa taberna da Porta Nova, onde entrei, muitas vezes, da garrafa na mão, quase sempre em busca de vinagre, algumas vezes para comprar vinho e uma vez por ano, pelo Carnaval, para que me vendessem um decilitro de aguardente para a confecção das filhoses e dos pasteis de grão. Nesse dia, ao fim da tarde, em que a taberna estava cheia de trabalhadores do campo e dos odores das linguiças e farinheiras assadas, dei por mim, extasiado, a ouvi-los “A ribeira quando nasce, vai de pedrinha em pedrinha“, numa polifonia vinda da Idade Média, em que esta modalidade musical tinha o primeiro lugar na música, toda ela vocal.

Expressão, a um tempo, literária e musical da cultura popular tradicional deste povo, o cante alentejano, iniciado no Baixo Alentejo, no século XV, diz-se que talvez em Serpa, traduz o seu quotidiano, em toda a sua dimensão sentimental e nostálgica. A primeira frase cantada pelo “pronto”, dando início à “moda”, era, de imediato, retomada pelo “alto”, a que se seguiam as “segundas vozes”, ou seja, os restantes cantadores do grupo.

Nesse tempo, eram muitos os trabalhadores que, ao sábado, ganha a féria, vinham à Porta Nova fazer os avios para a semana. Alguns deles prolongavam a estadia na cidade, serão adentro, comendo, bebendo e cantando à volta de uma grande mesa forrada de oleado, repleta de pratinhos com petiscos perfumados e de copos de vinho, uns cheios, uns meios, outros vazios.

Não será exagerado dizer que todo aquele que teve o privilégio de ouvir os alentejanos em coro e, sobretudo, se o tiver feito numa das muitas tabernas onde os cheiros da cozinha invadem a zona de convívio, não poderá deixar de fazer esta associação. Quem já comeu numa qualquer aldeia do Alentejo e, a dada altura, os homens se levantam e se abrem em coral nos seus cantares, únicos na museografia nacional e mundial, não pode deixar de ligar os sabores tradicionais com o nosso cante que, felizmente, ainda persiste, como que a fazer frente à mundialização cultural, há muito iniciada pelas televisões.

Foi numa das muitas tabernas da cidade, numa atmosfera marcada pelo cheiro das frituras em azeite, que o “Meu lírio roxo” nunca mais se separou do grão cozido, a fumegar, temperado de azeite, vinagre, salsa e muita cebola, que os homens comiam à colher, para acompanhar sardinhas acabadas de fritar.

Anos mais tarde, o aroma e o sabor do toucinho assado, na brasa, com pão à navalha e copinhos de aguardente perfumada, saída ainda quente do alambique, na grande adega das Cortiçadas, em São Sebastião da Giesteira, nunca mais se separou do “Ao romper da aurora, sai o pastor da cabana”...

Uma outra vez foi na tasca do Rabino, em Valverde, com os rurais que ali trabalhavam nas escavações da Anta Grande do Zambujeiro com o arqueólogo Henrique Pina (o descobridor e quem primeiro descreveu Cromeleque dos Almendres). E nesta era o coelho frito, temperado, de véspera, com alho e pimentão, e as perninhas de rã, de tomatada, ao som do “Deitei o limão correndo”....

Nos começos dos anos 70, em Lisboa, já pai de filhos, ainda a “Grândola, Vila Morena”, do Zeca Afonso, não tinha a conotação que passou a ter a partir “daquela Madrugada”, os seus belos acordes remataram uma monumental açorda de poejos com bacalhau e ovos cozidos, comida lá para as tantas, para “desenratar” de uma jornada de fartas comezainas e muitos copos, nas bodas de um parente."

Fotografia e texto

de António Galopim de Carvalho