ASIANOMADS

Genocídio dos Santos Mártires Armênios - Primeira parte

Genocídio dos Santos Mártires Armênios

Primeira parte

d. Renato Rosso ©

Resumo

Às fontes do povo armênio


O território que depois tomou o nome de Armênia é identificado com o lugar geográfico que a Bíblia chamou deparaíso terrestre. Antes do século IX, grupos tribais ocupavam a região que vai do norte da Síria até a Transcaucásia, incluindo o lagoÚrmia e o lago de Van. Aqueles que depois se chamaram armênios eram grupos tribais seminômades que vinham das estepes da Rússia e do Baixo Danúbio e posteriormente se estenderam à Frígia.

No mesmo período e das mesmas regiões russas se deslocaram muitos grupos nômades que hoje chamamos de arianos. Eles partiram para o Oriente e alcançaram o noroeste da Índia. Mais tarde, a Europa se tornou devedora aquela cultura antiga, trazida primeiro pelos armênios e depois pelos arianos. Calculando que os arianos chegaram ao norte da Índia ocidental não antes de 1000 a.C., pode-se supor que eles não tiveram tempo de influenciar a Europa com a língua e a cultura; os armênios, no entanto, que partiram do norte aos arredores mais ou menos na mesma época que os arianos, chegaram pelo menos mil anos antes deles. Se pudesse ser apoiada por uma séria documentação, essa hipótese poderia revolucionar significativamente a historiografia.

Em virtude de sua posição estratégica, no decorrer dos anos, a Armênia viveu não apenas suas próprias lutas, mas também as de outros povos. Pode-se dizer que sua história foi uma contínua batalha: com a expansão da Pérsia, quando teve que lidar com as ações do rei Dario (século V a.C.), e depois com Alexandre, o Grande (331 a. C.), sendo influenciada primeiro pela civilização persa e depois pela grega, viu formar-se dentro de si uma cultura que é a síntese do Oriente e do Ocidente. No final do primeiro século d.C.,teve que enfrentar também o Império Romano. Deste confronto a Armênia inicialmente saiu vitoriosa, mas, depois que Roma tornou-se aliada de Pompeu, foi necessário ceder, mesmo os dois grandes aliadostendo levado cerca de trinta anos para derrubá-la definitivamente.

Mais tarde, a Armênia tornou-se um Estado cliente de Roma, até entrar no território romano com Diocleciano. Depois, tornou-se súdita da Pérsia até 451 d.C. quando, cansados da interferência persa, os armênios se rebelaram e, com um exército de apenas 60 mil homens, se confrontraam com 212 mil soldados, além de um considerável número de elefantes. É inútil dizer que eles foram derrotados; apesar disso, entrincheirando-se em vários grupos quase invisíveis, os armênios adotaram uma técnica semelhante à de uma guerrilha, que induziu a Pérsia a renunciarao controle total das instituições políticas e religiosas do país.

No século VI d.C, a Armênia teve que enfrentar a expansão árabe, e em 654 muitas cidades foram subjugadas. Seguiram-se tempos de maior liberdade, alternados com períodos dominados por interferências estrangeiras, até que os bizantinos (século X), os gregos e novamente os turcos (1064) invadiram-na para saquear, escravizar e massacrar, reduzindo-a à ruínas. Dessas cinzas, mesmo na escravidão, a Armênia voltou a existir até o início do século XIII, quando foi invadida pelos mogóis, que a submeteramao seu poder: em 1387, Tamerlão saqueou, destruiu e matou. Porém, para provar sua força ele poupou os últimos 4 mil soldados armênios e os enterrou vivos e, reunindo o máximo possível de crianças, fez com que os cavalos de seu exército as pisoteassem. Depois disso, houve séculos de relativa paz, até a última ocupação do Império Otomano.

História de um genocídio (2 milhões de mortos)

As circunstâncias

21 de março de 1828. Partes da Armênia, especialmente as regiões de Yerevan e Nakhichevan, são anexadas à Rússia.

18 de fevereiro de 1856. Um Plano de Reforma é promulgado: o artigo 9 decreta que o sultão promete implementar reformas nas províncias cristãs. O projeto prevê a abolição de todos os privilégios dos muçulmanos, regras que nunca seriam aplicadas.

1862. Começam desordens e massacres na região de Tauro. Insurreição nas montanhas Zeythun. Começa a ocupação turca de uma região quase autônoma.

29 de março de 1863. A “Constituição Nacional Armena” [3] é ratificada por um decreto imperial para redefinir a estrutura da comunidade armena, confiando as funções administrativas ao Patriarcado e preparando uma assembleia de 140 membros eleitos.

24 de abril de 1877. A Rússia declara guerra contra a Turquia. Os turcos massacram 300 mil búlgaros. Desse evento, a Rússia leva vantagem e invade a Armênia. Durante a guerra turco-russa, a população armênia das regiões de Bayazid, Diadin e Alashgerd são quase completamente exterminadas.

3 de março de 1878. O Tratado de Santo Estevão é assinado. O artigo 16 pede que Império Otomano inicie reformas nas províncias armênias.

13 de julho de 1878. O Tratado de Berlim é assinado. Ainda são requisitadas reformas do governo otomano em favor da Armênia.

1879-1894. Estados europeus também se queixam de que as reformas para a Armênia não foram promulgadas. Há falta de iniciativa por parte Turquia e os esforços para implementar as reformas são abandonados.

De agosto a outubro de 1894. Os armênios se recusam a pagar os impostos ilícitos que os curdos querem coletar em Sasun. Ataque contra a opressão curda. Seguem-se os massacres contra os armênios em Sasun.

NOTAS

[3] Armena ou armênia como o nome do país

Início das perseguições: 1815

A partir do século XV, os armênios ficaram sob o domínio otomano e, em várias ocasiões, mostraram intolerância contra essa situação e aspirações de independência.

Nas últimas três décadas do século XIX, os armênios haviam sido alvo dos curdos e circassianos de diferentes maneiras: a princípio eles apelaram ao governo turco para intervir contra essa desordem, mas de nada valiam suas reclamações. Em busca de proteção, os armênios voltaram-se para as potências europeias, que poderiam pressionar a Turquia a intervir contra os curdos e os circassianos. Porém, a Turquia não tomava nenhuma atitude, mesmo prometendo fazê-lo.

Em 1874, com o Tratado de Berlim, as potências europeias pediram formalmente à Turquia que pusesse fim a essaopressão, mas nem os documentos assinados faziam o governo otomano sentir-seno dever de intervir. Para salvaguardar seus direitos, em 1887 os armênios criaram o partido Hinciak e, mais tarde, o partido Tashnak. Eles pensavam que seriam apoiados pela Rússia em uma eventual luta pela independência: na verdade, a Rússia se havia mostrado benevolente para com eles, de modo que pudessem enfraquecer o Império Otomano e talvez, um dia, oferecer uma possibilidade a mais de se apropriar de Constantinopla. A Rússia, por isso, tinha interesse em alistar os armênios em seu próprio exército. Este bom relacionamento, infelizmente, custou-lhes muito caro.

Enquanto isso, o Governo turco aumentou os impostos e os curdos continuavam a oprimir os armênios, de modo que estes últimos mostravam sempre mais sinais de insubordinação: tudo isso servia ao Império Otomano para motivar um ataque que já estava preparando há muito tempo.

Assim, em 1894-1895, o sultão Abdul Hamid desaprovou que os armênios se organizassem em dois partidos e que recorressem às potências europeias. Além disso, não tolerouas movimentações dos armênios contra aperseguição que sofriam por parte dos curdos e contra o aumento dos impostos. Porém, tolerou ainda menos a aliança secreta com os russos e o fato de os armênios serem cristãos: o Império turco deixariade confiscar tudo o que pertencia aos cristãos.

Por essa razão, “o Sultão quis castigá-los organizando os tristemente famosos ‘Hamidieh’, batalhões formados por mercenários curdos e circassianos, aos quais pagou muito para que massacrassem os armênios. Esses batalhões, ajudados aqui e ali por tropas regulares, lançaram-se contra suas vítimas, matando e roubando casas e armazéns. Acredita-se que nessa perseguição houve 100 mil mortos e 2.590 aldeias devastadas, enquanto os habitantes de 650 aldeias foram forçados a aceitar o Islã (obviamente aqueles que não aceitaram a nova fé foram mortos)”. [4]

Agora mencionarei alguns fatos menos importantes, que podem ter sido a “última gota” que fez transbordar o copo dos problemas.

No final de 1895, precisamente em 25 de outubro, em um mercado, um turco e um armênio começaram a discutir. Ouviu-se um grito: “Os cristãos se revoltarampara destruir os muçulmanos”. E isso teria causado uma tragédia. Outra tese revela que o turco teria sido encontrado morto no dia seguinte. Sua morte foi atribuída aos cristãos, que foram agredidos pelos turcos e depois espancados e mortos, enquanto suas casas e seus armazéns foram saqueados.

O governo local preparou um relato dos fatos, obviamente culpando os cristãos, e enviou tudo para Constantinopla. A resposta foi imediata: “Usem as armas contra aqueles que perturbam a segurança pública”. O governador, “seguindo a sugestão de algumas pessoas influentes, designou para cada quarteirão da cidade guardas civis turcos armados com rifles, com espadas, com punhais ou mesmo com bastõespara atacar os cristãos que saíam de casa. Não contente com isso, ele ordenou aos cristãos que abrissem seus armazéns. Aqueles que acreditaram nas garantias das autoridades e abriram seus portões viram esses ‘guardas municipais’invadirem e saquearem ” [5]

Além disso, em 3 de novembro, o comandante turco Ferik Pascha convidou os líderes das várias denominações cristãs a manter as igrejas abertas: não era mais preciso temer nenhumarepresália e a paz era agora uma realidade. Muitos acreditaram em suas palavras, abriram casas e comércios e retomaram suas atividades diárias de trabalho, mas os soldados turcos, juntamente com curdos e circassianos, fizeram um massacre, saqueando e devastando tudo, ferindo e matando. Na aldeia de Fernez, perto de Marash, houve umacarnificina: “A aldeia foi bombardeada e as pessoas que fugiam foram massacradas. Nessa perseguição, somente em Marash foram 822 os mortos entre armênios católicos, protestantes e apostólicos, 1.543 casas foram saqueadas foram, 7.900 pessoas foram despojadas de todos os seus bens,e muitos dos sobreviventes foram jogados na prisão”. [6]

A quantia final dos mortos foi, portanto, de 100 mil, como mencionado acima [7] A estimativa do Patriarca, que atesta o número de mortes em 300 mil, pode parecer exagerada, mas não é exagerada se considerarmos as mortes em Van, Constantinopla e Egin de 1894 a 1895, as dezenas de milhares de mortes por causa da fome e de doenças,os feridos que depois lentamente foram mortos junto aos muitos outros que fugiram da contagem dos cônsules, e ainda cerca de 100 mil forçados a se converter (claro que aqueles que rejeitaram a imposição do Islã tinham sido mortos), aos quais soma-se as 100 mil mulheres e meninas raptadas ou mantidas à força nos haréns.

Os historiadores mais sérios acreditam que o número de vítimas é certamente superior a 200 mil, umaquantia que pode ser comparadaà hipótese do Patriarca Armênio. Além dos mortos, pensamos ainda nos saqueados, na destruição das colheitas, nas“250 mil aldeias que foram arruinadas, nas milhares de casas queimadas, nas centenas de moradias e conventos que foram saqueados, demolidos ou transformados em mesquitas ou estábulos. As províncias armênias estavam em estado de desolação, em meio à fome e à epidemia de peste e cólera”. [8] A tudo isso soma-se a redução das forças armênias devido à constante imigração clandestina: 100 mil armênios se refugiaram na Transcaucásia , [9] 50 mil na Europa Ocidental e na América e 12 mil na Bulgária. [10]

Pode-se observar como o futuro da Armênia foi impedido por esse êxodo desesperado:as milhares de pessoas que deixaram o país quase certamente não retornariam e, estando fora dali, corriam o risco de perder sua identidade como nação, já que esta estava destruída física, moral e politicamente, além de em sua dimensão cultural e religiosa. Mas a Armênia que permanece, embora tão ferida, sempre tenta uma ressurreição.

NOTAS:

[4] C. Alvi, 100 anni di Padre Basilio Talatinian, Gerusalemme, p. 214.

[5] C. Alvi, op. cit.

[6] C. Alvi, op. cit.

[7] J. L. Pears, Sir E. Pears in Life of Abdul-Hamid, New York, 1917, p. 239.

[8] Y. Ternon, Gli Armeni, Bur, 2007.

[9] Secondo i Novesty di San Pietroburgo, 1897.

[10] P. Quillard, L. Margery, La Question d’Orient et la Politique personnelle de Monsieur Hanotaux, p. 21.

A Armênia se recupera

A partir de 1892, o partido Dashnak organizou-se para se defender. Foram criados alguns grupos chamados Fedai. Reuniram-se comitês e grupos de defesa e de ataque. As atividades começaram na região de Kars, onde algunsvilarejos armênios eram governadosclandestinamente pelopartido Dashnak. Três membros eleitos em cada comunidade tinham um poder quase absoluto: “administravam a justiça, recolhiam os impostos, ensinavam o armeno e acolhiam os refugiados”. [11]

Havia reuniões nas aldeias e eram organizados “casamentos falsos” nos quais a população era informada e treinada para se defender, com trinta a cinquenta homens armados que pudessem garantir a defesa nas aldeias. Se nessas situações a polícia passasse por ali, os músicos começavam a tocar. Dessas bases partiam agentes especiais, que viajavam pela Armênia ocidental recrutando pessoas capazes de organizar as aldeias armênias.

Em cada vilarejo, cinco a oito pessoas de confiança formavam um grupo que cuidava das necessidades dos Fedai para conduzi-los de aldeia em aldeia e, se necessário, assegurava sua evasão do território para sair em ajuda daqueles ameaçados pelos curdos. [12]

“Os Fedai são meticulosamente selecionados e treinados, e a os grupos são estruturados em sectores incomunicáveis; os membros de uma companhia não conhecem os das outras. Todos têm o mesmo aspecto aterrorizante: a cabeça coberta por um lenço vermelho, quatro faixas decartuchos e balas cruzadas sobre o peito, um punhal no cinto e uma capa; carregam uma pistola Mauser alemã de dez disparos, um rifle Mossine russo e uma bolsa contendo o mínimo indispensável de roupas e alimentos, alguns itens pessoais e um pequeno pedaço de hóstia consagrada. O comandante de cada companhia tem total autoridade sobre seus homens no momento da ação: qualquer ato contrário à disciplina pode ser punido com a morte [...] somente o líder conhece o itinerário; dormem durante o dia e se movem à noite, hospedam-se com os camponeses mais pobres e não permanecem mais de uma semana no mesmo lugar para não correrem o risco de ser localizados e para não tornar pesada a hospitalidade”. [13]

Os Fedai se tornaram heróis lendários: embora com algum exagero, eles eram homens honestos e dispostos a dar a vida por seu povo a qualquer momento. Por estarem sempre no meio da luta, aparentavamnão ter escrúpulos, são homens de fé: levavam consigo de um pedaço da Eucaristia, de modo que, caso caíssem em mãos inimigas e precisassem se suicidar, poderiam pelo menos receber a Comunhão antes de morrer. Nas batalhas ou nos ataques repentinos contra os turcos, matavam apenas homens, sem tocar em mulheres ou crianças. Não saqueavam as terras atacados.

Seguem alguns fatos para entender como eles se moviam.

Em 20 de novembro de 1901, sessenta homens de Andranik que estavam no mosteiro de Arakhelots cercados por 1.200 soldados otomanos, resistiram por dezenove dias recusando render-se. De manhã, os soldados perceberam que, durante a noite, os Fedai conseguiram escapar com seu líder. Em 1904, 150 Fedai entraram em confronto com 6 mil soldados turcos. Apesar das perdas, conseguiram se aproximar dos inimigos, acabaram com um grande número deles e conseguiram desaparecer novamente. Somente em um segundo momento, cercados pela infantaria que veio em socorro dos quase 6 mil soldados e depois de dois dias de resistência é que quase todos os Fedai foram mortos.

Outro fato que merece ser registrado é o de 1903, quando os turcos decidiram atacar Mush e Sasun, onde havia 180 mil homens armênios em 700 vilarejos. Os 10 mil soldados das forças regulares e os 5 a 7 mil Hamidieh de reforço ocuparam as aldeias, cometendo todo tipode maldade. De 11 a 22 de abril, os armênios defenderam, e também atacaram em alguns momentos. Depois, os habitantes de 45 aldeias se reuniram em Geliguzan, resistindo alguns dias, até que a artilharia turca destruiu as defesas. Os Fedai, então, com seu chefe Murad, tentaram evacuar a população na planície de Mush, conseguindo novamente protegê-la até o fim, mesmo que por pouco e contra toda esperança. Foram 3 mil mortos no total. Essa é a Armênia que morre, mas a um alto preço.

Entre os movimentos populares, devemos lembrar a Federação Revolucionária Armênia (FRA). Seu objetivo eraconseguir a “emancipação política e econômica da Armênia turca por meio de uma vasta insurreição revolucionária. Eis o seu programa: ‘Nós não perseguimos o sonho da ressurreição da antiga Armênia independente, mas queremos a mesma liberdade e os mesmos direitos para todos do nosso povo em uma Federação livre e igualitária’”. [14] A FRA desempenhou um papel importante em 1903: o governador do Cáucaso, o príncipe Galitsin, assustado com a força armênia, tinha conseguido, com o consentimento do Zar, o fechamento das escolas, das associações culturais, dos jornais e das bibliotecas armênias e, em junho do mesmo ano, avançara com confisco dos bens da Igreja. Depois desses acontecimentos, também a burguesia procurou a ajuda dos partidos populares para organizar a defesa e a FRA, que representava a base armênia mais ativa e revolucionária, concordou em mudar seu centro de interesse apenas dos armênios da Turquia, estendendo-o tambémaos armênios da Rússia.

Desde 1907, a FRA adotou um programa socialista, mas com objetivos diferentes: para a Armênia ocidental, significava luta pela autonomia local e laços federativos dentro do Império Otomano, enquanto que para a Armênia orientalse aspirava a uma república democráticatranscaucásicainserida em uma república federal russa. A FRA, embora entendendo que o socialismo não era a solução perfeita para a economia e a política armênias, percebeu o perigo muito maior do imperialismo europeu, que buscava entrar no Império Otomano para enfraquecê-lo. Nesse ponto, a FRA rompeu com o capitalismo europeu, passando a simpatizar com os movimentos socialistas europeus. Enquanto isso, em 1899já havia surgido os primeiros grupos marxistas armênios na Transcaucásia, e em 1903 a FRA uniu-se com o Partido Social-Democrata Operário Russo (POSDR).

Desde 1904, a FRA esteve empenhada em lutar junto com as populações de três continentes: no Império Otomano, a guerrilha cresceu nas províncias orientais. Em 1905, o príncipe Verontsov obteve do novo governo do Cáucaso a restituição dos bens da Igreja. Até mesmo a burguesia, que via os membros da FRA como revolucionários anticlericais, teve que mudar de ideia. Esses guerrilheiros ainda eram uma minoria, mas suficientemente perigosos. Em caso de conflito, toda a população poderia ser envolvida e seguir as propostas da FRA. A tensão Armênia-Império Otomano tornou-se cada vez mais evidente. Depois de um período de crise, a Igreja voltara a ser forte. A guerrilha que estava se formando não era tão poderosa, mas perigosa o suficiente. Todavia, esses elementos positivos da base na realidade atraíram antipatias cada vez maiores sobre a nação. O sonho de uma Armênia um pouco mais livre tornou-se cada vez menos provável, e involuntariamente preparava-se uma catástrofe.

Acrescenta-se o fato de quetambém no mundo muçulmano, na Turquia e na Rússia começaram a infiltrar-se ideias socialistas que poderiam ter sido uma defesa contra o imperialismo de Abdul, do de Zar e aindado imperialismo europeu, mas precisamente por essa razão a Armênia poderia ser vista como o foco que, por meio de sua guerrilha ideológica, poderia nutrir essas novas correntes de pensamento mais liberais, de modo que tudo acabou caindo novamente sobre ela, quejá estava tão na mira do Império. De qualquer modo, na grante nação islâmica e turca havia cada vez menos espaço para a Armênia.

NOTAS

[11] Y. Ternon, op.cit., p.148.

[12] Ruben, Memoires d’un partisan armenien, Marseille, Éditions de l’aube, 1990.

[13] R. Ter Minassian, Armenian freedom Fighters, Boston, J. Mandalian, 196, pp.72-75.

[14] Rapporto FRA al Congresso internazionale socialista di Londra, 25 luglio, 1996, stilato a Ginevra, Redazione Droshak.

Perseguição de 1909

Os movimentos nacionalistas se desenvolveram primeiro entre os oficiais otomanos em Tessalônica, na Macedônia, um ambiente adequado para o desenvolvimento de atividades clandestinas. Naquele lugar, mais livre que Constantinopla, nasceu primeiro a “Sociedade da Liberdade Otomana”, formada por um comitê de 10 membros oficiais, um dos quais erao diretor da Agência de Correios e Telégrafos da cidade. Seu nome eraTalaat Pasha e ele se tornariaum dos maiores responsáveis pelo genocídio. O número de membros aumentou rapidamente, e os militantes, todos patriotas que queriam salvar o Império, eram favorecidos pelas leis maçônicas de Tessalônica. Nesse contexto, a clandestinidade, a difusão e o recrutamento eram facilitados na sociedade macedônia. O comitêfundiu-se com outros membros e organizações, e em 1907 nasceu o Comitê“União e Progresso”. Adiretoriaficavaem Tessalônica e os comitês locais estavam presentes em todas as cidades da Macedônia. Os membros, chamados de “Jovens Turcos”, não se baseavam em grandes ideologias: podemos defini-los comopatriotas liberais que queriam salvar o Império Otomano, mas não o imperador, ou seja, o sultão. O comitê nacionalistaturco chamado de “União e Progresso” e de “Jovens Turcos” queria obter do sultão uma constituição. Foi por isso que se aliaram ao partido armênio de Tashnak, que, por sua vez, cultiva sentimentos de independência. Assim, “União e Progresso” e Tashnak pediram em conjunto uma Constituição que “garantisse a liberdade e igualdade dos cidadãos do Império, bem como o respeito de todas as religiões”. [15] Relutantemente, em 1908 o sultão foi forçado a promulgar a constituição.

Vejamos agora em detalhes como ocorreram os fatos.

Em pouco tempo, os “Jovens Turcos” ganharam popularidade e confiança: entre 22 e 23 de julho, o comitê central reuniu urgentemente os delegados dos comitês e os prefeitos das aldeias. “De manhã, às sete horas, os representantes cristãos e muçulmanos das aldeias começaram a chegar. Estava presente uma grande multidão. Às 10 horas chegaram as autoridades religiosas e civis. Os bispos gregos e búlgaros se abraçaram. Turcos, gregos e búlgaros se reconciliaram em clima de fraternidade entre religiões e povos. As autoridades reunidas enviaram um ultimato ao sultão, pedindo a constituição dentro de 24 horas. Quando o sultão percebeu que estava em meio uma revolta popular, concordou em restabelecer a Constituição de 1876, que havia sido revogada.” [16]

Em Tessalônica houve uma grande comemoração, mas em Constantinopla a festa foi para o sultão. Com a nova constituição e a promessa, agora escrita, de uma ainda frágil liberdade religiosa, os cristãos armênios manifestaram grande alegria: projetava-se diante deles a possibilidade de uma nova era, certamente mais pacífica. Por outro lado, os muçulmanos se irritaram terrivelmente.

Os “Jovens Turcos” tinham ocaminho aberto e se identificaram com a declaração de Niyazi Bey: “Este país nos pertence e não permitiremosque ninguém que não seja turco o governe”.Sentiamque a aliança com os cristãos não tinha futuro, a menos que eles se tornassem muçulmanos. Portanto, era cada vez mais evidente que a Armênia cristã seria um espinho na carne do Império Otomano, de modo que não havia outra alternativa: deveriam ou mudar a própria identidade e se converter ao Islã, ou desaparecer.

Às razões mencionadas acima, que haviam criado tensões entre turcos e armênios, somaram-se outras: os “Jovens Turcos” haviam quebrado a aliança com o partido armênio Tashnak, e ambosvoltaram a ser inimigos entre si. Estando então no poder, cultivavam o medo de que os armênios alimentassem cada vez mais alianças secretas com os russos, já que eles já haviam sido encorajados e apoiados no passado em suas aspirações de independência. Isso parecia claro, já que a Rússia estava tentando, de todas as maneiras, enfraquecer o Império Otomano e eventualmente até mesmo tomar posse de Constantinopla.

Enquanto isso, em 11 de abril de 1909, alguns soldados desarmaram os oficiais e, junto com outros soldados e estudantes, entraram na cidade de Constantinopla. A isso somou-se uma intervenção do exército macedônio com Mohmud Shevket Pasha, que declarou a lei marcial, ao mesmo tempo em que a Câmara e o Senado juntosdepuseram o sultão Abdul-Hamid, exilando-o em Tessalônica e colocando temporariamente no lugar seu irmão Mehmed.

A fim de reprimir o movimento autonomista armênio e o entusiasmo que o alimentava, o governo otomano começou a espalhar sentimentos de ódio contra os armênios entre os curdos, que ocupavam o mesmo território, e entre os circassianos. Assim,estes se voltaram violentamente contra os armênios e, somente na cidade de Marash, em 1909 foram mortas 95 pessoas entre latinos (11), os armênios católicos (48) e protestantes (36), além de muitíssimos armênios apostólicos.

“Os massacres se estenderama todas as cidades e, acima de tudo, a cidade de Adana foi palco de um imenso massacre, onde os circassianos mataram 20 mil cristãos”. [17] Em Adana, soldados e bandos de saqueadores entraram no bairro dos armênios que, após a trégua de alguns dias antes, tinham sido desarmados. Bombas incendiárias foram jogadas nas casas e as escolas, onde estavam refugiadas muitas famílias, foram queimadas. Nas ruas, a violência atingiu seu ponto mais alto. Os armênios foram assassinados, amarrados, encharcados com petróleoe acesoscom fogo como tochas. Entre as atrocidades, cadáveres esfolados pendurados nos ganchos dos açougues, pessoas empaladas,outras crucificadosnos portões ou nas vigas, mulheres mutiladas, mãos, dedos e orelhas decepados por ladrões de joias, crianças cortadas em pedaços e recém-nascidos com as mãos amputadas. O massacre continuou por 24 horas. Das 4.800 casas queimadas, 4.400 pertenciam aos armênios (as outras, provavelmente, foram queimadas porque eram vizinhas às dos armênios).

NOTAS:

[15] C. Alvi, op.cit.

[16] Sarrou, La Jeusse Turquie e la Revolution, pp. 19-35.

[17] [1]C. Alvi, op.cit.

Perseguições dos anos 1914 e 1915

No início de 1914 (8 de fevereiro) algumas reformas ainda foram emitidas, para manter os armênios em estado de espera, para que eles não se rebelassem. Apesar de tudo, eles preferiam continuar a iludir-se que novas mudanças poderiam ser feitas e, deste modo,mantinham o sonho, alimentado há séculos, de ver um dia “uma Armênia autônoma dentro das fronteiras do Império Otomano”.

Eis outra razão que causou tensões: antes da Guerra Mundial de 1915 a 1918, o exército francês havia financiado os armênios, levando-os a se revoltar contra o nascente poder republicano dos “Jovens Turcos”. Em 1915, alguns batalhões do exército russo começaram a recrutar soldados armênios que anteriormente haviam servido no exército otomano.

Enquanto isso, o ministro da guerra Enver Pasha tinha preparado um plano de batalha para cercar e destruir o exército russo do Cáucaso, em Sarikamish, a fim de recuperar alguns territórios anteriormente confiscados pelos russos, mas foi estrondosamente derrotado. Retornando a Constantinopla, Enver culpou publicamente os armênios por lutarem ao lado dos russos e não em defesa do Império Otomano. Para piorar a situação, acrescentou o fato de que o Império estava recrutando soldados para a guerra (como a Rússia fizera), mas os armênios, como outras minorias étnicas, não queriam ser agregados às forças otomanas. Eles entendiam que não se podia confiar nos otomanos, mas para os turcos essa atitude se juntou a outras para motivar o massacre que estava prestes a acontecer.

Mewlazada Rifar, membro do Comitê“União e Progresso”, em seu livro “Bastidores Obscuros da Revolução Turca”, escreveu: “No início de 1915, o Comitê ‘União e Progresso’, em sessão secreta presidida por Talat, decidiu o extermínio dos armênios. Participaram da reunião: Talat, Enver, o dr. Behaeddin Shakir, Kara Kemal, o dr. Nazim Shavid, Hassan Fehmi e Agha Oghlu Amed. Foi criada uma comissão executiva para o programa de extermínio constituída pelo dr. Nazim, pelo ministro da Educação Shukri e pelo dr. Behaeddin Shakir. Essa comissão decidiu libertar os 10 mil criminosos presos por causa de várias condenações, os quais teriam sido responsáveis pelo massacre dos armênios”. [18]

Ainda que na expressão anterior haja certaningenuidade, já que 12 mil homens não poderiam pretender matar centenas de milhares de armênios, isso foi apenas o começo.

Aqui está um trecho retirado do texto original da sessão secreta presidida por Talat, na qual foi decidido o extermínio dos armênios. O “paradocumento”, também citado pelo dr. Naim Bey, diz: “O comitêdecidiu libertar a pátria dessa maldita raça e assumir perante a história otomana a responsabilidade que esse fato implica. Resolver exterminar todos os armênios residentes na Turquia sem deixar um vivo,para isso foram dados amplos poderes ao governo”. [19] Essa responsabilidade, no entanto, os turcos não assumiram: de fato procuraram eliminar os armênios sem matá-los, fazendo que morressem de modo a parecer uma catástrofe.

Em 25 de fevereiro de 1915, Enver Pasha enviou uma ordem para que todas as unidades militares armênias presentes nas fileiras do exército otomano fossem desmobilizadas e desarmadas. Após a desmilitarização, esses soldados eram engajados em batalhões de mão-de-obra, como apoio logístico ao exército regular ou como trabalho forçado. Parece que muitos recrutas armênios foram usados em campos de trabalho forçado e depois mortos. Conforme o relatoem“As memórias de Naim Bey”, os recrutas armênios envolvidos em batalhões de trabalho já faziam parte de uma estratégia de extermínio, já que muitos deles, depois de trabalhar, eram mortos por grupos turcos locais e não por um exército regular. Também esse estilo de massacre fazia parte dos “massacres mascarados”.

Entre os fatos que deixaram os turcos nervosos, também houve a batalha de Van, em que, tendo iniciado os massacres em 20 de abril de 1915, um grupo de armênios tentou proteger 30 mil residentes e 15 mil refugiados em um km2no vilarejo armênio de Aigestan. Os defensores dessas 45 mil pessoas eram cerca de 1.500 homens, armados com apenas 300 rifles e pistolas e ainda 1.000 armas mais antigas. A resistência foi longa, mas os armênios não teriam conseguido se o general russo Nikolai Yudenich não tivesse vindo ajudé-los. Este fato, somado a outros, também reforçou a tese de que os armênios eram um perigo por serem amigos dos russos.

NOTAS:

[18] M. Rifar, Bastidores Obscuros da Revolução Turca.

[19] N. Bey, Memorie di Naim Bey, Londra, 1920.

Perseguições dos anos 1915 a 1917

Já no poder e tendo sofrido fracassos militares na Bulgária e na Grécia, os “Jovens Turcos” pensaram em proteger a região da Anatólia de qualquer desmembramento: todo o território tinha que ser turco e muçulmano. Exaltados por este plano político, perceberam que o único obstáculo para a implementação de seu projeto eram precisamente os armênios, por serem mais numerosos, mais ativos, mais instruídos, mais treinados em arte militar do que os outros grupos étnicos do Império: sendo eles cristãos, decidiram eliminá-los, recorrendo à “guerra santa”, apesar de terem sido anteriormente ajudados pelo partido armênio Tashnak.

A ordem foi executada com cinismo, crueldade, opressão, assassinatos, devastação dos armazéns e das casas, furtos, assaltos, violência contra as mulheres e tentativas de conversão forçada. Para encobrir essas barbaridades, deportaram os sobreviventes para os desertos da Síria oriental, prevendo que boa parte dos deportados morreria ao longo do caminho. Esses crimes ocorreram em todas as regiões habitadas pelos armênios, do norte ao sul da Turquia, isto é, de Trebisonda a Mardina, do leste até aCapadócia e aCilícia.

“É de se estremecer quando se pensa nas dificuldades dos deportados através de montanhas e vales, debaixo de chuva e de neve, com pouca comida e algumas roupas, sob a supervisão de soldados brutais, sem escrúpulos, ávidos apenas para roubar e despojar os deportados”. [20] Talatinian concluiu assim seu testemunho: “Minha família, inclusive eu, foi exilada na Síria e meu pai foi morto pelos soldados turcos em Deyr-es-Zor”.

Em um depoimento de 1915, o cônsul americano Morgenthau observou que, para destruir os armênios, era necessário enfrentar algumas dificuldades que não haviam sido reveladas antes. O massacre de 1895 foi relativamente fácil, já que antes disso os armênios não possuíam nenhum serviço militar interno e muito menos possuíam armas. No entanto, no início do século XX, eles estavam presentes em todos o território e o novo entusiasmo por liberdade e igualdade deu-lhes a oportunidade de se unir ao exército, de treinar para a guerra e de possuir armas. Os armênios foram capazes de mostrar valor militar e espírito patriótico de 1909 a 1915. Mas os “Jovens Turcos”, uma vez no poder – tendo como pressuposto eutopia um Estado forte com só uma religião, a muçulmana ­,para afirmar uma política exclusivamente islâmica, decidiram que os cristãos deveriam ser eliminados. Para realizar tal projeto, era necessário remover o poder de todos os soldados armênios e privar os armênios de todas as suas armas.

Assim, primeiramente convocaram todos os homens de 16 a 65 anos para se juntarem ao exército. Desta forma, as famílias armênias permaneceram sem qualquer defesa masculina. Em um segundo momento, desmilitarizaram todos os homens armênios e os enviaram aos batalhões de trabalho, em ajuda ao exército regular ou aos trabalhos forçados. De artilheiros corajosos e membros da cavalaria, eles foram transformados em escravos e, naquele momento, tornou-se possível começar a destruição do povo. A vida desses trabalhadores era terrivelmente dura. O clima, a neve nas montanhas, o fato de quase sempre dormirem ao ar livre e de simplesmente serem abandonados se ficassem doentes, a comida que era muito escassa com o objetivo de torná-los ainda mais fracos, tudo isso tornou os armênios cada vez menos agressivos e facilmente elimináveis. Quando as autoridades decidiam acabar com uma parte deles, esses ex-soldados eram amarrados em grupos de 50 ou 100 e levados parabem distante de seus companheiros, para que ninguém pensasse no que realmente estava acontecendo, e lá eles eram massacrados. Frequentemente faziam-nos cavar seu próprio túmulo antes de matá-los.

Morghenthau lembra como, no início de julho de 1915, mais de 2 mil ex-soldados armênios envolvidos na construção de uma estrada, entendendo o perigo, entraram em pânico. Os policiais tentaram acalmá-los de todas as maneiras para poder abatê-los mais facilmente. Finalmente, todos foram jogados, indistintamente, em uma vala. Poucos dias depois, veio a ordem para eliminar outros 2 mil, enviados para trabalhar em Diyarbakir. Porém, para poder matá-los, os guardas não queriam mais se arriscar como antes, e foramà frente do comboio para pedir aos curdos que os ajudassem a matar os armênios, mesmo nãosendo tão difícil abater pessoas desarmadas que não podiam escapar de forma alguma. Quando, nas cidades, pedia-se aos intelectuais restantes que entregassem suas armas e isso não acontecia, eles eram imediatamente punidos com a morte por teremdesobedecidoà autoridade. Se, por outro lado, de boa fé, os intelectuais entregassem as armas, eram acusados de possuí-las e de preparar uma revolução contra os turcos, motivo pelo qualdeviam ser mortos de qualquer forma.

Os bispos e padres eram considerados ainda mais responsáveis por qualquer movimento revolucionário que tivesse o objetivo de dar maior liberdade aos armênios.Por essa razão, eram obrigados a desfilar pelas cidades carregando munições e fuzis sobre os seus ombros, para mostrar a todos que certamente estavam organizando uma revolução. Depois dessas procissões, para mostrar que eles eram inimigos, geralmente os torturavam antes de matá-los: furaram seus olhos, cortavam as orelhas, a língua, o nariz e as pernas ou os braços, e finalmente os enforcavam ou os humilhavam com outras penas de morte. Mais de 50 bispos e 5 mil padres foram torturados e mortos. Como foi relativamente fácil conseguir testemunhos de suas comunidades, três volumes foram escritos descrevendo as torturas infligidas especialmente à Igreja Ortodoxa Armênia.

Quando os turcos encontravam homens particularmente fortes, levavam-nos para a câmara de tortura. Frequentemente começavam colocando em cada pé da vítima um torturador que começava a bater na sola com uma vara. Inicialmente essa tortura não parece insuportável, mas, logo depois, o pé começava a inchar e a queimar terrivelmente. Normalmente, no final dessa tortura os pés eram amputados. Depois, eram arrancados um a um os pelos dos cílios e das sobrancelhas, assim como também eram arrancadas as unhas. Quando não amputavam os pés, pregavam-nos em uma madeira e muitas vezes também pregavam as mãos para lembrar a cruz de Cristo. Em outras torturas, pedaços de metal incandescente eram colocados nos seios das mulheres ou nos mamilos dos homens. Às vezes, colocavam manteiga fervente nas feridas. Posteriormente descobriram uma tortura muito sofisticada, que consistia em pregar nos pés dos armêniosnada menos que ferraduras de cavalos.

Enquanto o sultão Abdul tinha como programa “Matar!Matar!Matar!”, os “Jovens Turcos” propunham a aniquilação do povo armênio e a realizaram começando com as deportações. Elas tinham a vantagem de parecer um simples exílio e, portanto, não assustavam as pessoas, enquanto na verdade se tratava de uma morte provocada e muito dolorosa. Quando a ordem de partida era dada, às vezes tinham apenas algumas horas para preparar tudo. Na primavera e no verão de 1915, os pontos de chegada das deportações eram Constantinopla, Esmirna e Aleppo. Quem organizava tudo sabia que os sobreviventes seriam poucos e, de qualquer maneira, não seria mais sortudos que os outros. No entanto, se os sobreviventes fossem muitos, eles partiam de novo e de novo, até que o número fosse reduzido. O aviso de exílio ou deportação era dado nas cidades um ou dois dias antes, fixando cartazes ou gritando nas ruas com alto-falantes, mas em muitos casos os guardas chegavam em frente a uma casa de armênios e dava a ordem de segui-los imediatamente.

NOTAS:

[20] C. Alvi, op.cit.

Técnica de deportação

Por todas as partes se repetia a mesma técnica: pedia-seque tanto muçulmanos quanto cristãos entregassem suas armas, pois assim dava-se a impressão de que não se fazia diferença entre turcos muçulmanos e armênios cristãos. Depois, se dizia que as armas dos armênios eram insuficientes;ou seja, muitas outras, que deveriam escondidas, não tinham sido entregues: essa conclusão permitia a prisão, com a acusação de esconder armas, de notáveis e intelectuais (que seriam os mais perigosos), isto é, líderes políticos, líderes religiosos e os mais ricos.

Neste ponto, os prisioneiros eram torturados sob o pretexto de obter-se alguma confissão de revolta armada que se tornaria um excelente álibi para iniciar a deportação. Os presos, então, eram retirados da cidade e mortos, e começava a deportação das mulheres, dos adolescentes e dos idosos restantes. As famílias armênias tinham apenas algumas horas para se preparar para sair, carregando, deste modo, pouquíssima bagagem. Quando, em alguns casos, tinham alguns dias para se preparar, a situação não mudava muito.

Algumas categorias de pessoas às vezes obtinham uma adiação da partida ou até mesmo eram salvas, especialmente se alguém que era amigo dos funcionários conseguisse obter clemência. Se, em certos casos, alguns católicos e protestantes obtiveram um adiamento, era apenas para mostrar que exceções também eram feitas e que, portanto, as coisas estavam sendo bem feitas.

“O método podia parecer mais civil que um massacre, mas era igualmente radical e eficaz.” [21]

Durante a viagem, como já mencionado, eram chamados bandos que tacavam os comboios,, saqueando, estuprando e assassinando. Os poucos que conseguiam superar estradas, montanhas e desertos nunca encontravam seu destino: o campo de concentração que os abrigava era sempre temporário, e logo se partia novamente para outro, para que os grupos diminuíssem e, finalmente, desaparecessem.Os homens e adolescentes que viessem a sobreviver eram geralmente reunidos e massacrados juntos. Até mesmo a população turca sabia que podia roubar, saquear e levar livremente mulheres, meninas e crianças.

Na cidade de Zeythun foram feitos os primeiros exercícios do massacre destinado a se tornar um genocídio. Quando se observa que também os armênios atacaram grupos de turcos, se diz uma verdade parcial, mas é preciso ver em que circunstâncias esses fatos ocorreram. Por exemplo, em fevereiro de 1915, 32 jovens armênios zeythunitas, depois de saberem que guardas turcos tinham estuprado algumas garotas armênias, atacaram os culpados e mataram nove deles.

O governo aproveitou a oportunidade para punir os zeythunitas.Assim, em 24 de março, chegaram em Zeythun quinhentos soldados turcos, que exigiram saber onde estavam os culpados ou considerariam toda a Cilícia responsável pelo fato. Finalmente, sabendo onde os 32 estavam, cem soldados permaneceram à distância e quatrocentos fizeram uma espécie de fortaleza para cercá-los. Apesar do cerco, em uma noite os jovens conseguiram escapar e atacar pelas costas os quatrocentos homens, matando cerca de trezentos. Após essa humilhação, os soldados turcos, com reforços, chegaram a Fundajak, onde aqueles 32 jovens tinham se escondido e conseguido resistir por alguns meses, antes de serem definitivamente aniquilados. [22]

Alguns dias depois, cinquenta notáveis da cidade, convocados para uma “entrevista”, sem suspeitar da armadilha, foram imediatamente presos. Nos dias seguintes, quatro bairros de Zeythun foram saqueados, mulheres e crianças foram separadas dos homens ea deportação foi preparada. Em um mês, a cidade foi completamente esvaziada de armênios, as igrejas e conventos foram depredados e as escolas foram transformadas em quartéis. [23] Dos 25 mil habitantes das aldeias vizinhas a Zeythun, 8 mil foram deportados na região de Konya e os outros foram encaminhados para a estrada de Deyr-es-Zor, em direção aos desertos da Mesopotâmia.

Os armênios da Cilícia e da Síria, vendo os deportados passarem, entenderam o que possivelmente, muito em breve, ia acontecer com eles. O governo fez de tudo para mostrar os comboios que em abril e maio passavam por Marash, Adana, Tarso e Aleppo. Carregados em vagõesdestinados ao gado, eles cruzaram as montanhas de Taurus para ficar algumas semanas em Pozanti, estação final da ferrovia. Partiram novamente e chegaram em Konya com fome e sem forças: essa região pantanosa e cheia de maláriaceifariaa vida de um grande número de sobreviventes. Depois de mais três dias sem comida e sem receber nenhum socorro, eles foram enviados de volta para Karapinar, o lugar mais desértico dada Ásia Menor, onde todos os dias uma centena de armênios zeythunitas perdiam suas vidas devido à malária, à fome, ao tifo e à cólera.

Os sobreviventes se amontoaram em estábulos de camelos, e não podiam se afastar dali para procurar comida: os que ainda tinham alguma força comiam ervas e raízes. Em julho, eles deixaram Konya e partiram na direção de Marash. Os armênios de Tarso os viram passar novamente:“Os lendários zeythunitas, o orgulho da nação armênia, se tornaram agora miseráveis, sujos, esfarrapados, atordoados pelas privações e cobertosde piolhos”. [24]

Zeythun foi o testepara ogenocídio dos cristão armênios. Os métodos e a técnica da deportação foram experimentados: erradicação, transferência e dizimação por meio da fome e da doença. Para o resto, bastaria repetir esse esquema e os armênios desapareceriam. Era preciso apenas avaliar e escolher melhor o ponto final das deportações. Deir-es-Zor, perto do deserto, pareceuo lugar mais adequado: enviar homens e mulheres para lá significava condená-los à morte. Em junho, qualquer traço dos armênios foi apagado de Zeythun.

Na cidade de Dortyol, no inverno de 1914-1915, enquanto os anglo-franceses bombardeavam a área dos navios, os armênios foram acusados de ter dado a eles a localização correta.Os primeiros presos foram enforcados na praça. Em seguida, todos os homens entre dezesseis e setentaanos que tinham conseguido escapar do rastreamento anterior foram presos e enviados para Hasan Beyli, para executar trabalhos forçados na construção de estradas. O programa de extermínio correu de maneira tecnicamente normal. As províncias orientais foram atacadas de maio a julho de 1915, e as Províncias Ocidentais depois de agosto.

NOTAS:

[21] L. A. Davis The slaughterhouse Province: An American Diplomat’s Report on the Armenian Genocide.1915-17, traduzione francese La Province de la mort, Bruxelles, Complexe, 1994, p.32.

[22] S. E. Kers, The lions of Marash, pp. 18-21.

[23] Y. Ternon, op. cit., p. 228.

[24] Y. Ternon, op. cit., p. 229.

Ataques às províncias orientais

Distrito de Erzurum

No início de 1915, havia 202 mil armênios no distrito. A ocupação russa deu a 100 mil armênios a chance de se refugiarem na Rússia. Em março de 1915, Passelt Pasha desarmou os soldados armênios e os enviou para realizar trabalhos forçados.

Em 19 de maio, os curdos massacraram os armênios de Khinis e das aldeias ao sul de Erzurum: 19 mil mortos. Em 20 de maio, ocorreu a evacuação de todos os vilarejos ao norte de Erzurum. [25] No final de maio, seiscentos notáveis foram presos. Em 6 de junho, quando cem aldeias receberam a ordem de exílio (duas horas antes da partida), alguns armênios conseguiram escapar e se abrigar nas casas dos turcos Kizilbash, que os acolheram e protegeram. Todos os outros partiram e acabaram sendo mortos pelos cetés.

No dia 9 de junho, 30 mil armênios de Erzurum foram informados de que partiriam em duas semanas. Foi dada a eles a possibilidade de deixar os seus bens mais preciosos sob a custódia dos bancos otomanos, para poderem reavê-los ao retornarem. Eles partiram para o sul e, entre Kighi e Pacu, foram quase todos massacrados pelos cetés. No dia 19 de junho, um grupo de 10 mil armênios partiu, e logo se uniram a eles outros 5 mil. Eram acompanhados por quatrocentos guardas. A viagem foi tranquila, mas depois de Erzindjan foram levados por caminhos onde o habitual bando de curdos sequestrou mulheres e meninas e roubou todo o dinheiro que havia sobrado. Depois, perto do rio Eufrates, os homens adultos foram separados e mortos, enquanto os idosos e os meninosseguiram em frente, mas apenas por pouco tempo.

Em 28 de julho, a última caravana partiu com o arcebispo apostólico, que foi assassinado quando chegou a Erzindjan. Havia ainda cinquenta artesãos armênios em Erzurum, que foram degolados quando o exército otomano deixou a cidade. No Sandjak de Bayburt estavam 17 mil armênios. No início de junho, o bispo e sete notáveis foram enforcados, enquanto outros setenta ou oitenta foram mortos nas florestas. Aqueles 17 mil armênios foram divididos em três grupos: os homens com mais de 15 anos de idade foram mortos; as mulheres e jovens moças foram raptadas, doadas ou vendidas; e as crianças foram jogadas no rio. Os poucos idosos restantes prosseguiram. Em Erzindjan havia 20 mil armênios: 2 mil deles foram presos e mortos nos arredores e todos os outros foram deportados – exceto as crianças, que foram vendidas em um mercado de escravos.

A 15 km de distância, aquele comboio de 18 mil deportados foi atacado por curdos e turcos armados, que os roubaram, mataram e jogaram no rio em apenas quatro horas.

Dos 202 mil armênios da região de Erzurum, restaram apenas alguns idosos e alguém que porventura tenha conseguido escapar. Devido aos problemas que surgiram por causados cadáveres que estavam contaminando a água e entupindo os moinhos, em 24 de julho Talaat ordenou que os mortos não fossem mais jogadosnos rios ou nas ravinas, e sim queimados com seus pertences pessoais.

NOTAS:

[25] J. Lepsius, Archives du Génocide des Armeniens, Paris, Fayard,1986.

Distrito de Bitlis

Viviam 218 mil armênios nessa região. Na cidade de Mush havia 25 mil, e mais 100 mil nas aldeias ao redor. Um bando de cetés atacou a região e destruiu tudo.

Na cidade de Bitlis, o cruel Abdul-Alik reuniu cerca de mil crianças e levou-as para fora da cidade, onde as queimou vivas na presença dos turcos, aos quais disse: “Para a segurança da Turquia, deve-se apagar para sempre o nome dos armênios nas províncias armênias”. [26]

Em 3 de julho começoua sangrenta história de Mush. Em primeiro lugar, pediram aos armênios que entregassemas armas e uma boa soma em dinheiro. Mais tarde, disseram que eles tinham entregado menos armas do que realmente possuíam e, com o falso objetivo de arrancar deles a verdade, os notáveis foram torturados e depois mortos. Os armênios, então, decidiram não ceder facilmente e se entrincheiraram em Mush. [27] Primeiro os canhões destruíram a parte alta da cidade.Depois, bairro após bairro, um grande número de armênios foram capturados e mortods.

Em 4 de julho, no bairro de Zov ainda havia 10-12 mil armênios: 5 mil deles conseguiram chegar às montanhas antes de morrer de fome e de fadiga. Muitos homens preferiram cometer suicídio depois de matar suas esposas e filhos. Era melhor morrer depressa do que sofrer tortura e humilhação. Os restantes foramamontoados nos celeiros, encharcados com combustível, incendiados e carbonizados. Alguns sobreviventes foram forçados a seguira estrada que levava a Urfa e jogados no Eufrates. [28]

Cerca de novecentos armênios permaneceram na planície de Mush.

Em seguida, foi a vez de Sasun, onde viviam 20 mil armênios, além de mais 30 mil provenientes dos arredores que tinham se refugiado ali para estarem mais protegidos. Os primeiros 3 mil homens foram enviados aos batalhões de trabalho forçado e depois mortos perto de Harput.Enquanto isso, outros 4 mil encontraram abrigo no convento de Arakhelots, onde conseguiram resistir por um mês e meio; depois disso, se refugiaram em Sasun. No verão, porém, todas as aldeias vizinhas de Sasun foram atacadas.

Em julho chegaram os reforços da cavalaria otomana contra os armênios sasunitas, mas estes conseguiram resistir por vários dias.Depois, tentaram dispersar-seindo em direção à montanha menos acessível, mas foram perseguidos e mortos em grande número.Os sobreviventes foram sitiados e acabaram morrendo de fome. Cerca de trinta avançaram rumo ao topo de Antok, junto com seus líderes, Ruben e Vahan, que conseguiram escapar para além das linhas turcas. A artilharia russa, que queria vir em socorro deles, não pôde chegar a tempo e, quando de fato veio resgatar os 250 mil armênios, encontrou somente pouco mais de 5-6 mil mulheres e crianças islamizadas nas aldeias.

NOTAS:

[26] Declaração dada porY. Ternon, op. cit., p. 254.

[27] Livre blue, Paris, Payot, 1987, n.23.

[28] Livre bleu. Le traitement des Armeniens dans l’Empire Ottoman, n.23, Laval, Imprimerie Kavanagh, 1916, pref. Toynbee.

Distrito de Trebisonda

Aqui os armênios eram muito menos numerosos, apenas 73 mil na região, entre os quais 14 mil na própria cidade. Em 24 de junho, quarenta membros do partido Dashnak foram presos, embarcados e jogados no mar. Em 26 de junho, chegou a ordem de deportação. Sairiam de Trebisonda cinco dias depois. Os armênios entregaram aos agentes estatais os bens que, obviamente, não podiam carregar com eles e que, segundo lhes disseram, retomariam ao retornarem.

Em 1º de julho, a cidade estava cheia de milhares de guardas armados e de cetés. Os portões da cidade foram fechados e Trebisondaficou cercada. Dentro dos muros, os armênios foram divididos em grupos. As mulheres e crianças foram levadas para Mosul. Entre os homens presos, que também foram divididos em grupos, cerca de cem por dia eram levados e tirados da cidade. Primeiro eles cavaram a própria sepultura, depois eram fuzilados e enterrados. Algumas mulheres, jovens e crianças ricas foram entregues ou vendidas a famílias muçulmanas para serem convertidas ao islamismo. As crianças muito pequenas foram entregues ao cônsul americano Oskar Heizer, mas, pouco depois, foram solicitadas de volta para serem enviadas a um orfanato mais especializado. Na verdade, carregadas em pequenas embarcações, a uma curta distância da costa foram apunhaladas e jogadas no mar.

No final do verão, na cidade restavam somente doentes, os velhos e pouquíssimas crianças com alguns funcionários nos escritórios. Todos, em poucos dias, foram levados e jogados no mar. Tinham partido de Trebisonda 10 mil armênios em comboios em direção a Djevizlik, mas, a 20 km da cidade, foram todos mortos pelos curdos e pelos cetés. Algumas mulheres, crianças e idosos que até então tinham escapado da morte foram enviados para Aleppo. Quando, em 18 de abril, os russos entraram em Trebisonda para salvar os armênios, eles ainda encontraram duas famílias e quatroze mulheres refugiadas em famílias gregas. Creca de mil armênios sobreviveram nas aldeias vizinhas. [29]

Distrito de Sivas

Lá viviam 205 mil armênios. O responsável pela deportação nessa área era Abdul-Gani. Na aldeia de Mersinan haviam 12 mil armênios. O esquema usado foi o de costume:

- os líderes do partido Dashnak, junto com os notáveis, foram presos, retirados da cidade e mortos;

- os jovens alistados nos batalhões de trabalho forçado foram mortos só após a conclusão do trabalho;

- todos os homens adultosforam reunidos e mortos a machadadas;

- dentro de três dias os restantes partiram em comboios de quinhentas ou de mil pessoas pessoas na direção de Malatya, mas foram todos abatidos nas margens do Eufrates e jogados no rio.

Na aldeia de Amasya, como os armênios se revoltaram, não havia necessidade de outra razão para puni-los e matá-los todos no local. Os poucos remanescentes, reunidos em um comboio que partiu do vilarejo, foram mortos nas montanhas próximas. Os habitantes de Gemarek, deportados em comboios para Sila, foram mortos ao longo do caminho. Os homens de Zile foram reunidos em grupos e mortos nas montanhas. Para as mulheres de Zile fizeram a proposta de se converterem ao islamismo, mas elas não aceitaram e por isso foram transpassadaspor baionetas e seus filhos foram vendidos.

Nas aldeias vizinhas de Sivas havia uma das mais ricas produções de trigo. Os homens capazes de trabalhar puderam continuar trabalhando, mas foram mortos no final da colheita. Quatrocentas crianças dessa aldeia foram envenenadas. Houve uma busca nos bairros, um após o outro, e as mulheres encontradas foram agrupadas em comboios e deportadas para o sudeste para grupos de mil a 3 mil pessoas. Foram dados para elas um pão e um bastão para a viagem. Elas se juntaram aos comboios de Sasun, para então terem o mesmo destino.

Na aldeia de Shabin-Karahisar, os armênios se recusaram a dar comida aos soldados turcos e essa foi uma desculpa mais que válida para serem punidos. Duzentos notáveis foram assassinados. Uma parte considerável deles se refugiou em uma fortaleza e resistiu por um longo tempo, mas quando tentaram sair dali para fugir em direção às montanhas, pouquíssimos conseguiram se salvar. O resultado foi outra carnificina de homens, mulheres e crianças. [30]

Distrito de Dyarbakir

Nesse distrito viviam 120 mil armênios. Os líderes do Dashnak e os notáveis foram presos e, enquanto os líderes foram mortos na prisão, os outros foram mortos na estrada na direção a Malatya. Doze mil ex-soldados armênios desarmados foram enviados para os batalhões de trabalho forçado. Enquanto eles estavam trabalhando, foram atacados e mortos.

Os comboios de Diyarbakir em direção a Mardine e a Malatyia tiveram todos mortos pelo caminho. Setecentos jovens foram enviados para trabalhar na estrada que levava a Urfa, e ali um sub-oficial e cinco guardas se vangloriavrm por terem matado todos eles sozinhos. Perto de Yudan-Dere, 5 mil mulheres foram jogadas em um precipício. Um telegrama de 15 de setembro comunicou a expulsão e deportação de todos os armênios do distrito de Diyarbakir: eram cerca de 120 mil pessoas, número mais alto do que o relatado pelo Patriarcado em 1914, certamente devido à adição de alguns milhares armênios que tinham se refugiado naquele lugar. [31]

NOTAS:

[29] G. Chaliand, Y. Ternon, Le Génocide des Armeniens, Bruxelles, Complexe, 1980, pp.132-134.

[30] Episode de massacres de Dyarbakir, Costantinople, Imprimerie Kechichian, 1920.

[31] V. Dadrian, Documents of Armenian Genocidein Turkish, Source, pp.86-138.

Distrito de Harput

Láresidiam os estudantes e professores do famoso Colégio do Eufrates, da missão americana.Os armênios eram 124 mil. No início de maio, os notáveis ​​foram presos e torturados, como de costume, com a desculpa de que não haviam entregado todas as armas. Foram fuzilados fora da cidade.

Em 5 de julho,oitocentos homens foram presos, amarrados em grupos e fuzilados na montanha. Nas aldeias vizinhas, trezentos homens foram levados para o vale e fuzilados ou mortos com baionetas ou punhais. Em 10 de julho, centenas de outros homens foram mortos. Antes de 15 de julho, as mulheres e as crianças foram reunidas e deportadas, exceto setecentas crianças do orfanato alemão, queforam afogadas no lago perto da cidade.

Os 2 mil armênios habitantes de Arabkir foram amontoados em embarcações; em seguida, alguns foram fuzilados e a maior partefoi amarrada e afogada no rio Eufrates (era necessário gastar a menor quantidade possível de munição, mas, em alguns casos, quando as vítimas se rebelavam, era necessário usar as armas).

Todos os homens de Adiyaman e das aldeias vizinhas foram mortos a facadas. Em Resne, toda a população (1.800 armênios) foi expulsa e acompanhada em comboio em direção à estrada para Urfa. Quando chegaram ao rio Gok-Su, foram todos despojados de seus bens e depois mortos e jogados no rio. Muitos comboios dos distritos orientais foram conduzidos em direção a Harput, onde havia desfiladeiros absolutamente isolados,para que os armênios fossem mortos nesses vales.

O cônsul americano Davis, testemunha desse massacre, em 1919, diante da CorteMarcial de Constantinopla, declarou que, indo para o sul na direção de Gokulp, encontrou cenário assustador: 10 mil corpos de todas as idades e sexos, alguns dos quais apodrecendo. Eram os esqueletos dos armêniosde Harput e dos comboios destinados a morrer naquelas regiões desertas. O esquema era sempre o mesmo: um grande número de afogados no rio; mulheres e crianças vendidas aos turcos. Os comboios estavam ficando cada vez menores. Alguns sobreviventes que estavam com sua razão preservada testemunharam que 3 mil armênios haviam partido de Harput. Em Malatya, eles foram colocados juntocom os comboios vindos de Tokat, Sivas e Egin. Assim, havia se formado um só comboio em direção a Aleppo: das 18 mil pessoas que chegaram alimdepois de dois meses, apenas 185 sobreviveram, entre mulheres e crianças.

Cabe lembrar que aqueles acompanhavam os comboios tinham que tentar manter pelo menos algumas pessoas vivas para provar a tese de que era uma deportação, e não uma eliminação. Sabit Bey, um dos funcionários do massacre, enviou esta mensagem ao chefe de Malatya: “Informo que, apesar das muitas ordens repetidamente enviadas, as estradascontinuam repletas de cadáveres. Os inconvenientes que derivam desse estado das coisas não requerem muitas explicações, e o Ministério do Interior anunciou que os funcionários negligentes serão severamente punidos”. [32] Se, como dizem as estatísticas, os armênios presentes nas sete províncias orientais eram 2 milhões e não mais que 150 mil deles se salvaram, isso significa que os deportados foram 850 mil. As mulheres e crianças sequestradas e islamizadas não passaram de 200 mil. Em Aleppo, não chegaram mais que 50 mil armênios em condições de “mortos em pé”. As vítimas das províncias orientais não podem ter sido menos que 600 mil. [33]

NOTAS:

[32] Y. Ternon, Enquête sur la négation d’un génocide, Marseille, Parentheses,1989, p.121.

[33] Livre Blue, op. cit., n. 22, p.261.

As províncias ocidentais

Para as outras províncias no ocidente, continuar com o programa de extermínio foi relativamente fácil, porque o conflito da Primeira Guerra Mundial oferecia um ótimoálibi: “É preciso restaurar a ordem na zona de guerra através de medidas militares tornadas necessárias pelo fato de que os armênios tinham mostrado estar em conivência com o inimigo (russo), por traição ouarmamento da população”. [34] Falar de conivência com o inimigo simplesmente porque os russos alistaram armênios em suas fileiras é realmente exagerado. (Um indivíduo pode escolher seu local de trabalho e, portanto, atémesmo trabalhar em um exército estrangeiro, se houver boa remuneração e vantagens suficientes. A iniciativa privada não envolve a ética de uma nação.)

Com a experiência nas províncias orientais, foi possível, sem demora e sem explicações, iniciar imediatamente a deportação no ocidente, onde viviam pelo menos 800 mil armênios. Foi frequentemente utilizado o trem que cruzava a Anatólia ocidental para sair dos locais de deportação.[

Distrito de Agora . [35]

Segundo as estatísticas otomanas, nos anos de 1913-1914 os armênios eram 63.605, dos quais um quarto eram católicos. Já segundo o Patriarcado, o número era de 1 milhão e 35 mil.

Na cidade de Ágora havia 135 mil armênios. Os católicos entre eles nunca haviam militado em nenhuma organização ou partido e, por controlarem os bancos e o comércio da cidade, conseguiram uma prorrogação de alguns meses. Enquanto isso, começou-se com os homens gregorianos de 15 a 70 anos que, presos e divididos em grupos, foram levados para fora da cidade, onde os cetés e outros habitantes locais, armados com punhais e facas, os mataram imediatamente.

Em 27 de agosto, foram presos também os católicos. A esse respeito é necessário mencionar um fato: o Patriarca católico e o Núncio pediram para que pelo menos esse grupo fosse poupado. O próprio Talaat, encontrando-se com o embaixador Hohenlohe-Langenburg, mostrou os telegramas que ele mesmo enviara, informando que os católicos não seriam deportados. Dessa forma, todos se acalmaram e não fizeram outras solicitações ou propostas. Após apenas 24 horas, a suspensão foi cancelada ea deportação começou imediatamente, sem os matarem fora da cidade, mas os enviando nos comboios direto para Konya e Adana. [36]

Na cidade de Kayseri, os 52 mil armênios tiveram a mesmasorte. Primeiro coube aos 200 notáveis, dos quais 80 foram enforcados, enquanto os outros 120, unidos a todos os homens e adolescentes de Kayseri, foram transportados em grupos de 80-100, enviados para Sivas e mortos ao longo do caminho;as mulheres e crianças foram massacradas nos nos próprios comboios, onde podiam encontrar a morte imediatamente ou depois de alguns meses.

Nas cidades de Talas e Everek, depois de serem presos, os notáveis foram torturados pelos mesmos motivos, isto é, por não terem entregado armas suficientes e, em seguida, foram todos deportados: homens, mulheres e crianças. Na região de Yozgat, havia 67 mil armênios. O seu líder, Djemal, opôs-se à deportação e por isso foi substituído por Ali Kemal, que fez reunirem os homens (em grupos, obviamente) num grande vale próximo e mandou matá-los todos. As mulheres e crianças, reunidas em comboios, partiram; mas, não longe da cidade, os turcos das aldeias vizinhas raptaram muitas jovens e mataram algumas delas (matar algumas pessoas era uma maneira de“pagar” pelas jovens raptadas). O número de mortos no distrito de Ágora foi de 61 mil (ou seja, 95,9%).

NOTAS:

[34] C. Stuermer, Deux ans de Guerre a Costantinople, Paris, Payot,1917, p.41.

[35] R. H. Kevorkian, P. B. Paboudjan, Les Armeniens dans l’Empire Ottoman a la veille du Génocide, Editions Arhis d’Art et d’Histoire, Paris, 1992, pp. 57-60.

[36] J. Naslian, Les Mémoires de Mgr. Jean Nazlian, évêque de Trébizonde, sur les événements politico-religieux au Proche-Orient de 1914 à 1928, Vienna, 1955, vol. I, pp. 335-358.

Distrito de Bursa, Sandjak di Izmit

Nesses distritos havia 180 mil armênios. Seguindo o mesmo ritual, em junho foram detidos e fuzilados os 170 notáveis, e em agosto avisaram a todos que dentro de 3 dias partiriam. Muitos foram chamados a comparecer perante um magistrado e a redigir um ato de venda de seus bens pelos quais foram pagos em dinheiro. Na saída, o dinheiro era retirado deles por um funcionário e entregue ao magistrado (era preciso também fazer essa provocação!). Saíram de trem e chegaram às estações de Biledjik e Eskishehir.

Também os últimos habitantes da Ágora chegaram ao mesmo lugar, onde quase todos os homens foram mortos e os restantes, separadosdas mulheres e das crianças, partiram em carros de gado e trens. Ao longo do caminho, eram colocados para fora do trem para esperar outro. A espera chegava durar alguns dias ou semanas, sem comida.

Em Esmirna e seus arredores havia 25 mil armênios. Para a deportação deles foi encarregado o comandante alemão do V Exército Lima Von Sanders, que se recusou a deportar aqueles inocentes e ameaçou a polícia para que tambémnão o fizesse (neste caso, o oficial alemão se mostrou honrado, mas nem sempre era assim). Com sua autoridade como chefe do exército, ele alcançou seu objetivo e salvou os 25 mil armênios. Também em Constantinopla 150 mil armênios foram salvos por um motivo semelhante e porque havia muitos olhos estrangeiros.

Distrito de Adana . [37]

No segundo semestre de 1915, enquanto explodia a Batalha dosDardanelos(onde os turcos perderam mais de 50 mil soldados), em toda a região de Adana as deportações continuaram de julho a novembro, mas os comboios se misturavam com os dos militares, motivo pelo qual tudo aconteceu de forma mais lenta. Tiveram que construir 6 campos de concentração provisórios ao longo do caminho. As testemunhas disseram que esses deportados (mulheres e crianças, pois os homens já tinham sito assassinados e os idosos já tinham sido mortos muitos antes) chegavam cobertos com trapos, com fome e morrendo de tifo. Ainda disseram que uma grande parte deles tinha perdidoa razão e podiam ser considerados como “cadáveres em pé”. Somente no campo de Islaihye, no mês de novembro, eram seputadosem média 600 corpos por dia. Em cinco meses, aproximadamente 250 mil pessoas cruzaram a região. Os armênios se aproximavam de Aleppo e continuavam em agonia em direção ao deserto. Em Mersin, no mês de agosto, 7 mil presos foram deportados.

Distrito de Aleppo.

Os cônsules americano, alemão e austríaco foram testemunhas oculares e narraram todas as crueldades vistas. Em Ayntab havia 36 mil armênios. Em agosto foram iniciadas as deportações com o mesmo esquema. Formavam-se grupos pequenos (35-40 pessoas). Os comboios iam em direção a Aleppo. Aqueles que sobrevivessem depois de Aleppo deveriam continuar na estrada de Damasco em direção a Hama. Na região de Musa, em um primeiro momento foram poupados seis vilarejos próximos a Aleppo, mas no dia 13 de julho chegou a ordem de partida. Alguns fugiram para a montanha. Eram em 5 mil, entre homens, mulheres e crianças. Felizmente, atingiram uma posição rara. Os turcos deram a eles oito dias ou menos para se renderem. Os armênios recusaram. Os turcos atacaram a “fortaleza”, mas não alcançaram seu objetivo. Pediram um reforço de 15 mil homens e com eles cercaram a montanha de Musa (montanha de Moisés), para fazê-los morrer de fome. Depois de 53 dias, os sinais dos armênios foram avistados por dois navios franceses e por um cruzador inglês, que os salvaram. Os sobreviventes foram 4.200. Musa e Van são os dois únicos casos de sucesso da defesa armada dos armênios. [38]

Em Urfa estavam presentes 25 mil armênios que, entrincheirados, se defenderam em seu bairro por um longo tempo, até outubro, quando 6.800 homens chegaram em reforço ao exército. Nesses casos, quando havia uma resistência armada, o exército regular se sentia autorizado a apagar as revoltas, pois os armênios eram vistos como “revoltosos” e não como um grupo que estava se defendendo. Enfim, a defesa foi desmontada e os armênios foram quase todos mortos. Os poucos sobreviventes foram deportados. [39]

“Nas províncias da Síria, de Damasco e de Beirute, os armênios eram 3.500 e foram associados aos outros deportados naquelas províncias. Execuções de uma parte, êxodo da outra, por todos os lados furtos, saques, estupros, torturas, conversões forçadas, todos crimes impossíveis de mascarar de se apresentar como fanatismos insanos: fanatismos sim, mas planejados friamente e maquiados, digamos até ingenuamente, porque é impensável que não haja testemunhas capazes de revelar tão grandes crimes. Os caminhos do êxodo eram lotados de cadáveres em decomposição e de exilados cheios de fome. Os rios também levavam em sua correnteza cadáveres em decomposição que contaminavam a água. Quantas lições a aprender para os criminosos de amanhã! E haverá sempre, sem exceção, sobreviventes capazes de narrar o que aconteceu a pessoas que não terão nem coração para escutar, nem inteligência para entender.” [40]

A cidade de Aleppo foi chamada de cruzamento da deportação. Os comboios chegavam a ela de toda parte, e quem chegava vivo devia retomar o caminho. Era importante que as testemunhas vissem havia realmente armênios vivos e que, portanto, não se podia tratar de genocídios e a morte devia ser considerada como uma desgraça que acontecia aos fracos. A motivação dada a quem chegava deportado a Aleppo era a de ser “reinserido” em uma sociedade nova – ou seja, em poucas palavras, eliminado. Pelo menos 30 mil armênios que chegaram a Aleppo partiram novamente para Havran, Raqqa ou Deyr-es-Zor, para estabelecer-se definitivamente naqueles lugares. Porém, chegando lá, não encontravam absolutamente nada: nem comida, nem tendas, nem combustível. Eram abandonados a si mesmos e, portanto, destinados a morrer. [41]

Quem chegava vivo, se não queria morrer ali, deveria prosseguir pelo deserto onde podia finalmente morrer, ou, então, prolongar a vivia por algumas semanas ou meses. Os sobreviventes podiam estar dispostos a se deixar acompanhar de um campo a outro em um círculo vicioso, até que os milhares se tornassem centenas e, enfim, poucas unidades: essa era a conclusão da deportação. [42] Para essa última etapa quase não existem documentos, mas as testemunhas estrangeiras que estavam naqueles locais descreveram o percurso da lenta agonia. Os desertos da Mesopotâmia e da Síria eram encarregados de engolir todos os restos humanos que chegavam de Aleppo, de Deyr-es-Zor, de Zeythun, das províncias orientais, da Anatólia ocidental e da Cilícia. E, quando chegavam vivos, os armênios deviam retomar o caminho, na desesperada esperança de que acontecesse algo impossível que pudesse salvá-los (e às vezes realmente acontecia). Os dois principais centros escolhidos pelo governo para acolher os agonizantes foram Damasco, no sul de Aleppo, e Deyr-es-Zor.

Em fevereiro de 1916 foram massacrados, em diferentes datas, 300 mil armênios em Deyr-es-Zor e 130 mil em Damasco. As ordens que chegavam a esses centros eram sempre de retomar a viagem, massacrá-los ao longo do caminho e, visto que era até mesmo materialmente difícil matar números tão elevados de armênios, eram provocadas carestias artificiais, de modo que a fome, o tifo e a diarreia, os caminhos e a margem dos rios finalmente devorassem a todos. Chegando ao fim da viagem, os deportados, agora em sua maioria muito atordoados, “comiam primeiro os asnos, depois os cães e os gatos, depois ainda as carcaças dos cavalos e dos camelos e, enfim, quando não encontravam mais nada comestível, se alimentavam de cadáveres humanos, preferivelmente daquelas de crianças pequenas... pareciam caravanas de possuídos”. [43]

August Bernau, agente da companhia americana Vacuum Oil, narrou em sua prestação de contas ter visto ainda vivos ao longo do rio Eufrates, na vigília de inverno, 15 mil armênios, espalhados em centros improvisados, sem tendas nem cobertas, e continuamente obrigados a retomar o caminho. Viu ainda 60 mil armênios em Meskene, todos sofrendo de disenteria, e a cada dia centenas deles terminavam a deportação.

O cônsul Jakson, dos Estados Unidos, enviou uma prestação de contas na qual dizia ter visto os 60 mil armênios de Ayntab, de Urea e de Marash forçados por Zeki a ir para fora da cidade, onde os cetés esperavam para matá-los. Em uma semana foram todos eliminados. [44]

Ainda em fevereiro de 1916, na região de Ras-Ul-Ayn, Djevdet fez massacrarem 15 mil armênios, fazendo que fossem levados em grupos para o deserto para depois assassiná-los: isso aconteceu durante quatro meses. Para a construção de um grande túnel naquela região, os engenheiros alemães utilizaram 50 mil armênios dos comboios. As famílias desses trabalhadores permaneceram até março de 1916 na região e depois foram deportadas e mortas. No verão de 1916, depois dos massacres, das deportações, das torturas, da islamização forçada e da confiscação dos bens, a comunidade armência estava reduzida a um pequeno resto sem forças. [45]

NOTAS:

[37] Y. Ternon, op.cit., p.274.

[38] F. Werfel, Les 40 jours du Musa-Dagh, Paris, Albin Michel, 1936.

[39] Rapporto di Jacob Kuntzler, diretor do Hospital da missão.

[40] Y. Ternon, op. cit., p. 274.

[41] J. Lepsius, op.cit., e Deutschland und Artmenien, 1914-1918, Potsdam Tempel, Verlag, 1919, p.161.

[42] J. Lepsius, op.cit., p.161.

[43] A. Andonian, Documents officiels concernant les massacres arméniens, Paris, Imprimerie Tourabian,1920, pp. 49-52.

[44] Testemunho de Jakson (cônsul americano) escrito em 1918, publicado na revista “The Armenian Review”, vol. 38, n. 1-145, primavera 1984, pp. 127-145.

[45] J. Lepsius, op. cit., pp. 221-223.

Mais uma perseguição em 1920

Trago aqui ainda uma parte de um manuscrito do padre Materno: [46]

“Logo após a Primeira Guerra Mundial, os Aliados, franceses e ingleses, ocuparam também a Cilícia. A França gastou dinheiro para repatriar os armênios da Síria para onde tinham sido deportados e tinham sobrevivido às dificuldades do exílio. Também os missionários voltaram para suas residências. A Marash foram primeiro os ingleses: era o ano de 1919. Depois foi estipulada uma convenção segundo a qual os ingleses deveriam deixar a cidade e ser substituídos pelos franceses, e assim se fez. À chegada dos franceses, os cristãos exultaram de alegria, mas não sabiam que o general Allenby tinha ordenado às tropas inglesas que entregassem aos turcos os rifles Mauser, com suas relativas munições, para que fossem usados contra os franceses. Os armênios, por usa vez, não receberam nada. O general francês Quarette, que comandava as tropas, tentava acalmar os turcos, dizendo que tinha vindo para trazer a paz; mas eles, segundo o projeto dos ‘Jovem Turcos’, não queriam o desmembramento da Anatólia, que ocorreria caso os franceses permanecessem na Cilícia. Assim, se prepararam para a guerra construindo barricadas e abrindo brechas nos muros. Antes de atacar os franceses, fizeram a eles um ultimato: ‘Entreguem as suas armas, coloquem na prisão os seus soldados e, em troca, nós deixaremos livres os seus oficiais’.

Naturalmente o ultimato foi rejeitado, e o tiroteio começou em 21 de janeiro de 1920. A fumaça das casas dos armênios queimadas servia aos turcos dos vilarejos próximos a Marash como sinal para começar a organizar a ‘guerra santa’. De fato, no dia 23 de janeiro eles atacaram os armênios, massacrando-os e saqueando suas casas. Nessa luta pereceram 300 soldados franceses e 6 mil armênios. Muitas casas e igrejas foram queimadas. As tropas francesas receberam a ordem de retirar-se secretamente de Marash.

A retirada foi marcada para a noite entre 10 e 11 de fevereiro. Na manhã do dia 11 de fevereiro, os armênios perceberam que os franceses se tinham retirado e quiseram alcançá-los; eram 2.500 pessoas, das quais só 800 se salvaram, enquanto todas as outras foram mortas pelos turcos ou morreram de frio ou de exaustão”.

Técnica para o extermínio

As deportações tinham como objetivo, mais do que chegar a um campo de refugiados, fazer desaparecer o maior número possível de pessoas durante o caminho até chegar à entrada do deserto. Foram as mais usadas pelo governo turco para realizar o Genocídio dos Cristãos Armênios.

Como narrado nas páginas anteriores, há também os casos de afogamento. Segundo testemunhas, deve ter sido uma técnica comum jogar mulheres e crianças no rio Eufrates ou no mar Negro. Algumas vezes, elas eram mortas antes; outras, eram jogadas na água vivas para se afogarem. Os homens, sendo mais fortes e podendo rebelar-se na embarcação, eram preferivelmente assassinados antes e jogados na água já mortos.

Em algumas situações incendiavam bairros ou aldeias inteiras; em outras, amontoavam homens, mulheres e crianças em celeiros, os encharcavam de combustível e os carbonizavam. As crianças eram mortas queimadas vivas trancadas nas escolas ou então nas praças.

Outro sistema usado era o de envenenamento em massa. Outro ainda o de vender pílulas de veneno a quem, prestes a sofrer a deportação, não tendo mais forças para viver, estava disposto a pagar muito caro por uma pílula que lhe tirasse a vida um pouco antes da morte que certamente chegaria.

Era também utilizada a técnica de injetar, um pouco antes do início da deportação, pequenas doses de sangue contaminado, especialmente por tifo, para garantir que a morte chegasse logo e aparentemente sem ter sido culpa de ninguém.

Quanto sangue?

A estimativa do número de vítimas varia de um mínimo de 950 mil, segundo as fontes turcas, até 3 milhões e 500 mil, segundo as hipóteses dos armênios. O censo oficial de 1914 efetuado pelo governo otomano reporta o número de 1 milhão e 295 mil armênios, enquanto o Patriarcado armênio calcula para o mesmo ano o número de 2 milhões e 100 mil. Segundo o ministro do interior turco, os mortos foram 800 mil. Em 1919, confirmaram essa tese o historiador turco Bayur e Mustafa Kemal, tornando aceitável a tese do ministério. Esta, porém, é certamente uma tentativa de diminuir o máximo possível o número de vítimas. O Patriarcado armênio falou de 1 milhão e 500 mil vítimas armênias durante o genocídio.

O maior historiador e filósofo do século XX, Arnold Toynbee, acompanhou pessoalmente toda a questão das tentativas de apagamento da Armênia e pôde estudar, validar e comparar milhares de documentos: em especial aqueles dos consulados, os depoimentos dados aos vários tribunais nos quais posteriormente foram condenados os responsáveis pelo genocídio e todos os testemunhos informais ou indiretos que, juntos, têm uma contribuição muito preciosa sobre o ocorrido. Toynbee conclui que, tomando 1 milhão e 800 mil como o número mais verossímil dos armênios residentes no Império Otomano e sabendo que 200 mil se refugiaram no Cáucaso, 150 mil fugiram das deportações, 100 mil podem ser considerados raptados, entre eles muitas crianças que foram salvas nos orfanatos, 150 mil sobreviveram nos campos de concentração e 4.200 sobreviveram em Musa, segundo ele os mortos do Genocídio dos Cristãos Armênios foram pelo menos 1 milhão e 200 mil. [47] Totavia, em 1916 a documentação ainda não estava inteira à disposição. Além disso, o juízo único de Toynbee talvez seja insuficiente.

O monge Kevork, guiando-me nesta pesquisa, confiou-me com certa amargura que até as autoridades armênias aceitaram a cifra de 1 milhão e 500 mil vítimas, porque era o número que tinha ocupado mais espaço nas informações internacionais e porque reclamar justiça elevando esse número a mais de 2 milhões de vítimas poderia parecer um exagero para finalidades demagógicas ou de outro tipo. Por isso, preferiu-se aceitar aquilo que estava quase universalmente aceito. Essa é a razão pela qual escrevi 2 milhões de vítimas, acreditando nisso firmemente. [48]

Um pouco de luz

Em fevereiro de 1916, Djemal Pasha, um dos três chefes do governo turco e comandante do IV exército, querendo reparar em parte aquelas violências irracionais, conseguiu salvar 150 mil armênios, enviando-os a Beirute e Damasco. O mesmo Djemal confiou mil crianças órfãs a Nora Altunian, filha de um amigo, mais mil órfãos à irmã Beatrice Rohner e, além disso, confiou a escritora Halide Edip a organizar outros orfanatos em Ágora, Kayseri, Damasco e Beirute. O comportamento de Djemal não é fácil de entender, visto que ele era parte do triunvirato responsável pelo genocídio. Talvez uma mudança de perspectivas em sua vida? Uma questão de consciência , depois de ter visto as consequências das decisões do passado? De fato, ele mesmo testemunhou ter salvado aqueles armênios.

Alguns franciscanos em diferentes momentos conseguiram salvar um bom número de armênios, mas não conhecemos as implicações desses atos humanitários, uma vez que eles mesmos foram mortos. Também dois navios franceses e um cruzador inglês, como já dissemos, conseguiram colocar a salvo 4.500 armênios, que já estavam sem esperança. O papa Bento XV, além de se interessar muito pela questão, enviou também os seus bens pessoais para as vítimas do Genocídio Cristão Armênio.

NOTAS:

[46] Do manuscrito de padre Materno, citado por C. Alvi (op. cit.).

[47] Y. H. Bayur, Turk Inkilabi Tarihi, Ankara, 1957, p. 787.

[48] V. Dadrian, The Naim Andonian, p. 342 e p. 207, com a tese de Mustafa Kemal; Y. Ternon, op. cit., p. 292.