Uma das particularidades do ser humano é o enorme poder — e hábito — de comparar.
Comparamos o que temos, o que fazemos, o que somos. Comparamos o outro a partir de fragmentos, impressões parciais. E, quando o fazemos, estreitamos não apenas o campo de visão sobre aquilo ou aquele que avaliamos: estreitamos também o nosso próprio horizonte interior.
Toda a comparação é uma forma de enclausuramento — tanto do objeto observado como do sujeito que observa.
Nada nem ninguém pode ser realmente comparado.
É verdade que os seres humanos partilham estruturas, emoções e impulsos semelhantes, mas cada pessoa carrega uma combinação única de história, temperamento, memórias, desejos, feridas e possibilidades.
Para uma comparação seja justa, teríamos de conhecer totalmente aqueles que julgamos medir.
Teríamos de saber tudo: o que sentem, o que desejam, o que temem, o que viveram secretamente, o que carregam no corpo, o que escondem até de si próprios.
Teríamos de atravessar a totalidade da sua biografia emocional. Mas o conhecimento absoluto do outro é impossível — e o do nosso próprio ser também o é.
Comparar é, no fundo, uma ilusão. Uma tentativa de tornar simples aquilo que é complexo; uma tentativa de encaixar o mistério do humano em categorias.
Comparar é salientar as falhas do outro, ignorando que talvez ele esteja numa fase de melhoramento. Até que algo se torne visível, já caminhou muito no invisível. Antes que alguém mostre mudanças, já esfaqueou as próprias entranhas até sangrarem, passou por cirurgias internas e longos tempos de cicatrização.
Quando percebemos isto, libertamo-nos. Afastamo-nos da necessidade de medir para entender, da urgência de igualar para aceitar ou repudiar, da pressa de definir para explicar. E abrimos espaço para a verdadeira relação: aquela que se constrói não por semelhança ou diferença, mas por empatia, por afeto, pelo outro que existe, assim como nós existimos.
Ada Abaé
Ada Abaé - b
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