Expropriando dizeres: os conflitos ideológicos entre a charge de Laerte e sua ressignificação pelo Movimento Brasil Livre

Mateus Vitor Tadioto (UCS).

 

A presente reflexão tem como recorte duas versões – uma original e outra adulterada – de uma charge de autoria da cartunista Laerte, publicada no Jornal Folha de São Paulo, no dia 21 de abril de 2015. A charge original traz a figura histórica de Tiradentes indo para a forca, escoltado por soldados imperiais. Nessa ilustração, um balão de diálogo aparece do lado direito da imagem com a expressão “Vai pra Cuba!”, um dizer bastante reproduzido pelos movimentos pró-impeachment de 2015. A partir de Tiradentes, Laerte mobiliza ideais como o nacionalismo e a igualdade, efeitos ideológicos estabilizados pela reprodução e transformação dos dizeres acerca da figura do inconfidente, o patriota ideal. Acompanhados da expressão “Vai pra Cuba!”, Tiradentes e seus efeitos de memória tornam-se uma representação do sujeito de esquerda, submetido a um enforcamento simbólico por um “sem rosto” que brada “Vai pra Cuba!”, como se as únicas opções possíveis para os “inconfidentes contemporâneos” fossem a morte, a prisão ou o exílio. Essa mesma charge é adulterada por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL). O quadro da imagem permanece o mesmo, entretanto, o balão indicativo de diálogo replica os dizeres “coxinha”, “reaça”, “sonegador”, “fascista capitalista”, “neoliberal! Americanófilo!” e “20% de imposto já é pouco demais!”. Essa modificação promove um deslocamento de sentido. A figura do inconfidente é então tomada como um ideal de sujeito de direita que “pagou o pato”. Essa forma ideal, acompanhada pelos dizeres dos balões, indicaria o processo de impeachment como a única possibilidade de libertação do Brasil de suposto regime que distribui benefícios aos pobres “às custas” dos ricos. Para além da significação de uma mesma memória em Formações Discursivas antagônicas, o estranhamento causado pela presença da assinatura de Laerte na charge adulterada é o que faz com que o sentido inicial do texto ecoe. A autoria denuncia a modificação e, na contradição, promove a resistência.