Poemas soltos

Voz Interior 


Embebido n'um sonho doloroso,Que atravessam fantásticos clarões,Tropeçando n'um povo de visões,Se agita meu pensar tumultuoso...
Com um bramir de mar tempestuosoQue até aos céus arroja os seus cachões,Através d'uma luz de exalações,Rodeia-me o Universo monstruoso...
Um ai sem termo, um trágico gemidoEcoa sem cessar ao meu ouvido,Com horrível, monótono vaivém...
Só no meu coração, que sondo e meço,Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,Em segredo protesta e afirma o Bem!

Contemplação


Sonho de olhos abertos, caminhandoNão entre as formas já e as aparências,Mas vendo a face imóvel das essências,Entre idéias e espíritos pairando...
Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,Visões sem ser, fragmentos de existências...Uma névoa de enganos e impotênciasSobre vácuo insondável rastejando...
E d'entre a névoa e a sombra universaisSó me chega um murmúrio, feito de ais...É a queixa, o profundíssimo gemido
Das coisas, que procuram cegamenteNa sua noite e dolorosamenteOutra luz, outro fim só presentido...

Evolução


Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo

tronco ou ramo na incógnita floresta...

Onda, espumei, quebrando-me na aresta

Do granito, antiquíssimo inimigo... 


Rugi, fera talvez, buscando abrigo

Na caverna que ensombra urze e giesta;

O, monstro primitivo, ergui a testa

No limoso paúl, glauco pascigo... 


Hoje sou homem, e na sombra enorme

Vejo, a meus pés, a escada multiforme,

Que desce, em espirais, da imensidade... 


Nirvana





Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,Sem amor, sem anseios, sem carinhos,Livre de angústias e felicidades,Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Poder viver em todas as idades;Poder andar por todos os caminhos;Indiferente ao bem e às falsidades,Confundindo chacais e passarinhos;
Passear pela terra, e achar tristonhoTudo que em torno se vê, nela espalhado;A vida olhar como através de um sonho;
Chegar onde eu cheguei, subir à alturaOnde agora me encontro - é ter chegadoAos extremos da Paz e da Ventura!

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ANTOLOGIA 

Antero de Quental.pdf