Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.
– Rabindranath Tagore, no livro “Gitanjali (Oferenda lírica)”.
tradução Ivo Storniolo]. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 19.
Dia após dia, ele chega e parte.
Vai, meu amigo, e dá-lhe esta flor dos meus cabelos!
Se ele perguntar quem a mandou — suplico-te
— nada lhe digas: porque é apenas para partir que ele chega.
Ele está sentado sob a árvore e sobre a poeira.
Faze-lhe um leito de flores e folhas, meu amigo!
Os seus olhos são tristes e o seu olhar me fere o coração.
Ele não diz o que pensa: ele apenas chega e parte.
– Rabindranath Tagore, no livro “O jardineiro (Mali)”.
ANTES que o dia termine,
consente-me este desejo:
vamos colher
flores da primavera
pela última vez.
Das muitas primaveras
que ainda visitarão
tua morada,
concede-me uma,
– implorei.
Todo este tempo,
não prestei atenção
às horas,
perdidas e gastas à toa.
Num lampejo
de um crepúsculo,
li nos teus olhos agora
que meu tempo está próximo
e devo partir.
Assim, ávido, ansioso,
conto um por um
– como o avarento o seu ouro –
os últimos, poucos dias de primavera
que ainda me restam.
Não tenhas medo
Não me demorarei muito
no teu jardim florido,
quando tiver de partir,
no fim do dia.
Não procurarei lágrimas
nos teus olhos
para banhar minhas lembranças
no orvalho da piedade.
Ah, escuta-me,
não te vás.
O sol ainda não se esconde.
Podemos permitir que o tempo
se prolongue.
Não tenhas medo.
Deixa que o sol da tarde
olhe por entre a folhagem
e se detenha um momento
brilhando no negro rio
do teu cabelo.
Segue teu caminho depois,
se teu dever é seguir, se tens de seguir
calcando folhas caídas
com teu andar apressado,
enquanto as aves que voltam
povoam o fim do dia
com o clamor dê seus gritos.
Na escuridão crescente,
tua distante figura
irá fugindo e apagando-se
como as últimas frágeis notas
do cântico da tarde.
Na noite escura,
senta-te à tua janela,
que eu passarei pela estrada,
seguindo o meu trajeto,
deixando tudo para trás.
Se te aprouver,
atira-me
as flores que te dei
pela manhã,
murchas agora ao fim do dia.
Isso vai ser
o último e supremo presente:
tua homenagem
de despedida.
Faze o tímido esquilo,
perto do lago,
fugir de repente
ao estrépito de teu riso
que irrompe
com descuidosa alegria.
Não procurarei
retardar teus rápidos passos,
sussurrando esquecidas lembranças
aos teus ouvidos.