TAKEDOWN - O FILME E O LIVRO
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TAKEDOWN - O FILME E O LIVRO
Derneval R.R. Cunha
Assistir Takedown, o filme teoricamente baseado no livro de John Markoff e Shimamura sobre a perseguição e captura de Kevin Mitnick. Está disponível em locadoras. E quer saber de uma coisa? Talvez seja melhor que continue assim.
O que que tem o filme e o livro? Quando saiu, há uns cinco anos atrás, essa história de prisão, foi sensacionalismo no mundo inteiro. O "Grande Cracker", o "famigerado Hacker", esse tipo de matéria. Sempre explorando a culpa do cara. A história rendeu 3 livros, já traduzidos para o português: "TAKEDOWN", "O PIRATA E O SAMURAI" e "JOGO DO FUGITIVO". O japonês que ajudou na prisão, Shimamura, foi capa de revistas no mundo inteiro. Até serviu como exemplo de "bom" hacker. Mitnick, é claro, seria o "cracker", o hacker do mau, o "dark-side hacker" , etc, etc.. Interessante é que, lendo o livro de Shimamura e do repórter John Markoff, tém-se essa impressão reforçada. O mundo estaria mais seguro sem Mitnick. Shimamura era um ilustre desconhecido da mídia. Markoff, por outro lado, é conhecidíssimo por seus artigos sobre hacker no jornal "Times", de Nova York. E fez carreira escrevendo sobre Mitnick. TAKEDOWN rendeu quase 1 milhão de dólares só em direitos de filmagem. Ao contrário de escritos anteriores sobre o Computer Underground, o livro se concentra na perseguição, escrita como se fosse duelo entre o bem e o mal. Mas enfoca o lado de Shimamura e deixa um monte de pontos sem explicação.
Quem visita o site do livro, http://www.takedown.com se vê as voltas com informações referentes a como rastrearam Mitnick por computador. Linux ou Unix era nomes desconhecidos até para gente que se formava em computação, na época em que se passa o livro. A própria internet comercial no Brasil era coisa em planejamento. E o burburinho sobre "hackers" e "computer underground" era mínimo. As notícias sobre a captura foram copiadas e recopiadas sem a avaliação de gente especiliazada. A pauta da reportagem sempre era enfocada no gênio do mal. Mesmo quando a poeira começou a abaixar e especialistas tiveram a palavra sobre o assunto, eram vozes isoladas. E todo mundo acreditava que Mitnicklm seria o chamado "Boi de Piranha" (os fazendeiros, quando tem que atravessar um rio infestado de piranhas, escolhem um boi para ser "comido" e o resto da manada pode atravessar o rio em segurança).
E quais eram os pontos de interrogação na captura de Mitnick? Só para citar alguns:
O repórter John Markoff não tinha nenhuma razão para estar presente durante a captura. Apesar da sua obsessão por retratar a vida de Kevin Mitnick, sua presença no local foi objeto de debates. Tratava-se de um civil e sua inserção no grupo do FBI responsável pela prisão foi quebra de procedimento legal.
John Markoff era amigo de Shimomura. Ambos ganharam perto de US800.000 em direitos autorais relativos ao livro, ao filme. Uma outra quantidade de grana veio de uma série de palestras sobre como os dois juntos participaram da captura do cara (sim, eles saíram pelo mundo afora ganhando para contar como fizeram a coisa).
Nunca ficou provado que Mitnick era realmente o responsável pela invasão do computador de Shimamura. Os registros (logs) que são apresentados como sendo sinais de sua presença no computador de Shimamura poderiam ser de qualquer outro hacker ou cracker. Tem um monte sobre isso no site http://www.giveup.com Experts em segurança informática apontaram o computador invadido como exemplo de insegurança (ver algumas críticas no http://hotwired.lycos.com/i-agent/95/15/index1a.html), inadmissível no caso de um especialista em consultoria informática que Shimamura pretendia ser. O computador dele, com ausência de segurança daquele tipo, só se fosse usado como "isca" para hacker otário. Ou seja, um computador preparado para observar invasôes de hackers. O mais estranho é que o software "perigoso e capaz de gerar o caos na internet" (que realmente é mencionado no filme) nunca poderia estar num computador com acesso a internet. É a regra mais básica de segurança. Já existia PGP naquela época. Custava o software estar criptografado? Como no livro não se fala nisso, a pouca segurança demonstraria falta de zelo profissional ou coisa do gênero. Houve relatos de que o computador continuou sendo invadido após a captura de Mitnick.
A posse de números de cartões de crédito no computador de Mitnick não implica no fato de que foram usados por ele. A existência desse arquivo contendo os números já era algo bastante conhecido no computer underground antes da captura e sua disponibilidade continuou depois. Se não me engano qualquer um poderia entrar na Netcom e conseguir uma cópia do artigo em questão sem grande dificuldade, mesmo depois de sua captura. Não há prova de que alguma vez Mitnick teria usado cartões de crédito de outra pessoas para auferir ganho financeiro de qualquer espécie.
Mitnick não estava "fugindo da lei", quando foi preso. Já tinha cumprido bem mais que 90% do tempo sob condicional e podia muito bem ficar anônimo onde quisesse. Para todos os efeitos, era um homem livre para ir onde bem entendesse.
Dentre as acusações feitas contra ele não se incluiu o "break-in" no computador de Shimomura. O "leitmotiv" do filme, a razão pela qual o especialista se engajou na perseguição não entrou no processo. Houve listas quilômétricas de pretensos prejuízos que "teriam" sido causados pelo hacker, mas uma fantástica maioria delas se revelou ter pouca sustentação e até mesmo houve casos de exageros fantásticos.
A quantidade de crimes da qual ele foi acusado não foi suficiente para justificar algo parecido com um julgamento justo. Aqui no Brasil, o máximo que uma prisão preventiva se justifica são 90 dias. A pessoa, quando presa AQUI tem que receber um papel com o motivo pela prisão. Existe outro tipo de prisão, que se justifica quando o indivíduo apresenta perigo para a sociedade (assassinato em série, etc), coisa desse gênero, a pessoa fica presa enquanto aguarda julgamento. Mas isso é em casos como assassinato, terrorismo, etc.. ou crime hediondo, que não permite fiança. Aí sim, o preso aguarda a data do julgamento na cadeia. Kevin Mitnick ficou preso mais de 2 anos sem ninguém FALAR em julgamento (2 anos é a pena de cadeia normal para assassinato nos EUA) e não chegou a ser julgado, na verdade. Há uma história ainda por ser escrita, onde uma brasileira participante da Anistia Internacional, Fernanda Serpa (veja http://www.warpnet.com.br/mitnick/), estava fazendo pressão para que esse caso fosse incluído na pauta da ONG. E só quando se começou a analisar o caso sob esse aspecto, o de um ser humano preso sem julgamento, é que começou a se falar em observar procedimentos jurídicos. O suspeito estava esquecido na cadeia, sem acusação formal, sem nada por escrito que justificasse sua presença lá, só matérias em jornal.
Foi feito um acordo (mas não um julgamento), depois de muita insistência e manobras jurídicas de vários tipos, tipo adiamento de audiências, atrasos no pagamento do defensor público encarregado de defendê-lo, pressões como transferência para solitária e presídios de alta periculosidade, etc.. havia até uma tentativa de acordo onde o acusado se comprometia a não escrever nada sobre as ilegalidades cometidas contra ele. As ameaças de novos processos caso o primeiro resultasse em nada também foram outro componente. Ele continuaria preso aguardando outros julgamentos.
Quando se vai ser julgado por alguma coisa, o réu tem que ter acesso a evidência, as provas contra ele. A quantidade de material compilado como "prova" (ao longo do tempo se verificou que muita coisa beirava ficção) contra ele era tão grande que precisava ser acessada por computador, não havia como imprimir. E o uso do computador era negado a ele, mesmo para preparar os textos que seriam usados para sua defesa. Com muita pressão da opinião pública é que houve um acesso mínimo, mas mesmo assim, muito pouco para o preparo necessário para uma defesa eficiente. Etc, etc..
São muitas as incongruências do caso. Mas tudo isso acima indica que Mitnick era inocente? Depende do ponto de vista. Quem lê os outros livros sobre o caso, se depara com outras informações. Mitnick fez algumas brincadeiras muito pesadas. No livro de LITTMAN, "Jogo do Fugitivo", temos a figura do Agente Steal, que quase, acho que não é sequer mencionado no livro de SHIMAMURA, "TAKEDOWN". Esse poderia ser o motivo pelo qual Mitnick tinha que se preso.
E quem era o Agente Steal? Esse era o codinome de um dark-side hacker que tinha sido preso pelo FBI. E ofereceram a ele um acordo: O cara espionava o "Computer Underground" para o FBI, se tornava informante, em outras palavras. Dessa forma, o FBI pagava as contas do apartamento onde o cara morava, tinha um monte de regalias, inclusive não seria preso por fraudes que fez (e que continuou fazendo) com cartões de crédito. Uma das tarefas de Agent Steal era "facilitar" a prisão de hackers. Participava de traquinagens e depois dedava tudo. Parece que contatou Mitnick e tentou arrumar algum jeito de fazê-lo cair em encrenca. Só que este último não era nenhum trouxa e descobriu tudo, inclusive números de identidades dos agentes do FBI que estavam "usando" o informante. Mas não parou por aí. Também encontrou material sobre o SAS, um super sistema de escuta eletrônica (grampo telefônico) totalmente ilegal (governos democráticos não podem legalmente colocar escuta eletrônica a torto e a direito) em operação.
Mas o mais interessante da história foi que Mitnick armou um esquema tal que, quando o FBI começou a ir atrás de evidências que sustentassem uma pena de prisão para ele e seus amigos, a coisa funcionasse mal. A parte mais hilária foi quando fizeram uma "blitz" na casa de um amigo de Mitnick e acharam uma fita de minicassete escondida. Era a gravação de uma conversa entre o informante do FBI e o agente que servia de contato. Mais ou menos a mesma coisa que o sujeito procurar fotos da mulher com seu amante e, no lugar disso, escondido, achar fotos de si próprio "traindo" sua mulher com uma amante. E não foi só isso. Denunciou o esquema ilegal de contratação do informante em questão. Mitnick não era "inocente", mas quando se examina os meandros do que aconteceu, não se pode falar em "Dark-Side Hacker". Maiores detalhes aconselho ler o livro de Littman, "O Jogo do Fugitivo". Que é difícil de ser achado nas livrarias, de qualquer forma, não estou fazendo propaganda. A maioria dos jornalistas faria um grande passo em nome de um jornalismo mais imparcial se lesse esse livro antes de escrever bobagens sobre como são os hackers.
Bom, agora que temos toda essa informação, é preciso colocar uma coisa bem clara. Havia uma razão de estado para que fosse feita uma prisão de hacker com pompa e circunstãncia. O governo americano havia feito o chamado "Hacker Crackdown" (grande livro de Bruce Sterling), uma gigantesca "blitz" ou "levante" (para quem sabe o que isso significa) para amendrontar e diminuir a ameaça de intrusos no sistemas (inseguros) de comunicação. E se deu muito mal. O Serviço Secreto americano ficou caracterizado como incompetente para lidar com essa ameaça, foi processado, tachado de autoritário, gerou prejuizos para pessoas que não tinham nada a ver com o peixe. E a pior parte da história, mesmo assim o pessoal continuou invadindo computadores inseguros. E continua, até mesmo nos dias de hoje. Quem assistiu o filme "Em nome do pai", pode ver que mesmo um Estado Democrático como a Inglaterra, frente a circunstãncias ruins, pode pode apelar para recursos de baixíssima sustentação jurídica (vamos dizer, pode apelar para "jogo sujo"), na hora de resguardar a fama. Coisa que pode e aparentemente foi o caso, na prisão de Mitnick. Não houve julgamento. Mesmo na Rússia de Stálin se fazia alguma espécie de julgamento, antes de mandar criminosos políticos para a Sibéria. Mas o tal Dark-side Hacker ficou anos e anos preso sem nenhuma justificativa. E ele sozinho não é e nem pode ser responsabilizado por todas invasões de computadores.
Mas sua prisão, de várias formas, foi usada como exemplo para mostrar serviço e amedrontar supostos imitadores. Inutilmente.
Mas falando sobre o filme TAKEDOWN (que está rendendo um processo de plágio contra a empresa de cinema MIRAMAX).
Começa "super bem (mal)" , chamando os hackers de "comunistas digitais" (lembrando que nos EUA, chamar alguém de comunista é coisa pesada, justificou o macartismo e muito abuso de autoridade, foi acusação que desgraçou a vida de muita gente). Em seguida acontece uma cena de bar (que não me lembro de ter lido no livro "TAKEDOWN" -SHIMAMURA & MARKOFF mas que com certeza está no livro "Jogo do Fugitivo" LITTMAN). O Agente Steal aparece e tenta chamar o Mitnick e Ron Austin para entrar em algum negócio ilícito, sem sucesso. Aí Mitnick descobre o SAS e tenta enganar Shimamura com engenharia social. A trama é apresentada como um jogo de egos. Um tentando ser mais esperto do que o outro. Vale lembrar que o roteiro desse filme foi alterado debaixo de protestos. Então não aparece a famosa cena que a imprensa descreveu ad nauseum onde o Mitnick elogiava o Kung-Fu de Shimamura.
A escolha do ator para representar Mitnick no filme é nojenta. Escolheram um sujeito magro, com cara de porto-riquenho, uma minoria altamente discriminada nos EUA. E há uma cena onde o sujeito pula muros altos de uma forma que faz inveja a qualquer malandro de rua. A foto do final, quando o personagem é preso, há uma demonização do visual. Só falta um par de chifres para ficar uma foto do diabo. As cenas de engenharia social que ocorrem nos primeiros trinta minutos são bem feitas. Mas ao longo do filme o personagem perde um pouco a credibilidade. A favor podemos dizer que há referências ao fato de que a prisão é um desejo do FBI. Mas a forma que Shimamura entra na trama parece um roteiro daquele antigo seriado "Armação Ilimitada". É apresentado como o profissional que dá consultoria para 500 empresas diferentes e que se interessa pelo assunto lendo um artigo escrito por Markoff no jornal Times.
Aí tem as coisas que o Shimamura faz para ajudar na prisão do Mitnick. Só para mencionar, no livro do LITTMAN, há uma carta do FBI desmentindo qualquer utilidade de um especialista como Shimamura durante a captura do hacker-cracker. Só se pode entender como "linguagem cinematográfica". Eles colocaram a trama de modo a mostrar os truques e artimanhas de "hackers" e "crackers" como "mágica digital". E quais as motivaçôes do personagem no filme? No filme, Shimamura faz o código que torna o celular uma máquina de escuta telefônica. Também faz um software de guerra informática, capaz de realmente destruir dados em computadores e gerar o caos. Uma super arma militar. Não fica claro se Mitnick está sendo vilão ou altruísta ao expor essa pesquisa. Mas essa disputa entre bem e mal tens uns trechos que extrapolam. O sujeito está tendo seu computador invadido por Mitnick enquanto tem bons momentos com uma loira.
Por falar nisso, Mitnick, que na vida real já foi casado, é apresentado como um "veado" que prefere ficar fazendo escuta de celular do que dar amassos numa loira que conhece num bar. Mais ou menos assim, a cena: ele "chaveca" uma loira, vai para casa com ela. Estão juntinhos no sofá. Aí quem toma a iniciativa do beijo é ela. Segura o rosto dele e delicadamente dá um beijo na boca. Ele, começa a explicar para ela coisas sobre escuta com celular. Não tô dizendo que tal cena não aconteceria na vida real. Tem cara que é uma lesma com mulher. Principalmente quando nunca teve uma mulher na vida. E tem cara que, tendo um computador do lado não larga. Mas a menina dar um beijo no cara e o cara resolver brincar de "escuta celular", essa foi de matar. Aí já é coisa de viado. E nesse caso ele nem teria ido com ela para casa. Uma incoerência.
O final do filme tem referências ao movimento "Free Kevin". E que tipo de referências.. o Shimamura vai sacar um dinheiro de um banco 24 horas e vê que está sem nenhum no banco. Aí aparece o logo "Free Kevin". Quer dizer, amigos do Kevin ferraram com o cara que ajudou a prender. Para um filme que pretende ser baseado numa história verídica, é muita "liberdade criativa". Não tem pé nem cabeça. Mas é preciso lembrar queo filme foi baseado no livro "TAKEDOWN" e que o livro conta a história de um japonês super-inteligente, especialista em segurança que tem toda hora ir esquiar em Aspen para "relaxar". Sou supeito, não gostei do livro. Não se compara em qualidade a outros escritos do Markoff. Que por sinal não aparece no filme, a não ser na forma de nome do autor de artigos sobre o hacker no jornal TIMES.
Mas aqueles que conhecem um pouco mais da história se dão conta que este filme, tal como o livro no qual foi baseado, não foi feito para documentar a verdade. Nem dá idéia do tipo de irregularidades que ocorreram na prisão, como a ausência de julgamento. Um texto no final da fita informa a data da libertação, em janeiro de 2000, que terá que pagar quase US$ 5.000,00 para o governo americano. Mas não dá pista das falsas acusações e manobras jurídicas para se manter o suspeito preso sem julgamento. Não mencionam que foi colocado na solitária por motivos mal explicados e sofreu vários outros tipos de mal tratos na cadeia.
Concluindo, não é um filme que valha a pena ser assistido como fonte de informação sobre o caso. Tanto o livro quanto o filme não são boas referências. Contém informações incompletas e tendeciosas.. Servem para divertimento somente para leigos sem nenhuma intenção de uma análise séria e precisa do que "realmente" acontece no "Computer Underground". O que me chateia em tudo isso é que até hoje, quando aparecem jornalistas querendo entrevistas, a maioria tem como fonte de reportagem aquilo que foi escrito com base no livro "TAKEDOWN" e em reportagens de Markoff sobre o caso. Tratam uma pessoa que foi injustamente acusada (e presa por crimes que não cometeu) como um vãndalo. E ao escreverem sobre ele acabam fazendo reportagens descrevendo um mundo irreal onde o "crime perfeito" é possível. Se o filme (e o livro) tem alguma que valha um elogio, é que ajudou a criar, na cabeça do cidadão comum, a noção de que existem "hackers do bem" se contrapondo a "Dark-side Hackers" ou "Crackers". Pena que não usaram exemplos melhores.
BIBLIOGRAFIA:
http://www.warpnet.com.br/mitnick/
http://www.well.com/user/jlittman/game/