O MILIONÁRIO E O OPERÁRIO

O MILIONÁRIO E O OPERÁRIO


(Baseado numa antiga poesia de Fidêncio Bogo)


Havia no interior um milionário que dominava a cidadezinha. Sua mansão tinha piscina, chafariz, jardins floridos, haras, um pequeno campo de futebol de salão e basquete, uma linga gruta dedicada a Maria, uma sebe florida como cerca. No interior da mansão havia vinte cômodos com vários banheiros, incluindo salão de festas.


O milionário e sua esposa milionária eram excêntricos, orgulhosos, vaidosos. Tinham uma empregada que há muito tempo os servia, junto a outros tantos que não conseguiam, como ela, ficar muito tempo ali.


A dona Eustáquia, a empregada, era casada com o sr. João, operário de uma fábrica pequena do local. Ganhavam pouco, pois o dono da fábrica era o milionário, e pagava pouco, tanto lá como aos da casa.


O Sr. João usava seu 13º salário, que naquele tempo (anos 60) se chamava “abono de Natal” e não era um salário total, como hoje, para comprar chocolates e castanhas para seu filho Ricardo e sua filha Lúcia. Eram adolescentes e aguardavam com ansiedade o único dia do ano em que comiam coisas gostosas e ganhavam presentes.


Os anos se passaram, Ricardo e Lúcia cresceram tendo várias carências em seus desenvolvimentos, devido à alimentação deficiente.


Chegou o Natal daquele ano em que Ricardo completaria 19 anos e Lúcia 17. Seria o último Natal com o pai. De fato, o Sr. João faleceu em março do ano seguinte, num acidente, na fábrica, em que também morreu o milionário.


A viúva do sr. João não tinha onde enterrar o marido, e pediu à milionária, que deu uma cova rasa ao lado do rico mausoléu em que enterrara o esposo, com mármore de Carrara.


Os dias se passaram. A viúva do operário, ainda trabalhando com a milionária, levava, a seu pedido, semanalmente, flores para o milionário. Ela jogava as flores murchas na cova rasa de seu marido, ajeitando-as com carinho, pois não tinha dinheiro para colocar ali flores frescas.


O tempo passou, a viúva rica casou-se novamente, e a viúva do Sr. João, D. Eustáquia, se aposentou. Parou de ir assiduamente ao cemitério. Ia só no dia de finados. No ano seguinte ao que havia parado de levar as flores ao túmulo do milionário, teve uma surpresa maravilhosa: as flores secas que ajeitara na cova do operário lançaram sementes ali e brotaram, enquanto que o túmulo chique do milionário ainda estava com as últimas flores ali colocadas no ano anterior, já secas.


O túmulo do sr. João, de terra batida, estava florido com flores vivas e diversificadas, ao passo que o túmulo marmorizado do milionário, todo empoeirado, só mostrava algumas flores secas, irreconhecíveis.

T.A.J.