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Genocídio dos Santos Mártires Armênios - Conclusão

Genocídio dos Santos Mártires Armênios

Conclusão

d. Renato Rosso ©

Resumo


Três ícones da Armênia


Armênia cristã

No caminho da deportação, uma mãe já sem forças, sem comida ou água,cai na estrada, para morrer com seus dois filhos. Um soldado se aproxima dela: "Eu sei que você está morrendo de fome. Se quiser, trago-lhe toda a comida de que você e seus dois filhos precisam.Porém – e mostrou uma pequena cruz –, vocêprecisa cuspir nesta cruz". A mãe pega a cruz e, lentamente, com devoção, a beija e a dá para ser beijada pelos seusdois filhos, sabendo que aquele gesto a condenaria. De fato, os militares a mataram no mesmo instante. [36][36] O patriarca armênio em conferência.

A Armênia que morre

Em Deyr-es-Zor, os deportados, já esqueléticos, não tinham mais nada para comer e resignaram-se a cozinhar até carne humana,especialmente de crianças. Uma menina doente estava morrendo. Sua mãe estava perto dela. Um cheiro de carne cozida invadiu o local, que vinha não se sabe de onde. Certamente estavam cozinhando a carne de alguma criança. “Mãe” – disse a menina –,“peça um pedaço para mim, eu não aguento mais”. Com suasúltimas forças, a mãe conseguiu se levantar e ir um pouco adiante,mas logoretornou de mãos vazias. "Eles não quiseramlhenenhum pedaço?" – disse a criança. "Mamãe, daqui a pouco vou morrer.Não dê a minha carne para ninguém, coma-a só você" [37]

[37] J. Nazer, Documents of the turkish atrocities.

A Armênia que ressurge

Um menino de cerca de dez anos se escondeu sob areia ao longo docaminho para Deyr-es-Zor. Haviam cortado a sua língua. Quando passava um comboio, emergia da areia e avisava os passantes que, pouco mais adiante, os matariam. Ele parava de gesticular só quando a caravana voltava para trás. Não pensava em salvar a si mesmo, mas se escondia na areia novamente esperando por outras caravanas de deportados. Aquele meninoé hoje osímbolo da Armênia, que há cem anos faz ao mundo inteiro um apelo que há oitenta anos o mundo se recusa a ouvir. [38]

NOTAS:

[36] O patriarca armênio em conferência.

[37] J. Nazer, Documents of the turkish atrocities.

[38] Y. Ternon, op. cit.

O ícone do perdão

Quando encontramos uma pessoa que assumiu a responsabilidade por gravíssimas ações criminosas, todos somos tentados a ver nela somente o pior, os males, a violência, o abuso, o ódio, e não somos mais capazes de ver aquela ponta de bondade que tambémpode coexistir ali, ou melhor, que deve existir para que essa pessoa ainda possa sobreviver. Nessas pontas de bondade de que ninguém está completamente privado,os anjos cantam e a Trindade repousa seus pés.

Concluo esta viagem entre os mártires da Armênia com o testemunho do já citado monge armênioKevork Hintlian. Ele, filho de pais sobreviventes, é um homem maior que o próprio genocídio, que quis refletirsobre a humanidade e a desumanidade. Quero lembrar de de que apenas em sua cidade natal ele teve todos os seus parentes(setenta pessoas) martirizados. Este monge me disse que, em certo momento de sua vida, seu pai conheceu“um homem gentil chamado Djemal Pasha, conhecido como monstro pela história oficial”. Quando li esta frase, parei e meperguntei como era possível para um armênio ver alguma semente de gentileza em quem foi responsável, junto com doisoutros "colegas", por 2 milhões de assassinatos. É verdade que, no fim da vida, talvez deixando sua consciência falar,Djemal Pasha conseguiu salvar 150 mil armênios e alguns milhares de órfãos. Mas um armênio certamente pensa maisnaqueles que ele fez matarem.

Meu interlocutor tentou me explicar que, quando conseguimos perdoar, nós nos tornamos disponíveis para ver aquelas sementes de bondade presentes em todas as criaturas humanas. Mas não só: ele me disse que tinhaencontrado tanta compaixão entre os seus sobreviventes armênios que alguns deles continuam a querer bemaos turcos, e ainda acrescentou que, entre os armênios, alguns continuaram a ouvir música turca(incluindo seu pai).

O monge continuou a dizer-me que cresceu em um vilarejo de sobreviventes do genocídio e me lembrouque esses armênios sempre mantiveram somente para si o sofrimento, procurando "inundar" de calor, alegria e tambémde bom humor os jovens e as crianças. Ele me disse que os sobreviventes não querem que se transmita aos jovens o ódio, mas sim o perdão. Disse ainda que, recentemente, os membros de uma organização (G.A.) encheram as cidades de cartazes agradecendo aos antepassados turcospor terem feito aquela "limpeza étnica". Fiquei envergonhado, mas Kevork, meu amigo monge, pensando em seus mortos agonizantes naqueles precipícios, nos abutres sobrevoando e se alimentando de seus corpos com gritos horríveis, lançouaos irmãos turcos uma espécie de vingança:"Irmãos turcos, temos um mensagem para vocês: estejam certos de que a vítima, humilhada, abusada e massacrada, tem um enorme poder dado pelo próprio Deus, o poder do perdão". Então ele continuou, dizendo que é tarefa da humanidade libertar o turco da sua miséria e educá-lo a não se orgulhar dos assassinatos e derramamentos de sangue. Concluiu: "Irmãos turcos,somos gratos a vocês, porque através de sua desumanidade vocês humanizaram a nós, armênios".

Essa última mensagem faz eco ao que,alguns meses atrás, depois de assistir a um vídeo do massacre de seus dois filhos por alguns fanáticos muçulmanos,depois de um momento de silêncio, a quem perguntou o que ela faria se encontrasse o assassino de seus filhos,uma mãe cristã respondeu: "Eu os teria convidado para ir à minha casa e os teria agradecido, porque fizeram-nos entrar no Reino de Deus."

Os documentos

Consistem em arquivos diplomáticos, testemunhos de deportados, informações provenientes dos agressores, narrações de sobreviventes e de estrangeiros presentes na região entre 1915 e 1916 e nos próprios documentos otomanos.Os consulados e embaixadas sempre comunicavam tudo, ou, pelo menos, o que podiam entender e às vezes ver. Hátambém os textos de Andonian e os de Bey, que, apesar de sua extraordinária importância, não dispondo de cópias originais dos fatosa que se referem – exceto em pouquíssimos casos – e apresentando algumas imprecisões sobre o número de mortes eoutros particulares, não podem ser considerados "documentos" decisivos em um tribunal internacional contra os responsáveis pelo genocídio.

Entretanto, essas centenas de milhares de documentos – embora quase sempre cópias e jamais originais, pois estes não eram produzidos ou eram imediatamente destruídos –, vindos de diferentes partes e de autores que não podiam se confrontar antes de dar o testemunho, adquiriram um valor quase absoluto.

Adiciona-se a isso o fato de que toda essadocumentação foi peneirada e avaliada pelo maior historiador e filósofo da história do século XX, Arnold Toynbee,que pôde pronunciar-se com autoridade sobre os fatos do genocídio. Ele pôde dar um valor único aesses documentos comparando-os uns com os outros, embora eles não fossem apoiados em si por toda a propriedade da documentação histórica.

Há ainda o Livro Amarelo e o Livro Azul: esteúltimo, publicado em 1916 com uma análise críticae lúcida de Toynbee, contém preciosos relatos consulares, testemunhos de missionários, civis,funcionários, enfermeiros, professores, além de muitos norte-americanos, suíços, dinamarqueses e de alguns alemães e armênios. Tais declarações não constituem "testemunhos judiciais", mas são absolutamente confiáveis porque foram dadas por testemunhasoculares: sua precisão é dada pela concordância dos fatos. As testemunhas não apenas viram, mas também fotografaram aqueles crimes incontestáveis. Uma das documentações mais valiosos é certamente a do fotógrafo Armin Wegner, que por dois anos eternizou em suas películas alguns dos momentos mais trágicos do genocídio. As testemunhas viram milhares de cadáveresespalhados pelas estradas ou levados pelos rios, valas comuns a céu aberto, armênios crucificados, empalados, com membros mutilados. E esses fatos eram publicados simultaneamente pelo The New York Times e em jornais e revistas franceses, ingleses e de outros países.

Hoje é possível consultar pelo menos um milhão de testemunhos individuais de outras tantas tragédias, que nenhumhistoriador sério poderia contestar. E especialmente os testemunhos do franciscano Basilius Talatinian, do bispo GrigorisBalakian, do fotógrafo Armin Wegner e ainda de Henry Morgenthau, Henry Barby, Herbert Adams Gibbons, Harry Stuermer,Alma Johansson, Leslie Davids, Martin Niepage, irmã Mohring, Johannes Lepsius e milhares de outros.

Na reconstruçãodos eventos através dos muitos testemunhos, foi fundamental a ajuda do monge armênio Kevork Hintlian, que me guiou naanálise da inteiramente preciosa documentação.

Comunicado de imprensa emitido pela Rádio Vaticana: 7 mil ciganos Armênios mártires

Página de história da Igreja assinada pelos ciganos

Hoje (19 de outubro de 2016) foi entregue ao Papa Francisco uma Relação sobre os Ciganos Mártires da Armênia. Trazemos aqui um trecho da documentação.

Quando Arnold Toynbee, um dos maiores filósofos da história do século passado, apresentou a população da Armênia que, no início do século passado, contava mais de 2 milhões de pessoas, ele a classificou assim: "Judeus, búlgaros, católicos, ortodoxos, protestantes, turcos e ciganos". Essa explicação nos diz que a população cigana devia ser muito significativa e bem visível, contando com pelo menos algumas dezenas de milhares de pessoas.

Enquanto eu escrevia o "Genocídio dos Santos Mártires Armênios", descobri que os ciganos na Armênia eram batizados na Igreja Apostólica Armênia. Eu pensei que, sendo cristãos, certamente estariam envolvidos nogenocídio dos santos mártires armênios, mas a hipótese não era apoiada sequer por testemunhos indiretos, e talvez jamais teríamos conseguido um testemunho escrito se o bispo ortodoxo Grigoris Balakian não tinha narrado em mais de quinhentas páginas sua fuga da deportação. Sendo bispo na província onde se encontravam os ciganos no momento da deportação, ele testemunhou com muitos detalhes justamente o que aconteceu com os ciganos de sua própria província, a de Kastemouni.

O texto principal fala do envolvimento e da condenação de uma parte dos ciganos: "Em junho de 1915, o governo centralemitiu uma ordem urgente de deportação no deserto de Der Zor, para toda a população armênia da província de Kastemouni, onde havia cerca de 1.800 famílias ou 10 mil pessoas, incluindo mais de mil famílias de ciganos-armênios".(G. Balakian, Gólgota Armênia, Uma Memória do Genocídio Armênio, 1915-1918, p.106).

Esse texto em primeiro lugar nosdiz que os ciganos estiveram envolvidos no genocídio dos cristãos armênios. Éimportante, neste ponto, lembrar que a palavra"deportação" era um termo maquiado para dizer "condenação à morte". Na verdade, às vezes as autoridades turcas,não querendo mancharse de crimes que no futuro poderiam condená-los, criaram as deportações através do deserto:viagens que duravam até dois meses, de modo que, devido à falta de alimentos, às doenças e aos ataques durante viagem, os deportados viessem a morrer. Os homens eram geralmente massacrados logo após a partida, enquanto mulheres, criançase idosos continuavam sua jornada até a morte. Quando alguém chegava vivo ao destino, geralmente tinha que retomar o caminho em direção a outro campo, até que morresse.

Tendo reunido testemunhos de que foram condenados do mesmo modo os cerca de 7 mil ciganos naprovíncia de Kastemouni, pode-se supor com fundamento tenham sido condenados alguns milhares também nas outras províncias.

Mais adiante, ele disse: "Um capitão dos Jovens Turcos, enquanto ia de Erzurum a Constantinopla, levou notícias do que tinha acontecido em Kastemouni”; e Grigoris Balakian, autor de "Gólgota Armênia", afirmou: "Nosso pânico dobrouquando ouvimos os detalhes dos massacres dos armênios (ciganos) nas cidades e nos vilarejos perto de Chankiri (ou seja, na província de Kastemouni)". (G. Balakian, op.cit., p. 114. 60 G. Balakian, op.cit., p. 117).

Entre aqueles crimes, Balakianrelatouo de uma moça que havia começado a deportação em uma caravana de mulheres e moças, onde oito em cadadez eram ciganas. Ele contou que um jovem turco de Sungurlu, enquanto acompanhava o comboio das deportadas, foi conquistado pelabeleza de uma delas. Ele propôs à moça que se salvasse: tornando-se muçulmana e casando-se com ele, ela evitaria a morte. Mas a moça respondeu: "Por que não se torna você um cristão, e assim me caso com você?". A recusa causouno jovem turco uma enorme fúria e ela foi imediatamente torturada. Logo lhe foi amputado um seio e, permanecendo firmeem sua fé, ela foi cortada em muitos pedaços. (G. Balakian, op.cit., p. 117).

No mês passado, fui à Armênia para ouvir pessoalmente os testemunhos dos ciganos descendentes dos sobreviventes. Os ciganos de Yerevan, no bairro deKaimaker, Shari-Thak e Marash, provêm de Erzurum e lembram-se bem que os seus idosos falavam desses massacres e deportações. Quando eu perguntava sobre um número aproximado de vítimas, a resposta era sempre e apenas: "Tantas". Os ciganos de Gyumry medisseram a mesma coisa sobre seus parentes mortos pelos turcos no genocídio.

Não tendo outros dados à disposição, ficamos com onúmero documentado de 7 mil mártires ciganos vítimas do genocídio armênio, mesmo sabendo que o número real de vítimasfoi altamente superior e deve ultrapassar os 20 mil.

Na fé,

Don Renato Rosso.

O livro sobre o genocídio dos mártires cristãos Armênios terminou

Se, porém, vocêé um cristão fiel e praticante, acompanhe-me ainda nestas últimas linhas. Se durante a leitura você se perguntou: "Mas Deus, onde estava?", eu lhe respondo que Jesus estava lá, crucificado com eles. E se, durante a leitura, visualizando as imagens você disse para si mesmo: "Que criminosos! Sem sombra de humanidade! Como eles puderam chegar a tanto? Mereciam todas as maldições do mundo!". Não! Irmão, não diga isso! Eles são nossos irmãos, como Caim, Judas e todos os criminosos da história. Não se esqueça também que a mesma esquizofrenia atingiu milhões de pessoas.

Depois deste genocídio, os russos fizeram o mesmo, os italianos na Iugoslávia cometeram os mesmos crimes, os alemães, os chineses, os africanos e os americanos, todos nos somos manchamos da mesma forma. Quando hoje você encontrar em seu caminho alguém que não tenha perdoado, que tenha blasfemado ou matado uma criança inocente com uma baioneta e a jogado no rio, ou que a tenha perfurado com uma curetaafiada e a atirado no incinerador, ou quando encontrar em uma página de jornal alguém que tenha acabado de matar sua esposa ou seu marido,ou que tenha estuprado uma criança, quando você vir essas coisas, então não diga: "Isso é problema deles, não tem nada a ver comigo!". Não diga: "Pior para eles!".Devemos dizer: "Pior para nós!".

Se você estiver em uma embarcação cuidando do motor, enquanto seu colega cuida da vela e outro cuida dos remos, você não pode dizer:"Eu tento fazer bem o meu trabalho.Se os outros estão errados, pior para eles!". Não! Será sempre pior para você,pior para nós. Os outros são um pedaço de nós. Estamos no mesmo barco. Ou nos salvamos juntos, ou afundamos juntos. Por isso,eis uma proposta cristã: quando você encontrar pessoas que erraram e perguntarem a você "Quem são estescriminosos?", responda "Eles são meus irmãos e eu posso fazer algo por eles. Eu me encarregarei dos seus erros,da sua preguiça de fazer o bem, da sua violência. E farei meus estes crimes, como se eu mesmo os tivesse cometido,porque eles não sabem a quem se dirigir para pedir perdão, alguns sequer sabem que existe o perdão, maseu sei, eu sei onde ir para ser perdoado, e quando eu chegar aos pés do altar,durante aquele ‘Senhor, piedade’no início da missa, pedirei perdão em nome deles. Naquele momento, poderei me tornaramigo de Jesus Cristo, que carregou sobre si os pecados do mundo: Jesus, o Redentor, e nós, corredentores com ele”.

E ainda, como a nós não é dado o poder dejulgar os pecados de uma só pessoa da história, e também porque cada criminoso que cometeu ações terríveis poderia sera pessoa mais inocente da história, já que sua mente poderia estar afetada por uma grave esquizofrenia, nós também podemose devemos dizer: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Provavelmente nenhum turco ‘fez o que fez’sabendo realmente aquilo que fazia. Situações de guerra podem desencadear formas de esquizofrenia coletiva que atravessam os pensamentos, a mente e razão. Portanto, Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

Diantedo maior crimeda história (e não conheço nenhum mais grave), como o de crucificar e matar o Filho de Deus, Jesus disse que aquele crime era uma loucurae, por essa razão, merecia muita misericórdia, toda a misericórdia, muito perdão, todo o perdão.

Agora você pode voltar acontemplar as imagens, mas não se esqueça de pronunciar a palavra "perdão" (pedido para os armênios e doado aosturcos) e de repetir essa oração diante de cada imagem.

Documentação fotográfica



Armênia devastada



As imagens foram produzidas em 1919 para aumentar a conscientização sobre o massacre e a deportação do povo armênio pelo Império Otomano.

Apesar de ser um filme, é considerado um documentário por causa de sua lealdade possibilitada por Aurora Mardiganian, que sobreviveu ao massacre.

Esta edição especial foi produzida e com curadoria de Richard Diran Kloian (2009)


Dedicado à Aurora Mardiganian


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PRIMEIRA PARTE

VTS_01_2.VOB

SEGUNDA PARTE