Relação com a sociedade

Um ano de renovação e compromisso

O racismo é dificílimo de combater porque se reinventa; e somente com renovação e atuação incessante é possível mobilizar a sociedade para enfrentar essa prática criminosa. Não foi diferente neste ano de 2019, em que o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo do MPPE aprofundou sua atuação com a criação do projeto institucional Raízes: Fortalecimento das Comunidades Tradicionais de Pernambuco.

Depois de integrado ao portfólio de ações da Gestão Estratégica do MPPE, o projeto já iniciou suas atividades com três oficinas de sensibilização nas cidades de Petrolina, Serra Talhada e Garanhuns. Em todos os encontros são realizadas escutas de representantes de comunidades tradicionais e povos de terreiros da região, com o objetivo de conhecer os pleitos desse público.

Encontro com do Projeto Raízes contou com a presença de comunidades tradicionais de Serra Talhada e região (Crédito: GT Racismo)
Projeto Raízes integra o planejamento estratégico do MPPE

O evento também tem a finalidade de entregar os questionários do Projeto Raízes, que devem ser preenchidos pelas lideranças dos povos tradicionais. Esses documentos permitirão que o MPPE construa um cadastro socioeconômico das pessoas que integram as comunidades, suas demandas em relação ao poder público e sugestões de melhorias na comunicação entre as instituições e a sociedade.

Por fim, no período da tarde os integrantes do GT Racismo realizam uma oficina de sensibilização com os membros do MPPE. A conversa busca apresentar as estratégias de atuação que podem ser empregadas para assegurar o respeito aos direitos dessas comunidades.

Raízes - Com ênfase nas populações vulneráveis, o projeto pretende enfrentar as múltiplas dimensões das desigualdades decorrentes das discriminações que afetam as comunidades tradicionais, contribuindo para a conscientização, empoderamento e respeito à dignidade de seus membros, conforme assegurado pela Constituição Federal de 1988 e na esteira dos compromissos assumidos pelo Brasil em diversas Conferências Mundiais, especialmente na Declaração e Programa de Ação de Durban, adotados em 2001.

O projeto Raízes integra o Portfólio de Projetos Estratégicos do Ministério Público de Pernambuco, com foco na efetividade da legislação antirracista e afirmativa e insere-se o nos eixos Reconhecimento, Justiça e desenvolvimento para a promoção e proteção dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes, instituídos em 2013 pela Década Internacional para Afrodescendentes (2015-2024) conforme a Resolução nº68/237 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

GT Racismo lança projeto institucional Raízes
Representantes de grupos religiosos participaram de audiência pública promovida pelo GT Racismo (Crédito: AMCS)

Tolerância religiosa - no mês de setembro de 2019, o MPPE promoveu audiência pública na sede das Promotorias de Justiça de Olinda a fim de debater com a população a proteção legal às religiões de matriz africana, especialmente no que diz respeito aos rituais de sacralização de animais.

“Por que é que estamos aqui novamente para falar da sacralização dos animais? Porque além de ser cultural, também é cultural a não aceitação disso. Então, chamar uma audiência pública com a participação do GT Racismo, com a participação de uma Promotoria de Saúde, chamarmos essas pessoas para de novo as ouvirmos, de novo irmos tomar uma pauta coletiva, porque isso é coletivo. Isso não pode sair de vista de que é uma causa coletiva. E pautar de novo a posição, que já é recomendação do Ministério Público em relação à questão do barulho ou não barulho, do sossego ou não sossego, da perturbação ou não perturbação, mas dessa liberdade de culto”, afirmou a promotora de Justiça Irene Cardoso, uma das coordenadoras do GT Racismo.

Na audiência, a coordenadora religiosa da Caminhada dos Terreiros de Pernambuco e membro do Fórum Inter-religioso Diálogos, mãe Elza de Yemanjá, questionou aos presentes se as outras religiões em seus cultos também são denunciadas. Ela ressaltou que o grande problema do preconceito com as religiões de matriz africana está na generalização por atos que são tratados de forma particularizada em outras crenças. “Quando você percebe que existe uma desordem por parte de alguém, você generaliza. Ou seja, qualquer coisa que possa se acreditar diferente, ou ilegal, ou imoral, pertence a um único credo. A vertente de criminalizar é de um único credo. A vertente de criminalizar é de um único credo”, lamentou.

A audiência teve como principal deliberação a proposta de articulação junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco e a Defensoria Pública Estadual a fim de reafirmar, para esses órgãos, o posicionamento do STF e da Constituição quanto ao respeito aos rituais. E teve ainda o compromisso dos órgãos de vigilância em saúde de uniformizar a atuação por meio de protocolos e notas técnicas que respeitem os ritos de sacralização de animais nos cultos de matriz africana.

Cidade de Caruaru, no Agreste pernambucano, sediou evento alusivo ao dia da Consciência Negra (Crédito: AMCS)

Caruaru discute o racismo - a Promotoria de Justiça de Caruaru realizou, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, o simpósio 17 anos do GT Racismo: análise, perspectivas e desafios.

O promotor de Justiça Marcus Tieppo destacou que, no âmbito da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Caruaru, a maior parte das denúncias é sobre intolerância religiosa contra terreiros.

A advogada e ativista Lucimere Passos apontou que o racismo continua no cotidiano das relações sociais do Brasil. Segundo ela, uma pesquisa realizada na cidade de Caruaru entre os anos de 1999 e 2000 aponta que, já naquela época, as pessoas tinham a compreensão do que é o racismo e suas consequências para a população negra. “Mas o racismo é bem maior do que a gente pensa; ele está impregnado e nós precisamos agir, de forma transversal, para combater a discriminação”, complementou.

A procuradora de Justiça aposentada Maria Bernadete Azevedo Figueiroa, que foi coordenadora do GT Racismo do MPPE por 16 anos, apresentou os principais conceitos em torno do racismo como construção social com fins de dominação que se estabeleceu desde a época do Brasil colônia e que permanece até hoje.

Para concluir o evento, a coordenadora em exercício do GT Racismo, promotora de Justiça Helena Capela, apresentou um histórico do grupo de trabalho e como ele atua para promover o enfrentamento à discriminação racial dentro e fora do MPPE. “O GT teve um primeiro desafio de fazer o MPPE se compreender como uma instituição racista, saber onde nós erramos e construir as soluções. Ao longo do tempo, consolidamos nossa articulação com os movimentos sociais e a sociedade como um todo”, afirmou.

Rituais de Sacralização de animais são tema de audiência no MPPE.