Encontro de Hackers em São Paulo

Encontro de Hackers em São Paulo

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Finalmente aconteceu.

EarthQuake, SoulSpy, Arg, CyberOptik, Cosmo, Shocker e outros cujo nick esqueci (estão detrás da foto) 

Ou melhor dizendo, está acontecendo. Faz algum tempo agora. Por uma série de razões, preferi não dar muita publicidade ao evento:

Já tive notícias de que há encontros em Belo Horizonte, Porto Alegre e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, existe uma comunidade muito, muito atuante, que inclusive já teve encontros de IRC que também tinham a ver com hacking. Infelizmente, por falta de grana para viajar, não pude participar desses vários eventos. Com um pouco de sorte, isso fica para os próximos números do Barata Elétrica.

            Minhas primeiras tentativas de encontros de hackers aqui em São Paulo, foram meio fracassadas. Na primeira vez, foi logo quando lancei o fanzine, o Barata Elétrica. A única pessoa que valeu a pena ter aparecido foi um cara que era especialista em vírus de computador. Quase todo mundo na Escola Politécnica da USP que falou que ia não foi. Nem me falaram o motivo, depois, talvez porque era um sábado de sol.  Sairam uns bate-papos interessantes, mas fiquei sem jeito para fazer um novo encontro. Com a insistência do MWalder, marquei um segundo, num bar pouco conhecido. 4 horas esperando, ninguém apareceu. Vários motivos pro fracasso: minha conta na USP, "congelada" EXATAMENTE  dois dias antes do evento e o endereço do bar, que era ideal porém o grupo principal não tinha anotado, por ACHAR que sabia o caminho. Depois disso fiquei meio desmotivado. Nunca fui um cara de sair a noite em São Paulo. Os fuçadores que eu conhecia queriam um lugar "virtual", não queriam sair da frente do micro. Um chat seria perfeito.

Porque esse negócio de se encontrar ao vivo? Porque pode-se:

Na minha cabeça porém, tem mais um motivo importante, que é a necessidade de se ter certeza sobre um público para uma conferência de hackers, aqui no Brasil. Não adianta eu conseguir a vinda de um pessoal aqui para falar para um público virtual.

Então, na minha cabeça, o esquema até agora foi:

Falando assim, parece que está acontecendo, mas como escrevi acima, isso é meu jeito de pensar.

O problema é que fica difícil fazer um evento ao mesmo tempo Underground e "Above"ground. Algo público sem ter todo mundo preso por alguma razão obscura. Ao mesmo tempo, impedir que o encontro seja só de zoeira e também que não seja um bando de "sou-bom-mesmo-por-isso-to-empregado-lá". Tá cheio de encontros e conferências por aí, só que de Businessman querendo ver se tira algum da Internet. Mas isso não é hacking. E nem é o vandalismo que a imprensa as vezes divulga. Não é pra se fazer um encontro onde as pessoas aprendam a ferrar com a vida um dos outros. Tém que ser algo que contribua para a comunidade.

Voltando a história:  o "culpado" do primeiro encontro de ratos de computador (que vingou) em São Paulo foi um cara que trabalhava na seção de informática de uma multinacional, o "Overall". O apelido não era por conta da revista de Skate, mas um lance do tempo em que jogava videogames e fliperama. Na época em que teve a iniciativa, a idéia já rolava (óbvio, por conta do Barata Elétrica também). Foi o único que não esperou, foi lá e fez. Convidou uns amigos e da primeira vez, não tinha muita gente, umas 3 pessoas. Fez propaganda em várias BBSes, na lista de hackers, em vários lugares. Da segunda vez aumentou um pouco. Acho que na 3a vez eu fui, tinha principalmente colegas do trabalho dele, cheirando a terno e gravata. Executivos. Só com o passar do tempo, apareceu gente de vários backgrounds, principalmente do chat HACKERS de algumas BBSes por aí (que já naquele tempo era infestado de lamers). 

               Como sempre recebi correio eletrônico de gente que queria:

Com os encontros, mesmo não sendo eu que estava organizando, essa parte ficava mais fácil. O importante não é quem organiza, mas que junte a galera. Então mandava a moçada ir para lá, punha em contato com o cara, que é bem carismático (obs. atualmente nós cortamos relações). Os que foram e se enturmaram acabam chamando mais gente e atualmente, já tem o que se chama de um número razoável de participantes.

O primeiro problema:

Onde fazer os encontros? Um lugar acessível, barato e que ficasse aberto até tarde. Demorou um pouco, até rolar uns lugares bons. O primeiro foi na rua Cunha Gago. Durou algumas semanas, mas era de um funcionamento muito irregular, houve vezes em que todo mundo foi no encontro e estava fechado. Então foi feita a mundança para um bar na rua Pinheiros.  Lá é que a coisa se desenvolveu. Ficava armazenado numa página, o mapa de como chegar lá, o horário, então era só acessar na geocities e pronto! A página também armazenava um resumo do que havia sido falado e etcs. Tinha também uma maillist dos integrantes. O Cosmo as vezes mandava umas notícias que cata na Internet. Como houvesse gente interessada, foi feita uma reunião com micros, numa casa noturna lá onde Judas perdeu as meias (as botas já tinham ficado para trás). Boicotei todas as 2 ou 3 que teve (grana curta e alergia a badalação), mas me contaram o que foi.

               A primeira, o pessoal ficou a noite inteira tentando fazer os PCs funcionarem em rede e acho que tambem conectar o Wingate ou coisa do gênero, para usar o telefone que o dono gentilmente disponibilizou. Porém.. deu tanto pau que os caras não conseguiram fazer nada. A segunda, acho que os caras até conseguiram fazer os micros funcionarem em rede, deve ter sido um espetáculo, maior agito no pedaço.. todo mundo dançando, paquerando e.. os viciados em micro no bate-papo via rede local. Da última vez, o lugar estava fechado, tava não sei quem parado esperando o pessoal chegar. Quando mais gente da turma chegou foram tentar  checar a possibilidade de "ligar" um micro num orelhão para acessar um provedor. Tem uma história muito interessante de um cara, (que não vou dedar, óbvio), resolveu desencapar os fios do telefone, usando um isqueiro (não funciona mais, isso). Depois de um tempo, sentiu que tinha alguém nas costas olhando, um guarda. E mais outra pessoa, depois mais outra. Foi juntando. Todo mundo querendo saber o que um maluco estava fazendo com um isqueiro dentro de um orelhão às 4 da madrugada de uma noite de sábado num trecho escuro do bairro mais badalado da cidade. Só observando, ninguém falando nada. E o cara lá, acendendo e apagando o isqueiro. Surreal. Não sei como terminou.

               Criou-se um espírito de grupo. O pessoal se juntou para fazer um fanzine na Internet, o HUB, Hackers Unidos do Brasil. Mas está muito irregular, de lá para cá não teve nem 3 exemplares, mas como o Cyber tá tendo problemas para dar conta do recado, fazer o que? De resto, alguns participantes ficaram tão viciados que só tinham vida social nesses encontros, que passaram a ser semanais. Difíceis de terminar. Em vários o pessoal saia depois das 3 da manhã. Num deles juntei a tchurma para assistir o que sobrou do vídeo "Unauthorized Access". Apareciam algumas pessoas incríveis, como o ChaosMaker, o neto que toda mãe queria que sua filha tivesse, só para ouvir as histórias.

               Uma pena que este lugar não segurou a barra. Pura mesquinharia do pessoal de lá. O lugar ficava as moscas se não fosse pela gente, as vezes era quase 200 paus de consumação (chegamos a reunir umas 23 pessoas). Monte de gente só consumia UMA guaraná (pra não fazer propaganda de outro refri com cafeína), mas tinha os que jantavam lá. Os donos começaram a querer faturar em cima, não tem problema, mudou-se o local.

                A organização do encontro, que era feita pelo Overall, passou a ser feita pelo Cyberoptik e junto com o EarthQuake e uma moçada, organizaram um esquema de lista de discussão que não está funcionando legal, mas que durante um tempo serviu para dar mais um apoio. Começou-se a pensar numa forma de se diferenciar os wannabes e os lamers que participaram. Muito simples. Tem que saber pelo menos instalar Linux no seu micro. Mas não é qualquer Linux. Tem que ser o Slackware. Ser "hacker" de Win95, qualquer um pode chegar lá. Basta ter tempo de uso. Mas instalar um Slack, isso daí é coisa pra macho. Debian ou RedHat são opções para quem quer instalar Linux profissionalmente e olhe lá. Essas versões são quase tão fáceis quanto Win95, cadê a graça? Aconteceu o Linux Day aqui na USP, foi a moçada em peso. Uma idéia era a de todo mundo junto fazer uma distribuição nacional e gratuita do OS.

               Um dos temas que foram discutidos era quando ia sair o encontro internacional de hackers. Eu coloquei uma opinião muito simples:  o fato de estar acontecendo esse número de pessoas se encontrando ainda não é o suficiente. Tem a questão da legislação brasileira. Só o fato do acesso não autorizado a computadores não ser crime, isso não facilita a organização do encontro internacional. Há pessoas (que a gente não conhece), que querem pena de morte (ou próximo) para qualquer tipo de brincadeira usando a internet. Um encontro que ocorresse antes da legislação tramitar no congresso, só ia facilitar o pessoal que quer ver hacker, cracker (ou qualquer outro que se meta a aprender demais sobre internet) na cadeia.

              E daí? Provavelmente o pessoal pensa que sou paranóico, né? Tudo bem. Depois de ler o código penal, o código de processo penal, o do consumidor e mais algumas outras coisas, li também não sei onde, como é que foi o resultado da implantação da nova lei de proteção a animais domésticos. Aquele que define como "crime hediondo" a posse de animais da fauna brasileira. Achei muito estranho, mas o texto falava de gente encarcerada em presídio de segurança máxima por ter animal de estimação. Provavelmente, as primeiras prisões por qualquer coisa do cyberspace vão ter um monte de publicidade, do tipo "a polícia cumprindo seu papel". Vão querer pegar alguém para Cristo. E provavelmente vão tentar fazer que nem "beijo de novela". Tudo ensaiadinho. Quem será a primeira vítima?

             Mas, voltando a história, pouco tempo antes da mudança de "point", o pessoal encontrou um bar com link direto de 64 kb. Provedor ao lado. E uma surpresa foi o aparecimento de mulheres. Foi difícil, mas o Cyber conseguiu. E não se pode dizer que eram ruins de teclado (sendo mulher, isso não tinha muita importãncia). Tinham anos e anos nas costas, sendo que uma só perdia em conhecimento de Linux pro Bill Junior, outra peça. Esse foi um dos primeiros brasileiros a fazer sua própria distribuição de Linux. É  um dos poucos brasileiros que tem o nome na lista de desenvolvimento do OS. 18 aninhos, o sujeito. Já prometi que ia ligar para ele, mas ainda não funcionou.

Uma coisa interessante são os diálogos. Quando começamos, ainda havia alguma simpatia por Windows. Meio de cabeça, meio de anotações, uns exemplos..

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- Outro dia vi um cara pedindo um software pra dar "kill" no pessoal. Não tive dúvidas, recomendei o Duke Nukem, o Hexen e uns outros.

- Eu já vi foi o cara usando o nick da "anonymous" lá no chat. Perguntei se ele não tinha algo mais "original", ele falou: "mas eu sou o que usou primeiro!"

- Sou a favor da Microsoft. Acho o Visual Basic deles ótimo.

- É, eu me lembro de já ter usado Basic. Também me lembro de já ter tido Sarampo e Rubéola. Se fosse C..

- Você fala isso, mas qual software você usa no seu trabalho?

- Linux Slackware e Aix. Fazem dois anos que tô nem aí pro Bill Gates. Tô compilando o Navigator para X-windows (linux).

- É, você é exceção, mas a grande maioria usa mesmo é o que? Windows, Word for Windows, pergunta pra qualquer um.. A Microsoft fez um pusta trabalho de divulgação da ciência de computação.

- Com certeza. Por isso é que tem um monte de lammer nos chats. Antigamente era só neguinho com nível superior, que, se não falasse inglês, tinha um colega que falava. Gente que lia os manuais. Procurava, não ficava nessa besteira de querer derrubar todo mundo da rede. Tinha uns baita papo cabeça..

- Ah, meu, parece que você é contra o livre acesso.

- Não. Só acho que facilitou tanto que a pessoa se perde.  Ninguém lê nada. Não tem mais aquela sensação de realização que era antes.

- Antes era mais difícil programar.

- Agora, antes de você terminar a faculdade, já tem que esquecer tudo. Lembra do Clipper 5.0? Ainda bem parei no Summer 87. Seria dinheiro jogado fora. Aprendi Unix com uma apostila dos anos 70. Tá tudo valendo ainda. O C e C++ continuam valendo.

- Olha, eu ganho dinheiro instalando máquinas que usam software da Microsoft. Não posso falar mal dela.

- Pois é. Mas seu trabalho está se desvalorizando. Hoje, pagam você, amanhã, é  o sobrinho do patrão, que tem 15 aninhos e se acha o máximo. Os caras preferem gastar num software novo, que vai precisar de uma máquina mais possante, como aconteceu com o win95, fez todo mundo jogar 386s no lixo. Se fosse Linux, tinham mantido o mesmo programador e usado o mesmo equipamento, sem essa de comprar coisa nova só porque a próxima versão vai corrigir os defeitos dessa.

- Mas a lammerzada gosta. Porque não é tão porcaria assim. A Microsoft produz coisa boa. Eles investiram e podem falar mal, mas chegaram lá.

- Pisando em cima de muita gente. Sabia que desde a versão 1.0 e 2.0 eles produzem "defeitos" que obrigam o upgrade de software? E parece que é de propósito? O Lótus 1-2-3, só pra mencionar um exemplo clássico, concorria com o Multiplan, que é da Microsoft. Na versão 1.0 funcionava melhor o 1-2-3. A Microsoft lançou o MSDOS versão 2.0, todo mundo que queria usar planilha de cálculo tinha que comprar a Multiplan. Até a Lótus lançar a versão 2.0 do 1-2-3, que "ganhou de lavada" o mercado de novo. O mesmo aconteceu com o Win95. Quem comprou, só conseguia acessar a Internet durante o Microsoft Network (OBS: a internet da Microsoft que deveria concorrer com a Internet), durante um tempo, até que os outros fabricantes de software fizessem programas de comunicação compatíveis com o novo sistema operacional.

-  etc, etc, etc..

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        Claro que pintam outros assuntos. Não dá realmente para colocar tudo em um artigo. As vezes a gente discute coisas do último encontro ou como é que foi possível enfiar 10 pessoas no fusca do Ozzy, num outro encontro (meia noite acabam os ônibus em Sampa, depois só as cinco da manhã). Outras o pessoal combina algo tipo ver os jogos da Copa. Ou mesmo discute a questão da desgraça que é estudar Análise de Sistemas hoje. Alguns já estão meio famosos, como o caso do Soul Spy, do qual ainda vou falar num futuro artigo. Um dos mais assíduos, o Arg, cujas tentativas de entrevistar fracassaram. Existe uma página específica para os encontros de hackers paulistanos. Não é exatamente segredo. Está na rede. Meio desatualizada, as vezes o pessoal não tem tempo. Quem quiser saber que se vire.  

           Como já disse, só dei a idéia para que esses encontros acontecessem. E é esse o lance. É uma coisa de grupo. Se todo mundo estiver sintonizado, as idéias vingam. Têm que ser algo positivo, não é pra dar motivos para a imprensa falar mal*. Depois que a coisa estiver forte, não dá mais para acabar, vira uma fênix. Aí a gente começa a unir todo mundo, de norte a sul, numa só sala. E quem sabe se desses encontros, tal como aconteceu no Hackers Homebrew Club, não sai a moçada que vai fazer o futuro Vale do Silício brasileiro? Quem sabe se não rolam nesses encontros os caras que vão fazer a Microsoft ficar com medo? "Tudo vale a pena, se alma não é pequena" (Fernando Pessoa).

* Aliás, o ideal é repórteres out. Fora. Eles querem é um Mitnick brasileiro.