Éder Oliveira

Se minha avó estivesse aqui

Éder Oliveira

Quando comecei minha produção em arte no final da faculdade queria retratar pessoas comuns. Busquei como modelo imagens publicadas de pessoas não públicas e me deparei com pessoas marginalizadas. Iniciei assim o trabalho mais longo e intenso daminha vida. Mais tarde fui percebendo que aquelas imagens eram auto referenciais, –em alguma ou muitas medidas eram autorretratos. Ao mesmo tempo que criava conhecimento dessa autorreferência passei a me interessar pela imagem da minha avó materna. A representando através de desenhos e pinturas, ao longo dos anos fui percebendo que meus trabalhos estavam chegando até a imagem dela.


Minha avó é um símbolo para mim, um símbolo construído aos poucos. A maioria das coisas que sei sobre a história dela foi contado pela minha mãe e boa parte disso já depois de adulto. Minha primeira infância foi longe dela e ao retornar ao vilarejo onde nasci, aos sete anos, a reaproximação foi paulatina. Inversa em muitos aspectos à minha avó paterna, a mulher pobre, de pele escura e descendente de índios desafiava meu imaginário. Já idosa eu ainda a vi subindo em palmeiras. Pescava todos os dias quase o dia todo. Lembro de certa vez, na adolescência, me sentir envergonhado ao passar por ela no rio eu numa grande canoa me divertindo com os amigos, ela numa canoa minúscula, com um remo numa mão – equilibrando a pequena embarcação na correnteza – e três linhas de pesca nos pés e no outro braço além de uma palha na cabeça para se proteger do sol. Não lembro se sentia vergonha dos amigos pela situação precária de minha avó – ali todos éramos pobres – ou da minha avó por estar me divertindo enquanto ela batalhava o sustento. Lembro apenas da sensação de vergonha e torço para ter sido pelo segundo motivo.


Nunca tive uma relação muito próxima com a família. Sinto muito carinho quando estou perto dos familiares e sou muito grato a eles por tudo que me ofereceram na época em que convivíamos. Mas no geral sou um ente ausente. Durante a quarentena essa ausência e a falta de responsabilidade sobre os afetos se tornaram pesos mais evidentes. A ideia de fragilidade física da minha avó me fez criar um elo mais forte com ela e com a representação de sua figura. Não por acaso é a imagem dela que pretendo fazer nas pinturas que estou criando nesse momento.


É nesse sentido que proponho meu trabalho ao projeto Ao ar, Livre. Como um respiro ao óleo sobre tela apresento um retrato pequeno a lápis de cor, flutuando num vidro na fronteira entre minha quarentena – uma varanda nos altos – e a vida que corre do lado de fora. Minha avó, que nunca conheceu minha casa ou meu bairro será um símbolo de transgressão afetiva nesse momento pontual de nossa história: uma idosa sentada ao ar livre, em plena pandemia.


A ação em si se dará no gesto. Com registro em vídeo, os recursos técnicos inspirados nos primórdios do cinema ficarão visíveis no resultado.