André Penteado

Muito obrigado pelo convite. Confesso que estes tempos tem sido difíceis. Estou num processo de ver e rever muitas coisas. Acho que tempos assim causam isso. Ideias antigas e projetos inacabados ressurgiram, resgato memórias e elas são muitas...

Uma das partes de meu trabalho lida com memória (pessoal ou histórica) e sua construção. Trabalhar com fotografia e vídeo me faz manipular um volume muito grande de imagens e informação e sempre há um momento em que me sinto soterrado. Depois do soterramento vem uma síntese, uma construção possível. O meu túnel de realidade. Nestes dias me sinto duplamente soterrado.

Ontem, no momento em que acordei, me veio o seguinte:

A complexidade de tudo;

A incompreensão de tudo;

A fratura de tudo;

A destruição de tudo;

Fragmentos, imagens que queimam.

Depois de começar e parar várias ideias como resposta ao seu convite, tentando usar o meu procedimento de sempre, percebi que ele não funcionaria neste momento. Geralmente levo meses/anos num mesmo projeto e o tempo de agora é de urgência. Precisava de uma resposta mais imediata.

Há alguns dias atrás assisti Alphaville de Godard e, numa cena ainda no começo do filme, o narrador diz o seguinte:

C’est toujours comme ça, on ne comprend jamais rien.

D’ailleurs, c’est toujours comme ça.

On ne comprend rien et un soir on finit par on mourir

As legendas traduziram assim:

É sempre assim. Nunca se entende nada.

Aliás, é sempre assim.

Nunca entendemos nada e, uma noite, acabamos morrendo por isso.

Essas frases, que anotei no meu caderno durante o filme, me parecem conter os sentimentos que tenho sobre o momento em que vivemos.

Um dos pontos que penso em meus trabalhos é o da ressignificação / destruição / incompreensão da uma informação ao longo do tempo. Cada versão, apesar de possuir elementos da anterior, a corrompe de alguma forma. Acredito que esse é um processo inevitável. Sempre penso sobre ecos do passado. Como fatos e vidas pregressas – muito distantes muitas vezes – ecoam no presente sem que muitas vezes o percebamos. É como visitar o local que alguém morreu, sem saber que isso aconteceu lá.

O que decidir fazer para este trabalho, então, foi: recortei esse trecho do filme e o passei em meu monitor gravando-o com minha câmera. Gerei, assim, um novo arquivo que passei em meu monitor e gravei novamente. Repeti esse procedimento 30 vezes e nesse processo, tanto a imagem como o som do filme foram se deteriorando, acabando por se transformar em algo novo contendo em si seu original. Foi um processo que teve muito de inesperado, pois nunca havia tentado isso. Ainda preciso conviver mais com o trabalho para entende-lo melhor.

Projetei o resultado, do segundo andar de minha casa, na parede lateral externa da garagem do prédio ao lado. Coloquei uma caixa para que o áudio fosse ouvido da rua. Durante a apresentação, os cachorros do vizinho latiram, algumas pessoas passaram, mas nenhuma delas parou para ver o vídeo.