(1962)
J-I
À noite tu contemplas calmamente
o majestoso luar encanecido
da lua, que desliza docemente,
no céu eternamente adormecido.
As nuvens, como espumas elevadas,
belos flocos que correm velozmente,
relembram aventuras já passadas
que acabaram tão assim rapidamente.
Relembras, talvez, tua infância amada,
onde a inocência pura te envolvia,
onde reinava, em festas, a alegria.
Agora, com saudade e nostalgia,
vês a lua tão trêmula e embaçada
por tuas frágeis lágrimas turvadas...
(02/04/1962.Escrita em 21/11/1962)
J-II
Era noite - e eu estava contemplando
a beleza de um céu todo estrelado,
vendo a lua, inebriante, deslizando no espaço;
-e o luar, tão belo e prateado da lua,
era um sorriso que, vagando,
chegava todo, à terra, enamorado.
Neste cenário,
tão belo e encantador,
já quase em êxtase
ouvi uma voz,
querida,
que, docemente e com amor,
interpelou minha alma dolorida:
"Sou o teu Redentor!
Em cada ser, ressoo minha voz.
Quero te confiar,
ó jovem hesitante,
o desejo por qual tanto sofri.
Meu filho!
Eis-me aqui, suplicante!
dá-me o teu coração!
Morri para dar-te,
se fores constante,
a eterna mansão, que te sorri"!
Compreendi o que, em lágrimas,
Jesus expressara num íntimo querer.
Joelhos ao chão, braços em cruz,
respondi-lhe chorando:
"o teu sofrer
arrebata-me ao céu
e me seduz.
A ti converto meu parecer"!
"Tenho dezessete anos.
Minha vida é uma grande esperança
de um mundo justo e santo!
Em meu peito,
ainda tão jovem,
há uma lacuna
de virtudes ainda a conseguir!
No entanto,
peço-te forças!
Converte minha fraqueza
em alegre canto!
Jesus!
Quero me tornar um adulto santo,
coração puro"!
"Ajuda-me e eu o serei!
Viver sem pecar, como é duro!
Ah! Mas como é belo em ti assim morrer,
quando se espera o céu, de modo seguro,
como se espera, ansioso,
o amanhecer"!
"Senhor!
Também desejas
Que eu sorria sempre,
sempre sorrir,
cantando,
mesmo com a alma partida,
Mesmo com coração sangrando"!
(Ao amigo José Pedro D.-19/10/1962)
J-III
Te vi a sorrir, certo dia, num campo,
colhendo uma flor, junto a outras mais belas.
Mas pude entrever rosas brancas num canto,
e rosas vermelhas, mas poucas, entre elas.
Então perguntei quantas rosas em tanto
colheras no campo, tão cheio de flores...
Quisera dissesses a mim, entretanto,
Por que tu escolheste somente estas cores?
Com grande tristeza dissestes então:
"Dez rosas branquinhas, colhi-as cantando,
pois são minha infância, em dez anos passando."
"As oito vermelhas, colhi-as chorando,
pois elas unidas me põe em menção
os anos de angústia do meu coração!"
(Mary Dora d'Arenzo Favoretto)
(ver também sobre ela a poesia SURSUM CORDA)
(13/05/1963, ano de sua morte, 43 anos de idade)
J-IV
Silêncio...
há um corpo sem vida,
no meio da longa avenida,
embaixo do carro fatal.
O povo, curioso,
se acerca, no palco horroroso,
da cena tão triste e feral.
Dona Meire!
Que mestra, tão terna e serena,
tu foste, na vida terrena,
aos jovens, tesouro sem par!
Formando um caráter,
formando uma alma,
não vias perdida tua calma,
na escola,
na rua,
no lar.
Silêncio...
Silêncio na tarde enfadonha...
Silêncio em tua boca risonha...
Teus lábios não mais falarão!
No asfalto, de fosco negror,
findaram -se teus sonhos em flor,
os sonhos do teu coração!
Silêncio...
Silêncio no olhar dos queridos,
e amigos,
que choram, sentidos,
a ruína tão triste de um lar.
O teu maternal coração,
agora já fora de ação,
não mais poderá lhes amar.
Silêncio...
na escola, no lar, o silêncio...
No céu, entretanto, um incenso,
intenso,
com grande alegria,
unido à Maria,
subindo...
subindo...
adora, em perene louvor,
seu Deus, o supremo Senhor.
Quem tudo na vida a Deus deu,
sempre viverá - nunca morreu!
Escrita em 12/08/1965
J-V
De sua alma triste,
aquele jovem alcoólatra
sente morrer-lhe a esperança
de seu coração retornar à alegria;
sente o seu amor afundado na lama,
deste mundo louco, na melancolia.
Este seu amor, que agora dá ao mundo,
(oh! quanta saudade!)
ele o dava a Deus,
numa vida santa, numa vida alegre,
livre da bebida, dos vícios, dos pecados seus.
E essa vida santa, em cinzas se acabou,
Essa vida alegre não pôde mais viver.
Esta vida triste - continua triste,
este seu amor, continua a morrer!
Aquele jovem alcoólatra sente,
em sua alma
findar-se a alegria!
J-VI
(Escrita em abril de 1969, num daqueles trens superluxo da Sorocabana).
Do interior deste trem,
hermeticamente fechado,
vejo a natureza silenciosa...
Que estranha sensação
é olhar os efeitos do vento
mas não ouvir o farfalhar das folhas!
Ver o passarinho
mas não ouvir o seu canto!
Ver o sol radiante,
mas não sentir o seu calor!
Ver, enfim, a natureza toda,
sem poder senti-la!
Eu estou num trem,
hermeticamente fechado,
com ar condicionado,
poltronas macias...
e não posso ouvir as vozes da natureza,
mas ouço a do meu coração,
que me atinge,
quando vejo lá fora
as paupérrimas casas
fora do trem superluxo!
Essa voz do meu coração
clama por socorro,
clama por justiça!
Mas eu estou num trem,
hermeticamente fechado,
com ar condicionado,
numa macia poltrona,
num sublime conforto,
...e adormeço!
(Escrita em 1969, aos 24 anos. A moça era de Ijuí, RS.).
J-VII
Na tristeza da tarde que se esvai,
e morre, num longo suspiro,
eu me sinto triste...
E com meus olhos lacrimejados,
num soluço de dor,
Vejo minha imagem refletida
nos restos de uma flor,
que jaz,
ao chão caída...
Um sonho de amor...
um soluço de dor...
uma flor desfolhada,
ao chão pisada...
E nada mais resta!
Só ficou a tarde,
esta triste tarde quase morta.
Dentro de instantes,
mesmo a tarde não mais existirá!
Restarão as trevas,
a angústia,
desta minha pobre vida,
que perdi,
buscando teu amor!
(Em 1969, aos 24 anos, uma colega de faculdade me passou um bilhete e eu lhe respondi, durante uma aula chata).
J-VIII
"Ria!
Ria do mundo!
Divirta-se, alegre-se!
Trepide seu cansado corpo!
Enquanto milhares morrem de fome!"
(minha resposta:)
Rir!
Sim, como eu desejaria rir
deste mundo insano,
dessa dor cruel
que me arrasta,
que arrasta o outro,
que arrasta a humanidade!
Sim,
eu gostaria de rir
enquanto muitos morrem,
enquanto muitos se matam,
mas não posso!
Não posso!
Ao tentar fazê-lo,
sinto um laço no peito,
que me aperta,
e não me deixa rir!
E tudo o que faço
é soltar um grito sem eco,
(ela acrescentou:)
"um grito de dor"!
(ESCRITO EM 1970, retratando a depressão de um amigo católico).
J-IX
Esperanças vãs, infrutíferas orações,
desconsolo e desalento neste angustioso dia...
O mundo nu, debaixo de teus pés,
carne reluzente, sabores de orgia.
Medidas inúteis, esforços vãos,
cruéis tentações, horrível melancolia.
Síncope indissolúvel de terrível mal,
que te faz perder-se no caos de sexo e antropofobia.
Anjos de asas limpas, a Virgem de Conceição Imaculada,
fonte de alegria aos corações sinceros e puros,
morte de tua alma, fútil e covarde.
Fúteis acordes de fingida piedade,
negro porvir avizinhando-se em tua mente.
Cruel destino de quem teme e não ama,
fim inútil de quem se desespera e não vê...
Meio infalível de chegar-se a Deus, que de amor se inflama,
é chegar-se a seus pés pedindo perdão,
é agarrar Suas mãos e não mais as soltar...
(EXAGERO ESCRITO EM 1972, 27 ANOS.)
J-X
Senhor! Tomai-me todo, inteiro,
e esmigalhai-me na multidão!
Fazei com que os meus pedaços,
meus pedacinhos,
se espalhem pela multidão
que de vós necessita!
Fazei com que cada pessoa
tenha um pedaço de mim!
Senhor!
Tomai minhas partes picadas,
espalhadas na multidão,
mas tomai, também, cada um que as possui,
e tomai-os todos para vós.
Fazei-me novamente inteiro,
lançai-me novamente,
para que eu pertença a todos,
e os traga novamente a vós!
Fazei isto, Senhor,
até que sejais, para sempre,
tudo em todos!
Porque quando Vós fordes
tudo em todos,
não haverá mais desejos,
pois vós sois
tudo o que alguém possa desejar.
ESCRITA EM 31/05/1977
J-XI
Maria, mãe querida,
eu te amo tanto!
E, neste amor,
lembro tua juventude
e aquela tarde
de sol ou de chuva?
- não sei! -
em que deste o teu "sim"!
Eras jovem,
e não tinhas em mente
todo o alcance desse "sim"!
Mas tinhas fé!
Eu disse o meu sim,
um sim limitado,
um sim pequenino,
sem muita fé,
sem muito amor,
sem muita convicção,
cheio de condições,
cheio de indagações,
desejoso de frutos imediatos...
...E nessa mesquinhez,
acabo não dizendo sim,
sem, contudo, dizer não!
E, entre um sim e um não,
passo os meus medíocres dias
como uma água morna,
que um dia
até pode ser vomitada
da boca de Deus! (Apoc 3)
Oh, Maria,
mãe bendita,
ajuda-me a dizer sim!
Mas um sim verdadeiro,
sem dúbias intenções,
sem impor condições,
sem querer recompensas,
e faze, deste modo,
que eu me dê inteiramente,
sem divisões,
a teu Filho amado.
Ó mãe bendita,
faz-me um "semeador" verdadeiro,
faz-me um verdadeiro instrumento
da vossa santa paz,
de teu Filho,
nosso Senhor e Redentor.
Amém!
(30/06/1977)
J-XII
O jovem vagueou, às tontas,
pelos caminhos do mundo,
em busca de afeto,
em busca de carinho,
sem saber existir alguém,
-ou algo-
mais profundo
que o olhar do jovem
embaçado pelo vício,
que a mulher coisificada
vendendo seu corpo,
que a poluída fumaça dos cabarés,
que as vazias orgias
das aventuras noturnas.
Sim, ele vagueou às tontas,
sem rumo,
sozinho,
buscando o dinheiro vil
que tudo quer comprar,
cansando-se atrás de perdidas ilusões...,
e se extenuou.
Ele se cansou de existir,
eu me cansei de sonhar,
de viver,
e se perdeu.
Ele se perdeu num desespero insano,
de um mundo louco,
de um mundo sujo,
até que um dia,
na tristeza de uma tarde de julho,
sentado num banco de uma praça suja,
banco sujo,
num mundo podre,
viu um pobre, que lhe pediu uma esmola.
Para zombar dele,
em vez da esmola,
o jovem lhe deu uma flor.
Uma flor linda!
Perfumosa!
Brotada do meio do esterco,
brotada no meio daquele jardim poluído,
brotada naquele mundo imundo!
E o pobre,
olhando a flor,
com intensidade,
com curiosidade,
olhou-o fixamente
-e sorriu.
-e começou a cantarolar.
pulando de alegria,
ao se retirar dali feliz.
O jovem também sorriu.
Olhando para o infinito,
chorou.
Essas lágrimas o purificaram.
Viu então um mundo novo!
E olhando outra vez para o céu,
tão poluído,
por entre as árvores da praça,
Ele te reencontrou,
Senhor,
e caiu a teus pés,
Meu Deus!
(inspirada numa poesia do José Pedro D.)
(18/08/1977)
J-XIII
O "outro" já se foi...
posso agora apagar este sorriso
que ainda resta em meus lábios!
Apagar este sorriso
e voltar a mim mesmo,
e poder curtir, sozinho,
as minhas dores.
O "outro" chegara chorando,
mas, vendo o meu sorriso,
vendo em mim uma paz
que talvez não seja minha,
mas de Deus,
foi embora sorrindo...
Mas eu preciso parar de sorrir,
pois meu coração está chorando,
dando gritos de angústia,
soltando uivos de dor!
Por que deveria eu
continuar sorrindo,
estupidamente
enquanto chora o meu coração?
Acaso pode,
este sorriso
ainda estampado em meus lábios,
dispensar-me do carinho,
da mão delicada e suave
de uma esposa a me acariciar?
Acaso pode,
este sorriso idiota,
dar-me o prazer
da intimidade de um lar,
de meu lar,
que nunca possuirei?
O "outro" se foi...
alegre, sorrindo!
E eu fiquei sorrindo, também,
mas...
chorando!
E quando eu já começava
a apagar de meus lábios
aquele sorriso bobo,
demonstrando uma paz
que não é a minha própria,
mas que vem de Deus,
um outro "outro" veio,
a chorar,
e debruçou-se em meus ombros,
e eu precisei sorrir,
também para ele,
e o ajudei,
e o consolei,
e falei-lhe de Deus.
E ele também se foi sorrindo!
Mas eu fiquei,
mais uma vez, sorrindo,
mas chorando!
Senhor,
até quando vou conseguir
trazer este sorriso
que consola,
que anima,
que orienta,
e não desanimar?
Até quando vou continuar
a transformar lágrimas em sorrisos,
tristeza em alegria,
ódio em amor,
trevas em luz?
Quando, Senhor,
vou poder curtir
minha intimidade,
sonhar minhas lembranças,
sorrir, sim,
mas apenas quando estiver disposto para isso? Quando?
Nessa noite, sonhei com Jesus
que me apareceu e disse:
"Meu filho, venha a mim,
quando o seu fardo estiver pesado,
e eu o aliviarei!
Venha chorando,
e você também sairá sorrindo!
O meu sorriso,
o meu consolo,
é eterno!
É próprio de mim!
Eu o conquistei com a cruz!
Sorria e console,
até que "Deus seja tudo
em todos!"
(ESCRITA EM 1977, a um monge de Serra Clara).
J-XIV
Senhor, eu te peço, com todas as minhas forças,
que me deixes sempre te contemplar,
no teu silêncio, no teu amor.
Deixa-me, Senhor, te contemplar na música silenciosa e doce, neste "adágio" sublime de grilos e de pássaros, de farfalhar de folhas, que canta a mãe natureza!
Deixa-me, Senhor, te contemplar no silêncio do teu sacrário, na penumbra da acolhedora igreja, que meus antepassados aqui construíram, no alto desta montanha!
Deixa-me, Senhor, te contemplar, enfim, no conjunto todo desta natureza, que criastes tão perfeita, e que, com uma adoração inconsciente, com seu mutismo de louvor, te presta homenagem...
Mas...
Senhor, permita-me também que eu te contemple nos jovens, nos adultos, nos sacerdotes, nos leigos, nos seminaristas, todos eles com defeitos, sem nenhum dos encantos desta natureza perfeita e bela que me circunda, que aqui vêm te procurar! Eles aqui chegam sedentos de ti!
Não permitas, Senhor, que daqui eles saiam, que voltem às suas casas, sem haverem te encontrado! E também a mim, Senhor, e aos meus irmãos do monastério, não permitas que nós os deixemos de lado, não permitas que nós não te contemplemos neles, ao nos embebedarmos com a natureza perfeita e bela.
De fato, é tão grande, Senhor, tua presença no silêncio, na simplicidade que corremos o risco de nos esquecermos do restante do mundo.
Senhor, Deus de amor e bondade, ajuda-me a te amar, a te contemplar nas pessoas que aqui te procuram, nas criaturas que aqui vivem, na atmosfera de louvor e de amor que nos circunda!
(31/10//1077, do Mosteiro de Delfim Moreira, MG)
J-XV
Gostaria de partir da cidade pro sertão,
da fumaça fugir,
pra alegrar meu coração...
Serra Clara é uma beleza,
não encontro tal aqui!
Viver bem com a natureza,
aqui nunca consegui!
Ser "vigário à paulista"
meu amigo, é uma dureza!"
Todo dia há uma boa lista
de tarefas em minha mesa!
Sendo assim, só nas férias de janeiro,
é quase certo,
deixarei as coisas "sérias"
e estarei de Deus mais perto...
Partirei pra Serra Clara
ver as plantas do Emanuel,
a terrinha tão preclara
de onde emana leite e mel!
Aos amigos, meu abraço,
e ao prior, Dom Celestino,
que os guia sem cansaço,
como às cordas de um violino!
Por aqui eu vou ficando,
com saudades do "sertão".
Com os fiéis eu vou rezando,
com amor no coração.
meus amigos, um adeus,
por agora vou lhes dar.
Rezem muito, pois pra Deus
este mundo melhorar.
10/09/1977
(ao mosteiro de Serra Clara)
J-XVI
Senhor,
aos vossos pés falo-vos de amor.
Não do vosso,
mas do meu amor,
tão mesquinho,
limitado,
magrinho,
frágil,
mas é o único que tenho no momento.
Não possuo outro!
Quero vos amar, Senhor,
apesar disso tudo,
na fraqueza de minha vida,
deixando meus desejos egoístas,
consolações e prazeres.
Como dizia a santa das rosas:
"Ma paix, c'est de rester petite;
aussi, quand je tombe en chemin,
je puis me relever bien vite,
et Jesus me prend par la main"!
Assim eu também!
Jesus, quero fazer consistir, minha paz,
em permanecer pequeno diante de vós,
para, quando cair,
bem depressa eu possa me levantar,
encontrando segurança em minhas mãos!
Eis-me, Senhor, sou vosso!
Renunciei a tantas coisas para ser padre,
mas quero uma renúncia total!
Quero renunciar a mim próprio!
Mesmo com um amor microscópico,
assim mesmo eu vos amo!
Senhor, quero continuar a ser vosso,
todos os dias de minha vida!