Erica Ferrari

Uma ruína paulista


a visita ao museu paulista talvez tenha sido a primeira vez que fui para a ‘cidade’. morando na zn, ‘cidade’ era tudo que estava após o rio: onde existiam edificações e fluxos de pessoas para além da relação de moradia. acho que para boa parte de quem cresceu e viveu em sp nos anos 80, a excursão ao museu foi algo primordial para a formação de um lastro simbólico sobre essa ‘cidade.


lembro de todos precisarem tirar os sapatos para subir as escadarias e de pensar que o único lugar que havia estado antes que me lembrava essa experiência era na igreja do bairro. qual era essa simbologia cívica que nos era passada? dos heróis do desbravamento e da independência, das batalhas pela conquista da terra, da suposta história de uma origem de vencedores.


ao visitar o museu novamente mais de 30 anos depois, a experiência foi oposta: o prédio apresentava todos seus vazios e avessos com a retirada de seu acervo para o processo de restauração e expansão. também me senti assim, olhando os símbolos de glória restantes como ruínas destituídas de qualquer tempo histórico que faça sentido no agora, buracos profundos que engolem a ilusão sobre quem nunca fui.


essa série de trabalhos é sobre isso - ‘uma ruína paulista: boca de entulho sob parede neoclássica' - cimento, madeira, entulho, gesso, parafina e páginas de livros - 152x90cm - 2020