ASIANOMADS

Genocídio dos Santos Mártires Armênios - Segunda parte

Genocídio dos Santos Mártires Armênios

Segunda parte

d. Renato Rosso ©

Resumo



Testemunhos e testemunhase


Há muitos testemunhos que mostram toda a cruel violência dos turcos sob uma aparência de "guerra santa".A cada passo deste caminho será necessário esclarecer que a violência não é um elemento constitutivo da fé islâmica. De fato, Maomé e trinta notáveis assinaram uma ordem sobre os cristãos: "É proibido prejudicar os cristãos do Oriente e do Ocidente; subtrair qualquer coisa de seus lugares de oração, de suas igrejas ou ultrajar suas esposas. É igualmente proibido impedir que os cristãos sigam sua religião ou destruir as suas igrejas, porque isto é ordem de Deus. Eu quero que seus sacerdotes e monges sejam honrados por todos. Todos aqueles que violarem esta aliança de Deus mesmo (saibam) que a cólera de Deus Altíssimo cairá e repousará sobre eles". O próprio Maomé condena, portanto, a violência que resultou naquele genocídio. Os turcos deveriam honestamente reconhecer que, antes mesmo de terem combatido a fé cristã, violaram a religião islâmica.

Pode escandalizar o fato de que muitas testemunhas, ao descreverem até mesmo escrupulosamente os acontecimentos do genocídio, muitas vezes, se esqueceram de mencionar a dimensão "fé", pela qual os cristãos deram a vida, a tal ponto que, num primeiro momento, o leitor se encontra literalmente confuso diante de tanta violência dos turcos. Se, de fato, eles pensaram que tinham razões para não confiar nos armênios, poderiam ter pensado em expulsá-los de seus territórios, ou até mesmo na hipótese de uma guerra contra os cristãos, considerados aliados dos franceses ou dos russos.Mas um extermínio – que para muitas testemunhas parece gratuito e sem motivo – resulta totalmente irracional e incompreensível como fato histórico. Na realidade, os turcos, colocando-se o problema dos armênios e decidindo extirpar aquela presença cristã, em primeiro lugar tentaram a conversão deles. Serviram-se de torturas sofisticadas, mas com o intuito de convencê-los a renunciarem ao cristianismo e escolherem o islamismo. Se tivessem obtido a conversão dos armênios cristãos, os turcos se tornariam mais numerosos, e o fato de os cristãos serem mais bem preparados intelectualmente teria os próprios turcos também desse ponto de vista. Como não mais de 150 mil armênios se converteram ao Islã em face da tortura e da morte, os outros 1,5 milhão foram eliminados. Com as torturas geralmente infligidas em lugares públicos, diante de grupos de cristãos, os turcos forçavam a conversão deles e, quando recusavam, eram mortos.

Se desconsiderássemos o fato de que as torturas tinham o objetivo de converter os cristãos ao Islã, o genocídio na Armênia seria indecifrável.Mas por que os testemunhos frequentemente carecem da dimensão "fé"? Porque muitas vezes os armênios são apresentados como perseguidos sem razão, pessoas que caíram em desgraça com os turcos, ou, em alguns casos, tidos como heróis da pátria e não mártires por causa de sua fé corajosa? Uma razão está no fato que as testemunhas nem sempre eram cristãs, mas simplesmente inimigas dos turcos. Outra razão é que centenas de testemunhos e de artigos sobre o genocídio foram conservados no Comitê Central do Partido Comunista da Armênia e nos arquivos de Estado da República Socialista Soviética da Armênia, duas grandes instituições estatais que, por certo, não estavam preocupadas com dimensão "fé" dos armênios. Quando, por outro lado, os testemunhos eram apresentados por religiosos, vinha destacada com evidência a escolha do martírio pela fidelidade a Jesus Cristo.

Os depoimentos apresentados a seguir– em grande parte já documentados em livros ou manuscritos ou coletados pessoalmente na Armênia com filhos ou parentes dos sobreviventes – não são somente listas ou memórias fragmentadas privadas de valor documental, mesmo que em muitos deles faltem selos ou assinaturas. Em conjunto, eles se mostram provas em condições de mostrar um processo atestado por uma minuciosa análise dos fatos. Verjiné Svaslian, doutora em ciências filológicas e etnógrafa, coletou pessoalmente mais de 429 relatos de testemunhas oculares sobreviventes do genocídio. Ele mesma os entregou para mim como fruto de um trabalho de 55 anos.Trago aqui alguns dos mais significativos.

Testemunhas oculares sobreviventes

Um fato dramático foi contado por uma mãe, deportada com muitas outrasmulheres e crianças: quando chegaram perto do rio Archak, foram todos forçados a atravessá-lo a nado, mesmo sendo bastante largo.Muitos foram imediatamente engolidos e levados pela correnteza. A vizinha de casa da testemunha tentou carregar os três filhos, mas, quando a situação ficou desesperadora, a filha mais velha agarrou-se à mãe de tal forma que a paralisou,chegando ao ponto em que a mãe foi forçada a afogar a filha mais velha para podersalvar ao menos os dois menores. [1]

Em um vilarejo da província de Van, os curdos reuniram todos os homens e, como estes se recusavam à conversão, começaram a torturar o líder da aldeia. Com uma faca, o esfolaram e o cegaram; depois, o penduraram de cabeça para baixo. Mesmo diante dessa demonstração, nenhum dos homens renunciou à sua fé. Os outros, então, não foram mais torturados: apenas mortos. Em seguida, os turcos reuniram cerca de vinte crianças com idades entre 10, 12 e 15 anos. Também estes quiseram ser fiéis à sua fé. Enquanto estavam sendo torturados a fim de que renegassem o cristianismo, um deles tentava confortava os demais dizendo-lhes que estavam morrendo por sua nação e por Jesus Cristo. [2]

É impressionante como muitas crianças e muitos adolescentes tiveram a força para enfrentar as torturas e permanecer fiéis à sua fé. Normalmente a tortura era sempre infligida com o objetivo de converter o torturado ou como exemplo para aqueles que assistiam, a fim de que se decidissem a escolher o islamismo, ainda que fosse apenas para salvar-se e escapar à tortura. Conta-se que, quando um grupo de armênios chegou perto de Kurubash, cinquenta crianças tinham sido jogadas no rio para mostrar que risco estavam sofrendo aqueles que deixassem de escolher o islamismo. Depois, foram selecionados doze jovens que, com coragem, por fidelidade à sua fé, suportaram as torturas, que consistiam em cortar diversas partes do corpo e, por fim, serem degolados. [3]

Sargis Kaputian contou que, depois de ver a execução de dezesseis homens, fugiu para o alto do monte Sag e ali ficou vagando na neve por cinco ou seis dias. Caminhou na tempestade e debaixo de chuva, sem comida e sem roupa, até que encontrou pessoas de sua aldeia que havia sido incendiada. Um grupo de turcos os convidou para a conversão, mas todos recusaram. Em face da tortura e morte, apenas Hovannes, líder da aldeia, e seus filhos aceitaram o islamismo, mas o mulá (líder muçulmano), pensando que eles se convertiam sem convicção, disse que "o Corão contrapõe-se a conversões forçadas, sob ameaças com grande medo e outras circunstâncias". Por essa razão, puniu gravemente os neoconvertidos, desmembrando-lhes partes do corpo com punhais. [4]

A testemunha Davit Farmanian, da aldeia de Khachan, no distrito Berkri, contou que, em 25 de março de 1915, vários homens da polícia entraram na aldeia e começaram a espancar Avetis, líder da aldeia, e o padre Ter Mesrob. A ordem era a de entregar as armas, e foram apresentadas dezoito. No dia 6 de abril, cerca de outros vinte policiais liderados por Amar entraram na aldeia com dezservos, que capturaram 32 homens originários de Nazarovè, todos amarrados dois a dois. Depois, acrescentaram aos capturados mais 28 homens daquela aldeia. Por volta das dez da noite, levaram todos, incluindo a testemunha desta história, para Ghaymaz, perto do rio. Primeiro, despiram o padre Ter Mesrob e lhe disseram: "Se você se converter ao islamismo, será libertado, caso contrário terá que ser morto". O padre negou e começaram as torturas, não só para ele, mas para mostrar aos outros o que aconteceria com eles caso se recusassem a se converter. Ao padre arrancaram-lhe a barba, depois lhe cortaram os lábios um por um e, ao fim das torturas, decapitaram-no e jogaram-no no rio. Aqueles que assistiram não demonstraram menos coragem,tendo se negadoà conversão,foram torturados e mortos.

O mesmo destino coube a Avetis, o líder da aldeia, a Hakob, Grigor e Avag e também aos homens de Nazarovè que recusaram a conversão. Os primeiros foram torturados e em seguida mortos. Seus nomes eram: Asatur, Hpvsepian, Hakob Petrosian e Baghdasar Galoyan. Diante dessas torturas, os outros, permanecendo fiéis à religião cristã, não foram mais torturados, e sim executados com rifles. No dia seguinte, contaram-se 350 pessoas mortas indiscriminadamente, de qualquer idade ou sexo.

Naquela noite, apenas a testemunha deste fato e mais dois homens conseguiram se afastar e se jogar no rio, enquanto os turcos tentavam matá-los com vários tiros de rifle, sem conseguir. [5]

NOTAS:

[1] Conferir manuscrito NAA, f. 227, rec. 469, pp. 22-26 rev.

[2] Conferir manuscrito NAA, f. 227, reg. 1, rec. 433, pp. 1-5.

[3] Conferir manuscrito NAA, f. 227, reg. 1, rec. 469, pp. 36-37 rev.

[4] Conferir manuscrito NAA, f. 227, reg. 1, rec. 435, pp. 1-2.

[5] Conferir manuscrito NAA, f. 227, 1.1, c. 438, ss. pp. 1-2.

Mkrtich Aslanian, único dos nascidos em Archesh que sobrevivou, narrou a história do massacre do qual trago alguns detalhes. No vilarejo de Archesh viviam cerca de 550 famílias armênias e 2.500 famílias de turcos, a maior parte deles agricultores. Algumas informações dizem que os armênios viviam em uma condição social visivelmente privilegiada. As igrejas armênias eram duas: São Jorge, destino de tantas peregrinações, e São Tadeu. Havia dois padres e o primaz Ter Yeghishe. Em Archesh havia duas escolas primárias, uma para os armênios católicos apostólicos e outra para os armênios protestantes. Cerca de 600 meninos e meninas frequentavam essas escolas. Havia uma biblioteca com sala de leitura com 1.500 livros e cinco ou seis jornais diferentes. No vilarejo (somente na parte armênia) se contavam 1.500 bovinos, cerca de 600 pares de búfalos, 150 cavalos e 300 asnos. Ao menos 300 comerciantes residentes em Archesh tinham muitas lojas e traziam produtos de Van e Bitlis.

Depois da destruição e do massacre, a parte armênia de Archesh se tornou uma desolação: a igreja de São Jorge foi queimada pelos turcos e a de São Tadeu foi demolida. Tudo foi destruído: as preciosas antiguidades, os manuscritos e os móveis das igrejas. A escola católica foi queimada pelos russos por alguma razão militar. A escola protestante foi queimada pelos turcos. Não sobreviveram mais do que cem homens: vinte eram soldados do exército turco, enquanto dez conseguiram escapar. Uma mulher, uma jovem e um rapaz foram capturados, enquanto as outras mulheres, moças e crianças (com menos de 10 anos) se salvaram do massacre.

Só depois da carnificina se soube que, um mês antes daquele triste acontecimento, chegou ao líder do vilarejo este telegrama de Constantinopla: “Matem todos aqueles cães!” (por “cães” o autor do telegrama se referia aos próprios armênios). O líder, não querendo eliminar os armênios, ordenou que envenenassem e matassem todos os cachorros (os animais) que existissem na aldeia. No dia 7 de abril, quando ninguém previa tamanho desastre, a polícia entrou no mercado e chamou o primaz (que casualmente estava ali), os padres, todos os artesãos e comerciantes e, ao mesmo tempo, rastreou todos os habitantes do vilarejo de acordo com o censo que tinham em mãos. A testemunha Mkrtich Aslanian, prevendo o pior, se escondeu debaixo doestrume seco, colocou pilhas de arbustos sobre a cabeça para conseguir respirar e permaneceu assim por 32 dias. Os turcos passavam frequentemente por ali, e um dia Mktrich ouviu alguns deles falarem sobre a programação do dia seguinte. Entendeu que os padres, o primaz e todas as autoridades armênias que não tinham aceitado a conversão seriam estrangulados, mas antes teriam a barba arrancada e a pele removida para ser exposta sobre o muro do mercado como ornamento. [6]

Em 10 de juho de 1915, duzentos curdos atacaram o vilarejo de Nabayn e, não encontrando nenhuma resistiencia, reuniram todo o povo e torturaram diante de todos o corajoso e fiel Garnik Kirakosian: primeiro esfolaram suas costas, furaram seus olhos e cortaram suas mãos; depois, arrancaram seus dentes enquanto ele ainda estava vivo e o cortaram em pedaços. Como ninguém se dobrava a aceitar a religião islâmica, continuaram com as torutras: tomaram Abro Buloyan, Rasho Buloyan, Karapet Hokhanian e Hokhan Karapetian e os queimaram vivos. Antes de atear fogo neles, ainda tentaram dizer “Aceite a nossa religião e você será libertado”, mas Abro respondeu “Este fogo é melhor do que a sua religião”.

Também as mulheres que não se dobraram à nova fé pagaram o mesmo preço. Cortaram o ventre de Nergiz, filha de Sayd, que estava grávida, arrancaram o bebê de sua barriga e o colocaram no alto de um mastro como uma bandeira. As mulheres permaneceram petrificadas diante das atrocidades cometidas contra as crianças, mas sem ceder. A mesma tortura foi feita com Seyran, filha de Poghos, e com Khzmo Harutyunian. Para convencer essas mães a escolher o Islã, jogaram as crianças no chão e com uma grande pedra tiraram fora o cérebro delas. Ao final de todas as torturas, para demonstrar que preço pagariam recusando o islamismo, massacraram a população inteira. Somente três homens, uma mulher e um menino sobreviveram a Nabayin. [7]

Arsen Khachikian testemunhou que no vilarejo de Huseinik a população foi convidada a se converter ao islamismo; mas, quando os turcos souberam que um grande número de cristãos dos vilarejos vizinhos, tendo se convertidos ao Islã, tinham depois voltado ao cristianismo, não quiseram ouvir mais nada: deportaram toda a aldeia e foram todos massacrados.

Vale também recordar aquilo que aconteceu com Makhsud Boyajian, da aldeia de Hapusi. Durante a deportação nos arredores de Kharberd, os armênios foram atacados pelos turcos, que iniciaram um massacre com "selvageria bestial", não poupando ninguém. O próprio Makhsud relatou ter sofrido 35 feridas. Foi preso e torturado por sua obstinação em não querer mudar de religião. Cortaram-lhe as orelhas, furaram-lhe um olho e cortaram-lhe uma mão. Pensando que ele estivesse morto, deixaram-no amontoado com outros cadáveres de armênios assassinados, mas no meio da noite, rastejando como podia, Makhsud chegou em Kharberd e entrou no hospital americano, onde foi tratado e depois permaneceu como carpinteiro.

Durante uma deportação em direção a Urfa (provavelmente em agosto de 1915), entre 5 e 6 mil belas jovens armênias foram forçadas a se casar com policiais turcos e soldados de Kharberd e Malatia. Quandose recusavam à conversão, eram torturadas de uma maneira diferente, ou seja, as mulheres casadas eram estupradas diante de seus maridos e moças na frente de seus pais, apesar de as mães terem cortado os seus cabelos e sujado o rosto delas com esterco, para que parecessem horríveis. Muitas moças e mulheres jogaram-se no rio e se suicidaram, enquanto 3 mil meninos de 8, 10 e 12 anos foram inculturados nas casas dos turcos e curdos: no momento de dar seu testemunho, eles já não sabiam sequer falar a sua língua pátria. [8]

Um caso parecido com esse aconteceu a um grupo de homens que, despidos, foram postos à frente de suas esposas e ordenados a dançar, para convencê-los a se converter e poder voltar para suas famílias. Nesse caso, caso a conversão se tivesse realizado, os homens seriam libertados e poderiam voltar para casa com suas esposas. Por terem rejeitado a conversão, foram todos fuzilados. [9]

Hovhannes K. testemunha que os turcos, quando entraram em Tigranakert, levaram embora seu pai, um homem importante na sua região. Lembra que a mãe dizia aos filhos que seu pai havia sido torturado sem piedade. Tinham arrancado suas as unhas, repetindo "Você deve se tornar muçulmano", e o pai respondia "Eu não quero abandonar nem minha nacionalidade, nem minha religião. Eu nasci armênio (cristão) e eu quero morrer assim". Então, os turcos ficaram ainda mais furiosos. Amarraram-no a um poste, esfolaram sua pele e depois levaram-na para fora da casa para que servisse de exemplo. Se os armênios do vilarejo recusassem se tornar muçulmanos, teriam o mesmo destino. Ninguém do vilarejo se converteu ao islamismo e, por isso, muitos foram torturados do mesmo modo. Para acabar com a família do pai de Hovhannes, os turcos levaram seu irmão e sequestraram sua irmã que, como ele, não quis abandonar sua fé. [10]

NOTAS:

[6] Cfr. manuscrito NAA, f. 227, reg,1, rec. 432, p. 12-17 rev. hh.

[7] Cfr. manuscrito NAA, f. 227, reg. 1, rec. 423, pp. 23 e rev.

[8] Cfr. manuscrito NAA, f. 227, reg.1, rec. 491, pp. 5-12.

[9] Citação incompleta.

[10] Hovhannes Kyoroghlian, V.S. 137/137. 70 71.

Em seu testemunho, Pargev M. afirmou que em 1908 chegaram ao poder os Jovens Turcos, que eram em parte hebreus. Em particular, Talaat Pasha, Enver Pasha, Niazit Pasha e Djemal Pasha eram hebreus, mas se tornaram “turcos” (muçulmanos) para organizar o genocídio. Naquele ano adotaram a Nova Constituição Turca declarando “Liberdade, Fraternidade, Igualdade”. Armênios e turcos beijaram uns aos outros, para começar uma nova política na qual os armênios foram ativamente envolvidos, mas depois do primeiro ano começou o genocídio de um milhão e meio de cristãos armênios. Segundo Pargev, o verdadeiro responsável do genocídio foi Talaat. Apesar da tragédia do genocídio, Pargev conseguia ver naquele criminoso um aspecto positivo, ainda que pequeno: depois de ter tirado do trono o sultão, de fato, os Jovens Turcos que estavam no governo (com Talaat em primeiro lugar) o deixaram viver, diferente dos bolcheviques que, depois de ter deposto do czar da Rússia, mataram a ele e a toda a sua família. [11]

Um jovem turista armênio, que estava na Armênia para fazer uma matéria sobre os monastérios, foi convidado a entrar na casa de um idoso, que lhe mostrou um antigo livro. O jovem perguntou a ele por quanto o venderia. O idoso respondeu: “Em 1915 toda a minha família foi massacrada. Eu fui levado para um orfanato turco. Eles me circuncidaram e me tornaram muçulmano. Não me lembro mais da minha língua, na qual este livro é escrito. Esta é a única coisa sagrada que ainda tenho em casa. Não posso vendê-lo, porque o meu filho, todas as noites, quando chega dos campos, pega este livro, o beija e o coloca de volta no lugar. Se esta noite ele não o encontrasse, perderia sua identidade nacional, que é também a sua religião”. [12]

Perguntaram um jovem armênio, em busca de trabalho junto a um chefe de obras de mesma nacionalidade que ele, como podia provar que era armênio se não falava mais a sua língua: ele mostrou uma cruz tatuada no braço durante uma peregrinação a Jerusalém. Disse então que, depois de ter visto sua família ser morta diante de seus olhos, foi criado por uma família árabe, e por isso não conhecia mais a sua língua. A mesma testemunha contou que outro jovem armênio foi reclamar com o seu chefe porque o salário estava atrasado. A resposta foi: “Pode ficar tranquilo que lhe pagarei logo, mas lhe peço um favor secreto. Minha tia (eu a chamo assim) durante o genocídio foi levada para a nossa casa pelo mio pai e permaneceu sempre conosco. Agora está a ponto de morrer, mas me disse que não pode morrer enquanto um padre não levar a ela a unção dos enfermos, obviamente em absoluto segredo”. O jovem entrou em contato com um padre armênio que levou o sacramento àquela senhora: depois da comunhão, ela fechou os olhos em paz. [13]

John Gy, falando de seu pai, disse que ele era um homem muito religioso e sempre grato a Deus. Durante o genocídio, sofreu muito porque seu pai e seu irmão mais velho foram massacrados pelos turcos. Sua irmã, que tinha recusado ir viver em um harém turco, para permanecer fiel à sua religião se jogou para morrer no rio Eufrates. [14]

Uma testemunha afirmou ter sido desviado para a cidade de Homs e não para a de Deyr-es-Zor porque seu pai era um oficial do exército turco. Enquanto estavam lá, o prefeito de Adama, Djemal Pasha, quis proteger os armênios convidando-os a mudar de nome: dessa maneira poderiam ser salvos e ao mesmo tempo permanecer armênios, ou seja, cristãos. [15]

Também Zabel A., que de seus oitenta familiares perdeu 64, declarou que em Ayntap havia chegado uma ordem do governo que impunha que todos os armênios deveriam se tornar muçulmanos, ou então deveriam ser mortos. Eles mudaram apenas o nome, e assim se tornaram muçulmanos apenas de nome. [16]

Uma outra testemunha, Hakob C., confirmou que foi Djemal Pasha que deu o conselho de mudar apenas o nome; enquanto, segundo ele, o verdadeiro executor do genocídio foi Talaat, que no fim de tudo fugiu para Berlim, onde foi procurado e morto por dois armênios: Sohomon Tehlirian e Levon Shant. Estes disseram que ele mudava frequentemente de roupas para não ser reconhecido, mas um dia Tehlirian gritou “Talaat!”, e ele, voltando-se, foi atingido por um tiro. [17]

Da rua, um dia ouviu-se gritar um anúncio: “Ouçam, povo! Em 24 horas vocês devem escolher entre mudar de religião ou mudar de casa!”. A maior parte juntou o indispensável e partiu. Depois de apenas um dia, perto do rio iniciou o massacre: ainda tentando a conversão dos adultos, os forçaram a assistir o massacre dos filhos. Como isso não adiantou, massacraram também a maior parte deles. Os poucos sobreviventes, não convertidos, partiram novamente e chegaram a Yedessia, onde foram reunidos em uma grande casa que foi queimada e cujo teto desabou. Os sobreviventes partiram novamente para Homs. Entre eles estava também o avô desta testemunha, que foi assassinado no caminho. Salvou-se apenas o seu pai, um ferreiro muito experiente, que pediu para salvar sua família em Deyr-es-Zor. Os seus familiares, os irmãos e irmãs de sua mãe e suas famílias, assim como a família do avô, foram todos deportados a Deyr-es-Zor e nenhum deles voltou. [18]

Petros S. S. também testemunha que Djemal Pasha, enquanto era prefeito de Damasco, convidou os armênios a mudar de nome. [19]

NOTAS:

[11] Pargev Makarian, V.S. 272/272.

[12] Cfr. Vilen Nerses Nooridjanian, V.S.60/375/.

[13] Vahagn Vahram Gharibian, V.S. 59/374.

[14] John Gyurdjian, V.S. 39/354.

[15] Mariam Baghdishian, V.S. 294/294.

[16] Zabel Ayvazian, V.S. 270/270.

[17] Hakob Cherdjian, V.S. 266/266.

[18] Nouritsa Kyurkdjian, V.S. 267/267.

[19] Petros Sargis Safarian, V.S. 287/287.

Também Karapet T. dá um testemunho semelhante, mas mais completo: estava na Arábia, perto de Damasco, quando Djemal Pasha, tendo chegado com a ordem por escrito de matar os armênios, pediu que eles mudassem somente de nome, de forma a permanecerem armênios, ou seja, cristãos. Assim, ele pôde enviar um telegrama para informar que não havia mais nenhum armênio vivo naquele lugar. [20]

Uma testemunha, contando como vivia no deserto árabe, disse simplesmente: como os animais, sem água para se lavar, sem água sobretudo para beber, e estando sempre debaixo dos olhos dos guardas até mesmo para fazer as necessidades, algo indecente especialmente na frente das mulheres. E quanto à comida? Nada diferente a dizer. Quando encontravam um pouco de sal, o consumiam com a grama; quando não encontravam, comiam só a grama, como os animais. Os beduínos, árabes cristãos que tinham muitas ovelhas, às vezes levavam a eles algo para comer. [21]

Vergine G. G. narrou como, diantes de seus próprios olhos, massacraram os familiares que não se converteram, ou seja, seu pai Grigor, sua mãe Doudou, seu irmão Hakob e sua irmã Nouritsà. [22] A mãe da testemunha Gevorg tinha sido levada a um hospital para trabalhar. Enquanto estava lá, um oficial impôs que ela se casasse com ele. Ela recusou e o homem insistiu. Para afastar o perigo, em um momento em que ninguém estava olhando, a mulher, por fidelidade à sua família, se jogou da janela. [23]

Também Hovhannes P. contou que, durante a deportação de Eskishehir, ele perdeu seus pais, que foram decapitados. A certa altura, os turcos começaram a enforcar, todos os dias, de dez a quinze armênios, pendurando-os nas árvores. Tudo isso tornava-se um ensinamento para convencer os outros a mudar de religião e se salvar. Depois que a irmã mais velha da testemunha foi sequestrada, sua irmã de apenas 13 anos andava de mãos dadas com sua tia, cheia de medo. Em um momento de distração dos turcos, conseguiram se jogar no rio Eufrates para evitar cair nas mãos deles (falta a referência da citação).

Em 1915, os turcos fizeram uma carnificina em Marash. Um dia, eles levaram Hadji Mariam para um estábulo e a colocaram sobre o esterco, onde queriam estuprá-la, mas ela resistiu. Em vingança, mataram seus dois filhos, Poshos e Hovsep, sobre seus joelhos;levaram embora sua filha Poghos, que mataram depois de tê-la violentado; e depois executaram seu irmão e sua mãe. Mataram seu filho casado e sua nora com os três filhos, além de sua outra filha e do genro com suas crianças.Mataram também a filha mais nova de Hadji Mariam, com o marido e os dois filhos, enquanto o terceiro filho, Serob, conseguiu fugir e, sendo o único sobrevivente dessa grande família, tornou-se o pai da testemunha Ester, que concluiu: "Não é isso um real genocídio?" [24]

Sara B. afirmou que, de quarenta pessoas em sua família, só ela permaneceu viva. Exilados de Eskishehir, tiveram que andar sem fim, famintos e sem água. Quando eles pediam um pouco de água ou comida, a resposta era: ”Dê-nos uma moeda de ouro". Assim, eram obrigados a beber água da lama ou urina. Sara narrou que havia cadáveres em todos os lugares e que eles tentavam não pisar em cima deles: certamente isso era pecado, mas como eles poderiam não fazê-lo? Não tendo aceitado a conversão, as mães ainda eram atormentadas no caminho: matavam seus filhos diante de seus olhos ou as matavam na frente de seus filhos. Concluiu depois dizendo que ela revia o que tinha acontecido em sonhos, mas eram sonhos verdadeiros que a faziam recordar tudo. [25]

Eva C., lembrando a deportação de Zeytun, contou que sua mãe e seus cinco irmãos morreram todos, e que de seu vilarejo somente ela sobreviveu. Relata que, expulsos de suas casas, eles tinham que viajar sob chicotadas, completamente despidos, com as mãos amarradas atrás das costas. A certa altura, os turcos começaram a despedaçar o braço de um, a mão de outro ou a perna de outro. Quando chegaram a Deyr-es-Zor, um lugar muito frio, eles se aqueciam amontoando-se uns sobre os outros. De manhã, reuniram todos e começaram a massacrar aqueles que ainda estavam vivos, jogando depois os corpos no rio Khabur. Alguns sobreviventes começaram a comer pedaços da carne de quem já tinha morrido. Aqueles que haviam bebido a água daquele lugar, que estava contaminada, em pouco tempo ficavam inchados e morriam. Eva disse que conseguiu sair da vala onde tinha sido jogada junto com mortos e, única sobrevivente, caminhou até encontrar um pastor árabe que teve compaixão e a acompanhou a um orfanato alemão em Marash. [26]

Algumas pessoas, como Geghetsik K., anotaram a cidade pelas quais, durante o calvário de Nikomedia para chegar a Deyr-es-Zor, passaram os deportados. Debaixo de pancadas e sem água, eles passaram a pé por Devlet, Eskishehir, Konia, Ereyli, Bozanti, Kanli, Gechit, Aleppo, Bad, Meskenè, Dipsi, Abou-Arar e, enfim, Deyr-es-Zor. Afirmou que, das doze pessoas de sua família, somente duas chegaram vivas. [27]

Também Karapet T. contou que de Everek partiram cem famílias. No segundo dia, as mulheres foram sequestradas e os restantes foram saqueados por turcos e curdos. Depois, continuaram a caminhar por oito horas ao dia e em dois meses chegaram a Katma, perto de Aleppo. Eis as distâncias: de Everek a Nide são 101 km, Ereylì - 99km, Ouloukeshia - 44 km, Bozanti - 43 km, Garahissar – 40km, Adana - 42 km, Seyan - 48 km, Toprakkalè - 33 km, Osmaniè - 10 km, Dertyol - 37 km, Kerek-Khan - 65 km, Mouslimia - 100 km, Katma - 15 km. No total eram 677 km, mas, não podendo usar as estradas verdadeiras e oficiais, a viagem foi pelo menos de 800 km. Quando chegaram, não havia água.Para consegui-la, era preciso andar mais uma hora, ficando mais três ou quatro horas na fila. Por isso, foram desviados para Deyr-es-Zor e para Damasco. A testemunha estava no grupo que partiu para Deyr-es-Zor e que precisou percorrer outros 330 km: todos já estavam exaustos e sem água. Os turcos, que fingiam proteger os armênios, continuaram o massacre. Toda noite eles pediam dinheiro. As mulheres suportavam as dificuldades maiores. Algumas foram estupradas, mas muitas resistiam e eram decapitadas, e outras eram sequestradas. Agora os sobreviventes não tinham mais nada: nem roupas, nem comida, nem forças. Em certo ponto daquela viagem alucinante, alguns armênios, quase nus e meio mortos, conseguiram avisar os outros para não continuar naquela direção, porque ali estava acontecendo um grande massacre. Com essa notícia, para não cair nas mãos dos turcos, muitos dos sobreviventes se jogaram no rio Eufrates. [28]

Endsa contou sobre sua deportação para Deyr-es-Zor.Antes da deportação, foram registrados todos os homens de todas as famílias de Amasya e, durante o caminho, foram todos massacrados. Endsa lembrou que um dia chegaram dois oficiais turcos para tentar persuadir os armênios a se tornarem turcos, a aceitar a fé islâmica: assim, não teriam nenhum problemas e continuariam livres. Mas a mãe de Endsa, mulher forte, de uma fé genuína, deu força para toda a família. Então, todos eles recusaram a nova religião e foram imediatamente registrados na lista negra. No início de abril, a deportação começou. O caminho do exílio durou seis meses, partindo de Amasya para chegar a Deyr-es-Zor a pé. Durante a viagem, muitas das moças mais bonitas e das crianças foram raptadas e levadas embora. Endsa disse que, naquela viagem, sob um sol escaldante e sobre uma areia que queimava, aconteceu de tudo: precisaram suportar ferozes torturas, mas o momento mais doloroso foi quando dois turcos, sempre para induzi-los a deixar sua religião, tomaram uma criança dos braços de uma mãe e o bebê de Endsa – que estava nos braços de seu irmão de 14 anos, porque ela não tinha mais forças. Os turcos competiram para ver qual dos dois conseguia jogar mais a criança que tinha tomado. Endsa afirmou ter visto todas essas coisas. Os turcos tentaram estuprar a mãe, mas, vendo que não ela tinha mais moedas, jogaram-na no Eufrates. Também uma das irmãs, para escapar daquele massacre, se jogou no rio.A testemunha contou que, quando não aguentava mais, orava a Deus para salvar da morte pelo menos aqueles que permaneciam vivos, e o milagre aconteceu. Nesse ponto, Endsa relatou que teve uma visão: a Virgem Maria desceu diante dela cheia de luz e disse "Filha, seu nome é Endsa, que significa 'dom de Deus'. Não deixe sua fé; a salvação está próxima. Junte todas as suas forças e seja forte". Depois dessa visão, ela disse que recebeu uma força desconhecida e foi capaz de continuar a jornada até Deyr-es-Zor. [29]

NOTAS:

[20] Karapet Tozlian, V.S. 254/254/

[21] Pilaw Yeghissabe Kalashian, V.S. 282/282.

[22] Vergine Grigor Gasparian, V. S. 271/271.

[23] Gevorg Yehia Karamanoukian, V.S. 265/265.

[24] Ester Serob Antonian, V.S. 263/263.

[25] Sara Berberian, V.S. 207/207.

[26] Eva Manouk Choulian, V.S. 235/235.

[27] Geghetsik Karapet Yessayan, V.S 231/231.

[28] Karapet Tiran Kelekian, V.S. 189/189.

[29] Endsa NshanJemperjan, V.S. 168/168.

Testemunho inédito de uma família [30]

Era a primavera de 1915. O massacre dos armênios continuava cada vez mais violento. Pietro, um menino de três anos, estava em casa com seus pais, Minaz e Saida, e junto com seu irmão de um ano, Paolo. Os turcos haviam entrado em sua aldeia, destruindo e massacrando entre os gritos dos armênios atingidos e daqueles aterrorizados pelo espetáculo. Minaz e Saida estavam esperando por sua vez, o que não tardou a chegar.

Os turcos invadiram a casa. Eles procuraram armas ou alguma desculpa para condená-los: nada fora do lugar. Propuseram que eles se tornassem muçulmanos, mas eles permaneceram inflexíveis, como granito. A tortura começou imediatamente, como era feito normalmente, mas não adiantou nada. Finalmente, ambos foram decapitados. Pietro, com três anos de idade, lembrou-se perfeitamente daqueles momentos indescritíveis por toda a vida. Começou a mover-se entre sangue dos pais e entre aquelas duas cabeças que não falavam mais com ele. O irmãozinho começou a gritar de fome. Aquela casa se transformou em um calvário.

No terceiro dia, passou uma senhora chamada Franca (não recordo de qual denominação protestante) e conseguiu ainda salvar Pietro que, embora atordoado, reagia ainda, enquanto o pequeno Paolo de um ano estava morrendo e não foi mais possível fazer nada por ele. Pietro foi levado para um orfanato, como aconteceu com os poucos sobreviventes privilegiados; em seguida, foi para outro mais ao norte;e depois, ainda, para maior segurança, foi levado para a Itáliacom outras crianças, para os salesianos de Cumiana, onde entrou no seminário, estudando até o diaconato. Para a especialização teológica, foi enviado a Beit Jemal, perto de Jerusalém. Voltando à Síria, Pietro encontrou seu irmão mais velho, Giorgio, que disse a ele para se casar com uma garota chamada Rosa que ele conhecia muito bem. Giorgio fez essa proposta dizendo que o desastre do genocídio tinha matado quase todos os seus parentes (cerca de cinquenta pessoas). Pietro aceitou, desde que Rosa consentisse que o primeirofilho, se tivesse a graça da vocação, pudesse ser entregue à Igreja com alegria. Hoje aquele primeiro filho, Rafael, é o arcebispo de Yerevan.

Em 1958, enquanto viajavam de trem, Pietro e Giorgio encontraram providencialmente o terceiro irmão, e, lentamente, a família foi reconstruída, como aconteceu com muitas famílias armênias depois de tantos anos de diáspora.

Nessa árvore genealógica, a santidade e o martírio se multiplicaram. O bisavô do atual arcebispo Rafael, chamado Salim Batani,era prefeito. Os turcos pediram a ele o nome dos armênios que viviam em sua cidade. Diante de sua recusa, começaram a torturá-lo com ferimentos e amputações. Finalmente, quando ele já estava desfigurado e com febre,colocaram sobre o seu peito um recipiente com carvão acesso para fazer café sobre aquele fogo, queimando-o gravemente. Por vinte dias, repetiram todas as manhãs esse verdadeiro cozimento de sua carne.A filha Rosa, ainda criança, todos os dias ia ao comissário pegar as roupas do pai para lavá-las.Em casa, dizia-se que, enquanto lavavam aquelas roupas cheias de pus, sentia-seperfume de incenso (eu acredito que daquele modo se forjam os santos).

Após vinte dias de tortura, compreendendo que daquele homem não conseguiriam tirar uma palavra, o pouparam de outros sofrimentose o enviaram com os trezentos fiéis cristãos que, junto ao seus bispo, Monsenhor Maloyan, sofreram o martírio sem que nenhum jovem ou adultoaceitasse o islamismo para salvar-se.Lembraram depois que o turco encarregado de atirar contra aquele santo Salim recolheu um pouco de sangue para mostrar a seus filhos,talvez para ajudá-los a distinguir o sangue dos justos daquele dos perversos cristãos.Mas, naquela mesma noite, uma avalanche de pedras caiu em sua casa e todos os seus seis familiares pereceram.De tempos em tempos, sinais como esse explicam que a violência e todo tipo de prevaricação não têm futuro.

Monsenhor Rafael acrescentou que, entre os trezentos mártires mortos com o seu bispo, estava também o tio de sua avó Faima, o padre Ignazio Patali, e que o sobrinho desse sacerdote mártir tornou-se o Patriarca Armênio Católico deBeirute, e que também o bispo Joseph Janarjian de Kamisli, na Síria,é um descendente dessa família. Como filho de sobreviventes daquele terrível massacre, conta agora dezenas de mártires entre seus própios familiares.

NOTAS:

[30] Testemunho dado pessoalmente ao arcebispo católico de Yerevan, monsenhor Raphael.

Testemunho de uma família religiosa: as freiras armênias da Imaculada Conceição

Do mesmo modo, encontrando a irmã Aroussiag, recebi o valioso testemunho de sua família de origem e de sua família religiosa. Ao início do encontro perguntei se na sua família houvera vítimas e, como houve em toda família, também ela me faloupor um momento da sua casa, com poucas palavras porque os armênios de alguma forma removeram da mente e do coração toda aquela violência e aquela dor.

Diante da minha insistência, irmã Aroussiag disse: "Minha avó Osanna estava em casa com as duas filhas (minhas tias)de 16 e 18 anos e o filho Antoine de 11 anos. Os turcos haviam entrado na aldeia, devastando, queimando e matando. Ninguém conseguiuescapar". A freira, então, eu continua a me dizer que, quando os turcos entraram na casa de sua avó, como sempre propondo em primeiro lugar a conversãoao islamismo, mas naquela casa a fé sólida não ofereceu nenhum desconto para os "Jovens Turcos".Eles, então, propuseram salvar as duas garotas se elas concordassem em ir com eles, tornar-se muçulmanas e se casar com umdeles. Como haviam muitas moças, os homens preferiam levar para casa aquelas que, de alguma forma, consentissem em morar com eles.Mas não houve nenhum consenso à proposta dos turcos. Osanna, enfim, pediu aos jovens que matassem suas duas filhas diante deseus próprios olhos, para ter certeza de que não seriam desonradas em seu pudor. Mãe e filhas, com a coragem dos mártires, naquele dia consumaram o seu sacrifício.

Irmã Aroussiag continuou falando comigo sobre as Irmãs Armênias da Imaculada Conceição. Irmã Camila, irmã Filiposian e irmã Candida procuravam um refúgio para salvar-se dos turcos que tinham chegado à cidade. Um recém-chegado agrediu a jovem irmã Candida para estuprá-la e levá-la embora. Naquele ponto, a irmã Filiposian pegou uma pedra e jogou contra o jovem, recebendo no mesmo instante uma punhalada que a matou.

As duas irmãs restantes foram colocadas em um comboio de deportação. Irmã Ieranuì, muito idosa, para caminhar se apoiava em irmã Candida, mas, quando lhe faltaram as forças, pediu à jovem irmã que se salvasse pelo menos ela, caso contrário estava claro que as duas morreriam. A irmã Candida teve que abandonar a irmã, coisa que foi a mais dolorosa do martírio.

Irmã Iskuhì, da mesma congregação, aterrorizada ao ver o comportamento dos turcos, conseguiu se jogar em um profundo precipício para morrer lá embaixo, longe da profanação.

Irmã Anna foi torturada por um longo tempo por um militar que exigia sua conversão ao islamismo. A irmãpermaneceu inflexível sob os flagelos, as queimaduras e as amputações, até que morreu na fidelidade à fé em Jesus Cristo.

Irmã Emilia, irmã Clementina, irmã Maddalena e irmã Germana foram sequestradas para ser deportadas. Um cristão convertido ao islamismosugeriu que elas trocassem o hábito de religiosas por um vestido turco para eventualmente se salvarem, mas elas se recusaram a fazer isso porque o hábito era a identidade de sua fé. Iniciou assim também para elas o calvário da deportação.

Quando chegaram ao rio, encontraram o bispo enterrado na terra até o pescoço e com a mão direita para fora, num gesto irônico, quase para dizer que ele estava autorizado a continuar a fazer-se beijar o anel e a mão.Os turcos começaram a jogar pedras em direção ao bispo. As irmãs se lançaram junto a ele para defendê-lo e, em vez de beijar a mão dele por ironia, elas o fizeram por fé. Esse gesto provocou sua imediata execução.

Antes de matar, os turcos, os curdos ou os cetés geralmente desnudavam as vítimas, porque elas podiam estar escondendo ouro ou dinheiro e as próprias roupas eram valiosas. Fizeram a mesma coisa com as freiras. Irmã Emília, que era a superiora, conseguiu quefossem mortas primeiro as suas três freiras, para que ela pudesse apoiá-las e encorajá-las nos últimos minutos, e depois pediu ao carrasco o piedoso gesto de cobrir com um pouco de terra a sua nudez. Também a irmã Anna, deportada em outro comboio, foi massacrada.

Um dia, enquanto irmã Elvis, irmã Caterine e irmãClare iam à estação para ajudar mulheres e crianças deportadas com alimentos e roupas, chegou a irmã Candida e as chamou por nome,mas elas não a reconheceram, de tanto que chegara destruída e deformada após o jejum, a fadiga e a tortura de cinco meses de deportação, ou melhor: de um verdadeiro calvário. Até mesmo um militar turco, vendo aquela mulher em tal estado, insultou os próprios colegas que tinha cometido tanta bárbarie. Irmã Candida morreu pouco depois no convento.

Irmã Santina disse que outras três freiras da mesma congregação foram todas trucidadas por defenderem as moças que viviam no seu orfanato.

Mas a pior das torturas coube à irmã Shushan, que fora presa com todos os seus familiares e parentes para se juntar ao grupo de deportação. Enquanto eram reunidos, eles se refugiaram em uma igreja para um momento de oração. A eucaristia ainda estava no tabernáculo.Estava no grupo um menino de três anos e a irmã pensou que ele era o mais digno ministro da eucaristia ; assim, o menino distribuiu o pão consagradoà todos. Os turcos depois reuniram a família inteira e, vendo a irmã com o hábito religioso, perguntaram se ela estava disposta a se tornar mulçumana. Ela, sem sequer pensar, disse que não. Em seguida,os turcos lhe disseram que, se tivesse aceitado o islamismo, teria salvado todos os seus familiares, e esta irmã mártir teve que assistir à morte de cada um deles.

A tortura mais desumana para a irmã, porém, foi a de ter que pronunciar o seu ato de fé diante de cada mãe desesperada no ato de entregar o próprio filho para ser abatido bem na frente dela, que poderia tê-los salvado daquela morte. Quando chegaram para eliminar também a freira, provavelmente não haviamais nada para matar naquela mulher. Foi assim concluído o martírio das treze Irmãs Armênias da Imaculada Conceição.

A família dominicana

Os religiosos e as religiosas que ainda não tinham sido presos trabalhavam de todas as formas para salvar meninos e meninas órfãos. O bispo monsenhor Djibrail Tappouni conseguiu, por meio de recompensas em dinheiro, salvar um grande número de cristãos de Mardine, além de comprar a preço do ouro todos os meninos e meninas que podia, para salvar suas vidas e preservá-los na fé cristã.

Aqui estão alguns testemunhos da família dominicana:

- irmã Radji Bitto (45 anos), deportada, e por fidelidade à sua fé, jogada no rio Tigre em 21/08/1915;

- irmã Radji de Kerendì, morta da mesma maneira;

- irmã Warda, massacrada por sua fé, com duas tias;

- irmã Seidé e irmã Anna, apedrejadas por terem recusado a conversão ao islamismo;

- irmã Susanne (63 anos), idosa e doente, que partiu para a deportação em 12/07/1915. Durante o percurso, as outras mulheres e ela foram todas despidas, mortas e abandonadas ao longo da estrada.

O seminarista Abdulkerim Georgis (19 anos) foi morto em 20/8/1915, durante o massacre em Djezireh. O padre Thomas Cherin, após três anos de serviço pastoral, foi morto em 08/08/1915 com todos os seus paroquianos, que também foram massacrados por quererem continuar a professar a fé cristã.

O padre AugustinMurdjani (35 anos) e seus paroquianos foram cercados pelos curdos em 08/08/1915. Antes de morrer, o padre pôde encorajar a todos, incentivando-os a serem fortesfrente às torturas, dizendo que em pouquíssimo tempo concluiriam a sua missão por toda a eternidade. Todos os 520 fiéis se deixaram matar,sem que ninguém, jovem ouidoso, renunciasseà fé cristã.

Durante a deportação foram mortos tambémo padre Hanna Khatoun (28 anos), o padreElia Issa, o irmão Marcos Thomas e o bispo de Djezireh. O padre Hanna Chouha (32 anos), como acontecia frequentemente, foi torturado com queimaduras e mutilaçõesdiante de todos os cristãos deportados para que, com medo se serem também eles torturados, escolhessem o Islã e abandonassem o cristianismo. Porém, todos preferiram a morte naquele maio de 1915, na estrada para Karput.

Ainda durante a deportação, um soldado circassiano tentou de todas as maneirasconvencer com a tortura o padre Gabriele Manache (42 anos) a aceitar o islamismo. Sem obter sucesso, finalmente cortou seu braço esquerdo, depois o braço direito e, finalmente, o pescoço. Alguns muçulmanos presentes testemunharam ter visto, enquanto ele morria, descer sobre ele uma luz, que desapareceuassim que deu seu último suspiro.

Também o padre Hanna Tadè (45 anos), em 14/06/1915, partiu para a deportação com 74 companheiros. Ele foi terrivelmente torturado para que escolhesse o islamismo, e para que seus companheiros, vendo as torturas que eles mesmos sofreriam depois, aceitassem a nova religião. Tudo foiinútil: por isso, eles foram massacrados e jogados em uma gruta para passar ali seusúltimos momentos da vida.

O padre Petros Issa foi preso em 05/06/1915 com o bispo Malayan e um grupo de outros padres diocesanos. Eles encorajaram uns aos outros e, no dia 10 de junho, Petros partiu para a deportação e foi assassinadono dia do seguinte.Enquanto isso, o padre Gabriel Gorguis (35 anos) foi preso pelos turcos que queriam saber onde estava seu bispo: apesar da tortura, ele nãodisse nada. Então, eles o levaram para o palácio do governador e tentaram fazê-lo apostatar e escolher o islamismo. A terrível tortura continuou por três dias. Quando ele desmaiava da dor, o reanimavam com água gelada. No terceiro dia pressionaram em diversos lugares de seu corpo uma ferraduraincandescente, mas o padre continuava invocando o nome de Jesus Cristo, até que ele morreu e seu corpo foi jogado em uma fossa de esgoto.

O monsenhorAddai Scher (48 anos), arcebispo de Seert, estudioso das ciências orientais e autor de diversas obras, admirado por todas as autoridades civis além das religiosas, em 05/06/1915 foi primeiro convocado na prefeitura e depois escoltado por um grupo de curdos em direção a um destino desconhecido.Na manhã seguinte, ele encontrou com uma grupo de turcos e um deles gritou: "Vocêé o arcebispo de Seert?". Ele confirmou. O turco acrescentou que, em nome dogovernador, devia prendê-lo e matá-lo naquele mesmo lugar. Monsenhor Addai pediu quinze minutos para se preparar. Vestiu roupas episcopais e fez sua profissãode fé de maneira solene. Ele foi imediatamente morto e os mesmos turcos que executaram a sentença, impressionados com uma morte tão nobre, cavaram uma covae o enterraram.

A experiência da família dominicana que narrei aquié apenas um exemplo de fidelidade que é comum à maior parte do clero, dos religiosos e das religiosas que, juntoàssuas comunidades, testemunharam com o sangue a sua fé.

Mardin e a região de Arberkir

Trago aqui o testemunho de uma região particularmente católica. Eu gostaria de sublinhar que, durante a deportação, os comboios dos cristãosnão foram privados da presença de seus bispos e sacerdotes que, compartilhando a mesma sorte dos demais, os encorajavam a ser fortes diante datortura e da morte.

Em Verancheir foram abatidos mil cristãos com o seu pároco, Djibrail Mamachè.

Em Vilayet de Bitlis foram massacrados 4 milcristãos com o seu arcebispo, monsenhor Addai Sher (caldeu), como monsenhor Thomas, bispo nestoriano, com as irmãs da ordem terceira dominicana Susanne,Anna, Seide, Radji e Warda, com o padre Djibrail Gorguis e com os religiosos sírios Mikael Kurio, Joseph Makdasi e padre Ephrem.

A seis horas de Mardine, trezentos cristãos compartilharam a deportação e o martírio junto ao seu arcebispo Maloyan.Eles foram sustentados e ajudados a ser fiéis à sua religião cristã. Junto a eles foram também martirizados o padre Baabdathi (capuchinho) e os seguintes padres armênios católicos: Raphael Berdoa, Petros Issa, Boghos Gasparian,Ignace Chahadian, Augostin Baghdian, Leon Nazarian, Athanase Batania e Antoine Ohmarian.

A sete horas de Mardine, foi massacradao um comboio de mulheresjunto com seu vigário geral Der Ohannes Sarkian.

Perto de Medeat foi massacrado um comboio de 7.070 cristãos com seus dezesseis padres católicos, um bispo jacobita e 46 padres jacobitas.Todos encorajavam uns aos outros para serem fiéis à fé cristã.

Em Djezireh, a quatro horas de distância de Mardine, foram martirizados 5 mil cristãos, que foram sustentados e encorajados à perseverança pelos seus bispos, monsenhor Michel Melke e monsenhor Jacque Abraham (bispo caldeu), pormais dez padres católicos, três padres caldeus, um seminarista, uma freira da ordem terceira dominicana e, por último, por mais três padres jacobitas que foram acrescentados ou grupo.

Em Ourfa, depois de recusarem se tornar muçulmanos, foram mortos 25 mil cristãos, junto com seus padres sírios católicos Youhanna Kandaleft e Ephrem Rahwali.

A estes sete massacres que eu quis documentar com alguns nomes a título de exemplo,é preciso acrescentar que, sempre na região de Arbekir e Mardine, foram consumados outros 37 massacres, totalizandomais de 100 mil cristãosque deram sua vida por fidelidade à Jesus Cristo.

Os testemunhos apresentados aqui são trechos extraídos de anotações feitas um ano depois dos acontecimentos por Hyacinthe Simoon O.P., um dominicano que foi testemunha ocular daquele ano do inferno. Existem três volumes de manuscritos que narram a tortura de cinquenta bispos e 50 mil padres, registrados em sua maioria por sobreviventes das comunidades em que a quase totalidade dos bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas foram torturados emassacrados.

Dos arquivos nacionais

Em um dia e uma noite, cerca de trinta aldeias ao redor de Karin foram esvaziadas de todos os cristãos. Mesmo os doentes foram deportados e morreram depois de pouco tempo na estrada. Cerca de 20 mil cristãos, junto com o seu bispo monsenhor Smbat, foram todos mortos antes de chegar a Yerznka.Quando cidades e vilarejos foram esvaziados e todos estavam em viagem, os turcos avisaram os cetés e os curdos, a fim de que ajudassem no massacre.Permitiram que o bispo celebrasse a missa para todos, talvez com a intenção de fazê-los pensar que tudo estava ocorrendo segundo a regra de uma deportação normal para evacuar uma região com risco de guerra, e que ninguém pensasse no massacre que estava para acontecer.Mas certamente os cristãos não eram ingênuos nem estúpidos. Choraram durante todo o tempo da missa: certamente entendiam que era a última da qual participavam. Já anteriormente haviam recusado se converter ao islamismo, de modo que sabiam que o próximo passo seria o massacre.Quando o “trabalho”começou, muitas entre as meninas e as moças escolhidas para serem levadas à casa dos curdos ou dos cetés se jogaram no riopara salvar sua dignidade de cristãs. [31]

Em abril de 1915, foi organizada a deportação em Karin. Iniciou com a tortura para forçar aquelas famílias a se tornar mulçumanas.Destruíram as igrejas do vilarejo e, ao término das torturas, mataram o pároco por empalação: introduziram-lhe uma barra de ferro no do ânuse traspassaram com ela todo o corpo dele. Diante de tanta crueldade, duzentas famílias se declararam disponíveis a se tornar muçulmanas, para fugirdaquela maldade. Naquele ponto alguns muçulmanos da cidade protestaram, dizendo que tudo aquilo era ilegal, e por isso os cristãos que permaneceram fiéisforam levados para longe da cidade para serem mortos.

A ordem, que chegara via telegrama, tinha de fato recordado, pela enésima vez, o programa do governo, pedindo com autoridade que o governador de Karin não fizesse nenhuma distinção de sexo nem de idade, mas que levasse todos para fora da cidade e os massacrasse. [32]

Khachatur Grigorian (50 anos) testemunhou que em 22 de março de 1915, sob o comando de Jevtet, tropas de turcos entraram em Salmast, destruindo casas e massacrando a população.Depois,torturaram até a morte o pároco da aldeia, reverendo Vardan Matevosian, e outros homens distintos do local. A tortura era sempre feita com uma crueldade inacreditável, para que fosse persuasiva e assim convertesse os cristãos ao islamismo. Começaram com o pároco: esfolaram-lhe a pele do rosto e, e suspendendo-o pela barba, cortaram-lhe os braços,transpassaram-no com uma barra introduzida no ânus e,por fim, o apunhalaram doze vezes. Depois de tais torturas, fizeram a proposta de conversão a Yenovk Israyelian, outro homem verdadeiramente distinto. Diante de sua recusa a converter-se, o torturaram como ao pároco,cortando-lhe as orelhas, os lábios e o nariz, e depois furando-lhe os olhos.

Em seguida, tentaram converter Hovhannes Kishmishian, aplicando inutilmente a mesmatortura.E assim fizeram também a Safar Arakelian.Outras 782 pessoas naquele dia tiveram que testemunhar todas essas torturas, sabendo que logo após o terrível suplício aquilo aconteceria também a eles. Porém, ficaram inflexíveis na fé cristã. Quando chegou o momento, os turcos os mataram sem mais torturas. Dez dias depois, quando Khachatur Gregoriamvoltou ao lugar do martírio, encontrou os 786 corpos dos mártires. Em um segundo massacre na região de Salmast, outros quatrocentos homens foram martirizados.Três das mulheres foram levadas embora, enquanto as outras sofreram todo tipo de violência e acabaram sendo mortas. [33]

NOTAS:

[31] 16/01/1917, Karin. Cfr. manuscrito original NAA, f. 227, reg. 1, rec.479, pp.1-9.

[32] 25/11/1916. Cfr. manuscrito original NAA, f. 57, reg. 5, rec.106, pp. 19-20.

[33] Cfr. manuscrito original NAA, f. 227, reg.1, rec. 424, p.12 and. rev.

A última palavra a Kevork Hintlian

No último meio século, seguiu a vocação de reavivar a memória de seu povo, vítima do primeiro genocídio da era moderna. O próprio Kevork éfilho de sobreviventes do grande massacre. Em sua cidade, foram martirizados mais de setenta dos membros de sua família, além de alguns que estavam vivendo em outros lugares mais distantes. Em cinquenta anos, ele conheceu e ouviu mais de oitocentas pessoas que sobreviveram ao genocídio dos santos mártires cristãos armêniosde cem anos antes. Suas reuniões não foram como as do pesquisador arqueólogo que tem que escrever uma tese acadêmica. Kevork é um pastor. Nestes anos, em nome de Deuse em nome dos turcos, ele pôde pedir perdão a essas pessoas. E quando ele encontrou feridas que ainda não haviam cicatrizado, ele pôde oferecer o remédio da amizade que quer se solidarizar a todo custo. Tantos encontros! Naquelas intermináveis tentativas de encontros, sempre havia muitaexpectativa, porque esse meu amigo sabia muito bem que aquelas eram as últimas palavras de testemunhas oculares que tinham autoridade para reviver a memóriadaquele passado sangrento. E quando ele finalmente encontrava a pessoa procurada, muitas vezes tinha que adiar a reunião porque o momento não era adequado ou porque a pessoa traumatizada precisava de mais tempo. Muitas vezes ele teve que esperar semanas ou meses e, toda vez que ele encontrava a mesma pessoa, não era,nunca a mesma: as emoções, as memórias, as feridas provocavam uma batida de coração diferente a cada vez. Depois chegavam os testemunhos, as feridasainda abertas, as superações e aquela pesada herança que no passado tinham matado corpo e alma, deixando o corpo apenas com a respiração.Como teria sido diferente a história do genocídio sem eles, sem suas histórias atormentadas! Kevork, através dashistórias deles, pôde vê-los, os campos da morte, a terra ensopada de sangue, os rios com milhares de corposflutuantes e verdadeiros montes feitos de milhares de cadáveres insepultos. Pôde ver e escutar os gritos nosdesfiladeiros das montanhas, naquelas passagens estreitas que serviam como emboscadas para um ataque repentino quenão deixava tempo para que as pessoas se dispersassem. Tudo foi programado para que se acreditasse ser um exílio que, porém,em pouco tempo se transformou em aniquilação. Quando os armênios percebiam que haviam caído em uma armadilha, já era tarde,tarde demais. Os executores do genocídio possuíam um único desejo: o de aniquilar os cristãos armênios.

Depois, Kevork muda de voz perto do iconostásio e abre a cortina de sua memória para me deixar entrever os ícones sagradosdos sobreviventes: geralmente são viúvas, mas também alguns órfãos menos feridos que conseguiram escapar.

Ele me fala deMayrig, natural de Mush, uma cidade muito flagelada. A mulher viu seus cinco filhos serem abatidos diante de seus olhos.O marido pouco antes tivera o mesmo destino. Enquanto escuto esses fatos, lembro-me de ter visto uma fotografia com alegenda "mãe ao lado de seus cinco filhos massacrados", e me pergunto se poderia ser, justamente aquele que vi,o ícone de Mayrig, mas imediatamente penso“quem sabe quantas mulheres tiveram o mesmo destino?”. Escuto, depois, que essa mãe reconstruiu um novo mundo para a sua vida. Duas vezes por dia vai à igreja. O quarto em que elavive estácheira a incenso, e muitos objetos sagrados tornam ainda mais bendita aquela capela. Como outrasviúvas, ela jamais usara um passaporte e nunca nunca tinha saído do seu mundo, de sua vizinhança armênia. Seu sofrimentohavia atingido o pico, de modo que não sentia necessidade de procurar outra coisa na vida. Aquela octogenáriase tornou uma eremita e era considerada uma santa que se movia sobre a terra na companhia de suas intermináveis orações sussurradas. E, assim como seus filhos, outras 3.000 crianças e mulheres saídas de Mush forammortas a golpes ou simplesmente amarradas e jogadas no Eufrates. Então, meu interlocutor me falou de Vartouk, uma órfãencontrada perdida no deserto da Mesopotâmia que tornou-se uma oficial de polícia, sem sorrisos, sem amigos, e sem sequer considerar aquelesque viviam ao seu lado dela como“vizinhos”. Quando ela se tornou pouco mais que uma adolescente, lhe deram marido, também eleórfão.Na primeira noite do casamento, ela notouna pele do marido uma mancha marrom igual à que seu irmão possuía.Falando com ele, soube que era realmente seu irmão. Traumatizada, ela não se casou mais e se sepultou em seu mundo, com um olhar perdido.

Em seguida, Kevork me disse que tinha viajado por quatro horas paraencontrar um senhor já centenário que,tendo sido disperso com todos os seus parentes, conseguiu se salvare todos osdomingos ia à igreja com a esperança deque tivesse chegado alguma notícia sobre algum familiar sobrevivente. Depois de mais de quarentaanos,ele ainda esperava.

Falou-me ainda de Margot, uma octogenária de Marsiglia que morava em Sivas e, falando me do dia em que havia deixado o vilarejo e das muitas lembranças tristes daquele dia, não se lembrava de quase mais nada. Ela, com outras mulheres, crianças e idosos,tinham partido antes dos homens – caso raro –, porque naquelas terras havia uma grande produção de grãos e, por isso,só enviaram os homens para a deportação e a morte após a colheita. Na cidade onde Margot morava, quatrocentas crianças de 2 a 6 anos foram envenenadaspara serem um peso a menos para transportar. De Sivas partiam os numerosos comboios,cada um com 1.000 a 3.000 pessoas,todos com o mesmo destino. Margot, daquele dia, lembrava-se apenas do triste lamento do cachorro deixado na lajesem poder seguir o comboio. Depois contou sobre uma mulher que, tendo dadoà luz no comboio, teve que deixar o bebê pelo caminho, assim como outras mulheres grávidas haviam feito. Depois de alguns dias na aldeia onde tinham parado, chegaram turcos com sacos fechados. Reuniram as mulheres e abriram os sacos, que elas acreditavam estar cheios de melancias devido à aparência externa. Então, jogaram os sacos por terra, e foi possível ver que eles estavam cheios dos bebês nascidos nosúltimos dias. Depois que as mães reconheceram seus filhos, os sacos foram novamente cheios, fechadose jogados fora. Talvez essas práticas fossem realizadas para apagarqualquer sentimento humano.

Depois falamos de Zarouhy, da aldeia deShoushankan, perto de Van. Quando explodiu o inferno de Van, cerca de trinta mulheres conseguiram escapar, mas, cercadaspelos turcos, não conseguiram fugir. Foram despidas, sexualmente agredidas e deixadas nuas. Mais tarde, pensaram em matá-las e, para fazer isso, levaram-nas todas para uma cabana em ruínas e atacaram as mulheres com facase machados. No meio daquela carnificina, o teto desabou e eles morreram sob os escombros. Zarouhy, que tinha nove anos,depois de alguns dias ainda encontrou sua mãe agonizante, que lhe pediu um pouco de água, mas Zarouhy não conseguiu encontrar. Aquelaúltima voz da mãe nunca mais deixou seus ouvidos. Quando Zarouhy saiu daquelas ruínas, foi visto por dois turcos.Ela estava completamente nua. Eles a tomaram e a espancaram até que cada parte de seu corpo se tornou um hematoma azul.

Hátambém a lembrança de Hekimian Sandrouny, que em 1915 era uma jovem moça.Ela se lembrou de quando, em Adiyaman,uma noite todos os homens foram pegos e levados à prisão.De fato, era sempre assim:primeiro tiravam do combate os homens, e dessa maneira ficava mais fácil lidar com mulheres, crianças e idosos. Depois de alguns dias, as mulheres foram convidadas aver seus maridos na praça da cidade. Chegando lá, eles estavam amarrados em grupos de cinco e estavam exaustos. Saudaram-se de longe, e foi aúltima vez que o fizeram. Depois de uma semana, foram deportadas também as mulheres e, quandochegaram ao rio, viram já à distância cerca de uma centena de cadáveres decapitados, amarrados e presos nos arbustos das margens doEufrates. Hekkimian acrescentou que, quando iam buscar água no rio, porque não havia outro lugar para buscar, muitas vezesencontravam uma grande quantidade de depósitos de sangue coagulado ao longo da margem.

Sarkis lembrou que os turcos, depois dedescobrir que algumas dezenas de meninos armênios estavam alojados no orfanato grego, inventaram outro truque.À noite, eles se aproximavam dos garotos e os convidavam para fazer uma corrida de barcos.Os garotos, empolgados, brigavam para não perder a oportunidade. Quando Sarkis percebeu que nenhum deles retornava, começou a desconfiar. Quando, um dia depois, os encontrou com a garganta cortada, avisou seu irmão e ambos fizeram uma corda com roupas, desceram da janela e fugiram para uma família de amigos gregos. Lá eles se vestiram como os gregos e permaneceram ali até a guerra acabar.

Depois, escutei a história do Dr. Vahan Kalbian, que acabara de se formar em 1915 foi para a casa de sua família em Diarbekir para celebrar sua formatura. Assim como uma festa de casamento, durou sete dias e terminou com um acidente. Dançando, a mãe fraturou o quadril. O novo médico insistiu que ela deveria ser levada para Beirut imediatamente para realizar uma cirurgia, e assim foi feito. Além da enferma, do marido e do filho, foram também outros cinco familiares – de fato, os armênios são muito solidários entre si. Essas oito pessoas foram as únicas sobreviventes da família, pois seus outros parentes foram todos mortos. Foram afogados 674 homens enquanto eram embarcados a caminho de Musul. Foram massacrados 12.000 ex-soldados de Dyarbakir na estrada de trabalhoforçado perto de Palu, e setecentos jovens foram mortos perto de Urfa. Foram jogadas de um precipício 5.000 mulheres. Em 15 de setembrode 1915, dos 120 mil armênios do distrito de Diyarbakir não havia mais ninguém – ou melhor, mais ninguém além dos oito sobreviventes em Beirut.

Também houve Housep, que de longe testemunhou o massacre de 10 mil ex-soldados em trabalho forçado. Aquele homempelo resto de sua vida fechou-se em um túmulo de silêncio quase absoluto e não conseguiu mais falar com ninguém.Mas quem o encontrava podia vislumbrar em seu olhar toda a violência que aqueles olhos tinham visto.

Ouvi então falar sobre Mihran.Depois de um dos massacres habituais que os turcos faziam, decidiram jogar todosos cadáveres em uma grande gruta. Ele também foi jogado com os outros, porque eles acreditavam que ele estava morto.Depois que todos foram embora, ele saiu furtivamente, sem se afastar, para que não o notassem. Durante o dia procurava por alguma comida, mas à noite retornava àgruta com os cadáveres e o insuportável cheirosufocante.A cada noite ele via seus familiares se decomporemdiante de seus olhos.

Kevork também me contou sobre Beatrice,nome que lhe foi dado pela família que a adotou. Ela havia perdido tudo: a família, o nome, sua identidade, seus amigos e até mesmo muitas lembranças que sua memória havia apagado. Ela havia se tornado uma devoradora da Bíblia, o único livro quepossuía.Apesar de tudo, justamente ela dizia que não nutria sentimentos particularmente hostis contra os turcos.Isso era certamente um grande milagre.

Uma das últimas memórias que registro do meu querido amigo é o fim de Izmir (Esmirna).

O incêndio de Esmirna.

"Esmirna, 6 h, 13 de setembro de 1922.

Dos 370 mil habitantes da cidade(quase 1 milhão na província), morreram 30 mil cristãos, que eram precisamente os que estavamno alvo dos turcos. O fogo queimoua cidade entre 12 e 15 de setembro de 1922. O assunto sério que eu quero registrar aconteceu pouco antes do incêndio, quando os navios chegaram em Esmirna para evacuar os ingleses, os franceses e os italianos, mas os gregos e os armêniosforam rejeitados. Para impedi-los de embarcar, mantinham-nos longe jogando água e óleo fervente neles. Quase todos os40 mil cristãos daquela cidade morreram.”

Kevork conseguiu entrevistar quinze sobreviventes de Esmirna, mas quantas lágrimas!

O julgamento da história

É evidente que, ao planejar essa parte terrível da história, os responsáveis tomaram uma série de precauções para serem exibidas em algum tribunal hipotético que quisesse esclarecer as responsabilidades. Os turcossabiam que aquilo que estavam para cometer era terrível, mas se deixaram embriagaram pelo sonho de um império grande, forte império com umaúnica religião, o islamismo, para ter uma autonomia única do ponto de vista político, cultural e religioso.

Os membrosdo Comitê Central Turco sabiam que não podiam matar arbitrariamente, por isso maquiaram os fatos e criaram as deportações, administradas de tal maneira que as pessoas não fossem mortas com uma arma de fogo, mas fazendo que, ao longo do caminho, os deportados morressem de fome e de doenças. As comunicações, de fato, eram feitas falando ou, caso um telegrama ou uma folha escrita fossem enviados, eles eram mandados sempre em duas partes: uma para comunicar asvárias medidas contra os armênios, que deveria ser imediatamente destruída,e outra em favor dos armênios,que deveria ser mantida nos registros.

Eles não podiam não saber que suas ações e seus métodos bárbaros e ilegítimos não respeitavam sequer as leis e os costumes da guerra e eram contráriosaos princípios da humanidade (até mesmo a guerratem leis que todos devem respeitar). O fato de que os documentos que atestavam suas ações não tenham sido nem mesmo produzidos ou tenham sido imediatamente destruídos provou que eles sabiam muito bem que suas ações seriam condenadas por qualquer tribunalinternacional. Se estivessem em boa consciência, não teriam medo de documentar o que estavam fazendo.Portanto, o fato de que hoje não se encontrem documentos de todas aquelas centenas de milhares de mortes não depõe a favor dainocência turca, mas contra sua hipotética boa consciência.

O negacionismo indica uma atitude histórico-política que,usando métodos político-ideológicos de negação de fenômenos históricos que de fato aconteceram, nega, contra todas as evidências, o fato histórico do genocídio do povo armênio.

As testemunhas, provenientes de lugares extremamente diferentes e sem terem podido fazer nenhum acordo antes de dar seus vários depoimentos, sempre constataram que as deportações não foram jamais motivadas porcausas militares, mas eram simplesmente um pretexto para verdadeirassentenças de morte.

O início, depois, da Primeira Guerra Mundialfoi uma cobertura extraordinária para organizar o programa de genocídio dentro da nuvem escura da guerra.

Embora ofato seja historicamente comprovado por centenas de milhares de testemunhos (e muitos deles certamente não partidários), o governo turco considera prejudicial e antipatriótico admiti-lo, por interessesideológicos, políticos, históricos, culturais e religiosos.

E, ao final de cada constatação, impõe-se uma pergunta irônica,mas legítima: "Como se explica que, com todos os documentos a favor do povo armênio, esse mesmo povo tenha sido eliminado?".

Os turcos negam o genocídio

"Apresentem mais documentos que comprovem suas acusações." Diante de qualquer testemunho, de fato, o culpado pode sempre negar o fato, se não há documentos escritos certos e irrefutáveis. E esses documentos nunca foram produzidos; por isso, os responsáveis sempre "podem" continuar negando o genocídio. Outra precaução usada pelos turcos foi a de nunca empregar os soldados do exército: dessa forma, ninguém poderia dizer que o governo estava ciente dos fatos. As tropas do exército nacional foram usadas somente quando era possível supor, se não demonstrar, que uma revolta ou uma defesa armada por parte dos armênios poderiam justificar a intervenção militar.

A posição oficial do governo turco é a de que as mortes de armênios durante as "transferências" ou "deportações" não podem ser consideradas genocídio, simplesmente porque as mortes não foram deliberadas nem orquestradas pelo próprio governo. As morteseram de fato justificados pela ameaça pró-russa representada pelos armênios e pela interferência de franceses e ingleses que tentavam mover-se no território otomano usando os armênios. Os turcos denunciaram o fatode que a alguns armênios, alistados no exército russo, não lhes agrasse se alistar no exército otomano.

As aspirações deindependência que circulavamno povo armênio, os partidos armênios,os movimentos revolucionários em algumas regiõesda própria Armênia e muitos outros elementos motivaram um “não-boa vizinhança” entre armênios e turcos, mas nada que pudesse justificar um extermínio. No entanto, havia uma razão "superior": o desejo de construir um império grande, forte ecompacto do ponto de vista cultural e religioso, com um Islã que pudesse moldar todos os setores da sociedade e que certamente não era compatível com uma Armênia cristã no próprio território.

A posição pró-turca até chegou a dizer queantes de 1943 a palavra "genocídio" ainda não existia, de modo que seria incorreto usar esse termo.

Em umaconferência em Losanna, Ismet Inonu concluiu: "A responsabilidade de todas as calamidades às quais o povo armênio foisubmetido recaem assim sobre suas próprias ações, já que o governo e o povo turco não fizeram nada além de recorrer, em todos os casos e sem exceções, a medidas de repressão e represália, e isso só depois de ter perdido a paciência". [34]

Háainda quem assegure que não aconteceu nada. Inicia-se com a minimizar o número dos mortos, reconhecendo apenas200 mil, contra todas as evidências, também contra as evidências da parte turca, expressas pelo governo turco e por algunshistoriadores, sempre em defesa dos turcos, pouco depois do término do genocídio. Uma síntese declara:"Não aconteceu nada e, se algo aconteceu, foi exclusivamente culpa dos armênios".

Perto dos anos 1960, Hikmet Bayur afirmou que "os armênios se rebelaram e os turcos se defenderam, enquanto os massacres cometidos por bandos de curdos e pelas guardasauxiliares, as doenças infecciosas, a fome e fadiga causaram a morte de meio milhão de pessoas" [35]

Uma outra tese sustenta que os turcos nunca pensaram em um genocídio contra os armênios, enquanto os armênios sim teriamtentado o genocídio dos turcos e simplesmente não teriam conseguido.

NOTAS:

[34] A. Mandelstam, O Livro Amarelo, trad. Annalisa Crea, pp. 258-307.

[35] Y. H. Bayur, op.cit., pp. 3-9.

Pode-se falar em genocídio?

Uma conclusão parcial é a que o genocídio dos armênios absolutamente existiu, porque contra os fatos não há argumentosque sejam válidos.Ao mesmo tempo, ele é absolutamente negável, porque o documento escrito que o condenaria oficialmente, astutamente, nunca foi produzido.

Se alguém pensa que seja incorreto usar o termo de genocídio armênio porque partes do massacrepoderiam escapar dessa designação, é porém legítimo falar de genocídio dos cristãos armênios, porque ficou clara a vontadede destruir, se não todos, o maior número possível de cristãos. Os massacres dos cristãos caldeus (200 mil)e dos cristãos persas (80 mil) demonstram claramente que o alvo eram os armênios como cristãos, mais que os armênios como grupoétnico. Se o governo turco podia ter receio em relação aos armênios, como mencionado acima, e se podia ser justificado um exílio das pessoas suspeitas, não podia, porém, ser justificada a vontade de destruir uma nação inteira.

Apoio ou interferência?

Também isto não depõe muito a favor da inocência alemã. Como eu já disse, não foi a Alemanha que projetou o genocídio doscristãos armênios, mas uma vasta literatura falou sobre a responsabilidade de muitas nações.

Relato apenas algumas interferências estrangeiras que, em vez de ajudar a Armêniaquando podiam fazê-lo, eram simplesmente espectadores, pensando em seus próprios interesses.

Precisamente no dia 10 de abril, quando as deportações começaram nasmontanhas do Tauro, na Armênia, com o acordo deConstantinopla e dos Dardanelos, a França e a Inglaterra reconheceram os direitos da Rússia sobre o Dardanelos,conservando todavia os próprios direitos comerciais.

A França, depois, atribuía-se, com a Síria, uma parte dos territórios povoadospelos armênios, enquanto os diplomatas tentavam privar a Turquia de uma saída para o mar.A Inglaterra,por sua vez, protegia a rota para a Índia, e a Alemanha tentava conquistar o Império Otomano não tanto como um territóriogeográfico, mas como um espaço econômico.

Todos sabiam o que estava acontecendo na Armênia: o The New York Times dava sistematicamente informações sobre a tragédia que era perpetrada na Turquia contra os armênios, e outros jornais erevistas europeus comunicavam aos leitores os documentos oficiais e as notícias que chegavam através dos consulados e das embaixadas. Essas informações, no entanto, não conseguiram muito mais do que despertar certa reprovação, sem mudar nada.

Embora muitos tenham exagerado em colocar a Alemanha na questão armênia, não se pode dizer com muita confiançaque ela tenha sido inocente. Alguém definiu assim o genocídio dos cristãos armênios: "método alemão, trabalho turco".E isso não é histórico. É claro que a Alemanha não organizou nem provocou os massacres armênios. Toda a responsabilidadepor esses crimes contra os armênios recai totalmente e sem atenuantes sobre os Jovens Turcos, mas é legítimofazer algumas perguntas. Visto que a Alemanha tinha um poder extraordinário em relação à Turquia, por que não fez nada parasalvar os armênios? Para entender esse poder, pensemos que devia enfrentare defender-se da Rússia junto com a Turquia: a linha ferroviária Berlim-Bagdá fala muito claramente sobre o quanto uma precisava da outra. O fato de funcionários alemães estarempresentes na história das deportações e, além disso, a maneira como a Alemanha se comportou na realização de seugenocídio contra os judeus não depõem muito a favor da inocência alemã.

Como eu disse, se não foi a Alemanha que projetou o genocídio de cristãos armênios, ela certamente tinha toda a autoridade para impedi-lo, assim como outrasnações, conhecendo os fatos através de seus cônsules e embaixadores, tinham certamente o dever pelo menosde diminuir, se não de impedir, a violência irracional contra os armênios.