Millena Lízia

A MANHÃ SER 


Tem um tanto de mudanças no cenário pandêmico que experiencio, mas são mudanças que se manifestam mais como retornos. Ao observar todas as minhas atividades no Rio sendo canceladas, aquilo que seria apenas uns dias na casa da minha mãe no interior do estado acabou se transformando em meses nesse espaço que agora é também o meu lar, definitivamente. Aqui ficamos. Aqui tratamos de inventar mundos. A pequena sacada do meu quarto dá pra um terreno baldio que de tempos em tempos acompanha-se toda uma troca de vegetações. Já teve um tempo que boa parte do terreno era ocupada por entulhos de obras da vizinhança e um outro que ali eram deixados cavalos para se alimentarem de capim. Agora são as plantas rasteiras que vem se destacando, essas criaturas que de mansinho derrubaram árvores. Uma vez elas ocuparam o telhadinho da área dos fundos, chegando a quebrar muitas das telhas em suas expansões. Pouco custa para isso voltar a acontecer e sabe lá o que mais poderia ser tomado, de mansinho, ignorando as divisões. Separamos as sementes dos frutos que nos alimentam nos preparos de nossas refeições para lançar no terreno. Acreditamos que boa parte de nosso semear se transforme em alimento para os passarinhos, esses seres que semeiam. Faz parte das organizações do meu despertar ir até a sacada e imaginar toda a movimentação que acontece no terreno ao lado pra além das coisas que vejo, enquanto rego os vasinhos das plantas que cultivo. Enquanto rego a terra, minha mãe passa o café anunciando que é preciso despertar. Às vezes penso que o que estamos fazendo é uma coisa só.

As fotos são de minha mãe Sandra Martins Monteiro