02- O MENINO MALUQUINHO (poesia que ele sempre recitava nos retiros até ficar bispo)
03- ORDENAÇÃO DE UM ÍNDIO- HOMILIA DE D. EDSON DAMIAN
01- 70 ANOS DE CASAMENTO-29/01/2017
Crescer e envelhecer à sombra do testemunho de fé, de amor e fidelidade do pai e da mãe que completam setenta anos de vida matrimonial é um presente de Deus que não preço. Por isso convido você
para se unir ao canto de alegria e gratidão da minha família.
Na Exortação Apostólica Amoris Laetitia sobre o amor na família, com palavras iluminadoras, o querido Papa Francisco descreve a transformação do amor que vai acontecendo na caminhada de uma prolongada vivência matrimonial.
“O alongamento da vida provocou algo que não era comum em outros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha. Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha.
É o companheiro no caminho da vida, com quem se pode enfrentar as dificuldades e gozar das coisas lindas. Também isto gera uma satisfação, que acompanha a decisão própria do amor conjugal. Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade.
O amor, que nos prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência. Assim, no meio dum conflito não resolvido e ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e perdoar-se.
Cada um dos dois realiza um caminho de crescimento e mudança pessoal. No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova"
Em comunhão de orações, grande abraço fraterno.
Aqui você pode ler a poesia que ele sempre recitava em todos os encontros, antes de ser ordenado bispo:
Eu tive a felicidade de herdar, do nosso amigo D. Edson Damian, o original do poema que ele sempre declamava nos retiros e encontros da Fraternidade Jesus-Cáritas. Quando ele foi ordenado bispo, percebeu que essas declamações seriam improváveis e me enviou o original do qual ele decorou a poesia, ainda escrito à máquina de escrever. Partilho com vocês a lembrança daqueles inesquecíveis encontros...
Fim de tarde, boquinha da noite,
com as primeiras estrelas e os derradeiros sinos.
Entre as estrelas, e lá, detrás da igreja,
surge a lua cheia para chorar com os poetas.
E vão dormir as duas coisas novas deste mundo: o sol e os meninos.
Mas ainda vela o menino impossível, aí ao lado,
enquanto todas as crianças mansas dormem,
acalentadas por mão-negra da noite.
O menino impossível que destruiu os brinquedos perfeitos que os vovós lhe deram:
o velho barbado iugoslavo,
as poupées de Paris aux cheveux crêpes (as bonecas de Paris de cabelos crespos),
o carrinho português feito de folha-de-flandres,
a caixa de música tcheco-eslovaca,
o polichinelo italiano made in England,
e o macaco brasileiro de Buenos Aires, movendo la cola y la cabeza...
O menino impossível, que destruiu até os soldados de chumbo de Moscou,
e furou os olhos de um Papai-Noel,
brinca com sabugos de milho,
pedrinhas brancas do rio.
"Faz de conta que os sabugos são bois...
E os sabugos de milho mugem como bois de verdade!
E os tacos que deveriam ser soldadinhos de chumbo
são cangaceiros de chapéu-de-couro.
coitadinhas das ovelhas mansas,
presas nos currais de papelão
no mundo que o menino impossível povoou sozinho.
e vem descendo uma noite encantada,
da lâmpada que expira lentamente na parede da sala.
COM O MUNDO MARAVILHOSO QUE ELE TIROU DO NADA!
HOMENAGEIO AQUI SANTA TERESINHA, QUE SOUBE TÃO BEM TIRAR DO NADA QUE POSSUÍA UMA VIDA MISSIONÁRIA, SEM SAIR DO CONVENTO. DISSE UM DIA:
"A alegria não está nos objetos, mas no fundo do coração.
Podemos senti-la tanto no mais rico palácio,
como na mais pobre prisão".
03- ORDENAÇÃO DE UM ÍNDIO
HOMILIA DE D. EDSON DAMIAN
HOMILIA DA ORDENAÇÃO DIACONAL
de Sérgio de Jesus Alves Azevedo
“Fazei tudo o que Ele vos disser”(Jo 2,6)
No domingo passado, 11 de dezembro 2011, véspera da festa de N. Sra de Guadalupe, com emoção e alegria ordenei o primeiro diácono diocesano.
Chama-se Sérgio de Jesus Alves Azevedo. É indígena. Seu pai, José, é Tukano. Anita, sua mãe, é Desano. No dia 12/12 ele completou 30 anos.
Com a idade com que nosso Querido Irmão e Senhor Jesus iniciou a vida pública. Segue a homilia da ordenação.
Agradeço de coração o Pe Olindo, o Pe João e os 08 Diáconos, companheiros de estudo do Sérgio, que vieram de Manaus e arredores para apoiar o Sérgio.
Em comunhão de preces abraço você com estima fraterna.
Na véspera da festa de N. Sra de Guadalupe e do dia em que completarás 30 anos, caríssimo Sérgio, entregas a Deus tua vida para servir o seu Povo como diácono. Índio que és, como Juan Diego, anunciarás o Evangelho inculturado que encontra na Virgem de Guadalupe sua inspiração e concretização mais perfeitas. Recordarás sempre as palavras carinhosas e encorajadoras que a Mãe de Guadalupe disse a Juan Diego: “Ouve e guarda em teu coração, filho meu o mais desamparado. Acaso não sou eu a tua mãe? Não estás sob minha sombra e proteção? Não estás na dobra do meu manto, justo onde cruzo meus braços? Porque eu sou a Mãe da Misericórdia, tua e de todas as nações que vivem nesta terra, que me amem, que me falem, me busquem e em mim confiem”.
Em nossa última conversa, lembravas emocionado o despertar de tua vocação, em 2001, quando tinhas concluído o ensino fundamental. A Ir Elizabete, Filha de Maria Auxiliadora, convidou-te para ajudá-la na construção das casas para o Hupedas na Nova Fundação. Um Tukano trabalhar para os Hupedas, considerados inferiores em tudo? Na tradição do teu povo era o contrário que acontecia. Mas, a Ir Elizabete conseguiu te convencer com a palavra mais comprometedora de Jesus: “Tudo o que fizeres a um destes irmãos mais pequeninos, é a mim que o fazes” (Mt 25, 40). E te introduziu também na prática da oração que no início te parecia pouco atraente e cansativa. Tua vocação, Sérgio, já nasceu como serviço aos mais pobres e excluídos do teu povo. Sendo Tukano aprendeste a servir aqueles que deveriam servir-te. O Evangelho anunciado pela Ir Elizabete provocou em ti uma reviravolta, uma conversão. Nas bodas de Caná foi a Mãe Maria quem incentivou Jesus para que realizasse o primeiro sinal. Em Pari Cachoeira foi a Ir Elizabete quem descobriu o Sérgio e insistiu para que o Pe Ivo Cassol o convidasse para ser padre.
Em 2009, quando cursavas o segundo ano de teologia, participaste de um retiro inspirado na espiritualidade de Charles de Foucauld. Conhecendo este irmão apaixonado por Jesus que buscou sempre o último lugar para servir os mais pobres e excluídos, lembraste teu serviço aos Hupedas. Calaram fundo em teu coração estas palavras de Charles Foucuald:
“Meu Deus, não sei se é possível para alguém, ver-te pobre e continuar rico como antes... Quanto a mim, não posso conceber o amor sem a necessidade imperiosa de identificação, de semelhança e sobretudo de partilha, de todos os sofrimentos, de todas as dificuldades, de todas as durezas da vida...a semelhança é a medida do amor”. Este retiro foi tão marcante em tua vida que teus formadores logo perceberam a mudança. O Pe Olindo chegou a dizer que foi um marco divisor: houve um antes e um depois na vida do Sérgio. Alegro-me ao saber que também com o Joãonilton e o Andalúcio (nossos indígenas do 3º ano de teologia) está acontecendo algo semelhante.
Quando te comuniquei que irias exercer o ministério de diácono em Pari Cachoeira, tua terá natal, logo disseste: “Que bom, estarei voltando à minha casa, às minhas origens, às raízes culturais do meu povo. Além disso, trabalharei com o Pe Ivo, que me acolheu e encaminhou ao seminário, em 2002”. Aliás, teus pais, José e Anita, apresentaram ao Pe Ivo, dois filhos. E qual foi a reação dele? “Que barbaridade. Dois filhos padres? Assim vai acabar a família! Um deve ficar para casar-se”.
Durante o primeiro semestre do próximo ano visitarás cada uma das 45 comunidades da paróquia de Pari Cachoeira, muitas das quais ainda não conheces. Teus parentes ficarão contentes e agradecidos. Vendo-te feliz e realizado no ministério de diácono, darás excelente testemunho vocacional e contribuirás para a recuperação ou consolidação da autoestima dos irmãos indígenas. Nesta caminhada irás te preparando para a ordenação presbiteral que desejas receber na comunidade onde nasceste.
Viverás o ministério diaconal sob a proteção e inspiração do testamento de N. Sra de Guadalupe que escolheste com teu lema: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,6). Logo mais, quando receberes o livro da Santa Palavra, escutarás:
“Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina o que creres e procura realizar o que ensinares”.
E Charles de Foucuald te dirá ao pé do ouvido: Sérgio, “grita o Evangelho com a vida!”
O Papa João Paulo II usou expressões iluminadoras sobre a relação entre ministério e Palavra de Deus: “O ministro ordenado é o primeiro crente na Palavra, com plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d´Aquele que o enviou. Desta Palavra ele não é dono: é servo. Desta Palavra ele não é o único possuidor: é devedor ao Povo de Deus. Precisamente porque evangeliza e para que possa evangelizar, o diácono deve crescer na consciência de sua permanente necessidade de ser evangelizado” (PDV 47).
Sérgio, se te deixares conduzir pelo Espírito Santo e pela força da Palavra de Deus “resplandecerão em ti as virtudes evangélicas: o amor sincero, a solicitude para com os enfermos e os pobres, a autoridade como serviço e a simplicidade de coração” (rito da Ordenação Diaconal).
Por fim, o sinal que Jesus realizou nas bodas de Caná oferecendo o vinho melhor quando a festa já ia adiantada, ajuda-nos a compreender que em nossa vida e missão, o melhor vem depois. “Tudo é graça!”. É dom de Deus e também fruto de nosso trabalho realizado com generosidade, gratuidade, alegria e esperança. O melhor vai acontecendo na medida em que nos entregamos e nos abandonamos nas mãos no Pai com absoluta confiança e seguimos Jesus no seu jeito radical de amar e servir. Lembremos as palavras testamentais do nosso Bem Amado Irmão e Senhor:
“Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” ( Jo 15,12). Após o lava-pés: “Entendeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais assim como eu fiz para vós” (Jo 13,12a-15).
A palavra como: “como eu vos amei” e “façais como eu fiz para vós”, não é uma mera comparação, mas uma convocação para amar e servir do mesmo jeito, da mesma maneira, com a mesma medida de Jesus, pois “a semelhança é a medida do amor”.Tudo isso, Sérgio, descobriste formulado e sintetizado na Oração do Abandono que colocaste no convite de tua ordenação. Convido vocês a rezarmos juntos com o Sérgio esta oração que o predispõe a entregar-se inteiro ao ministério de diácono para o qual será ordenado dentro de instantes.
“Meu Pai, a vós me abandono.
Fazei de mim o que quiserdes.
O que de mim fizerdes, eu vos agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Contanto que a vossa vontade
se faça em mim e em todas as criaturas.
Não quero outra coisa, meu Deus.
Entrego a minha vida em vossas mãos.
Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração,
porque eu vos amo e porque é para mim
uma necessidade de amor dar-me e entregar-me em vossas mãos
sem medida e com infinita confiança,
porque sois meu Pai”. (Charles de Foucauld)