Excesso de "Pitcher" juvenil pode criar lesões desportivas crónicas
Post date: Jun 17, 2010 9:01:19 AM
Eu seria a última a desencorajar as crianças de praticarem desporto. Pelo contrário, o meu desejo é que muitas mais se afastem dos computadores, larguem os iPods e os telemóveis e dediquem mais tempo e energia às actividades físicas.
Mas para muitas crianças e adolescentes o problema é precisamente o oposto do sedentarismo. Com efeito, são demasiados os jovens atletas que, encorajados pelos pais e pelos treinadores, muitos deles movidos por perspectivas de glória e de bolsas de estudo, se sentem de tal forma pressionados - ou se pressionam a si próprios - que entram em ruptura, não só fisicamente como por vezes emocionalmente.
As estatísticas referidas por Mark Hyman no seu livro "Until It Hurts: America's Obsession With Youth Sports and How It Harms Our Kids" (Beacon Press, Boston) dão realmente que pensar: "Todos os anos, mais de 3,5 milhões de crianças com menos de 15 anos são sujeitas a tratamento médico devido a lesões desportivas, quase metade o simples resultado de um esforço excessivo."
As lesões são apenas uma parte do problema, escreveu Hyman. À medida que os adultos se vão envolvendo, refere, "e a cada época que passa, os desportos juvenis vão-se afastando cada vez mais do seu objectivo primordial: constituir uma forma lúdica de reforçar a saúde, a segurança e a definição do carácter das crianças".
Mark Hyman, jornalista desportivo, sentiu-se levado a abordar esta questão devido, em parte, à sua atitude mal orientada como pai de um jovem com dotes atléticos. Aos 13 anos, Ben Hyman era um destacado e premiado "pitcher" (lançador) de uma equipa de basebol local, quando começou a sentir dores num ombro - dores suficientemente fortes para o levarem queixar-se - na véspera do início dos "playoffs" (jogos de apuramento) da liga.
Apesar de uma avaliação médica profissional ter confirmado que o problema de Ben se devia ao excesso de lançamentos de bolas de basebol e de lhe ter sido recomendado que mantivesse o braço em repouso durante um mês, o pai incentivou-o a jogar no dia seguinte e novamente passados três dias. Disse-lhe: "Torna-te o primeiro a chegar ao campeonato." Quando o jovem lesionado começou a "lançar as bolas desajeitadamente", Hyman percebeu de que modo fora irresponsável ao pôr o desejo de vitória à frente do bem-estar do filho.
A questão foi discutida, há três anos, pelo Conselho de Medicina Desportiva e Forma Física da Academia Norte-Americana de Pediatria. Num relatório publicado no "Pediatrics" (o boletim da academia), Joel S. Brenner escreveu: "As lesões provocadas por sobrecarga, treino excessivo e esgotamento, verificadas entre crianças e adolescentes desportistas, são um problema crescente nos Estados Unidos."
O objectivo de fazer as crianças praticarem desporto, declarou o referido conselho, "deveria ser promover a actividade física de uma forma duradoura e divertida e desenvolver capacidades que permitam às crianças competir saudavelmente".
"Infelizmente", prossegue o texto, "são demasiadas as vezes que este objectivo é esquecido para satisfazer objectivos de adultos (pais ou treinadores), quer implícita, quer explicitamente. Ao mesmo tempo que aumenta o número de jovens atletas que se tornam profissionais muito cedo, maior é a pressão para que agarrem uma 'fatia do bolo profissional', ou seja, obtenham uma bolsa de estudos para a universidade ou integrem a equipa olímpica."
Com efeito, a maior parte dos atletas e dos seus pais não se apercebe de que apenas uma ínfima parte - entre 2 e 5 em cada mil alunos do ensino secundário com actividade desportiva - consegue alcançar um estatuto profissional.
É claro que a situação já terá ido longe de mais quando a ênfase posta na participação e no desempenho atlético tornam o desporto esgotante e causador de lesões que chegam, por vezes, a comprometer o futuro da criança.
James R. Andrews, cirurgião desportivo, declarou estar a deparar-se actualmente com o quádruplo do número de lesões sofridas por jovens desportistas devido ao excesso de exercício que há apenas cinco anos. E são cada vez mais as crianças que têm de ser submetidas a cirurgias devido a lesões desportivas crónicas.
Apesar de actualmente ser mais comum, o problema não é novo. Em 1952, a National Education Association (o sindicato norte-americano dos professores do ensino público ) criticou "os elementos de forte pressão" e a "competição excessivamente organizada" nos desportos juvenis, que transmitia aos jovens "uma ideia exagerada da importância do desporto, que poderia, inclusivamente, ser--lhes nefasta".
Em 1988, na revista "The Archives of Disease in Childhood" (boletim oficial da sociedade britânica de Pediatria e Saúde Infantil - o Royal College of Pediatrics and Child Health), dois médicos londrinos, N. Maffulli e P. Helms, concluíram que "os jovens atletas não são apenas atletas em tamanho reduzido, nem devem tornar-se cordeiros de sacrifício para o ego dos treinadores e dos pais".
Referem que uma análise aos regimes dos treinos desportivos tinha revelado que "pelo menos 60 por cento de todas as lesões persistentes estavam directamente relacionadas com os treinos e que poderiam ter sido evitadas se tivessem sido feitas as necessárias adaptações aos programas de treino". Explicaram ainda que os jovens atletas são mais propensos a determinadas lesões: fracturas de stresse, em especial, mas também tendinites; um problema degenerativo a que se dá o nome de osteocondrose; e lesão nas placas de crescimento dos ossos, situação que pode deixá-los diminuídos para o resto da vida.
Whitney Phelps, a irmã mais velha de Michael Phelps - o menino prodígio dos Jogos Olímpicos - era a grande promessa da natação na década de 1990, mas esgotou o corpo. Incentivada pela mãe, pelo treinador e movida pelo seu próprio sonho de participar nos Jogos Olímpicos, Whitney lembra-se de ter nadado durante anos com uma dor persistente nas costas, que por vezes era tão terrível que mal se conseguia manter de pé. Hyman conta no seu livro que quando a jovem tinha apenas 14 anos os braços ficavam dormentes quando ela virava a cabeça, tendo-se vindo a descobrir que Whitney tinha dois discos intervertebrais inchados, uma hérnia discal e duas fracturas por stresse.
Um dos principais factores para o aumento da percentagem de lesões é a importância que se dá actualmente à prática de um único tipo de desporto ao longo de todo o ano, o que não permite que os músculos e as articulações tenham tempo de recuperar dos inevitáveis microtraumatismos que ocorrem durante o treino e o jogo. Com o aumento da especialização, não há igualmente um treino cruzado que permita que outros músculos se desenvolvam e aligeirem a carga.
Mesmo quando um tipo de desporto é realizado sazonalmente, a prática diária pode originar problemas. O conselho norte-americano de pediatria recomenda que os atletas mais jovens "tenham, no mínimo, uma ou duas folgas por semana nas suas práticas atléticas de competição e no seu treino específico, para permitir que recuperem tanto a nível físico como psicológico". O grupo recomenda ainda que as crianças e os adolescentes joguem apenas numa equipa por época e que todos os anos façam uma pausa de dois ou três meses no desporto que praticam.
Praticar intensamente um determinado desporto não é boa ideia, independentemente da idade do atleta. A dor é a forma de o corpo manifestar que alguma coisa não está bem. Se a ignorarmos, é provável que a situação se agrave e que a lesão se torne permanente. Procure obter um diagnóstico profissional e siga os conselhos terapêuticos. Depois do período de descanso recomendado retome a prática do desporto gradualmente, aumentando a duração do treino, as repetições ou a distância num máximo de 10 por cento por semana.
Os pediatras autores do estudo advertem, igualmente, para o facto de que, quando um atleta "se queixa de problemas musculares ou articulares não especificados, de cansaço ou de fraco rendimento escolar", isso é sinal de um possível esgotamento.
É nessa altura que a motivação da criança para continuar a praticar o desporto deve ser reavaliada.
http://www.ionline.pt/conteudo/63446-excesso-desporto-nas-criancas-pode-constituir-problema-saude