01 Forno de Cal

Aldeia Branca | Sala de Notícias - Canal Futura

"Os alentejanos se habituaram desde sempre a ver as suas casas brancas, fazendo da tradição de caiar um ritual de purificação, renovação e limpeza. Apesar dos evidentes sinais de mudança, o abandono da cal pelas novas gerações e o aumento da utilização da tinta, o branco tende a persistir como elemento caraterizador da casa popular alentejana, apresentando-se como elo entre o passado e o presente. O branco é a cor utilizada pelo artista coletivo na preservação da sua obra, uma enorme mancha branca no imenso espaço da planície, a imagem de identificação das povoações no Alentejo (Portugal)."

Direção: Carlos Lima

Publicamos AQUI a 1ª ENTREVISTA com o Sr. António Festas e

brevemente teremos mais outras com gentes de Borba de diferentes artes e ofícios

Entrevista ao Sr. António Festas

A Associação dos Amigos Terras Borba veio ao Barro Branco falar com o Sr. Festas sobre os fornos de cal aqui da região; o homem que praticamente dedicou toda a sua vida a este ofício.

Mas antes de falar com este Sr., talvez seja oportuno fazer aqui uma breve introdução acerca da cal e dos fornos.“Os fornos de cal são fornos destinados ao processo de cosedura da cal, de cronologia Medieval Moderna.

"A cal foi um produto muito utilizado até às primeiras décadas do Século xx na Construção Civil.

A base para a cal é o carbonato de cálcio proveniente das rochas calcárias, com diferentes proporções de vários materiais, responsável pelas características dos diferentes tipos de cal.

O ciclo da transformação da cal consiste em calcinar o carbonato de sódio, entre 800 a 1000ºc transformando-se em óxido de cálcio – cal-viva e libertando-se dióxido de carbono.

Foi aqui, neste concelho de Borba que durante muitos anos muita gente se dedicou ao fabrico de cal, empregando muita gente à volta desta actividade.

Existiam aqui em toda esta zona muitos fornos de cal, isto deve-se em meu entender ao facto de haver por aqui em muita abundância a matéria-prima necessária para esta actividade, ou seja a pedra e o mato que servia de combustível para cozer a cal. Esta actividade foi desaparecendo à medida que o sector do mármore aqui se foi desen-volvendo, pagando melhores salários aos trabalhadores. Por outro lado, acresce a isto, o facto de se vir a consumir cada vez mais o cimento substituindo a cal, que era uti-lizada na construção civil.

Mas para falar sobre esta actividade, fui falar com o homem que há mais tempo se dedica a esta profissão.

António Festas

Início da preparação para cozedura das pedras mármore...

- Sr. António, pelo que sabemos o Sr. é o único que resta a trabalhar neste oficio aqui no Concelho; isto é verdade?

A.F.- É verdade que sou o único que ainda resisto a cozer cal aqui no Concelho de Borba, e talvez em todo o Alentejo. Antigamente havia por aqui muitos caleiros, na Nora no Bairro Branco em Bencatel, em qualquer carrascal onde houve-se mato e pedra havia um forno de cal. Os olivais estavam cheio de carrascos, eram os forneiros que iam cortando estes carrascos e silvas para os fornos. Eram muitas vezes os homens que carregavam este mato às costas, quando não chegavam lá as carroças; faziam-se uns feixes enfiava-se um pau comprido, depois dois homens transportavam a carga até ao forno. A pedra para a cal preta que era para as obras também havia em qualquer olival. A pedra para a cal Branca utilizada nas caianças e para os estuques íamos busca-la ás pedreiras do mármore, podia ser branca ou azul, mas tinha que ser escolhida porque nem toda a pedra era boa para cal. Da Serra D Ossa também se ia buscar muita lenha para os fornos, haviam por aqui alguns faniqueiros que transportavam a lenha com as suas carroças e demoravam quase um dia a chegar ao forno, era longe e os caminhos muitos difíceis.

- Aos quantos anos começou o Sr. Festas a trabalhar neste oficio de caleiro, e se foi sempre este o seu trabalho? Sempre trabalhou por conta própria?

A.F.- Comecei a trabalhar ainda com o meu Avô, depois com o meu Pai, e depois continuei até hoje e quase sempre aqui neste forno do Bairro Branco onde ainda estou. Quando era miúdo quando saía aqui da escola, vinha logo ajudar a trabalhar no forno com o meu Pai e os meus irmãos. Depois quando era mais velho fui aprender a tosquiar ovelhas, porque nem sempre se podia cozer cal devido ao inverno, e assim sempre se ganhava mais alguns tostões na época das tosquias das ovelhas.

Também ainda fiz algumas ceifas, porque o negócio da cal era fraco e tínhamos que deitar mãos a outros trabalhos quando apareciam, mas a maior parte do tempo era no forno, onde sempre trabalhei por minha conta.

- Alguns dos seus filhos o acompanhou nesta profissão, ou dedicaram-se a outras actividades?

A.F.-Não tive filhos homens, só tive duas filhas, e como isto é trabalho de homens elas dedicaram-se a outros trabalhos. Tenho netos mas eles não vão querer trabalhar neste ofício, isto penso que já não vai ter futuro.

Os mais novos já não querem trabalhar nestes ofícios.

- Houve neste Concelho em determinada época muitos fornos a cozer cal, o Sr. já com a idade de oitenta e três anos ainda continua a cozer cal, continua com este trabalho como forma de passar melhor o seu tempo, ou de o ajudar no completo da sua reforma?

A.F.-, Ainda continuo a cozer cal mas com menos frequência, isto agora é mais por vicio, é para não estar para aqui sentado sem fazer nada, vou fazendo praticamente tudo sozinho como posso. Quando o forno está a cozer é que arranjo alguém para me ajudar nos turnos porque são praticamente dois dias e duas noites que a cal está a cozer. Como a reforma é pequena também ajuda um pouco, sabe que não descontava muito para a caixa e agora a reforma é baixa. Vou-me en-tretendo por aqui, às vezes aparece por aqui gente de fora a ver fazer este trabalho Uma vez apareceu aqui um Sr.de Lisboa que andou aqui desde que comecei a en-fornar até ao fim, quis acompanhar este trabalho até a cal estar cozida, diz que vinha todos os dias de Lisboa.

- Pelo conhecimento que tenho desta actividade, sei que nunca houve progressos no sentido de passar desta prática mais ou menos artesanal para outra mais in-dustrial. Ou seja, hoje ainda se fabrica aqui a cal nos mesmos moldes que há muitos anos atrás. Porquê, em sua opinião?

A.F.- Como sabe este negócio esteve sempre na posse dos pobres, antigamente não davam subsídios para nada destas coisas e as pessoas também não sabiam nem tinham conhecimentos para nada.

Quem tinha dinheiro não se interessava por este negócio. As pedreiras do már-more davam mais rendimento, eram os Saloios que investiam aqui no mármore, antigamente as pedras saiam daqui em bruto, agora já ai há muitas serrações mas vai estando tudo parado. As serrações também empregavam por aqui muita gente.

- O Sr. Acha que se houvesse gente que se quisesse dedicar a este ofício, ainda havia saída para este produto, ou acha que já não há procura e assim não faz sentido?

A.F.- Eu acho que já não há ninguém que se queira dedicar a esta profissão, os mais antigos já cá não estão e os mais novos querem outras profissões.

A cal também já não se gasta como antigamente, a cal que vai sendo mais pro-curada é cal Branca para caiar e também para os estuques .Os estucadores dizem que esta cal aqui da nossa zona é a melhor para o estuque, dizem que tem mais goma. Antigamente também se gastava muita cal branca na caiação ,no tra-tamento das vinhas juntamente com o sulfato. Para caiar utilizam mais as tintas, mas a cal é melhor que as tintas e até é mais saudável nas paredes das nossas ca-sas.

-Como é que vocês faziam a venda da cal, vendiam-na aí no forno ou iam vende-la fora?

A.F.- A grande parte da cal era vendida aqui ao forno, andava muita gente de monte em monte a vender cal nas carroças, e vinham aqui comprá-la.

Também iam fornecer os depósitos onde havia as vendas! Daqui saia a cal para quase todo o Alentejo nos dias de desenfornar vinham de Bencatel de Borba e outos sítios a carregar a cal para irem levar aos montes onde já tinham as suas encomendas. Havia por aqui muitos fornos a cozer cal mas vendia-se bem, aqui no Alentejo as mulheres gostam de ter as suas paredes sempre branquinhas.

- Sr. António, permita-me fazer-lhe a última pergunta e que sai um bocado do âmbito da nossa conversa. Nesta zona do Bairro Branco foi onde em tempos houve talvez a maior exploração do mármore, empregando grande parte dos trabalhadores desta Aldeia. Como vê hoje a situação destas pessoas, sabendo nós que grande parte destas pedreiras está parada?

A.F.- Grande parte das pessoas que trabalhavam aqui nas pedreiras, uns estão re-formados outros saíram daqui para fora, isto aqui deixou de ter vida que tinha, quando as pedreiras estavam a trabalhar.

Haviam aqui algumas lojas e tabernas, hoje só há uma loja e uma taberna.

A Escola também já fechou, os miúdos foram para outras escolas, a escola tam-bém dava aqui outra vida à aldeia.

Pelo que sei, aqui na zona do Barro Branco já não há uma pedreira a trabalhar, antigamente até estrangeiros andavam aqui nas pedreiras.

Fizeram para ali uma britadeira, gastaram tanto dinheiro e ouvi dizer que nunca trabalhou; as máquinas estão para ali encostadas, pois é assim que se gasta o di-nheiro.

As pessoas vão fazendo alguns trabalhos no campo, no tempo das podas das vinhas e da apanha da azeitona.

Também há aqui perto um forno de carvão que emprega algumas pessoas, mas a situação aqui está ficar muito má.

B.J.L.C.

António Festas - Foto de 2013 02 20

Continuação da preparação das pedras mármore para a cozedura...

Foto de António Festas - 2013 02 20

Primeira camada a que segue uma camada de lenha e outras de pedras... sucessivamente... até chegar à superfície... depois acende-se o fogo pela entrada deixada para o efeito...

Foto de 2013 02 20 - à entrada do forno, junto à abertura para acender o forno...

Novas camadas de pedras que se vão sobrepondo até à superfície do solo