1.6.2. Tomada de Decisão por Consentimento

Pessoas que colaboram precisam ser capazes de criar e aprimorar decisões adequadas aos seus objetivos, as quais elas podem influenciar, pelas quais elas podem ser responsáveis e sobre as quais elas podem acordar.


A Tomada de Decisão por Consentimento (TDC) convida explicitamente as pessoas afetadas pelas decisões a considerarem propostas (ou acordos existentes) e a aprimorá-las baseado em razões pelas quais fazer o que está sendo proposto (ou continuar sem mudanças) iria prejudicar, ou negligenciar oportunidades de melhoria.


Consentimento significa "a ausência de uma razão para não fazer".

Uma razão para não fazer algo é chamada de objeção. Ou seja, o consentimento significa, objetivamente, a ausência de objeções, que pode ocorrer em 3 principais cenários:


  • Consenso: quando a proposta apresentada ressoa de forma positiva no grupo decisor, sendo embasada ou não;

  • Tolerância: quando há opiniões contrárias à proposta, de caráter subjetivo e que não sejam classificadas como objeção;

  • Abstenção: quando há ausência de embasamento sobre a proposta, não havendo uma opinião definida, não havendo também objeção definida;


Garantir a ausência de razões conhecidas para não ir em frente possibilita decisões boas o suficiente para agora e seguras o suficiente para testar que podem ser experimentadas, reavaliadas e aprimoradas ao longo do tempo. Uma proposta que acabou de ser consentida poderá sofrer alterações a qualquer momento seguinte a partir de tensões que possam ter emergido com a decisão.


Esse processo ajuda a equilibrar equivalência e eficácia, incluindo aqueles afetados pela decisão, às vezes através de um representante – com poder de levantar objeções - ou através de outros meios que garantam que a objeção possa ser ouvida e integrada.


Consentimento vs. Consenso

Consentimento é definido por “sem objeção”. Não ter uma objeção é um pouco diferente de concordar. Esse espaço extra é o intervalo de tolerância. Mesmo sem concordar com uma decisão, posso tolerá-la caso não encontre uma razão pela qual seguir adiante prejudicaria o círculo ou sub-círculo na busca pelos seus objetivos. Não precisamos encontrar a sobreposição de nossas preferências para tomar uma decisão. Em vez disso, buscamos a sobreposição de nossas faixas de tolerância, o que nos dá muito mais possibilidades de evolução. A abstenção de uma decisão também reflete a ausência de objeções e, portanto, consentimento.

No encontro das zonas de concordância temos o consenso e no encontro das zonas de tolerância demos o consentimento. No consentimento não precisamos discutir sobre tudo até concordarmos ou desistirmos. Se não houver objeção, consentimos e, se houver uma objeção, lidamos com ela. Ao usar o processo de Tomada de Decisão por Consentimento sabemos logo quem não vê razão para não avançar com a proposta apresentada. Ao ouvir as objeções saberemos onde melhor colocar nosso tempo de discussão.


A Tomada de Decisão por Consentimento aumenta o engajamento e a responsabilidade ao envolver aqueles afetados pelas decisões no processo de tomada de decisão.

Domínio


A TDC é utilizada para processar Tensões de Governança, que são diretamente associadas à criação, revisão ou exclusão de Círculos, Papéis ou Acordos. Outras decisões não são caracterizadas como Governança e não precisam, obrigatoriamente, seguir o processo de TDC. Outros processos como a Decisão por Aconselhamento são mais indicados.


A TDC deve ocorrer, prioritariamente, dentro de um fórum de Governança do Círculo ao qual a tensão e a proposta se referem, que pode ser uma Reunião de Governança ou uma Pauta de Governança dentro de uma outra reunião do Círculo. A execução do processo se dá pelos seguintes papéis:


  • Facilitador(a): conduz o processo de TDC, convida os proponentes e participantes à fala e realiza a validação das objeções trazidas;

  • Guardiã(o): dá suporte à(ao) Facilitadora(o), registrando as perguntas, reações e integrações trazidas, atualizando as ferramentas cabíveis após a tomada da decisão e acompanhando os responsáveis pelos encaminhamentos definidos;

  • Proponente: apresenta a tensão e a proposta que irá para decisão, responde às perguntas dos participantes e realiza integrações;

  • Participantes: compõem o Círculo de Governança no qual a decisão está sendo tomada e podem fazer perguntas, expressar reações, consentir ou objetar sobre a proposta;

  • Ouvintes: acompanham a reunião, porém não possuem domínio de consentimento. Podem ser convidados(as) pelo(a) Facilitador(a) para trazerem perguntas ou reações.


Etapas

O processo de Tomada de Decisão por Consentimento tem 8 etapas:


1. Apresentação da Tensão

Leitura da tensão, geralmente pela pessoa proponente, composta por Observação + Necessidade, apresentando a escrita de:

  • Título da Tensão: rápido descritivo da tensão

    • Observação:

      • Situação atual: o que está acontecendo

      • Efeito: o que isso causa

    • Necessidade:

      • Necessidade: o que é necessário para processar o que foi observado

      • Impacto: qual será o impacto de atender a essa necessidade


2. Perguntas sobre a Tensão

Verificação de que as pessoas entendem as Observações e Necessidades (tensão) aos quais a decisão atenderá (ou já atende).

Esse processo pode ocorrer até todas as pessoas tirarem suas dúvidas sobre a Tensão, com a pessoa proponente respondendo as dúvidas uma a uma.


3. Apresentação da Proposta

Uma Proposta de Governança é apresentada pela(s) pessoa(s) proponente(s) e / ou afinadores ao grupo – criação, revisão ou exclusão de papel, acordo(s) ou círculo – contando com data de avaliação. As propostas podem ser criadas por um indivíduo ou um grupo de afinadores.


Co-criar propostas mais complexas (ou aquelas que afetam significativamente o grupo) pode aumentar o envolvimento e responsabilização dos membros porque as pessoas estão mais propensas a apropriarem-se de acordos dos quais participaram na elaboração.


4. Perguntas de Entendimento

O papel de Facilitação verifica que todos entendem a proposta, tal como está escrita. Ele convida as pessoas a fazerem perguntas de entendimento, se necessário. É importante que as perguntas sejam, de fato, para trazer mais entendimento, e não opiniões “disfarçadas” de perguntas. Geralmente são perguntas iniciadas por: Eu não compreendi… Não entendi o que está sendo proposto em… etc.


Nota: Perguntas de entendimento revelam às vezes que é útil alterar ou desenvolver o texto da proposta, a fim de torná-lo mais objetivo e assertivo.


5. Colheita de Reações

O papel de Facilitação convida uma a uma todas as pessoas do grupo para trazer uma reação à proposta apresentada. As reações podem ser de três categorias:

  1. Reações de Concordância: reconhecimento às pessoas proponentes sobre a qualidade ou a importância da proposta, ou opiniões que reforçam a proposta trazida;

  2. Sugestões: inclusões sugeridas à proposta trazida que poderão ser integradas na próxima etapa pela pessoa proponente;

  3. Reações de Discordância: chamadas de Preocupações, são situações antecipadas que poderiam sinalizar um possível risco. Preocupações podem revelar formas (incertas) de que uma proposta poderia ser melhorada, e elas também podem ser baseadas em ideologias de uma pessoa ou equívocos.

  4. Recomenda-se que a pessoa que trouxer uma sugestão ou preocupação explicite em sua argumentação o efeito e impacto que a proposta trará a Organização caso seja consentida e apresente, se tiver e quiser, uma proposta ou sugestão que elimine (total ou parcial) suas preocupações.


As Preocupações não impedem que a tensão seja processada e uma resposta acionada. Elas podem ser registadas e utilizadas para informar os critérios de avaliação futuros.


6. Integração de sabedoria

O papel de Facilitação convida a pessoa proponente para Integração de, uma a uma, as preocupações e/ou sugestões que surgiram. A pessoa que ocupa o papel de Guardiã(o) pode auxiliar nesse momento, listando as preocupações que surgiram. A pessoa proponente possui domínio sobre a proposta, portanto não precisa realizar a integração de todas as preocupações existentes, pois não se busca um consenso.


Ao final das integrações, a proposta objetiva ser "boa o suficiente por agora e segura o suficiente para testar". Vale ressaltar que não é objetivo consentir propostas medíocres devido a esse princípio. Se for possível, deve-se explorar como a proposta pode ser melhorada de maneira a beneficiar mais ainda os objetivos.


7. Colheita de Objeções

O papel de Facilitação convida todos para que, juntos, apresentam uma reação visual para a proposta, podendo ser de Consentimento (“joínha” em sinal de positivo) ou Objeção (punho fechado virado para cima, em sinal de um presente sendo entregue ao grupo). Estas são as duas únicas respostas possíveis. Não há a opção de abstenção, por exemplo, já que a mesma é considerada consentimento.


Se a proposta for Consentida, avançamos para Celebração.

Se a proposta apresentar uma ou mais objeção(ões), avançamos para compreensão da objeção e validação pelo papel de Facilitação.


Objeções são razões pelas quais fazer o que é proposto prejudica a organização ou se perde uma oportunidade (que pode ser entendida neste momento) de aumentar a sua eficácia. Objeções são validadas por meio de argumentos que podem ser compreendidos por todos, explicitando efeito e impacto (o dano gerado) para a Organização caso a proposta seja consentida.


Quando uma objeção for trazida, o papel de Facilitação deverá validar ou invalidá-la, seguindo um Teste de Objeções.


Quando a objeção é válida, o papel de Facilitação, pode ainda, sugerir a Integração da objeção na reunião, objetivando trazer agilidade ao processo. Algumas sugestões de integração de Objeções:

- Peça à pessoa que apresentou a objeção explicitar o efeito e o impacto que trarão riscos e danos para a Organização caso a proposta seja consentida;

- Peça à pessoa para apresentar uma sugestão de integração;

- Convide um breve diálogo entre 2 ou 3 pessoas;

- Apresente uma integração e refaça a Colheita de Objeção

- Faça uma rodada com a pergunta "Como você resolveria isto?";

- Reenvie a proposta de volta para a equipe (ou indivíduo) refinar, com o suporte da pessoa que apresentou a objeção.


Caso a integração não seja feita durante a reunião, a decisão fica como objetada e a pessoa proponente (ou quaisquer outras pessoas) poderá trazer uma nova proposta para o processamento daquela tensão em outro momento.


8. Celebração

Caso haja consentimento, o papel de Facilitação anuncia a decisão e aproveita para reconhecer o fato de que um novo acordo foi feito, círculo ou papel foi criado.


Dedique um tempo para reconhecer conquistas notáveis.

Os próximos passos são encaminhados pela(s) pessoa(s) proponente(s), com o zelo do papel de Guardiã(o) para que todos os encaminhamentos sejam realizadas (Ex.: Registrar Acordo ou papel no Podio), se atentando para a data de avaliação / frequência de avaliação.


Mais sobre Preocupações

Preocupações são uma reação de discordância, sendo diferentes de uma objeção, porque elas são baseadas em previsões ou suposições, ao invés de observações e fatos.


Preocupações são situações antecipadas que podem potencialmente prejudicar a organização ou seus objetivos. Elas podem conter novas informações não consideradas anteriormente, mas às vezes são baseados em ideologias de uma pessoa ou equívocos ao invés de baseadas em fatos reais. Preocupações podem revelar formas de melhorar uma proposta.


Dependendo da disponibilidade de tempo na TDC e do interesse do(a) proponente,, uma equipe pode considerar modificar uma proposta para cuidar das preocupações, bem como das objeções. Essas modificações são chamadas de Integrações e compõe a proposta que será levada para consentimento.

Mais sobre Objeções

As organizações podem se beneficiar ao identificar e considerar novas informações que revelam ameaças, bloqueios e oportunidades de melhoria.


Uma objeção é uma razão pela qual fazer algo causa danos ou negligencia oportunidades de melhoria. Uma objeção válida é aquela que pode ser fundamentada e compreendida pelas pessoas envolvidas dentro do contexto das observações e necessidades relativos aos seus objetivos, explicitando efeito e impacto (o dano gerado) para a Organização.


Uma equipe ou organização pode usar a informação revelada pelas objeções para melhorar continuamente os acordos. Objeções revelam novas informações (sabedoria) que podem ser usadas para melhorar a eficácia de propostas, acordos, comportamentos, ações, processos e práticas.


As objeções emergem por meio de indivíduos mas pertencem à organização. É por isso que uma objeção é vista como um presente para o Círculo, já que traz informações importantes que garantem a segurança e a qualidade das decisões.


Às vezes pode não parecer claro se as razões dadas para uma determinada objeção são válidas ou não. Por isso, o papel de Facilitação pode realizar com o apoio do papel de Guardiã(o) um processo para Validação de Objeções.


Nessa situação, o papel de Facilitação é soberano no processo de validação das objeções, tendo a palavra final quando houverem dúvidas sobre a validez da objeção. Discordâncias a respeito da validação deverão ser feitas após a TDC, por meio do levantamento de uma tensão no Círculo, considerando uma nova proposta, que pode ser inclusive a reversão da decisão anterior..


Este passo a passo pode nos ajudar a trazer maior compreensão sobre a validação de uma Objeção. O papel de Facilitação pode recorrer a esse check-list, com o apoio do papel de Guardiã(o) durante a reunião e validar ou invalidar a Objeção apresentada.

Se a objeção não for invalidada com as perguntas acima, ela provavelmente é uma objeção válida.


Válido ressaltar que esse processo de validação de uma objeção não necessariamente se aplica para Seleção de um Papel.


Refletir sobre estas questões pode ajudar as pessoas a reconhecer, entender e explicar as objeções e a decidir se elas devem ser abordadas. Para dar apoio à equivalência e responsabilidade, todo mundo em uma organização precisa se responsabilizar por compartilhar suas objeções com aqueles responsáveis pelo domínio relacionado a elas. Não obstante, objeções podem ser adotadas conforme necessário por uma equipe ou uma organização.