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O HACKER E O TALK SHOW: AS FANTASIAS DE  ENTREVISTADOS

Derneval R.R. Cunha

Eu não sou a melhor pessoa do mundo para falar em entrevista. Já fui entrevistado várias vêzes, inclusive na TV (no SBT, tenho a fita para comprovar). De lá para cá, tenho recusado fazer isso (apesar que se o Jô me convidar, sei não). Quem nunca teve a vontade de aparecer lá? Acho que só quem não viu televisão. Seja no Jô Soares, seja na Marília Gabi Gabriela, seja onde for. Conheço a sensação de ser entrevistado. Dá um "barato" que dura dias. Você fica incapaz de raciocinar de forma adequada. Quase fui assaltado, uma vez (não pelo entrevistador, óbvio, é que dei mole quando saí para comemorar e um bando de pivetes veio atrás). Hackers são seres humanos (independente do que você considere hacker) e passíveis de ficarem vulneráveis numa dessas. Sobre os repórteres, já não tenho tanta certeza. O problema deles é que quando conseguem um trabalho, defendem com unhas e dentes. Fazem a matéria sobre você e depois o editor.. edita. Corta e recorta, faz um troço.

Para que serve uma entrevista

Basicamente, para se promover. Você pode ter a fantasia de que será lindo e maravilhoso, ver sua cara e ouvir sua voz lá na telinha. Seria legal todo mundo ter aqueles "15 minutos de fama" que o Andy Wharol falava. Alguns vão ter essa fama quando aparecerem nas páginas policiais. Outros quando aparecer o aviso fúnebre. Mas voltando ao assunto, essa coisa de falar que a pessoa parece ator e portanto poderia aparecer na TV não significa nada. Veja o caso de Bóris Karlof, Ernest Borgnine e o próprio Charles Bronson. Vai também ver os programas do Faustão, do Sérgio Malandro ou do Ratinho para ver outras formas de aparecer.

Então, aparecer na TV é algo que se pode até contar para os netinhos. Por isso se compra aquelas câmeras de vídeo. Aparecer numa notícia, ótimo. Agora, aparecer num Talk-Show, isso é para quem pode. É preciso ter algo a dizer. Há muitos boatos até que o sujeito paga para aparecer, que não é de graça. Sei lá. Vendo o que aparece, acredito que tem dois tipos de pessoas que aparecem nos Talk-Show: os que são de interesse do público e os que são de interesse da emissora. Só isso explicaria umas entrevistas onde o sujeito tem que tirar "sangue de pedra" para ver algo interessante sair. Ainda me lembro do Jô Soares tendo um "surto" de raiva com um entrevistado que deu comida de presente (sendo o Jô gordo, poderia ter tudo a ver, mas o cara faz regime).

Mas para quem precisa lançar um livro, um espetáculo, quem precisa se promover, um Talk-Show é o caminho para sair do anonimato. O problema é o que acontece com a vida da pessoa, depois.

Minha experiência

Umas 3 ou 4 entrevistas que dei acabaram saindo em publicações. Como já comentei em outros textos, algumas tinham exageros fantásticos. Num país de analfabetos funcionais (gente que sabe ler, mas que não lê com a devida atenção), isso é meio perigoso. Virar notícia foi legal para o fanzine, porquê consegui que gente do norte ao sul do país soubesse o que é hacker e o que não é (pena que isso foi esquecido rápido). A idéia era fazer uma grande associação de "maníacos de computador" que se reunisse em São Paulo ou outro lugar. Ou melhor ainda, que todo lugar tivesse seu grupinho de fuçadores (ou fussadores) que poderiam ou não se intitularem hackers ou coisa do gênero. Com a minha ajuda, durante um tempo teve gente aqui em Sampa se reunindo, chegavam a ser 20 ou 30, durante um tempo, em Pinheiros. Todo mundo virou "hacker", a coisa começou a declinar e só alguns continuaram. Mas a imprensa escrita foi importante.

A única entrevista onde minha voz apareceu sem edições foi uma que fiz junto com um outro fussador, para a rádio Globo, creio eu, acho que em 1995. Algum dia vou colocar trechos dela online. Foi um sucesso e depois pintou a entrevista com a Super-Interessante, que realmente divulgou o fanzine. Era um tema novo, ninguém sabia muita coisa. No início foi legal, mas depois começaram a pressionar por coisas ligando hacker a vandalismo e crime por computador. Tenho orgulho de dizer que sempre consegui me esquivar de reportagens que iriam para as páginas policiais.

O esquema da entrevista

Primeiro: Não vão te pagar por ela, a não ser que você seja o PC Farias ou o irmão do Collor. 99% das pessoas entrevistas estão recebendo por conta da divulgação de seus produtos. O entrevistado está na verdade fazendo propaganda e o entrevistador, defendendo o dele através da propaganda que rola nos comerciais.  Não custa pedir, dependendo do tipo de problema que a divulgação vai te trazer. Você pode precisar da grana para sumir do mapa, depois da entrevista. Pessoalmente, não aconselho a nenhum pretendente a "hacker", "cracker", a fazer entrevista sem considerar esse barato.  Se eu topar alguma entrevista em talk-show, é porquê quero divulgar meu trabalho no fanzine  usando a entrevista como "gancho".

Segundo: Repórteres e entrevistadores não manjam patavinas do que você irá estar falando. No caso do assunto "hackers" eles podem até entender que existem "bandidos" e "mocinhos". Mas isso não quer dizer muito, já que terão que fazer perguntas de forma a explicar o assunto para o público.

Terceiro: Existe uma equipe encarregada do Talk-Show. . Eles tem o "ponto eletrônico", que é um fone de ouvido onde recebem instruções da equipe. E não decidem na hora o que vão perguntar. Eles também tem um roteiro ou "cola" do assunto. Tudo é planejado com antecedência. O trabalho do entrevistador é mais ou menos tornar tudo algo mais "vivo".  E é o que faz a diferença, porquê algumas vêzes o conteúdo da pessoa não contribui muito. Lembro da entrevista da Tiazinha com a Gabi-Gabriela e a da Carla Perez sendo entrevistada pelo Jô Soares, bom, não dá para dizer muita coisa.. O sujeito que está lá sendo entrevistado é mais um boneco de decoração do que uma pessoa. É que nem beijo de novela.

O Talk-Show em si é  um programa como qualquer outro. Foi inspirado em programas americanos. É entretenimento em forma de entrevista. A arte está em fazer o telespectador se sentir como alguém que está sentado ali do lado. O fato do Jô Soares tirar sarro do entrevistado não é só para o divertimento do público: é uma forma de provocar o aparecimento de alguma coisa interessante. Ninguém quer falar que faz já soltou peido dentro de elevador nem que molhava a fralda quando pequeno.

Acertando a entrevista

Algo interessante de se fazer é já ter planejado o que se vai e o que não se vai falar. Provavelmente alguém da equipe do entrevistador vai te perguntar isso. Quem faz isso para a maioria das pessoas são profissionais de Relações Públicas. É ele que monta o roteiro da entrevista, com sugestões para os pontos fortes e fracos. No caso de um "hacker" (hahahahahahahahahahaha - desculpe, mas tenho que rir quando lembro de alguns que apareceram na TV e de gente que.. deixa para lá) provavelmente o cara iria lá como notícia e não como algo pautado. No caso da entrevista que eu diria "pautada" (com roteiro mais ou menos acertado de perguntas e respostas), aí realmente acontece aquela coisa gostosa das perguntas e respostas. Principalmente porquê o entrevistador pode não seguir a pauta e conseguir uns "lances incríveis" do entrevistado. Fica visível, a arte. Como eu sei disso? Bom, conheci um grande fuçador de micro que é filho de alguém lá da tal equipe do programa. Tinha também um carinha que participava dos encontros aqui em São Paulo que se gabava de entrar no email do Jô, no tempo em que era do SBT. É constrangedor saber que tinha mensagens meio.. bom, deixa para lá, provavelmente o email do Jô não era usado só pelo Jô. Acho que o cara tinha a caixa postal inteira, do tempo em que o SBT começou com o sol.com.br, mas apagou a coisa quando rolou a.. é melhor deixar esse material para o livro.

Voltando aos acertos, é besteira alguém achar que pode chegar na TV e ter certeza que não vão filmar um monte e só usar trechos específicos da gravação. Quando apareci na TV, foram umas 2 horas de preparação e só usaram 20 segundos da minha fala, diluídos no meio de 2 minutos de imagens variadas. Eu tenho a suspeita que aqueles intervalos entre uma e outra piada do Jô tem cortes fantásticos. O programa talvez não seja digamos "ensaiado", mas tenho dúvidas de que não seja "editado". Se isso não ocorre em Talk-shows, acontece na maioria das entrevistas.

Fazendo sua própria pauta

Não é lance que se faça de um dia pro outro. Não se pode pedir para alguém fazer porquê é besteira, se a pessoa não sabe o quê você quer divulgar. Às vêzes nem você sabe direito. No meu caso, se eu fosse num Talk-show, iria divulgar a diferença entre esses caras que estão produzindo livros sobre o assunto versus o que realmente vi e conversei com muita gente, quando só os bons de informática é que trafegavam na internet. Era uma época em que você não tinha Windows para ajudar e era trabalho até para saber o quê fazer. Não era o vandalismo de hoje. Claro que algumas coisas precisam ser reformuladas. Falar de criação de vírus num tempo em que isso se transmite via internet é besteira. Melhor comentar "pesquisas no campo da inteligência artificial". Os caras que conheci que mexiam com isso viam um vírus de computador realmente pensavam mais dessa forma (eram do tipo que inclusive não soltavam suas criações).

É mais ou menos como ser parado na rua. A polícia te revista (coisa muito comum, quando se é jovem, pelo menos no meu tempo de adolescente era). O policial encontra algo "estranho" e pergunta se é para defesa pessoal. Se você responde que sim, ele pode te colocar "portando arma ofensiva". Aí o juiz depois dá voz de prisão, porquê estar na rua com arma ofensiva pressupõe intenção negativas, etc, etc.. exemplo meio idiota, mas é por aí. É perigoso falar para todo mundo o que você faz, se você não sabe como isso pode ser mal-interpretado.

Por exemplo, a primeiro coisa que eu colocaria seria o fato de que apenas escrevo sobre o assunto e estou iniciando o doutorado nesse tema. Sei muito porquê pesquiso isso pra caramba desde que fui para a Argentina, já escrevi para publicações "hacker" antológicas, como o "2600-Hacker Quaterly", fiz o primeiro fanzine brasileiro sobre o assunto, de certa forma iniciei a moda de "quero ser hacker, me ensina", mas que não invado computadores de ninguém. O fanzine aliás é mais sobre ética hacker. Invadir computadores seria o mesmo que usar uma camiseta escrito "me prenda". Numa segunda parte da entrevista explicaria como foi que a publicação começou, o que era o tal "computer underground", minha participação na "FREEKEVIN", que para quem não sabe começou no Brasil, em Porto Alegre. Daí para frente poderia falar de muita coisa, desde as mudanças na legislação para tentar prender esse pessoal (como aconteceu com um rapaz de 14 anos, que invadiu um sistema de uma fábrica de bombas nucleares nos EUA). Poderia contar várias características do Computer Underground, como funciona (se não tirarem muito o sarro da minha cara). E lógico, tudo no passado, porquê falar do presente é expor muita gente que hoje já mudou de vida e não trabalha mais na (in)segurança informática. Na verdade tudo poderia falar sobre esse lado vital para a soberania nacional, que é a segurança informática. Se os EUA consideram o uso de "hackers" como arma de guerra (vide a guerra do Golfo e os conflitos nos Balcãs), o Brasil deveria fazer um estudo mais aprofundado, já que os sistemas operacionais mais usados no Brasil são de origem americana e sujeitos a terem problemas, em caso de necessidade. É um verdadeiro absurdo que se saiba tão pouco sobre o assunto. Para terminar, iria falar de algumas dificuldades relativas ao início do Doutorado e no mercado de trabalho, por conta de ter feito nome nessa área.

Enfim, isso acima é sugerir uma pauta. É colocar os assuntos que interessam e que podem ser de interesse deles. Deles, subentenda-se os anunciantes e o público. Tire da cabeça qualquer idéia que vai ser um "barato" conversar com o Jô ou com Marília Gabi Gabriela frente a frente. Quando se é entrevistado sem experiência, a pessoa fica num medo horroroso. Nem sei como os caras conseguem desinibir os entrevistandos. O chato é que o sujeito que "trava" com medo fica "ruim", não expõe o assunto. Já teve sujeitos no programa do Jô que iam lá para expor sua música e na "canja do Jô" foram tocar alguma coisa tipo Vinícius de Morais (ou seja, não expuseram coisa alguma deles). O espectador têm uma impressão que aquilo ali é um bate-papo que raras vêzes a gente vê na vida real. Na verdade é um enorme esforço de equipe, onde o cara tem que suar para parecer que é "autêntico", "espontâneo" e "interessante". Cada minuto naquele horário são milhares de Reais em preparativos. E se você sonha com aquele carinha que vai te tornar famoso, falando na TV, de graça, numa conversa como se vc fosse uma visita que está chegando, esquece. Tudo aquilo é "show-business". Só com muita assessoria de imprensa vc chega lá. O mais provável é que usem uma fala sua, tipo "invadi a Nasa" no meio de duas horas de fala, para ilustrar alguma ilegalidade.

Outros tipos de entrevista

Bom, escrevi tudo aquilo acima pensando no Programa do Jô ou no da Gabi. Há programas e programas. Claro, está desesperado para aparecer, vai lá Faustão. Ou no Ratinho. Talvez no João Kléber. No Marcos Mion. Acho que até o Clodovil faz entrevista. Mas cuidado. Me contaram que teve uma menina fez isso para divulgar o livro dela. Ouviu umas perguntas do tipo: "você topa transar com mulher" e sobre o livro, não perguntaram nem deixaram falar nada. Outro tipo de entrevista é aquela para  "pós-graduação" de alguém. Beleza. Estou até pensando em xerocar o resultado de umas entrevistas de colegas meus. Pegaram umas frases fora de contexto (tinha "hacker" falando de filho) e usaram como pretexto para defender um texto que sei lá, não tem muito o que ver e que a meu ver, não contribui muito para elucidar o que se propunha. Talvez esteja vendendo por aí, já que é um livro que tem "hacker" no título. O trabalho do sujeito é tão incompleto que nem menciona o Barata Elétrica na bibliografia. Para quem faz pós-graduação que nem eu, isso é uma heresia. As chances de alguém de se divulgar através de trabalhos acadêmicos é mínima. O verdadeiro tempo para aparecer como "hacker", seja do bem ou do mal, esse já se foi. Quem se promove hoje, é para ver se alavanca a carreira ou exalta o ego. E se não tomar cuidado, vai sofrer perseguição de vários tipos, por conta do que falou (ou do que resolveram mostrar dele).

Há exceções: Richard Stallman, que está divulgado o software GNU, (uma alternativa gratuita e disponível ao Windows e Microsofts da vida). Esse realmente merece a denominação de "hacker", legítimo.

rseguição de vários tipos, por conta do que falou (ou do que resolveram mostrar dele).

Há exceções: Richard Stallman, que está divulgado o software GNU, (uma alternativa gratuita e disponível ao Windows e Microsofts da vida). Esse realmente merece a denominação de "hacker", legítimo.