Cidade do Vaticano (Quinta-feira, 23-02-2017, Gaudium Press) O Papa Francisco iniciou sua homilia da Missa celebrada na Casa Santa falando do escândalo e comentou também a "vida dupla"."Mas o que é o escândalo? O escândalo é dizer uma coisa e fazer outra; é ter vida dupla. Vida dupla em tudo: sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta e aquela associação; mas a minha vida não é cristã. Não pago o que é justo aos meus funcionários, exploro as pessoas, faço jogo sujo nos negócios, reciclo dinheiro, vida dupla. Muitos católicos são assim. Eles escandalizam. Quantas vezes ouvimos dizer, nos bairros e outras partes: ‘Ser católico como aquele, melhor ser ateu'. O escândalo é isso. Destrói. Joga você no chão. Isso acontece todos os dias, basta ver os telejornais e ler os jornais. (...) Com os escândalos se destrói. "
Francisco continuou lembrando palavras do Evangelho:
"No Evangelho, Jesus fala daqueles que escandalizam, sem dizer a palavra escândalo, mas se entende: ‘Você chegará ao Céu, baterá à porta e: Sou eu, Senhor! Não se lembra? Eu ia à Igreja, estava sempre com você, pertencia a tal associação, fazia muitas coisas. Não se lembra de todas as ofertas que eu fiz? Sim, lembro-me! As ofertas! Lembro-me bem: todas sujas, roubadas aos pobres. Não o conheço. Esta será a resposta de Jesus aos escandalosos que fazem vida dupla."
Vida Dupla
"A vida dupla provém do seguir as paixões do coração, os pecados mortais que são as feridas do pecado original", disse o Papa.
A Primeira Leitura exorta a não se deixar levar pelas paixões do coração e a não confiar nas riquezas. A não dizer: "Contento a mim mesmo".
Então o Santo Padre recomendou a não adiar a conversão:
"A todos nós, a cada um de nós, fará bem, hoje, pensar se há algo de vida dupla em nós, de parecer justos. Parecer bons fiéis, bons católicos, mas por baixo fazer outra coisa; se há algo de vida dupla, se há uma confiança excessiva: O Senhor me perdoará tudo. Então, continuo. Isso não é bom. Irei me converter, mas hoje não! Amanhã. Pensemos nisso. Aproveitemos da Palavra do Senhor e pensemos que o Senhor nisso é muito duro. O escândalo destrói."
"Cortar a mão", "arrancar o olho", mas "não escandalizar os pequeninos", ou seja, os justos, "os que confiam no Senhor, que simplesmente creem no Senhor".
O Papa citou o exemplo de uma empresa importante que estava à beira da falência. As autoridades queriam evitar uma greve justa, mas que não faria bem e queriam conversar com os chefes da empresa. As pessoas não tinham dinheiro para arcar com as despesas cotidianas, pois não recebiam o salário. O responsável, um católico, estava de férias numa praia no Oriente Médio e as pessoas souberam disso mesmo que a notícia não tenha saído nos jornais. "Estes são escândalos", disse Francisco:
"A vida dupla provém do seguir as paixões do coração, os pecados mortais que são as feridas do pecado original", disse o Papa. A Primeira Leitura exorta a não se deixar levar pelas paixões do coração e a não confiar nas riquezas. A não dizer: "Contento-me de mim mesmo". Francisco convidou a não adir a conversão:
"A todos nós, a cada um de nós, fará bem, hoje, pensar se há algo de vida dupla em nós, de parecer justos. Parecer bons fiéis, bons católicos, mas por baixo fazer outra coisa; se há algo de vida dupla, se há uma confiança excessiva: O Senhor me perdoará tudo. Então, continuo. Ok! Isso não é bom. Irei me converter, mas hoje não! Amanhã. Pensemos nisso. Aproveitemos da Palavra do Senhor e pensemos que o Senhor nisso é muito duro. O escândalo destrói." (JSG)
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AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
Mensagem do Papa para o Dia Mundial das Comunicações Sociais
Cidade do Vaticano (RV) - Leia a mensagem do Papa Francisco para o 51º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que será celebrado em 28 de maio.
“Não tenhas medo, que Eu estou contigo” (Is 43, 5). Comunicar esperança e confiança, no nosso tempo.
Graças ao progresso tecnológico, o acesso aos meios de comunicação possibilita a muitas pessoas ter conhecimento quase instantâneo das notícias e divulgá-las de forma capilar. Estas notícias podem ser boas ou más, verdadeiras ou falsas. Já os nossos antigos pais na fé comparavam a mente humana à mó da azenha que, movida pela água, não se pode parar. Mas o moleiro encarregado da azenha tem possibilidades de decidir se quer moer, nela, trigo ou joio. A mente do homem está sempre em ação e não pode parar de «moer» o que recebe, mas cabe a nós decidir o material que lhe fornecemos (cf. Cassiano o Romano, Carta a Leôncio Igumeno).
Gostaria que esta mensagem pudesse chegar como um encorajamento a todos aqueles que diariamente, seja no âmbito profissional seja nas relações pessoais, «moem» tantas informações para oferecer um pão fragrante e bom a quantos se alimentam dos frutos da sua comunicação. A todos quero exortar a uma comunicação construtiva, que, rejeitando os preconceitos contra o outro, promova uma cultura do encontro por meio da qual se possa aprender a olhar, com convicta confiança, a realidade.
Creio que há necessidade de romper o círculo vicioso da angústia e deter a espiral do medo, resultante do hábito de se fixar a atenção nas «notícias más» (guerras, terrorismo, escândalos e todo o tipo de falimento nas vicissitudes humanas). Não se trata, naturalmente, de promover desinformação onde seja ignorado o drama do sofrimento, nem de cair num otimismo ingênuo que não se deixe tocar pelo escândalo do mal. Antes, pelo contrário, queria que todos procurássemos ultrapassar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal. Aliás, num sistema comunicador onde vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção, e por conseguinte não é uma notícia, e onde o drama do sofrimento e o mistério do mal facilmente são elevados a espetáculo, podemos ser tentados a anestesiar a consciência ou cair no desespero.
Gostaria, pois, de dar a minha contribuição para a busca dum estilo comunicador aberto e criativo, que não se prontifique a conceder papel de protagonista ao mal, mas procure evidenciar as possíveis soluções, inspirando uma abordagem propositiva e responsável nas pessoas a quem se comunica a notícia. A todos queria convidar a oferecer aos homens e mulheres do nosso tempo relatos permeados pela lógica da «boa notícia».
A boa notícia
A vida do homem não se reduz a uma crónica asséptica de eventos, mas é história, e uma história à espera de ser contada através da escolha duma chave interpretativa capaz de selecionar e reunir os dados mais importantes. Em si mesma, a realidade não tem um significado unívoco. Tudo depende do olhar com que a enxergamos, dos «óculos» que decidimos pôr para a ver: mudando as lentes, também a realidade aparece diversa. Então, qual poderia ser o ponto de partida bom para ler a realidade com os «óculos» certos?
Para nós, cristãos, os óculos adequados para decifrar a realidade só podem ser os da boa notícia: partir da Boa Notícia por excelência, ou seja, o «Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus» (Mc 1, 1). É com estas palavras que o evangelista Marcos começa a sua narração: com o anúncio da «boa notícia», que tem a ver com Jesus; mas, mais do que uma informação sobre Jesus, a boa notícia é o próprio Jesus. Com efeito, ao ler as páginas do Evangelho, descobre-se que o título da obra corresponde ao seu conteúdo e, principalmente, que este conteúdo é a própria pessoa de Jesus.
Esta boa notícia, que é o próprio Jesus, não se diz boa porque nela não se encontra sofrimento, mas porque o próprio sofrimento é vivido num quadro mais amplo, como parte integrante do seu amor ao Pai e à humanidade. Em Cristo, Deus fez-Se solidário com toda a situação humana, revelando-nos que não estamos sozinhos, porque temos um Pai que nunca pode esquecer os seus filhos. «Não tenhas medo, que Eu estou contigo» (Is 43, 5): é a palavra consoladora de um Deus desde sempre envolvido na história do seu povo. No seu Filho amado, esta promessa de Deus – «Eu estou contigo» – assume toda a nossa fraqueza, chegando ao ponto de sofrer a nossa morte. N’Ele, as próprias trevas e a morte tornam-se lugar de comunhão com a Luz e a Vida. Nasce, assim, uma esperança acessível a todos, precisamente no lugar onde a vida conhece a amargura do falimento. Trata-se duma esperança que não dececiona, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5) e faz germinar a vida nova, como a planta cresce da semente caída na terra. Visto sob esta luz, qualquer novo drama que aconteça na história do mundo torna-se cenário possível também duma boa notícia, uma vez que o amor consegue sempre encontrar o caminho da proximidade e suscitar corações capazes de se comover, rostos capazes de não se abater, mãos prontas a construir.
A confiança na semente do Reino
Para introduzir os seus discípulos e as multidões nesta mentalidade evangélica e entregar-lhes os «óculos» adequados para se aproximar da lógica do amor que morre e ressuscita, Jesus recorria às parábolas, nas quais muitas vezes se compara o Reino de Deus com a semente, cuja força vital irrompe precisamente quando morre na terra (cf. Mc 4, 1-34). O recurso a imagens e metáforas para comunicar a força humilde do Reino não é um modo de reduzir a sua importância e urgência, mas a forma misericordiosa que deixa, ao ouvinte, o «espaço» de liberdade para a acolher e aplicar também a si mesmo. Além disso, é o caminho privilegiado para expressar a dignidade imensa do mistério pascal, deixando que sejam as imagens – mais do que os conceitos – a comunicar a beleza paradoxal da vida nova em Cristo, onde as hostilidades e a cruz não anulam, mas realizam a salvação de Deus, onde a fraqueza é mais forte do que qualquer poder humano, onde o falimento pode ser o prelúdio da maior realização de tudo no amor. Na verdade, é precisamente assim que amadurece e se entranha a esperança do Reino de Deus, ou seja, «como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce» (Mc 4, 26-27).
O Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente escondida a um olhar superficial e cujo crescimento acontece no silêncio. Mas quem tem olhos, tornados limpos pelo Espírito Santo, consegue vê-lo germinar e não se deixa roubar a alegria do Reino por causa do joio sempre presente.
Os horizontes do Espírito
A esperança fundada na boa notícia que é Jesus faz-nos erguer os olhos e impele-nos a contemplá-Lo no quadro litúrgico da Festa da Ascensão. Aparentemente o Senhor afasta-Se de nós, quando na realidade são os horizontes da esperança que se alargam. Pois em Cristo, que eleva a nossa humanidade até ao Céu, cada homem e cada mulher consegue ter «plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (Heb 10, 19-20). Através «da força do Espírito Santo», podemos ser «testemunhas» e comunicadores duma humanidade nova, redimida, «até aos confins da terra» (cf. At 1, 7-8).
A confiança na semente do Reino de Deus e na lógica da Páscoa não pode deixar de moldar também o nosso modo de comunicar. Tal confiança que nos torna capazes de atuar – nas mais variadas formas em que acontece hoje a comunicação – com a persuasão de que é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na realidade de cada história e no rosto de cada pessoa.
Quem, com fé, se deixa guiar pelo Espírito Santo, torna-se capaz de discernir em cada evento o que acontece entre Deus e a humanidade, reconhecendo como Ele mesmo, no cenário dramático deste mundo, esteja compondo a trama duma história de salvação. O fio, com que se tece esta história sagrada, é a esperança, e o seu tecedor só pode ser o Espírito Consolador. A esperança é a mais humilde das virtudes, porque permanece escondida nas pregas da vida, mas é semelhante ao fermento que faz levedar toda a massa. Alimentamo-la lendo sem cessar a Boa Notícia, aquele Evangelho que foi «reimpresso» em tantas edições nas vidas dos Santos, homens e mulheres que se tornaram ícones do amor de Deus. Também hoje é o Espírito que semeia em nós o desejo do Reino, através de muitos «canais» vivos, através das pessoas que se deixam conduzir pela Boa Notícia no meio do drama da história, tornando-se como que faróis na escuridão deste mundo, que iluminam a rota e abrem novas sendas de confiança e esperança.
Vaticano, 24 de janeiro
AS DOENÇAS DA CÚPULA
O Papa Francisco, pleno do Espírito Santo, fez esta homilia por ocasião do Natal dos funcionários da Cúria Romana, mas que vale para TODOS os que ocupam qualquer cargo de direção de comunidades !(os números em forma de link remetem às notas de rodapé do site do Vaticano).
ENCONTRO COM OS CARDEAIS E COLABORADORES DA CÚRIA ROMANA
PARA A TROCA DE BONS VOTOS DE NATAL
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
Sala Clementina
Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2014
A Cúria é chamada a melhorar, a melhorar sempre, crescendo em comunhão, santidade e sabedoria para realizar plenamente a sua missão.[7] No entanto ela, como qualquer corpo, como todo o corpo humano, está sujeita também às doenças, ao mau funcionamento, à enfermidade. E aqui gostava de mencionar algumas destas prováveis doenças, doenças curiais: as doenças mais habituais na nossa vida de Cúria. São doenças e tentações que enfraquecem o nosso serviço ao Senhor. Creio que nos ajudará ter o «catálogo» das doenças – na esteira dos Padres do deserto, que faziam tais catálogos – de que falamos hoje: ajudar-nos-á a preparar-nos para o sacramento da Reconciliação, que constituirá, para todos nós, um bom passo a fim de nos prepararmos para o Natal.
1. A doença de sentir-se «imortal», «imune» ou mesmo «indispensável», descuidando os controles habitualmente necessários. Uma Cúria que não se auto-critica, não se atualiza, nem procura melhorar é um corpo enfermo. Uma normal visita ao cemitério poder-nos-ia ajudar a ver os nomes de tantas pessoas, algumas das quais talvez pensassem que eram imortais, imunes e indispensáveis! É a doença do rico insensato do Evangelho, que pensava viver eternamente (cf. Lc 12, 13-21), e também daqueles que se transformam em patrões, sentindo-se superiores a todos e não ao serviço de todos. Tal doença deriva muitas vezes da patologia do poder, do «complexo dos Eleitos», do narcisismo que se apaixona pela própria imagem e não vê a imagem de Deus gravada no rosto dos outros, especialmente dos mais frágeis e necessitados.[8] O antídoto para esta epidemia é a graça de nos sentirmos pecadores e dizer com todo o coração: «Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer» (Lc 17, 10).
2. A doença do «martismo» (que vem de Marta), da atividade excessiva, ou seja, daqueles que mergulham no trabalho, negligenciando inevitavelmente «a melhor parte»: sentar-se aos pés de Jesus (cf. Lc 10, 38-42). Por isso, Jesus convidou os seus discípulos a «descansar um pouco» (cf. Mc 6, 31), porque descuidar o descanso necessário leva ao stresse e à agitação. O tempo do repouso, para quem levou a cabo a sua missão, é necessário, obrigatório e deve ser vivido seriamente: passar algum tempo com os familiares e respeitar as férias como momentos de recarga espiritual e física; é preciso aprender o que ensina Coélet: «Para tudo há um momento e um tempo par cada coisa» (3,1).
3. Há também a doença do «empedernimento» mental e espiritual, ou seja, daqueles que possuem um coração de pedra e uma «cerviz dura» (At 7, 51); daqueles que, à medida que vão caminhando, perdem a serenidade interior, a vivacidade e a ousadia e escondem-se sob os papéis, tornando-se «máquinas de práticas» e não «homens de Deus» (cf. Heb 3, 12). É perigoso perder a sensibilidade humana, necessária para nos fazer chorar com os que choram e alegrar-nos com os que estão alegres! É a doença daqueles que perdem «os sentimentos de Jesus» (cf. Flp 2, 5-11), porque o seu coração, com o passar do tempo, se endurece tornando-se incapaz de amar incondicionalmente o Pai e o próximo (cf. Mt 22, 34-40). De facto, ser cristão significa «ter os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Flp 2, 5), sentimentos de humildade e doação, desprendimento e generosidade.[9]
4. A doença da planificação excessiva e do funcionalismo. Quando o apóstolo planifica tudo minuciosamente e julga que, se fizer uma planificação perfeita, as coisas avançam efetivamente, torna-se um contabilista ou comercialista. É necessário preparar tudo bem, mas sem nunca cair na tentação de querer conter e pilotar a liberdade do Espírito Santo, que sempre permanece maior e mais generosa do que toda a planificação humana (cf. Jo 3, 8). Cai-se nesta doença, porque «é sempre mais fácil e confortável acomodar-se nas próprias posições estáticas e inalteradas. Na realidade, a Igreja mostra-se fiel ao Espírito Santo na medida em que põe de lado a pretensão de O regular e domesticar – domesticar o Espírito Santo! – (…) Ele é frescor, criatividade, novidade».[10]
5. A doença da má coordenação. Quando os membros perdem a sincronização entre eles e o corpo perde o seu harmonioso funcionamento e a sua temperança, tornando-se uma orquestra que produz ruído, porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipe. Quando o pé diz ao braço: «Não preciso de ti»; ou a mão à cabeça: «Mando eu», causando assim mal-estar e escândalo.
6. Há também a doença do «alzheimer espiritual», ou seja, o esquecimento da «história da salvação», da história pessoal com o Senhor, do «primitivo amor» (Ap 2, 4). Trata-se de um progressivo declínio das faculdades espirituais, que, num período mais ou menos longo de tempo, causa grave deficiência à pessoa, tornando-a incapaz de exercer qualquer atividade autónoma, vivendo num estado de absoluta dependência dos seus pontos de vista frequentemente imaginários. Vemo-lo naqueles que perderam a memória do seu encontro com o Senhor; naqueles que não fazem o sentido deuteronômico da vida; naqueles que dependem completamente do seu presente, das suas paixões, caprichos e manias; naqueles que constroem em torno de si muros e costumes, tornando-se cada vez mais escravos dos ídolos que esculpiram com as suas próprias mãos.
7. A doença da rivalidade e da vanglória.[11] Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra se tornam o objectivo primário da vida, esquecendo as palavras de São Paulo: «Nada façais por ambição, nem por vaidade; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em vista os próprios interesses, mas todos e cada um exatamente os interesses dos outros» (Flp 2, 3-4). É a doença que nos leva a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso «misticismo» e um falso «quietismo». O próprio São Paulo define-os «inimigos da cruz de Cristo», porque «gloriam-se da sua vergonha, esses que estão presos às coisas da terra» (Flp 3, 18.19).
8. A doença da esquizofrenia existencial. É a doença daqueles que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que nem doutoramentos nem títulos acadêmicos podem preencher. Uma doença que acomete frequentemente aqueles que, abandonando o serviço pastoral, se limitam às questões burocráticas, perdendo assim o contacto com a realidade, com as pessoas concretas. Deste modo criam um mundo paralelo seu, onde põem de lado tudo o que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma vida escondida e muitas vezes dissoluta. A conversão é muito urgente e indispensável para esta gravíssima doença (cf. Lc 15, 11-32).
9. A doença das bisbilhotices, das murmurações e das críticas. Desta doença, já falei muitas vezes, mas nunca é demais. Trata-se de uma doença grave, que começa de forma simples, talvez por duas bisbilhotices apenas, e acaba por se apoderar da pessoa fazendo dela uma «semeadora de cizânia» (como satanás) e, em muitos casos, «homicida a sangue frio» da fama dos próprios colegas e confrades. É a doença das pessoas velhacas que, não tendo a coragem de dizer diretamente, falam pelas costas. São Paulo adverte-nos: «Fazei tudo sem murmurações nem discussões, para serdes irrepreensíveis e íntegros» (Flp 2, 14-15). Irmãos, livremo-nos do terrorismo das bisbilhotices!
10. A doença de divinizar os líderes: é a doença daqueles que fazem a corte aos Superiores, na esperança de obter a sua benevolência. São vítimas do carreirismo e do oportunismo, honram as pessoas e não Deus (cf. Mt 23, 8-12). São pessoas que vivem o serviço, pensando unicamente no que devem obter e não no que devem dar. Pessoas mesquinhas, infelizes e movidas apenas pelo seu egoísmo fatal (cf. Gal 5, 16-25). Esta doença poderia atingir também os Superiores, quando fazem a corte a algum dos seus colaboradores para obter a sua submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade.
11. A doença da indiferença para com os outros. Quando cada um só pensa em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando o mais experiente não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas menos experientes. Quando se teve conhecimento de alguma coisa e guarda-se para si mesmo em vez de a compartilhar positivamente com os outros. Quando, por ciúmes ou por astúcia, se sente alegria ao ver o outro cair, em vez de o levantar e encorajar.
12. A doença da cara fúnebre, ou seja, das pessoas rudes e amargas que consideram que, para se ser sério, é preciso pintar o rosto de melancolia, de severidade e tratar os outros – sobretudo aqueles considerados inferiores – com rigidez, dureza e arrogância. Na realidade, muita vezes, a severidade teatral e o pessimismo estéril[12] são sintomas de medo e insegurança de si mesmo. O apóstolo deve esforçar-se por ser uma pessoa gentil, serena, entusiasta e alegre, que transmite alegria onde quer que esteja. Um coração cheio de Deus é um coração feliz que irradia e contagia com a alegria todos aqueles que estão ao seu redor: disso nos damos conta imediatamente! Assim, não percamos aquele espírito jubiloso, bem-humorado e até auto-irônico, que faz de nós pessoas amáveis, mesmo nas situações difíceis.[13] Quanto bem nos faz uma boa dose de são humorismo! Far-nos-á muito bem recitar frequentemente a oração de São Tomás More.[14] Eu rezo-a todos os dias; faz-me bem!
13. A doença do acumular, ou seja, quando o apóstolo procura preencher um vazio existencial no seu coração acumulando bens materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro. Na realidade, nada de material poderemos levar connosco, porque «a mortalha não tem bolsos» e todos os nossos tesouros terrenos – mesmo que sejam presentes – não poderão jamais preencher aquele vazio, antes torná-lo-ão cada vez mais exigente e profundo. A estas pessoas, o Senhor repete: «Dizes: “Sou rico, enriqueci e nada me falta” – e não te dás conta de que és um infeliz, um miserável, um pobre, um cego, um nu (...). Sê, pois, zeloso e arrepende-te» (Ap 3, 17.19). A acumulação apenas torna pesado e retarda inexoravelmente o caminho! Vem-me ao pensamento uma anedota: Outrora os jesuítas espanhóis descreviam a Companhia de Jesus como a «cavalaria ligeira da Igreja». Lembro-me de um jovem jesuíta que mudava de casa e, ao carregar num camião os seus muitos haveres: malas, livros, objetos e presentes, ouviu um velho jesuíta, que o estava a observar, dizer para ele, com um sorriso sábio: E esta seria a «cavalaria ligeira da Igreja»? As coisas que transportamos são um sinal desta doença.
14. A doença dos círculos fechados, onde a pertença ao grupo se torna mais forte que a pertença ao Corpo e, nalgumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença começa sempre com boas intenções, mas, com o passar do tempo, escraviza os membros tornando-se um cancro que ameaça a harmonia do Corpo e causa um mal imenso – escândalos – especialmente aos nossos irmãos mais pequeninos. A auto-destruição ou o «fogo amigo» dos companheiros de armas é o perigo mais insidioso.[15] É o mal que fere a partir de dentro;[16] e, como diz Cristo, «todo o reino dividido contra si mesmo será devastado» (Lc 11, 17).
15. E a última: a doença do lucro mundano, dos exibicionismos,[17] quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poder. É a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar o seu poder e, para isso, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os outros, inclusive nos jornais e revistas; naturalmente para se exibir e demonstrar-se mais capazes do que os outros. Também esta doença faz muito mal ao Corpo, porque leva as pessoas a justificar o uso de todo e qualquer meio contanto que alcancem tal fim, muitas vezes em nome da justiça e da transparência! Isto faz-me recordar um sacerdote que chamava os jornalistas para lhes contar – e inventar – coisas privadas e confidenciais dos seus confrades e paroquianos. Para ele, contava apenas aparecer nas primeiras páginas, porque deste modo sentia-se «forte e fascinante», causando tanto mal aos outros e à Igreja. Coitado!
Irmãos, naturalmente todas estas doenças e tentações são um perigo para todo o cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial, e podem atingir seja a nível individual seja comunitário.
É preciso deixar claro que o único que pode curar qualquer uma destas doenças é o Espírito Santo, a alma do Corpo Místico de Cristo, como afirma o Credo Niceno-Constantinopolitano: «Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida». É o Espírito Santo que sustenta todo o esforço sincero de purificação e toda a boa vontade de conversão. É Ele que nos faz compreender que cada membro toma parte na santificação do Corpo e no seu enfraquecimento. É Ele o promotor da harmonia.[18] «Ipse harmonia est»: diz São Basílio. E Santo Agostinho observa: «Enquanto uma parte adere ao corpo, a sua cura não é impossível; pelo contrário, o que foi cortado, não pode ser tratado nem curado».[19]
A cura é fruto também da consciencialização da doença e da decisão pessoal e comunitária de se curar suportando, com paciência e perseverança, o tratamento.[20]
PAULO VI E AS INDULGÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA* INDULGENTIARUM DOCTRINA DE SUA SANTIDADE O PAPA PAULO VI
SOBRE A DOUTRINA DAS INDULGÊNCIAS
PAULO BISPO, SERVO DOS SERVOS DE DEUS
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA
I
1. A doutrina e o uso das indulgências vigentes na Igreja Católica há vários séculos encontram sólido apoio na revelação divina, (1) a qual vindo dos Apóstolos "se desenvolve na Igreja sob a assistência do Espírito Santo", enquanto "a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus". (2)
Mas para que essa doutrina e esse uso salutares sejam de modo exato compreendidos, é necessário relembrar certas verdades em que a Igreja Universal iluminada pela palavra de Deus sempre acreditou, e que os Bispos, sucessores dos Apóstolos, e principalmente os Pontífices Romanos, sucessores de São Pedro, no decorrer dos séculos ensinaram e sempre ensinam, quer no exercício de sua função pastoral, quer em seus documentos doutrinais.
2. Assim nos ensina a revelação divina que os pecados acarretam como conseqüência penas infligidas pela santidade e pela justiça divina, penas que devem ser pagas ou neste mundo, mediante os sofrimentos, dificuldades e tristezas desta vida e sobretudo mediante a morte, (3) ou então no século futuro pelo fogo, pelos tormentos ou penas purgatórias. (4) Da mesma forma achavam-se sempre os fiéis convencidos de que o caminho do mal é semeado de numerosos obstáculos, duro, espinhoso e prejudicial aos que por ele enveredam. (5)
E essas penas são impostas pelo julgamento, de Deus, julgamento a um tempo justo e misericordioso, a fim de purificar as almas, defender a integridade da ordem moral e restituir â glória de Deus a sua plena majestade. Todo pecado, efetivamente, acarreta uma perturbação da ordem universal, por Deus estabelecida com indizível sabedoria e caridade infinita, e uma destruição de bens imensos, quer se considere o pecador como tal quer a comunidade humana. E doutra parte, o pecado nunca deixou de aparecer claramente ao pensamento cristão não só como uma transgressão da lei divina, mas sobretudo, mesmo que não o seja sempre de modo direto e evidente, como um desprezo ou negligência da amizade pessoal entre Deus e o homem (6) e uma ofensa contra Deus, ofensa verdadeira que jamais pode ser avaliada na justa medida, afinal de contas como a recusa por um coração ingrato de amor de Deus que nos é oferecido em Cristo, uma vez que Cristo chamou a seus discípulos amigos e não mais servos. (7)
3. É portanto necessário para o que se chama plena remissão e reparação dos pecados não só que, graças a uma sincera conversão, se restabeleça a amizade com Deus e se expie a ofensa feita à sua sabedoria e bondade, mas também que todos os bens, ou pessoais ou comuns à sociedade ou relativos à própria ordem universal, diminuídos ou destruídos pelo pecado, sejam plenamente restaurados; isto ocorrerá pela reparação voluntária que não se dará sem sofrimento ou pelo suportar as penas fixadas pela justíssima e santíssima sabedoria divina, e com isso brilharão com novo resplendor no mundo inteiro a santidade e o esplendor da glória de Deus. E a existência bem como a gravidade dessas penas fazem reconhecer a insanidade e a malícia do pecado, e também as desgraçadas conseqüências que acarreta.
Podem restar e de fato restam freqüentemente penas a expiar ou seqüelas de pecados a purificar, mesmo depois de remida a falta; (8) a doutrina relativa ao purgatório mui bem o mostra: nesse lugar, com efeito, as almas dos defuntos que "verdadeiramente penitentes deixaram esta vida na caridade de Deus, antes de terem satisfeito suas ofensas e omissões por justos frutos de penitência", (9) são após a morte purificadas pelas penas purgatórias. E as próprias orações litúrgicas são reveladoras orações que desde os mais recuados tempos usa a comunidade cristã no santo sacrifício, pedindo "que nós, que somos justamente afligidos por causa de nossos pecados, sejamos misericordiosamente libertados para a glória de vosso nome". (10)
E todos os homens em seu caminhar neste mundo cometem pecados, ao menos leves, a que se chamam cotidianos: (11) de tal forma que todos têm necessidade da misericórdia de Deus para se verem libertados das conseqüências penais do pecado.
II
4. Por insondável e gratuito mistério da divina disposição, acham-se os homens unidos entre si por uma relação sobrenatural. Esta faz com que o pecado de um prejudique também os outros, assim com a santidade de um traga benefícios aos outros. (12) Assim se prestam os fiéis socorros mútuos para atingirem seu fim eterno. O testemunho dessa união é evidente no próprio Adão, pois seu pecado passa a todos os homens por propagação hereditária. Mas o mais alto e mais perfeito princípio, o fundamento e o modelo dessa relação sobrenatural, é o próprio Cristo, no qual Deus nos chamou a ser inseridos.(13)
5. Com efeito, Cristo, "que não cometeu pecado", "sofreu por nós". (14) "ele foi ferido por causa de nossas iniqüidades, batido por nossos crimes... e por suas feridas fomos curados". (15) Seguindo as pegadas de Cristo, (16) os fiéis sempre procuraram ajudar-se uns aos outros no caminho que conduz ao Pai celeste pela oração, pela apresentação de bens espirituais e pela expiação penitencial; e quanto mais seguiam o fervor da caridade, tanto mais também imitavam a Cristo sofredor, levando sua cruz em expiação de seus pecados e dos outros, convencidos de poderem ajudar a seus irmãos junto a Deus, o Pai das misericórdias, (17) para que obtenham a salvação. É o antiquíssimo dogma da comunhão dos santos, (18) segundo o qual a vida de cada um dos filhos de Deus em Cristo e por Cristo se acha unida por admirável laço à vida de todos os outros irmãos cristãos na sobrenatural unidade do Corpo Místico de Cristo, como numa única pessoa mística. (19) Assim se constitui o "tesouro da Igreja", (20) que não é uma soma de bens comparáveis às riquezas materiais acumuladas no decorrer dos séculos, mas é o valor infinito e inesgotável que têm junto a Deus as expiações e os méritos de Cristo Senhor, oferecidos para que a humanidade toda seja libertada do pecado e chegue à comunhão com o Pai; não é outra coisa que o Cristo Redentor, em quem estão e persistem as satisfações e os méritos de sua redenção. (21) Pertencem além disso a esse tesouro o valor verdadeiramente imenso, incomensurável e sempre novo que têm junto a Deus e as preces e as boas obras da Bem-aventurada Virgem Maria e de todos os Santos, que, seguindo as pegadas de Cristo Senhor, por sua graça se santificaram e totalmente acabaram a obra que o Pai lhes confiara; de sorte que, operando a própria salvação, também contribuíssem para a salvação de seus irmãos na unidade do Corpo Místico.
"Com efeito, todos os que são de Cristo, por terem recebido seu Espírito, se acham unidos numa só Igreja e nele aderem uns aos outros (cf. Ef 4,16). A união dos viajores com os irmãos adormecidos na paz de Cristo, longe de se romper, pelo contrário, se acha reforçada pela comunicação dos bens espirituais, conforme a imutável crença recebida na Igreja. Do fato de sua intima união com Cristo, mais ainda confirmam os bem-aventurados na santidade a Igreja inteira... e de várias maneiras contribuem na crescente obra de sua edificação (cf. 1Cor 12,12-27). De fato, uma vez acolhidos na pátria celeste e permanecendo junto do Senhor (cf. 2Cor 5,8), por ele, com ele e nele não cessam de interceder por nós junto ao Pai, oferecer os méritos que na terra adquiriram, graças a Cristo Jesus, único Mediador, entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5), servindo ao Senhor em tudo e acabando o que falta às tribulações de Cristo em sua carne a favor de seu Corpo que é a Igreja (cf. Cl 1,24). Eis portanto uma ajuda muito preciosa que sua fraternal solicitude traz à nossa fraqueza". (22)
Por isso entre os fiéis já admitidos na pátria celeste, os que expiam as faltas no purgatório e os que ainda peregrinam sobre a terra, existe certamente um laço de caridade e um amplo intercâmbio de todos os bens pelos quais, na expiação de todos os pecados do Corpo Místico em sua totalidade, é aplacada a justiça de Deus; e também se inclina a misericórdia divina ao perdão, a fim de que os pecadores arrependidos sejam mais depressa conduzidos a plenamente gozar dos bens da família de Deus.
III
6. Consciente dessas verdades, desde o princípio a Igreja conheceu e praticou vários modos de agir para que os frutos da redenção do Senhor fossem aplicados a cada fiel e cooperassem os fiéis na salvação de seus irmãos, e assim todo o corpo da Igreja fosse preparado na justiça e na santidade para o pleno advento do Reino de Deus, quando Deus há de ser tudo em todos. Os próprios Apóstolos exortavam a seus discípulos a rezarem pela salvação dos pecadores; (23) e tal usança santamente se manteve entre os muito antigos costumes da Igreja, (24) sobretudo quando os penitentes pediam a intercessão de toda a comunidade (25) e os falecidos eram ajudados pelas preces de todos, especialmente pelo oferecimento do sacrifício eucarístico. (26) E mesmo as boas obras, e primeiramente as difíceis de executar à fraqueza humana, eram na Igreja, desde antigos tempos, oferecidas a Deus pela salvação dos pecadores. (27) Doutro lado, como os sofrimentos dos mártires pela fé e pela lei de Deus eram considerados de alto preço, costumavam os penitentes pedir aos mártires que os ajudassem com seus méritos, a fim de mais rapidamente serem admitidos à reconciliação pelos Bispos. (28) Eram com efeito a tal ponto estimadas as orações e as boas obras dos justos, que o penitente, afirmava-se, era lavado, purificado e remido graças à ajuda de todo o povo cristão. (29)
Em tudo isto, entretanto, não se pensava que cada um dos fiéis operasse apenas com os próprios recursos pela remissão dos pecados dos outros irmãos; cria-se de fato que a Igreja, como um só corpo, unida a Cristo seu chefe, satisfazia em cada um de seus membros. (30) E ainda a Igreja dos Padres tinha a convicção de que prosseguia a obra de salvação em comunhão com os Pastores e sob a autoridade desses últimos, que o Espírito Santo colocava como bispos com o múnus de dirigir a Igreja de Deus. (31) Eis por que os Bispos, prudentemente pesando todas as coisas, estabeleciam o modo e a medida de satisfação a dar e permitiam mesmo que as penitências canônicas fossem pagas por outras obras mais fáceis talvez, propícias ao bem de todos ou capazes de favorecer a piedade, que os próprios penitentes ou ainda por vezes outros fiéis tivessem realizado. (32)
IV
7. A convicção existente na Igreja de que os Pastores do rebanho do Senhor podem por meio da aplicação dos méritos de Cristo e dos Santos libertar cada fiel dos restos de seus pecados introduziu aos poucos no correr dos séculos, pelo sopro do Espírito Santo que sempre anima o Povo de Deus, o uso das indulgências; uso pelo qual se efetuou um progresso, não uma mudança, (33) na doutrina e na disciplina da Igreja, e da raiz que é a revelação brotou um novo bem para a utilidade dos fiéis e de toda a Igreja.
Pouco a pouco se propagou o uso das indulgências e se tornou um fato notório na história da Igreja desde que os Pontífices Romanos decretaram que certas obras favoráveis ao bem geral da Igreja "poderiam ser imputadas ao título de uma penitência total"; (34) e aos fiéis "verdadeiramente penitentes, que tivessem confessado seus pecados" e realizassem tais obras, esses mesmos Pontífices "pela misericórdia de Deus e... confiando nos méritos e na autoridade dos apóstolos", "na plenitude do poder apostólico" concediam o perdão não só pleno e abundante, mas até o mais cabal, de todos os seus pecados". (35) Pois "o Filho unigênito de Deus adquiriu um grande tesouro para a Igreja Militante... Esse tesouro... quis ele fosse distribuído aos fiéis para sua salvação por são Pedro, portador das chaves do céu, e por seus sucessores, seus vigários na terra, e fosse, por motivos particulares e razoáveis, a fim de remir ora parcial ora completamente a pena temporal devida ao pecado, misericordiosamente aplicado, em geral ou em particular, como diante de Deus se julgasse mais útil, aos que, verdadeiramente penitentes se tivessem confessado. Sabe-se que os méritos da Bem-aventurada Mãe de Deus e de todos os eleitos contribuem para a riqueza desse tesouro". (36)
8. Essa remissão da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à falta foi chamada propriamente "indulgência" .(37)
Nisso a indulgência apresenta traços comuns com os outros modos ou meios destinados a apagar as conseqüências dos pecados, mas deles também se distingue claramente.
Com efeito, na indulgência, usando de seu poder de administradora da redenção de Cristo Senhor, a Igreja não se contenta com rezar, mas por sua autoridade abre ao fiel convenientemente disposto o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos pela remissão da pena temporal.(38)
O fim intencionado pela autoridade eclesiástica na concessão das indulgências é não apenas ajudar os fiéis a pagarem as penas que devem, mais ainda incitá-los ao exercício das obras de piedade, de penitência e de caridade e, particularmente, das obras que conduzem ao progresso da fé e ao bem geral.(39)
Se os fiéis transferem as indulgências a favor dos defuntos, exercem então de maneira excelente a caridade e, elevando seu pensamento para as realidades celestes, tratam as coisas terrestres do modo mais correto.
O Magistério da Igreja expôs e defendeu esta doutrina em diversos documentos. (40) Aconteceu às vezes, é verdade, introduzirem-se abusos no uso das indulgências, quer "por concessões injustificadas e supérfluas" tivesse sido aviltado o poder das chaves que a Igreja possui e enfraquecida a satisfação penitencial, (41) quer como conseqüência de "proveitos ilícitos" fosse desonrado o próprio nome das indulgências. (42) Mas, retificando e corrigindo os abusos, a Igreja "ensina e ordena que o uso das indulgências, particularmente salutar ao povo cristão e aprovado pela autoridade dos santos concílios, seja conservado na Igreja, e fere com o anátema aos que afirmam serem inúteis as indulgências e negam à Igreja o poder de as conceder". (43)
9. Ainda hoje convida a Igreja todos os seus filhos a considerarem e a meditarem na vantagem que pode oferecer o uso das indulgências, para favorecer a vida de cada um deles bem como a de toda a comunidade cristã. Para brevemente relembrar os principais benefícios, a usança salutar das indulgências ensina "como é triste e amargo ter abandonado o Senhor Deus". (44) Pois os fiéis, quando se empenham em ganhar as indulgências, compreendem que por suas próprias forças não podem expiar o prejuízo que se infligiram a si mesmos e a toda a comunidade, e por isso são excitados a uma salutar humildade.
Além disso, o uso das indulgências ensina com que íntima união em Cristo estamos ligados uns aos outros e que ajuda a vida sobrenatural de cada um pode trazer aos outros, a fim de mais fácil e estreitamente se unirem ao Pai. Assim, o uso das indulgências inflama eficazmente a caridade e de modo excelente a exerce quando se leva um auxílio aos irmãos adormecidos em Cristo.
10. A prática das indulgências eleva igualmente à confiança e à esperança da total reconciliação com Deus Pai; contanto, evidentemente, que ela se desenvolva sem dar margem a nenhuma negligência nem diminuir a preocupação de se dispor devidamente à plena comunhão com Deus. Com efeito, embora sejam as indulgências benefícios gratuitos, não são concedidas tanto a favor dos vivos como dos defuntos a não ser que se cumpram as condições requeridas para sua obtenção. Duma parte devem ser cumpridas as boas obras prescritas, doutra parte deve o fiel apresentar as disposições exigidas, isto é, que ame a Deus, deteste os pecados, tenha confiança nos méritos de Cristo e firmemente creia na grande utilidade que para ele mesmo representa a comunhão dos Santos.
Não se deve deixar em silêncio que, adquirindo as indulgências, os fiéis docilmente se submetem aos legítimos Pastores da Igreja, e particularmente ao sucessor de são Pedro, que tem as chaves do céu, aos Pastores que o próprio Salvador mandou apascentar e conduzir sua Igreja.
A salutar instituição das indulgências contribui, assim, por sua parte, para que a Igreja se apresente a Cristo sem mancha nem ruga, mas santa e imaculada, (45) admiravelmente unida em Cristo pelo elo da caridade sobrenatural. De fato, por meio das indulgências são os membros da Igreja padecente mais rapidamente agregados à Igreja triunfante. Daí resulta que por essas mesmas indulgências o Reino de Cristo se instaura muito mais rapidamente "até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e de pleno conhecimento do Filho de Deus, à idade de homem perfeito, à medida da estatura que convém ao complemento de Cristo". (46)
11. Assim, apoiando-se nessas verdades, nossa santa Mãe Igreja ainda uma vez recomendando aos fiéis o uso das indulgências, que foi tão caro ao povo cristão por tantos séculos e o é ainda, como o prova a experiência, não quer tirar nada às outras formas de santificação, em primeiro lugar ao santíssimo sacrifício da missa e aos sacramentos, sobretudo ao sacramento da Penitência, e em seguida aos abundantes socorros agrupados sob o nome de sacramentais, assim como às obras de piedade, de penitência e de caridade. Todos esses meios têm isto em comum: operar a santificação e a purificação com tanto maior eficácia quanto mais estreitamente estiver o fiel pela caridade unido a Cristo-Cabeça e à Igreja-Corpo. A preeminência da caridade na vida cristã é até confirmada pelas indulgências. Pois não podem estas ser adquiridas sem uma sincera metanóia e sem união com Deus, a que visa o cumprimento das obras. É portanto mantida a ordem da caridade, esta ordem na qual se insere a remissão das penas pela distribuição do tesouro da Igreja.
Enfim, exortando seus fiéis a não abandonarem ou subestimarem as santas tradições de seus pais, mas a religiosamente aceitá-las como um precioso tesouro da família cristã e a segui-las, deixa a Igreja contudo cada um usar dos meios de purificação e de santificação com a santa e justa liberdade dos filhos de Deus; doutra parte ela sempre de novo vem lembrar-lhes o que deve ser colocado em primeiro lugar nos meios ordenados à salvação, isto é, os que são necessários, os melhores e mais eficazes. (47)
Mas para que o mesmo uso das indulgências fosse levado à máxima dignidade e altíssima estima, houve por bem a nossa santa Mãe Igreja introduzir algumas inovações na disciplina dessas indulgências e decidiu publicar novas normas.
V
12. As normas seguintes trazem à disciplina das indulgências as mudanças oportunas, não sem ter recolhido as propostas das Conferências Episcopais.
As ordenações do Código de Direito Canônico e dos Decretos da Santa Sé relativas às indulgências que coincidirem com as novas normas ficam inalteradas.
Na elaboração destas normas se levaram em conta principalmente três pontos: estabelecer nova medida no que toca à indulgência parcial; estabelecer uma conveniente redução das indulgências plenárias; enfim, para as indulgências chamadas reais e locais, reduzi-las a uma forma mais simples e mais digna.
No que tange à indulgência parcial, fica abolida a antiga determinação por dias e anos; escolhe-se nova norma ou medida segundo a qual a própria ação do fiel, que cumpre a obra enriquecida duma indulgência, é levada em consideração.
E uma vez que por sua ação pode o fiel obter - além do mérito, fruto principal da ação - uma remissão da pena temporal e uma remissão tanto mais ampla quanto maior é a caridade do que age e importante a obra realizada, decidiu-se que a remissão da pena temporal que o fiel adquire por seu ato dará a medida da remissão de pena que a autoridade eclesiástica acrescenta com liberalidade mediante a indulgência parcial.
Quanto às indulgências plenárias, julgou-se oportuno reduzir convenientemente o número das mesmas, para que os fiéis as apreciem de modo mais justo e as possam adquirir, porque então hão de apresentar as condições requeridas. Pois o que mais freqüentemente acontece, retém pouco a atenção; o que mais abundantemente se oferece, pouco se preza; além disso, a maior parte dos fiéis precisa de tempo suficiente para convenientemente preparar-se para a aquisição da indulgência plenária.
No que toca às indulgências reais e locais, não apenas foi muito reduzido o número delas, como também suprimido o próprio nome, de modo que venha a aparecer mais claramente que são enriquecidas de indulgências as ações dos fiéis e não as coisas e os lugares, uma vez que esses últimos elementos não são mais que ocasiões de se adquirirem as indulgências. Além do mais, os membros das pias associações podem obter as indulgências que lhes são próprias, realizando as obras prescritas, e já não e exigido o uso de suas insígnias.
NORMAS
N. 1. Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos.
N. 2. A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmente da pena devida pelos pecados.
N. 3. As indulgências, ou parciais ou plenárias, podem sempre aplicar-se aos defuntos por modo de sufrágio.
N. 4. Doravante indicar-se-á a indulgência parcial apenas por estas palavras: "indulgência parcial", sem determinação alguma de dias e anos.
N. 5. Ao fiel que, ao menos contrito de coração, realiza uma obra enriquecida duma indulgência parcial, é concedida pela Igreja uma remissão de pena temporal igual à que ele mesmo obtém por sua ação.
N. 6. A indulgência plenária só pode ser adquirida uma vez por dia, ressalvada a prescrição da norma 18 para os que se acham "in articulo mortis". Mas pode adquirir-se a indulgência parcial várias vezes no mesmo dia, a menos que expressamente seja indicada outra disposição.
N. 7. Para adquirir a indulgência plenária é preciso fazer uma obra enriquecida de indulgência e preencher as seguintes três condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice. Requer-se além disso rejeitar todo o apego ao pecado, qualquer que seja, mesmo venial. Se falta essa plena disposição ou não se cumprem as supramencionadas condições, ficando intacta a prescrição da norma 11 para os que se acham "impedidos", a indulgência será apenas parcial.
N. 8. As três condições podem ser preenchidas em dias diversos, antes ou após a realização da obra prescrita; mas convém que a comunhão e a oração nas intenções do Soberano Pontífice se façam no mesmo dia em que se faz a obra.
N. 9. Com uma só confissão sacramental, podem adquirir-se várias indulgências plenárias, mas para cada indulgência plenária é necessária uma comunhão e as orações nas intenções do Sumo Pontífice.
N. 10. A condição da oração nas intenções do Sumo Pontífice pode ser plenamente cumprida recitando em suas intenções um Pai-nosso e Ave-Maria; mas é facultado a todos os fiéis recitarem qualquer outra oração conforme sua piedade e devoção para com o Pontífice Romano.
N. 11. Sem prejuízo da faculdade dada aos confessores pelo cân. 935 do CDC de comutarem para aqueles "que se acham impedidos" ou a obra prescrita ou as condições requeridas, podem os ordinários locais conceder aos fiéis sob sua autoridade, conforme as normas do direito, caso morem esses fiéis em lugares onde lhes é impossível ou ao menos mui difícil confessar-se ou comungar, a possibilidade de ganharem a indulgência plenária sem confissão e comunhão imediata, contanto que tenham o coração contrito e estejam dispostos a se aproximarem desses sacramentos logo que o puderem.
N. 12. Fica abolida a distinção das indulgências em pessoais, reais e locais, para fazer aparecer mais claramente que são as ações dos fiéis as enriquecidas com indulgências, mesmo que às vezes ligadas a um objeto ou a um lugar.
N. 13. O Manual das Indulgências será revisto a fim de que não sejam enriquecidas de indulgências senão as principais orações e obras de piedade, de caridade e de penitência.
N. 14. Os catálogos e compilações de indulgências das ordens, congregações religiosas, sociedades de vida comum sem votos, institutos seculares e associações pias de fiéis serão revistos assim que possível, para a indulgência plenária poder ser adquirida só em certos dias particulares, marcados pela Santa Sé, sob proposta do superior geral ou, em se tratando de associações pias, do ordinário do lugar.
N. 15. Em todas as igrejas, oratórios públicos ou semi-públicos - para os que legitimamente usam desses últimos - pode-se ganhar a indulgência de 2 de novembro, que só pode ser aplicada aos defuntos. Além disso nas igrejas paroquiais pode-se ganhar a indulgência plenária em duas ocasiões por ano: na festa do titular e no dia 2 de agosto, dia da indulgência da "Porciúncula" ou noutro dia mais oportuno que o ordinário fixará. Todas as supramencionadas indulgências podem ganhar-se nos referidos dias ou, com o consentimento do ordinário, no domingo precedente ou no domingo seguinte. As outras indulgências, ligadas a igrejas ou oratórios, serão o mais cedo possível revistas.
N. 16. A obra prescrita para ganhar a indulgência plenária ligada a uma igreja ou oratório é a visita piedosa durante a qual se recitará a oração dominical e o símbolo da fé (Pai-nosso e Creio).
N. 17. Aos fiéis que utilizam religiosamente um objeto de piedade (crucifixo, cruz, terço, escapulário, medalha), validamente abençoado por um padre, concede-se indulgência parcial. Ademais, se o objeto de piedade foi bento pelo Soberano Pontífice ou por um bispo, os fiéis que religiosamente ousam podem também obter a indulgência plenária no dia da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, ajuntando, porém, a profissão de fé sob uma forma legitima.
N. 18. No caso da impossibilidade de haver um padre para administrar a um fiel em perigo de morte os sacramentos e a bênção apostólica com a indulgência plenária a ela ligada, de que se trata no cân. 468, parágrafo 2, do CDC, concede benignamente nossa piedosa Mãe Igreja a esse fiel bem disposto a indulgência plenária a lucrar em artigo de morte, com a condição de ter ele durante a vida habitualmente recitado algumas orações. Para aquisição dessa indulgência é louvável empregar um crucifixo ou uma cruz. Essa mesma indulgência plenária em artigo de morte pode ser ganha por um fiel, ainda que ele já tenha no mesmo dia ganho outra indulgência plenária.
N. 19. As normas estabelecidas quanto às indulgências plenárias, especialmente a norma 6, são aplicáveis às indulgências plenárias que até então se chamavam toties quoties.
N. 20. Nossa piedosa Mãe Igreja, em sumo grau solicita pelos fiéis defuntos, resolveu conceder-lhes os seus sufrágios na mais ampla medida em cada sacrifício da missa, ab-rogando por outro lado todo privilégio neste domínio.
As novas normas regulando a aquisição das indulgências entrarão em vigor três meses após o dia da publicação desta Constituição nas Acta Apostolicae Sedis.
As indulgências ligadas ao uso de objetos de piedade, não mencionadas acima, cessarão três meses após o dia da publicação desta Constituição nas Acta Apostolicae Sedis.
As revisões de que se falou nas normas 14 e 15 devem ser propostas à Sagrada Penitenciaria Apostólica durante o ano. Após dois anos, a partir da data desta Constituição, cessarão de vigorar as indulgências que não tiverem sido confirmadas.
Queremos que estas decisões e prescrições sejam firmes e eficazes no futuro, não obstante eventualmente as Constituições e Ordenações Apostólicas emanadas de nossos predecessores e outras prescrições mesmo dignas de menção ou de exceção particulares.
Dado em Roma, junto de São Paulo, na oitava da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a 1 de janeiro de 1967, quarto do nosso pontificado.
PAPA PAULO VI
BENTO XVI A UM ATEU
(de católicos on line)
Bento XVI escreve a ateu
Oito meses após sua renúncia, Bento XVI rompe o silêncio e lembra ao mundo que na base de todo o diálogo está a sinceridade
Bento XVI voltou a surpreender o mundo recentemente, após um longo período de recolhimento, desde que apresentou sua renúncia, em fevereiro passado. Em uma carta de 11 páginas, o Papa Emérito respondeu às críticas do ateu italiano Piergiorgio Odifreddi, feitas no livro "Caro Papa, escrevo-te", a propósito da pesquisa teológica e dos escândalos envolvendo a Igreja.
No texto, o Papa Emérito demonstra uma incrível capacidade de diálogo, passeando, sem medo, por temas bastante espinhosos. Sem menosprezar o esforço de Odifreddi, Bento XVI elogia a busca por um diálogo aberto com a fé da Igreja Católica, ao mesmo tempo em que também o adverte de um juízo equivocado quanto à pessoa de Cristo, convidando-o "a tornar-se um pouco mais competente do ponto de vista histórico". "O que o senhor diz sobre a figura de Jesus não é digno do seu nível científico", reclama o teólogo.
A carta é de uma sabedoria espantosa. Para além dos julgamentos cínicos que ora circundam as redações de tantos jornais e cátedras universitárias, o Papa afasta com maestria a figura de "cardealpanzer" que durante anos tentaram lhe imputar. Algo que talvez explique o silêncio sintomático das manchetes jornalísticas - que, obviamente, deram destaque apenas às palavras de Bento XVI sobre a pedofilia -, frente ao conteúdo denso da missiva do Santo Padre. Com uma mídia acostumada a fazer sonetos à lua, esperar que se faça um retrato honesto do que fala a Santa Igreja é flertar com o ridículo.
Refutando a tese de Odifreddi, com a qual o professor julga ser a teologia mera "ficção científica", Bento XVI recorda que a função dessa nobre ciência é, justamente, "manter a religião ligada à razão, e a razão, à religião". Com efeito, a carta do Papa Emérito lembra o conceito de Santo Agostinho sobre a "teologia física". Desde os seus primórdios, os pensadores cristãos procuraram afastar a fé em Jesus Cristo da origem comum de outras religiões, diga-se, os mitos e a política, dando ao conhecimento a primazia de seus estudos. Por isso, é falsa a acusação de que no cristianismo não se encontra nada de relevante ao pensamento filosófico, uma vez que foi precisamente nesta fé que "o racionalismo se tornou religião e não mais seu adversário" 01.
Do mesmo modo que uma fé radicada nos mitos pode ser perigosa, também a razão sem a fé pode causar grandes estragos. Não por acaso o século das luzes culminou nos estilhaços da II Guerra Mundial, já que "o que gera a insanidade é exatamente a razão", dizia G.K. Chesterton 02. Por conseguinte, responde o Papa, "no meu diálogo com Habermas, mostrei que existem patologias da religião e – não menos perigosas – patologias da razão. Ambas precisam uma da outra, e mantê-las continuamente conectadas é uma importante tarefa da teologia".
A propósito dos crimes de pedofilia, Bento XVI responde que "se não é lícito calar sobre o mal na Igreja, também não se deve silenciar, porém, sobre o grande rastro luminoso de bondade e de pureza, que a fé cristã traçou ao longo dos séculos". Seria uma grande tolice medir a Igreja pela régua dos traidores. Assim como a história da arquitetura remete às grandes obras, a do povo de Deus remete aos grandes santos, e não o contrário.
Finalizando a carta, o Santo Padre diz ao seu interlocutor: "a minha crítica, em parte, é dura. Mas a franqueza faz parte do diálogo; só assim o conhecimento pode crescer". Grande Bento XVI. Com sua sabedoria simples - e ao mesmo tempo profunda - o Papa Emérito sai de seu retiro e recorda que na base de todo diálogo está a sinceridade.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
1. RATZINGER, Joseph, D'ARCAIS, Paolo. Deus Existe. Planeta
2. CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. Mundo Cristão.
CANONIZAÇÃO DE DOIS PAPAS
27 abril 2014 Autor: Bíblia Católica | Postado em: Sem categoria
VATICANO, 27 Abr. 14 / 09:00 am (ACI/EWTN Noticias).- Em uma cerimônia sem precedentes na história da Igreja, o Papa Francisco declarou santos a São João Paulo II e São João XXIII durante uma missa concelebrada por mais de mil pastores entre cardeais, bispos e sacerdotes, incluindo o Pontífice Emérito Bento XVI.
Esta é a íntegra da homilia que pronunciou o Papa Francisco:
No centro deste domingo, que encerra a Oitava de Páscoa e que João Paulo II quis dedicar à Divina Misericórdia, encontramos as chagas gloriosas de Jesus ressuscitado.
Já as mostrara quando apareceu pela primeira vez aos Apóstolos, ao anoitecer do dia depois do sábado, o dia da Ressurreição. Mas, naquela noite, Tomé não estava; e quando os outros lhe disseram que tinham visto o Senhor, respondeu que, se não visse e tocasse aquelas feridas, não acreditaria. Oito dias depois, Jesus apareceu de novo no meio dos discípulos, no Cenáculo, encontrando-se presente também Tomé; dirigindo-Se a ele, convidou-o a tocar as suas chagas. E então aquele homem sincero, aquele homem habituado a verificar tudo pessoalmente, ajoelhou-se diante de Jesus e disse: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).
Se as chagas de Jesus podem ser de escândalo para a fé, são também a verificação da fé. Por isso, no corpo de Cristo ressuscitado, as chagas não desaparecem, continuam, porque aquelas chagas são o sinal permanente do amor de Deus por nós, sendo indispensáveis para crer em Deus: não para crer que Deus existe, mas sim que Deus é amor, misericórdia, fidelidade. Citando Isaías, São Pedro escreve aos cristãos: ‘pelas suas chagas, fostes curados’ (1 Ped 2, 24; cf. Is 53, 5).
São João XXIII e São João Paulo II tiveram a coragem de contemplar as feridas de Jesus, tocar as suas mãos chagadas e o seu lado transpassado. Não tiveram vergonha da carne de Cristo, não se escandalizaram d’Ele, da sua cruz; não tiveram vergonha da carne do irmão (cf. Is 58, 7), porque em cada pessoa atribulada viam Jesus. Foram dois homens corajosos, cheios da parresia do Espírito Santo, e deram testemunho da bondade de Deus, da sua misericórdia, à Igreja e ao mundo.
Foram sacerdotes, bispos e papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus; mais forte era a fé em Jesus Cristo, Redentor do homem e Senhor da história; mais forte, neles, era a misericórdia de Deus que se manifesta nestas cinco chagas; mais forte era a proximidade materna de Maria.
Nestes dois homens contemplativos das chagas de Cristo e testemunhas da sua misericórdia, habitava «uma esperança viva», juntamente com «uma alegria indescritível e irradiante» (1 Ped 1, 3.8). A esperança e a alegria que Cristo ressuscitado dá aos seus discípulos, e de que nada e ninguém os pode privar. A esperança e a alegria pascais, passadas pelo crisol do despojamento, do aniquilamento, da proximidade aos pecadores levada até ao extremo, até à náusea pela amargura daquele cálice. Estas são a esperança e a alegria que os dois santos Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado, tendo-as, por sua vez, doado em abundância ao Povo de Deus, recebendo sua eterna gratidão.
Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, de que nos falam os Atos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47). É uma comunidade onde se vive o essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com simplicidade e fraternidade.
E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si. João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e atualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos. Não esqueçamos que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja. Na convocação do Concílio, João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado. Este foi o seu grande serviço à Igreja; foi o Papa da docilidade ao Espírito.
Neste serviço ao Povo de Deus, João Paulo II foi o Papa da família. Ele mesmo disse uma vez que assim gostaria de ser lembrado: como o Papa da família. Apraz-me sublinhá-lo no momento em que estamos a viver um caminho sinodal sobre a família e com as famílias, um caminho que ele seguramente acompanha e sustenta do Céu.
Que estes dois novos santos Pastores do Povo de Deus intercedam pela Igreja para que, durante estes dois anos de caminho sinodal, seja dócil ao Espírito Santo no serviço pastoral à família. Que ambos nos ensinem a não nos escandalizarmos das chagas de Cristo, a penetrarmos no mistério da misericórdia divina que sempre espera, sempre perdoa, porque sempre ama”.
CONSAGRAÇÃO E CONSELHOS EVANGÉLICOS
Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 04-05-2018, Gaudium Press) Cerca de 700 participantes do encontro internacional promovido pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica foram recebido no final da manhã desta sexta-feira pelo Papa Francisco na Sala Paulo VI, no Vaticano.
De 3 a 6 deste mês de maio realiza-se em Roma, na Pontifícia Universidade Antonianum, um encontro sobre o tema: "Consagração por meio dos Conselhos evangélicos". Foi aos participantes deste evento que Francisco falou.
Critérios autênticos
O Papa falou espontaneamente aos consagrados, indicando-lhes critérios autênticos a fim de discernir o que está acontecendo e "não se perder neste mundo, no nevoeiro da mundanidade, nas provocações e no espírito de guerra. Precisamos de critérios autênticos que nos guiem no discernimento".
As Colunas da vida consagrada
Disse o Papa que Espírito Santo "nunca se cansa de ser criativo"!
"Autor da diversidade e ao mesmo tempo Criador de unidade. Ele faz a unidade do Corpo de Cristo, a unidade da consagração. Isso é também um desafio".
"Quais são as coisas que o Espírito quer que se mantenham fortes na vida consagrada?", perguntou o Papa, recordando três critérios autênticos, pilares da vida consagrada: oração, pobreza e paciência, sublinhou Francisco.
Oração
"A oração é voltar sempre ao primeiro chamado", ao encontro com o Senhor que chamou o consagrado a deixar tudo: mãe, pai, família e carreira para segui-Lo de perto. "Toda oração é voltar a isso, ao sorriso dos primeiros passos."
Continuou o Papa: "A oração na vida consagrada é o ar que nos faz respirar o chamado, renovar o chamado. Sem este ar não podemos ser bons consagrados. Seremos talvez pessoas boas, bons cristãos, bons católicos que trabalham em muitas obras da Igreja, mas a consagração deve ser renovada continuamente ali, na oração, no encontro com o Senhor."
"O tempo para a oração deve ser encontrado", reiterou Francisco.
"Não é possível viver a vida consagrada e discernir o que está acontecendo sem conversar com o Senhor."
Pobreza
"A pobreza", como dizia Santo Inácio de Loyola, "é a mãe, o muro de contenção da vida consagrada" e "defende do espírito mundano". O espírito de pobreza não é negociável, pois corre-se o risco de passar da "consagração religiosa" à "mundanidade religiosa". Um percurso que tem três degraus:
"O primeiro: o dinheiro, ou seja, a falta de pobreza. O segundo, a vaidade, que parte do extremo de ser um pavão e vai até as pequenas coisas de vaidade. O terceiro: a soberbia, o orgulho. E, dali, todos os vícios. Mas, o primeiro degrau é o apego às riquezas, o apego ao dinheiro."
Paciência
Entende-se por paciência, "aquela que Jesus teve para chegar ao fim de sua vida", a condição em que depois da última ceia vai ao Horto das Oliveiras.
"Sem paciência se entendem as guerras internas de uma congregação", "os carreirismos nos capítulos gerais", e prossegue Francisco, "algumas decisões tomadas diante de problemas da vida comunitária como a perda das vocações".
"Arte de morrer bem".
O Papa citou para os presentes o exemplo de duas províncias masculinas de duas congregações diferentes que, num país "secularizado", fecharam as portas para a admissão ao noviciado e assim condenam o futuro da congregação naquele período: "Ars bene moriendi", disse o Papa a propósito dessa "Arte de morrer bem".
"Falta paciência e terminamos com o "ars bene moriendi". Falta paciência e não vêm as vocações? Vendemos e nos apegamos ao dinheiro por qualquer coisa que possa acontecer no futuro. Esse é um sinal, um sinal de que se está perto da morte: quando uma congregação começa a apegar-se ao dinheiro. Não tem paciência e cai na falta de pobreza."
Para uma vida religiosa fecunda
"Fiquem atentos à oração, pobreza e paciência", disse Francisco, convidando os consagrados a seguirem essas "opções radicais" na vida pessoal e comunitária, e a apostar nelas.
"Desejo que vocês continuem estudando e sendo fecundos na vida religiosa."
"Nunca se sabe por onde anda a minha fecundidade, mas se você reza, é pobre e paciente, tenha certeza de que será fecundo. Como? O Senhor lhe mostrará. É a receita para a fecundidade. Você será pai, será mãe. É o que eu desejo para a vida religiosa: ser fecunda." (JSG)
(Da Redação Gaudium Press, com informações Vatican News)
Conteúdo publicado em gaudiumpress.org, no linkhttp://www.gaudiumpress.org/content/94976#ixzz5FJZ9mzyM
DEUS TEM O MUNDO EM SUAS MÃOS!
13 de junho de 2012
DEUS TEM EM SUAS MÃOS O MUNDO E A IGREJA
MILÃO, 04 Jun. 12 / 11:46 am (ACI/EWTN Noticias)
O Papa Bento XVI assinalou que embora pareça que a Igreja está a mercê de adversários difíceis, Deus sempre tem em suas mãos o governo do mundo e o coração dos homens.
Assim o indicou o Santo Padre ao concluir ontem o almoço na sede do Arcebispado de Milão (Itália), onde esteve hospedado desde sexta-feira por ocasião do VII Encontro Mundial das Famílias realizado sob o lema: “A família, o trabalho e a festa” no qual participaram pouco mais de um milhão de pessoas de 150 países do mundo inteiro.
Em um brevíssimo discurso improvisado, o Papa disse: “queria simplesmente dizer obrigado por tudo o que vivi nestes dias: esta experiência de Igreja viva”.
Se alguma vez se pode pensar que a barca de Pedro está realmente a mercê de adversários difíceis, também é verdade que vemos que o Senhor está presente, vivo, que ressuscitou realmente, e tem em suas mãos o governo do mundo e o coração dos homens”, afirmou.
“Esta experiência de Igreja viva, que vive do amor de Deus, que vive por Cristo ressuscitado, é o dom destes dias. Por isso damos graças ao Senhor”, concluiu.
Depois disto, o Papa recebeu a saudação do atual Arcebispo de Milão e do Arcebispo Emérito da cidade, Cardeal Angelo Scola e Cardeal Dionigi Tettamanzi, respectivamente. Logo depois das saudações, este último obsequiou ao Santo Padre uma cópia do Evangélico ambrosiano, trabalhado por vários artistas italianos em cuja capa havia um ícone representando o Céu.
HOMILIAS DA SEMANA SANTA
Homilia do Papa Francisco na Missa Crismal no Vaticano - 2014
Amados irmãos no sacerdócio!
No Hoje de Quinta-feira Santa, em que Cristo levou o seu amor por nós até ao extremo (cf. Jo 13, 1), comemoramos o dia feliz da instituição do sacerdócio e o da nossa ordenação sacerdotal. O Senhor ungiu-nos em Cristo com óleo da alegria, e esta unção convida-nos a acolher e cuidar deste grande dom: a alegria, o júbilo sacerdotal. A alegria do sacerdote é um bem precioso tanto para si mesmo como para todo o povo fiel de Deus: do meio deste povo fiel é chamado o sacerdote para ser ungido e ao mesmo povo é enviado para ungir.
Ungidos com óleo de alegria para ungir com óleo de alegria. A alegria sacerdotal tem a sua fonte no Amor do Pai, e o Senhor deseja que a alegria deste amor «esteja em nós» e «seja completa» (Jo 15, 11). Gosto de pensar na alegria contemplando Nossa Senhora: Maria é «Mãe do Evangelho vivente, manancial de alegria para os pequeninos» (Evangelii gaudium, 288), e creio não exagerar se dissermos que o sacerdote é uma pessoa muito pequena: a grandeza incomensurável do dom que nos é dado para o ministério relega-nos entre os menores dos homens. O sacerdote é o mais pobre dos homens, se Jesus não o enriquece com a sua pobreza; é o servo mais inútil, se Jesus não o trata como amigo; é o mais louco dos homens, se Jesus não o instrui pacientemente como fez com Pedro; o mais indefeso dos cristãos, se o Bom Pastor não o fortifica no meio do rebanho. Não há ninguém menor que um sacerdote deixado meramente às suas forças; por isso, a nossa oração de defesa contra toda a cilada do Maligno é a oração da nossa Mãe: sou sacerdote, porque Ele olhou com bondade para a minha pequenez (cf. Lc 1, 48). E, a partir desta pequenez, recebemos a nossa alegria.
Em nossa alegria sacerdotal, encontro três características significativas: uma alegria que nos unge (sem nos tornar untuosos, suntuosos e presunçosos), uma alegria incorruptível e uma alegria missionária que irradia para todos e todos atrai a começar, inversamente, pelos mais distantes.
Uma alegria que nos unge. Quer dizer: penetrou no íntimo do nosso coração, configurou-o e fortificou-o sacramentalmente. Os sinais da liturgia da ordenação falam-nos do desejo materno que a Igreja tem de transmitir e comunicar tudo aquilo que o Senhor nos deu: a imposição das mãos, a unção com o santo Crisma, o revestir-se com os paramentos sagrados, a participação imediata na primeira Consagração... A graça enche-nos e derrama-se íntegra, abundante e plena em cada sacerdote. Ungidos até aos ossos... e a nossa alegria, que brota de dentro, é o eco desta unção.
Uma alegria incorruptível. A integridade do Dom – ninguém lhe pode tirar nem acrescentar nada – é fonte incessante de alegria: uma alegria incorruptível, a propósito da qual prometeu o Senhor que ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Pode ser adormentada ou sufocada pelo pecado ou pelas preocupações da vida, mas, no fundo, permanece intacta como o tição aceso dum cepo queimado sob as cinzas, e sempre se pode renovar. Permanece sempre atual a recomendação de Paulo a Timóteo: reaviva o fogo do dom de Deus, que está em ti pela imposição das minhas mãos (cf. 2 Tm 1, 6).
Uma alegria missionária. Sobre esta terceira característica, quero alongar-me mais convosco sublinhando-a de maneira especial: a alegria do sacerdote está intimamente relacionada com o povo fiel e santo de Deus, porque se trata de uma alegria eminentemente missionária. A unção ordena-se para ungir o povo fiel e santo de Deus: para batizar e confirmar, para curar e consagrar, para abençoar, para consolar e evangelizar. E, sendo uma alegria que flui apenas quando o pastor está no meio do seu rebanho (mesmo no silêncio da oração, o pastor que adora o Pai está no meio das suas ovelhas), é uma «alegria guardada» por este mesmo rebanho. Mesmo nos momentos de tristeza, quando tudo parece entenebrecer-se e nos seduz a vertigem do isolamento, naqueles momentos apáticos e chatos que por vezes nos assaltam na vida sacerdotal (e pelos quais também eu passei), mesmo em tais momentos o povo de Deus é capaz de guardar a alegria, é capaz de proteger-te, abraçar-te, ajudar-te a abrir o coração e reencontrar uma alegria renovada.
«Alegria guardada» pelo rebanho e guardada também por três irmãs que a rodeiam, protegem e defendem: irmã pobreza, irmã fidelidade e irmã obediência.
A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a pobreza. O sacerdote é pobre de alegrias meramente humanas: renunciou a tantas coisas! E, visto que é pobre – ele que tantas coisas dá aos outros –, a sua alegria deve pedi-la ao Senhor e ao povo fiel de Deus. Não deve buscá-la ele mesmo.
Sabemos que o nosso povo é generosíssimo para agradecer aos sacerdotes os mínimos gestos de bênção e, de modo especial, os Sacramentos. Muitos, falando da crise de identidade sacerdotal, não têm em conta que a identidade pressupõe pertença. Não há identidade – e, consequentemente, alegria de viver – sem uma ativa e empenhada pertença ao povo fiel de Deus (Evangelii gaudium, 268). O sacerdote que pretende encontrar a identidade sacerdotal indagando introspectivamente na própria interioridade, talvez não encontre nada mais senão sinais que dizem «saída»: sai de ti mesmo, sai em busca de Deus na adoração, sai e dá ao teu povo aquilo que te foi confiado, e o teu povo terá o cuidado de fazer-te sentir e experimentar quem és, como te chamas, qual é a tua identidade e te fará rejubilar com aquele cem por um que o Senhor prometeu aos seus servos. Se não sais de ti mesmo, o óleo torna-se rançoso e a unção não pode ser fecunda. Sair de si mesmo requer despojar-se de si, comporta pobreza.
A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a fidelidade. Não tanto no sentido de que seremos todos «imaculados» (quem dera que o fôssemos, com a graça de Deus!), dado que somos pecadores, como sobretudo no sentido de uma fidelidade sempre nova à única Esposa, a Igreja. Aqui está a chave da fecundidade. Os filhos espirituais que o Senhor dá a cada sacerdote, aqueles que batizou, as famílias que abençoou e ajudou a caminhar, os doentes que apoia, os jovens com quem partilha a catequese e a formação, os pobres que socorre… todos eles são esta «Esposa» que o sacerdote se sente feliz em tratar como sua predileta e única amada e ser-lhe fiel sem cessar.
É a Igreja viva, com nome e apelido, da qual o sacerdote cuida na sua paróquia ou na missão que lhe foi confiada, é essa que lhe dá alegria quando lhe é fiel, quando faz tudo o que deve fazer e deixa tudo o que deve deixar contanto que permaneça no meio das ovelhas que o Senhor lhe confiou: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 16.17).
A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a obediência. Obediência à Igreja na Hierarquia que nos dá, por assim dizer, não só o âmbito mais externo da obediência: a paróquia à qual sou enviado, as faculdades do ministério, aquele encargo particular... e ainda a união com Deus Pai, de Quem deriva toda a paternidade. Mas também a obediência à Igreja no serviço: disponibilidade e prontidão para servir a todos, sempre e da melhor maneira, à imagem de «Nossa Senhora da prontidão» (cf. Lc 1, 39: meta spoudes), que acorre a servir sua prima e está atenta à cozinha de Caná, onde falta o vinho.
A disponibilidade do sacerdote faz da Igreja a Casa das portas abertas, refúgio para os pecadores, lar para aqueles que vivem na rua, casa de cura para os doentes, acampamento para os jovens, sessão de catequese para as crianças da Primeira Comunhão... Onde o povo de Deus tem um desejo ou uma necessidade, aí está o sacerdote que sabe escutar (ob-audire) e pressente um mandato amoroso de Cristo que o envia a socorrer com misericórdia tal necessidade ou a apoiar aqueles bons desejos com caridade criativa.
Aquele que é chamado saiba que existe neste mundo uma alegria genuína e plena: a de ser tomado pelo povo que uma pessoa ama alguém até ao ponto de ser enviada a ele como dispensadora dos dons e das consolações de Jesus, o único Bom Pastor, que, cheio de profunda compaixão por todos os humildes e os excluídos desta terra, cansados e abatidos como ovelhas sem pastor, quis associar muitos sacerdotes ao seu ministério para, na pessoa deles, permanecer e agir Ele próprio em benefício do seu povo.
Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que faça descobrir a muitos jovens aquele ardor do coração que faz acender a alegria logo que alguém tem a feliz audácia de responder com prontidão à sua chamada. Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que conserve o brilho jubiloso nos olhos dos recém-ordenados, que partem para «se dar a comer» pelo mundo, para consumir-se no meio do povo fiel de Deus, que exultam preparando a primeira homilia, a primeira Missa, o primeiro Batismo, a primeira Confissão... é a alegria de poder pela primeira vez, como ungidos, partilhar – maravilhados – o tesouro do Evangelho e sentir que o povo fiel volta a ungir-te de outra maneira: com os seus pedidos, inclinando a cabeça para que tu os abençoes, apertando-te as mãos, apresentando-te aos seus filhos, intercedendo pelos seus doentes... Conserva, Senhor, nos teus sacerdotes jovens, a alegria de começar, de fazer cada coisa como nova, a alegria de consumar a vida por Ti.
Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que confirme a alegria sacerdotal daqueles que têm muitos anos de ministério. Aquela alegria que, sem desaparecer dos olhos, pousa sobre os ombros de quantos suportam o peso do ministério, aqueles sacerdotes que já tomaram o pulso ao trabalho, reúnem as suas forças e se rearmam: «tomam fôlego», como dizem os desportistas. Conserva, Senhor, a profundidade e a sábia maturidade da alegria dos sacerdotes adultos. Saibam orar como Neemias: a alegria do Senhor é a minha força (cf. Ne 8, 10).
Enfim, nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que brilhe a alegria dos sacerdotes idosos, sãos ou doentes. É a alegria da Cruz, que dimana da certeza de possuir um tesouro incorruptível num vaso de barro que se vai desfazendo. Saibam estar bem em qualquer lugar, sentindo na fugacidade do tempo o sabor do eterno (Guardini). Sintam a alegria de passar a chama, a alegria de ver crescer os filhos dos filhos e de saudar, sorrindo e com mansidão, as promessas, naquela esperança que não desilude.
MENSAGEM URBI ET ORBI- PÁSCOA 2014
Mensagem Urbi et Orbi do papa Francisco - Páscoa de 2014
O papa Francisco presidiu neste domingo, 20, Missa de Páscoa, na Praça de São Pedro.
Participaram da celebração cerca de 100 mil fieis. Ao final da missa, Francisco concedeu a bênção Urbi et Orbi (à cidade de Roma e ao mundo), com sua mensagem para a ocasião.
Mensagem Urbi et Orbi do papa Francisco - Páscoa de 2014
Amados irmãos e irmãs, boa e santa Páscoa!
Ressoa na Igreja espalhada por todo o mundo o anúncio do anjo às mulheres: «Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou (...). Vinde, vede o lugar onde jazia» ( Mt 28, 5-6).
Este é o ponto culminante do Evangelho, é a Boa Nova por excelência: Jesus, o crucificado, ressuscitou! Este acontecimento está na base da nossa fé e da nossa esperança: se Cristo não tivesse ressuscitado, o cristianismo perderia o seu valor; toda a missão da Igreja via esgotar-se o seu ímpeto, porque dali partiu e sempre parte de novo. A mensagem que os cristãos levam ao mundo é esta: Jesus, o Amor encarnado, morreu na cruz pelos nossos pecados, mas Deus Pai ressuscitou-O e fê-Lo Senhor da vida e da morte. Em Jesus, o Amor triunfou sobre o ódio, a misericórdia sobre o pecado, o bem sobre o mal, a verdade sobre a mentira, a vida sobre a morte.
Por isso, nós dizemos a todos: «Vinde e vede». Em cada situação humana, marcada pela fragilidade, o pecado e a morte, a Boa Nova não é apenas uma palavra, mas é um testemunho de amor gratuito e fiel: é sair de si mesmo para ir ao encontro do outro, é permanecer junto de quem a vida feriu, é partilhar com quem não tem o necessário, é ficar ao lado de quem está doente, é idoso ou excluído... « Vinde e vede»: o Amor é mais forte, o Amor dá vida, o Amor faz florescer a esperança no deserto.
Com esta jubilosa certeza no coração, hoje voltamo-nos para Vós, Senhor ressuscitado!
Ajudai-nos a procurar-Vos para que todos possamos encontrar-Vos, saber que temos um Pai e não nos sentimos órfãos; que podemos amar-Vos e adorar-Vos.
Ajudai-nos a vencer a chaga da fome, agravada pelos conflitos e por um desperdício imenso de que muitas vezes somos cúmplices.
Tornai-nos capazes de proteger os indefesos, sobretudo as crianças, as mulheres e os idosos, por vezes objeto de exploração e de abandono.
Fazei que possamos cuidar dos irmãos atingidos pela epidemia de ebola na Guiné Conacri, Serra Leoa e Libéria, e daqueles que são afetados por tantas outras doenças, que se difundem também pela negligência e a pobreza extrema.
Consolai quantos hoje não podem celebrar a Páscoa com os seus entes queridos porque foram arrancados injustamente dos seus carinhos, como as numerosas pessoas, sacerdotes e leigos, que foram sequestradas em diferentes partes do mundo.
Confortai aqueles que deixaram as suas terras emigrando para lugares onde possam esperar um futuro melhor, viver a própria vida com dignidade e, não raro, professar livremente a sua fé.
Pedimos-Vos, Jesus glorioso, que façais cessar toda a guerra, toda a hostilidade grande ou pequena, antiga ou recente!
Suplicamos-Vos, em particular, pela Síria, a amada Síria, para que quantos sofrem as consequências do conflito possam receber a ajuda humanitária necessária e as partes em causa cessem de usar a força para semear morte, sobretudo contra a população inerme, mas tenham a audácia de negociar a paz, há tanto tempo esperada.
Jesus glorioso, pedimos-vos que conforteis as vítimas das violências fratricidas no Iraque e sustenteis as esperanças suscitadas pela retomada das negociações entre israelitas e palestinianos.
Imploramos-Vos que se ponha fim aos combates na República Centro-Africana e que cessem os hediondos ataques terroristas em algumas zonas da Nigéria e as violências no Sudão do Sul.
Pedimos-Vos que os ânimos se inclinem para a reconciliação e a concórdia fraterna na Venezuela.
Pela vossa Ressurreição, que este ano celebramos juntamente com as Igrejas que seguem o calendário juliano, vos pedimos que ilumine e inspire as iniciativas de pacificação na Ucrânia, para que todas as partes interessadas, apoiadas pela Comunidade internacional, possam empreender todo esforço para impedir a violência e construir, num espírito de unidade e diálogo, o futuro do País. Que eles como irmãos possam cantar Хрhctос Воскрес.
Pedimos-Vos, Senhor, por todos os povos da terra: Vós que vencestes a morte, dai-nos a vossa vida, dai-nos a vossa paz! Queridos irmãos e irmãs, feliz Páscoa!
Saudação
Queridos irmãos e irmãs,
Renovo os meus votos de feliz Páscoa a todos vós reunidos nesta Praça, vindos de todas as partes do mundo. Estendo as minhas felicitações pascais a todos que, de diversos países, estão conectados através dos meios de comunicação social. Levai às vossa famílias e às vossas comunidades o feliz anúncio que Cristo nossa paz e nossa esperança ressuscitou!
Obrigado pela vossa presença, pela vossa oração e pelo vosso testemunho de fé. Um pensamento particular e de reconhecimento pelo dom das belíssimas flores, oriundas dos Países Baixos. Feliz Páscoa para todos!
PAPA: MENSAGEM NATAL 2015
"VENCE A INDIFERENÇA E CONQUISTA A PAZ"
1. Deus não é indiferente; importa-Lhe a humanidade! Deus não a abandona! Com esta minha profunda convicção, quero, no início do novo ano, formular votos de paz e bênçãos abundantes, sob o signo da esperança, para o futuro de cada homem e mulher, de cada família, povo e nação do mundo, e também dos chefes de Estado e de governo e dos responsáveis das religiões. Com efeito, não perdemos a esperança de que o ano de 2016 nos veja a todos firme e confiadamente empenhados, nos diferentes níveis, a realizar a justiça e a trabalhar pela paz. Na verdade, esta é dom de Deus e trabalho dos homens; a paz é dom de Deus, mas confiado a todos os homens e a todas as mulheres, que são chamados a realizá-lo.
Conservar as razões da esperança
2. Embora o ano passado tenha sido caracterizado, do princípio ao fim, por guerras e atos terroristas, com as suas trágicas consequências de sequestros de pessoas, perseguições por motivos étnicos ou religiosos, prevaricações, multiplicando-se cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma «terceira guerra mundial por pedaços», todavia alguns acontecimentos dos últimos anos e também do ano passado incitam-me, com o novo ano em vista, a renovar a exortação a não perder a esperança na capacidade que o homem tem, com a graça de Deus, de superar o mal, não se rendendo à resignação nem à indiferença. Tais acontecimentos representam a capacidade de a humanidade agir solidariamente, perante as situações críticas, superando os interesses individualistas, a apatia e a indiferença.
Dentre tais acontecimentos, quero recordar o esforço feito para favorecer o encontro dos líderes mundiais, no âmbito da Cop21, a fim de se procurar novos caminhos para enfrentar as alterações climáticas e salvaguardar o bem-estar da terra, a nossa casa comum. E isto remete para mais dois acontecimentos anteriores de nível mundial: a Cimeira de Adis-Abeba para arrecadação de fundos destinados ao desenvolvimento sustentável do mundo; e a adoção, por parte das Nações Unidas, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa assegurar, até ao referido ano, uma existência mais digna para todos, sobretudo para as populações pobres da terra.
O ano de 2015 foi um ano especial para a Igreja, nomeadamente porque registou o cinquentenário da publicação de dois documentos do Concílio Vaticano II que exprimem, de forma muito eloquente, o sentido de solidariedade da Igreja com o mundo. O Papa João XXIII, no início do Concílio, quis escancarar as janelas da Igreja, para que houvesse, entre ela e o mundo, uma comunicação mais aberta. Os dois documentos – Nostra aetate e Gaudium et spes – são expressões emblemáticas da nova relação de diálogo, solidariedade e convivência que a Igreja pretendia introduzir no interior da humanidade. Na Declaração Nostra aetate, a Igreja foi chamada a abrir-se ao diálogo com as expressões religiosas não-cristãs. Na Constituição pastoral Gaudium et spes – dado que «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo»[1] –, a Igreja desejava estabelecer um diálogo com a família humana sobre os problemas do mundo, como sinal de solidariedade, respeito e amor. [2]
Nesta mesma perspectiva, com o Jubileu da Misericórdia, quero convidar a Igreja a rezar e trabalhar para que cada cristão possa maturar um coração humilde e compassivo, capaz de anunciar e testemunhar a misericórdia, de «perdoar e dar», de abrir-se «àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática», sem cair «na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói».[3]
Variadas são as razões para crer na capacidade que a humanidade tem de agir, conjunta e solidariamente, reconhecendo a própria interligação e interdependência e tendo a peito os membros mais frágeis e a salvaguarda do bem comum. Esta atitude de solidária corresponsabilidade está na raiz da vocação fundamental à fraternidade e à vida comum. A dignidade e as relações interpessoais constituem-nos como seres humanos, queridos por Deus à sua imagem e semelhança. Como criaturas dotadas de inalienável dignidade, existimos relacionando-nos com os nossos irmãos e irmãs, pelos quais somos responsáveis e com os quais agimos solidariamente. Fora desta relação, passaríamos a ser menos humanos. É por isso mesmo que a indiferença constitui uma ameaça para a família humana. No limiar dum novo ano, quero convidar a todos para que reconheçam este facto a fim de se vencer a indiferença e conquistar a paz.
Algumas formas de indiferença
3. Não há dúvida de que o comportamento do indivíduo indiferente, de quem fecha o coração desinteressando-se dos outros, de quem fecha os olhos para não ver o que sucede ao seu redor ou se esquiva para não ser abalroado pelos problemas alheios, caracteriza uma tipologia humana bastante difundida e presente em cada época da história; mas, hoje em dia, superou decididamente o âmbito individual para assumir uma dimensão global, gerando o fenômeno da «globalização da indiferença».
A primeira forma de indiferença na sociedade humana é a indiferença para com Deus, da qual deriva também a indiferença para com o próximo e a criação. Trata-se de um dos graves efeitos dum falso humanismo e do materialismo prático, combinados com um pensamento relativista e niilista. O homem pensa que é o autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade; sente-se autossuficiente e visa não só ocupar o lugar de Deus, mas prescindir completamente d’Ele; consequentemente, pensa que não deve nada a ninguém, exceto a si mesmo, e pretende ter apenas direitos.[4] Contra esta errónea compreensão que a pessoa tem de si mesma, Bento XVI recordava que nem o homem nem o seu desenvolvimento são capazes, por si mesmos, de se atribuir o próprio significado último;[5] e, antes dele, Paulo VI afirmara que «não há verdadeiro humanismo senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exata do que é a vida humana».[6]
A indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, ouça o rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a ação voltados para si mesmo. Infelizmente, temos de constatar que o aumento das informações, próprio do nosso tempo, não significa, de por si, aumento de atenção aos problemas, se não for acompanhado por uma abertura das consciências em sentido solidário. [7] Antes, pode gerar uma certa saturação que anestesia e, em certa medida, relativiza a gravidade dos problemas. «Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa “educação” que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos veem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes». [8]
Noutros casos, a indiferença manifesta-se como falta de atenção à realidade circundante, especialmente a mais distante. Algumas pessoas preferem não indagar, não se informar e vivem o seu bem-estar e o seu conforto, surdas ao grito de angústia da humanidade sofredora. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, pelos seus dramas; não nos interessa ocupar-nos deles, como se aquilo que lhes sucede fosse responsabilidade alheia, que não nos compete.[9] «Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem».[10]
Vivendo nós numa casa comum, não podemos deixar de nos interrogar sobre o seu estado de saúde, como procurei fazer na Carta encíclica Laudato si’. A poluição das águas e do ar, a exploração indiscriminada das florestas, a destruição do meio ambiente são, muitas vezes, resultado da indiferença do homem pelos outros, porque tudo está relacionado. E de igual modo o comportamento do homem com os animais influi sobre as suas relações com os outros, [11] para não falar de quem se permite fazer noutros lugares aquilo que não ousa fazer em sua casa. [12]
Nestes e noutros casos, a indiferença provoca sobretudo fechamento e desinteresse, acabando assim por contribuir para a falta de paz com Deus, com o próximo e com a criação.
A paz ameaçada pela indiferença globalizada
4. A indiferença para com Deus supera a esfera íntima e espiritual da pessoa individual e investe a esfera pública e social. Como afirmava Bento XVI, «há uma ligação íntima entre a glorificação de Deus e a paz dos homens na terra».[13] Com efeito, «sem uma abertura ao transcendente, o homem cai como presa fácil do relativismo e, consequentemente, torna-se-lhe difícil agir de acordo com a justiça e comprometer-se pela paz».[14] O esquecimento e a negação de Deus, que induzem o homem a não reconhecer qualquer norma acima de si próprio e a tomar como norma apenas a si mesmo, produziram crueldade e violência sem medida.[15]
A nível individual e comunitário, a indiferença para com o próximo – filha da indiferença para com Deus – assume as feições da inércia e da apatia, que alimentam a persistência de situações de injustiça e grave desequilíbrio social, as quais podem, por sua vez, levar a conflitos ou de qualquer modo gerar um clima de descontentamento que ameaça desembocar, mais cedo ou mais tarde, em violências e insegurança.
Neste sentido, a indiferença e consequente desinteresse constituem uma grave falta ao dever que cada pessoa tem de contribuir – na medida das suas capacidades e da função que desempenha na sociedade – para o bem comum, especialmente para a paz, que é um dos bens mais preciosos da humanidade. [16]
Depois, quando investe o nível institucional, a indiferença pelo outro, pela sua dignidade, pelos seus direitos fundamentais e pela sua liberdade, de braço dado com uma cultura orientada para o lucro e o hedonismo, favorece e às vezes justifica ações e políticas que acabam por constituir ameaças à paz. Este comportamento de indiferença pode chegar inclusivamente a justificar algumas políticas económicas deploráveis, precursoras de injustiças, divisões e violências, que visam a consecução do bem-estar próprio ou o da nação. Com efeito, não é raro que os projetos económicos e políticos dos homens tenham por finalidade a conquista ou a manutenção do poder e das riquezas, mesmo à custa de espezinhar os direitos e as exigências fundamentais dos outros. Quando as populações veem negados os seus direitos elementares, como o alimento, a água, os cuidados de saúde ou o trabalho, sentem-se tentadas a obtê-los pela força. [17]
Por fim, a indiferença pelo ambiente natural, favorecendo o desflorestamento, a poluição e as catástrofes naturais que desenraizam comunidades inteiras do seu ambiente de vida, constrangendo-as à precariedade e à insegurança, cria novas pobrezas, novas situações de injustiça com consequências muitas vezes desastrosas em termos de segurança e paz social. Quantas guerras foram movidas e quantas ainda serão travadas por causa da falta de recursos ou para responder à demanda insaciável de recursos naturais? [18]
Da indiferença à misericórdia: a conversão do coração
5. Quando, há um ano – na Mensagem para o Dia Mundial da Paz intitulada «já não escravos, mas irmãos» –, evoquei o primeiro ícone bíblico da fraternidade humana, o ícone de Caim e Abel (cf. Gn 4, 1-16), fi-lo para evidenciar o modo como foi traída esta primeira fraternidade. Caim e Abel são irmãos. Provêm ambos do mesmo ventre, são iguais em dignidade e criados à imagem e semelhança de Deus; mas a sua fraternidade de criaturas quebra-se. «Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja». [19] E assim o fratricídio torna-se a forma de traição, sendo a rejeição, por parte de Caim, da fraternidade de Abel a primeira ruptura nas relações familiares de fraternidade, solidariedade e respeito mútuo.
Então Deus intervém para chamar o homem à responsabilidade para com o seu semelhante, precisamente como fizera quando Adão e Eva, os primeiros pais, quebraram a comunhão com o Criador. «O Senhor disse a Caim: “Onde está o teu irmão Abel?” Caim respondeu: “Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?” O Senhor replicou: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim”» (Gn 4, 9-10).
Caim diz que não sabe o que aconteceu ao seu irmão, diz que não é o seu guardião. Não se sente responsável pela sua vida, pelo seu destino. Não se sente envolvido. É-lhe indiferente o seu irmão, apesar de ambos estarem ligados pela origem comum. Que tristeza! Que drama fraterno, familiar, humano! Esta é a primeira manifestação da indiferença entre irmãos. Deus, ao contrário, não é indiferente: o sangue de Abel tem grande valor aos seus olhos e pede contas dele a Caim. Assim, Deus revela-Se, desde o início da humanidade, como Aquele que se interessa pelo destino do homem. Quando, mais tarde, os filhos de Israel se encontram na escravidão do Egito, Deus intervém de novo. Diz a Moisés: «Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus inspetores; conheço, na verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios e de o fazer subir desta terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel» (Ex 3, 7-8). É importante notar os verbos que descrevem a intervenção de Deus: Ele observa, ouve, conhece, desce, liberta. Deus não é indiferente. Está atento e age.
De igual modo, no seu Filho Jesus, Deus desceu ao meio dos homens, encarnou e mostrou-Se solidário com a humanidade em tudo, exceto no pecado. Jesus identificava-Se com a humanidade: «o primogénito de muitos irmãos» (Rm 8, 29). Não se contentava em ensinar às multidões, mas preocupava-Se com elas, especialmente quando as via famintas (cf. Mc 6, 34-44) ou sem trabalho (cf. Mt 20, 3). O seu olhar não Se fixava apenas nos seres humanos, mas também nos peixes do mar, nas aves do céu, na erva e nas árvores, pequenas e grandes; abraçava a criação inteira. Ele vê sem dúvida, mas não Se limita a isso, pois toca as pessoas, fala com elas, age em seu favor e faz bem a quem precisa. Mais ainda, deixa-Se comover e chora (cf. Jo 11, 33-44). E age para acabar com o sofrimento, a tristeza, a miséria e a morte.
Jesus ensina-nos a ser misericordiosos como o Pai (cf. Lc 6, 36). Na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 29-37), denuncia a omissão de ajuda numa necessidade urgente dos seus semelhantes: «ao vê-lo, passou adiante» (Lc 10, 32). Ao mesmo tempo, com este exemplo, convida os seus ouvintes, e particularmente os seus discípulos, a aprenderem a parar junto dos sofrimentos deste mundo para os aliviar, junto das feridas dos outros para as tratar com os recursos de que disponham, a começar pelo próprio tempo apesar das muitas ocupações. Na realidade, muitas vezes a indiferença procura pretextos: na observância dos preceitos rituais, na quantidade de coisas que é preciso fazer, nos antagonismos que nos mantêm longe uns dos outros, nos preconceitos de todo o género que impedem de nos fazermos próximo.
A misericórdia é o coração de Deus. Por isso deve ser também o coração de todos aqueles que se reconhecem membros da única grande família dos seus filhos; um coração que bate forte onde quer que esteja em jogo a dignidade humana, reflexo do rosto de Deus nas suas criaturas. Jesus adverte-nos: o amor aos outros – estrangeiros, doentes, encarcerados, pessoas sem-abrigo, até inimigos – é a unidade de medida de Deus para julgar as nossas ações. Disso depende o nosso destino eterno. Não é de admirar que o apóstolo Paulo convide os cristãos de Roma a alegrar-se com os que se alegram e a chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), ou recomende aos de Corinto que organizem coletas em sinal de solidariedade com os membros sofredores da Igreja (cf. 1 Cor 16, 2-3). E São João escreve: «Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?» (1 Jo 3, 17; cf. Tg 2, 15-16).
É por isso que «é determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia. A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia». [20]
Deste modo, também nós somos chamados a fazer do amor, da compaixão, da misericórdia e da solidariedade um verdadeiro programa de vida, um estilo de comportamento nas relações de uns com os outros. [21] Isto requer a conversão do coração, isto é, que a graça de Deus transforme o nosso coração de pedra num coração de carne (cf. Ez 36, 26), capaz de se abrir aos outros com autêntica solidariedade. Com efeito, esta é muito mais do que um «sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes». [22] A solidariedade «é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos», [23] porque a compaixão brota da fraternidade.
Assim entendida, a solidariedade constitui a atitude moral e social que melhor dá resposta à tomada de consciência das chagas do nosso tempo e da inegável interdependência que se verifica cada vez mais, especialmente num mundo globalizado, entre a vida do indivíduo e da sua comunidade num determinado lugar e a de outros homens e mulheres no resto do mundo. [24]
Fomentar uma cultura de solidariedade e misericórdia para se vencer a indiferença
6. A solidariedade como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, requer empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter educativo e formativo.
Penso em primeiro lugar nas famílias, chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível. Constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. São também o espaço privilegiado para a transmissão da fé, a começar por aqueles primeiros gestos simples de devoção que as mães ensinam aos filhos. [25]
Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Os valores da liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade. Dirigindo-se aos responsáveis das instituições que têm funções educativas, Bento XVI afirmava: «Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar ativamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna». [26]
Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm responsabilidades no campo da educação e da formação, especialmente na sociedade atual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de informação e comunicação. Antes de mais nada, é dever deles colocar-se ao serviço da verdade e não de interesses particulares. Com efeito, os meios de comunicação «não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens. É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de facto, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa». [27] Os agentes culturais e dos meios de comunicação social deveriam também vigiar por que seja sempre lícito, jurídica e moralmente, o modo como se obtêm e divulgam as informações.
A paz, fruto duma cultura de solidariedade, misericórdia e compaixão
7. Conscientes da ameaça duma globalização da indiferença, não podemos deixar de reconhecer que, no cenário acima descrito, inserem-se também numerosas iniciativas e ações positivas que testemunham a compaixão, a misericórdia e a solidariedade de que o homem é capaz.
Quero recordar alguns exemplos de louvável empenho, que demonstram como cada um pode vencer a indiferença, quando opta por não afastar o olhar do seu próximo, e constituem passos salutares no caminho rumo a uma sociedade mais humana.
Há muitas organizações não-governamentais e grupos sócio-caritativos, dentro da Igreja e fora dela, cujos membros, por ocasião de epidemias, calamidades ou conflitos armados, enfrentam fadigas e perigos para cuidar dos feridos e doentes e para sepultar os mortos. Ao lado deles, quero mencionar as pessoas e as associações que socorrem os emigrantes que atravessam desertos e sulcam mares à procura de melhores condições de vida. Estas ações são obras de misericórdia corporal e espiritual, sobre as quais seremos julgados no fim da nossa vida.
Penso também nos jornalistas e fotógrafos, que informam a opinião pública sobre as situações difíceis que interpelam as consciências, e naqueles que se comprometem na defesa dos direitos humanos, em particular os direitos das minorias étnicas e religiosas, dos povos indígenas, das mulheres e das crianças, e de quantos vivem em condições de maior vulnerabilidade. Entre eles, contam-se também muitos sacerdotes e missionários que, como bons pastores, permanecem junto dos seus fiéis e apoiam-nos sem olhar a perigos e adversidades, em particular durante os conflitos armados.
Além disso, quantas famílias, no meio de inúmeras dificuldades laborais e sociais, se esforçam concretamente, à custa de muitos sacrifícios, por educar os seus filhos «contracorrente» nos valores da solidariedade, da compaixão e da fraternidade! Quantas famílias abrem os seus corações e as suas casas a quem está necessitado, como os refugiados e os emigrantes! Quero agradecer de modo particular a todas as pessoas, famílias, paróquias, comunidades religiosas, mosteiros e santuários que responderam prontamente ao meu apelo a acolher uma família de refugiados. [28]
Quero, enfim, mencionar os jovens que se unem para realizar projetos de solidariedade, e todos aqueles que abrem as suas mãos para ajudar o próximo necessitado nas suas cidades, no seu país ou noutras regiões do mundo. Quero agradecer e encorajar todos aqueles que estão empenhados em ações deste género, mesmo sem gozar de publicidade: a sua fome e sede de justiça serão saciadas, a sua misericórdia far-lhes-á encontrar misericórdia e, como obreiros da paz, serão chamados filhos de Deus (cf. Mt 5, 6-9).
A paz, sob o signo do Jubileu da Misericórdia
8. No espírito do Jubileu da Misericórdia, cada um é chamado a reconhecer como se manifesta a indiferença na sua vida e a adoptar um compromisso concreto que contribua para melhorar a realidade onde vive, a começar pela própria família, a vizinhança ou o ambiente de trabalho.
Também os Estados são chamados a cumprir gestos concretos, atos corajosos a bem das pessoas mais frágeis da sociedade, como os reclusos, os migrantes, os desempregados e os doentes.
Relativamente aos reclusos, urge em muitos casos adoptar medidas concretas para melhorar as suas condições de vida nos estabelecimentos prisionais, prestando especial atenção àqueles que estão privados da liberdade à espera de julgamento, [29] tendo em mente a finalidade reabilitativa da sanção penal e avaliando a possibilidade de inserir nas legislações nacionais penas alternativas à detenção carcerária. Neste contexto, desejo renovar às autoridades estatais o apelo a abolir a pena de morte, onde ainda estiver em vigor, e a considerar a possibilidade duma amnistia.
Quanto aos migrantes, quero dirigir um convite a repensar as legislações sobre as migrações, de modo que sejam animadas pela vontade de dar hospitalidade, no respeito pelos recíprocos deveres e responsabilidades, e possam facilitar a integração dos migrantes. Nesta perspectiva, dever-se-ia prestar especial atenção às condições para conceder a residência aos migrantes, lembrando-se de que a clandestinidade traz consigo o risco de os arrastar para a criminalidade.
Desejo ainda, neste Ano Jubilar, formular um premente apelo aos líderes dos Estados para que realizem gestos concretos a favor dos nossos irmãos e irmãs que sofrem pela falta de trabalho, terra e teto. Penso na criação de empregos dignos para contrastar a chaga social do desemprego, que lesa um grande número de famílias e de jovens e tem consequências gravíssimas no bom andamento da sociedade inteira. A falta de trabalho afeta, fortemente, o sentido de dignidade e de esperança, e só parcialmente é que pode ser compensada pelos subsídios, embora necessários, para os desempregados e suas famílias. Especial atenção deveria ser dedicada às mulheres – ainda discriminadas, infelizmente, no campo laboral – e a algumas categorias de trabalhadores, cujas condições são precárias ou perigosas e cujos salários não são adequados à importância da sua missão social.
Finalmente, quero convidar à realização de ações eficazes para melhorar as condições de vida dos doentes, garantindo a todos o acesso aos cuidados sanitários e aos medicamentos indispensáveis para a vida, incluindo a possibilidade de tratamentos domiciliários.
E, estendendo o olhar para além das próprias fronteiras, os líderes dos Estados são chamados também a renovar as suas relações com os outros povos, permitindo a todos uma efetiva participação e inclusão na vida da comunidade internacional, para que se realize a fraternidade também dentro da família das nações.
Nesta perspectiva, desejo dirigir um tríplice apelo: apelo a abster-se de arrastar os outros povos para conflitos ou guerras que destroem não só as suas riquezas materiais, culturais e sociais, mas também – e por longo tempo – a sua integridade moral e espiritual; apelo ao cancelamento ou gestão sustentável da dívida internacional dos Estados mais pobres; apelo à adoção de políticas de cooperação que, em vez de submeter à ditadura dalgumas ideologias, sejam respeitadoras dos valores das populações locais e, de maneira nenhuma, lesem o direito fundamental e inalienável dos nascituros à vida.
Confio estas reflexões, juntamente com os melhores votos para o novo ano, à intercessão de Maria Santíssima, Mãe solícita pelas necessidades da humanidade, para que nos obtenha de seu Filho Jesus, Príncipe da Paz, a satisfação das nossas súplicas e a bênção do nosso compromisso diário por um mundo fraterno e solidário.
Vaticano, no dia da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria e da Abertura do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, 8 de dezembro de 2015.
[Franciscus]
[1] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 1.
[2] Cf. ibid., 3.
[3] Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus, 14-15.
[4] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 43.
[5] Cf. ibid., 16.
[6] Carta enc. Populorum progressio, 42.
[7] «A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade» (Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 19).
[8] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 60.
[9] Cf. ibid., 54.
[10] Mensagem para a Quaresma de 2015.
[11] Cf. Carta enc. Laudato si’, 92.
[12] Cf. ibid., 51.
[13] Discurso por ocasião dos votos de Bom Ano Novo ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 7 de janeiro de 2013.
[14] Ibidem.
[15] Cf. Bento XVI, Discurso durante o Dia de reflexão, diálogo e oração pela paz e a justiça no mundo, Assis, 27 de outubro de 2011.
[16] Cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 217-237.
[17] «Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 59).
[18] Cf. Carta enc. Laudato si’, 31; 48.
[19] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2015, 2.
[20] Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus, 12.
[21] Cf. ibid., 13.
[22] João Paulo II, Carta enc. Sollecitudo rei socialis, 38.
[23] Ibidem.
[24] Cf. ibidem.
[25] Cf. Catequese, na Audiência Geral de 7 de janeiro de 2015.
[26] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2012, 2.
[27] Ibidem.
[28] Cf. Angelus de 6 de setembro de 2015.
[29] Cf. Discurso à delegação da Associação Internacional de Direito Penal, 23 de outubro de 2014.
PAULO VI- NOSSOS TRÊS ENGANOS
20/01/16
Segundo o Papa Paulo VI, num comentário do missal cotidiano sobre a primeira leitura da quarta-feira da segunda semana comum, ano par, de 1ª Samuel 17,33 ss.
1º ENGANO-
“Enganarmo-nos interiormente pelas aparências de bem que o mal às vezes aparenta”.
2º ENGANO-
“Deixarmo-nos sufocar pelos obstáculos à verdadeira liberdade da reta consciência”.
3º ENGANO-
“Levados pelas lisonjas, acabamos cedendo à aquiescência e à experiência do mal”. Ou seja, preferimos conservar os amigos, mesmo que para isso vamos nos deixar levar pelo pecado.
O pecado exerce sobe nós uma atração muito forte e acabamos sendo levados por ele e por ilusões como a de que não vamos conseguir ficar sem praticar aquilo, ou que a tentação não vai passar nunca, ou que vamos ser felizes se fizermos aquilo.
Muitas vezes vemos o mal como se fosse um bem, e isso atrasa nossa vida! Vamos perceber nosso engano tarde demais.
Um jovem evangélico contava a outros que naquelas férias Deus tinha “preparado” uma garota para ele, e acabaram pecando. Eu lhe mostrei que ele acabara de fazer, talvez, um pecado contra o Espírito Santo, pois era algo mau o que ele fizera, e isso nunca teria sido preparado por Deus.
Deus não “prepara” pecado algum para quem quer que seja! Veja Mateus 12,31-32: Esse tipo de pecado, de atribuir coisas más a Deus, “não tem perdão nem neste mundo, nem no vindouro”.
Muitas pessoas não sabem o que é pecado. Quando sabem, muitas ve3zes pecam apenas para não contrariar os amigos (3º engano). Ficam “sem graça” de praticar o que é correto, para não serem chamados de “xarope” pelos amigos.
Outros desistem da luta, “dependuram a chuteira”, e, para isso, deixam a comunidade eclesial a que pertencem, deixam a leitura bíblica e as orações.
O comentário do missal dominical referente a 1ª Coríntios 10,1-12 e Lucas 13,1-9 (3º dom. da quaresma ano C) fala da gravidade e da seriedade da conversão. A graça de Deus, sozinha, não é suficiente. É preciso, também, nosso empenho, nossa colaboração. Eis o comentário:
“O caminho de conversão pode levar a opções dilacerantes e que transtornam, situações em que não é fácil ou até impossível voltar atrás ou serem modificadas”. E enumera: divórcio, rompimento com a Igreja ou com a vida sacerdotal ou religiosa, concubinato com filhos, uma inesperada e não desejada maternidade (que às vezes leva ao aborto), o não estar psicologicamente preparada para aceitar um filho, um viciado em drogas, uma grande injustiça sofrida, o comportamento de desconfiança e de ciúmes entre marido e mulher ou entre pais e filhos, conflitos entre famílias, vinganças...”
“No entanto, sempre e em todos os casos, é válido o apelo à conversão. É um caminho longo e difícil, que dilacera o coração e exige o respeito e o auxílio de toda a comunidade”.
Jesus nos pede a conversão custe o que custar, embora muitas opções não dependem mais de nós. Ele nos dá força para vencermos, para retomarmos nosso caminho. Veja Hebreus 12, 4: “Vós ainda não resististes até o sangue na vossa luta contra o pecado”!
Talvez possamos vencer as tentações nos conscientizando disto:
1- A tentação dura pouco. Amanhã ela “já era”.
2- A pessoa que peca fica frustrada e humilhada se não vencê-la.
3- Se a pessoa vencê-la, ficará satisfeita com a vitória, sentir-se-á mais feliz em saber que não pecou, e, o melhor de tudo, sentirá no mais profundo de sua alma a graça e a presença de Deus. Deus nunca abandona quem luta por seu amor.
Realmente, a ilusão é muito forte e dá a impressão que é invencível. O pecado nos traz um imenso vazio e nos tira a proteção divina.
O Beato Irmão Carlos de Foucauld diz que nossa vida consiste numa escolha e numa provação para a Vida Eterna. Muitos obstáculos prejudicam nossa caminhada ou nos impedem de ir ao céu.
A “ordem do dia” é, pois, nos conscientizarmos desses três enganos e mudarmos totalmente a nossa vida, para chegarmos ao paraíso.
E VEJA O QUE O ATUAL PAPA FALA SOBRE O "ACOSTUMAR-SE COM O PECADO":
Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 29/01/2016, Gaudium Press) - Já houve ocasiões em que o Papa Francisco falou sobre o acostumar-se ao pecado, ser indiferente a ele, não pedir perdão, tornar-se corrupto.
Hoje, sexta-feira, 29 de janeiro, este foi novamente o assunto tratado em sua homilia durante a Missa Matutina celebrada na Capela da Casa Santa Marta. Sem dúvida um tema importante ao qual o Pontífice voltou, sem repetir-se.
História Bíblica
Francisco fez seu comentário após narrar a história bíblica de Davi e Betsabé. Quando ele aproveitou para mostrar no fato bíblico o ensinamento de que o demônio induz os corruptos a julgar que pouco importa obter ou não o perdão de Deus.
Eles não sentem necessidade do perdão de Deus.
O Papa mostrou que se pode pecar de muitas maneiras e em intensidade. E por todos os males que se pratica pode-se pedir perdão a Deus. O arrependimento sincero e o pedido de perdão levarão o pecador a ser perdoado.
Francisco aponta o nascimento da dificuldade do perdão com o surgimento dos corruptos.
A maldade do corrupto está no fato de ele julga que não necessita do perdão e, muito menos, necessite ser perdoado: "ele não precisa pedir perdão", porque lhe é suficiente o poder no qual se sustenta a sua corrupção, disse o Santo Padre.
Não preciso de Deus
Este foi o mesmo comportamento assumido por Davi, depois de se apaixonar pela esposa de seu oficial Uria que combatia por ele numa frente de batalha. A paixão por Betsabé tornou-o insensível no reconhecimento de seu pecado, levou-o à corrupção quando já pouco lhe importava saber do que era o bem ou o mal.
Citando trechos das sagradas escrituras, o Papa ilustrou seu pensamento descrevendo o caminho de Davi para chegar à corrupção, a insensibilidade diante do bem ou do mal:
Depois de seduzir a mulher e saber que ela estava grávida, Davi arquiteta um plano para encobrir o adultério. Ele chama Uria da frente de batalha e lhe propõe um descanso em sua casa.
Em sua lealdade, Uria não aceita descansar enquanto seus homens morrem.
Mas, insensato em sua corrupção, Davi tenta de novo, levando-o à embriaguez,, Mesmo assim não obteve sucesso...
Diz o Papa sobre o fato: "Isto colocou Davi em dificuldade, mas Uria disse: ‘Não, não posso...' E escreveu uma carta, como ouvimos: "Façam Uria ser capitão, coloquem-no à frente da batalha mais difícil e depois, retirem-se, para que seja atingido e morra". Uma condenação à morte. Este homem, fiel - fiel à lei, fiel a seu povo, fiel a seu rei - recebeu uma sentença de morte".
Falsa "segurança" do corrupto
"Davi é santo, mas também pecador". Apesar de ter cedido à luxuria, lembra o Pontífice, que Deus "gostava tanto" dele.
"O grande, o nobre Davi" sente-se tão "seguro" - ‘porque o reino era forte' - que, depois de cometer adultério, move todas as alavancas à sua disposição para chegar onde inescrupulosamente queria ir. Conspirou, ordenou as coisas, de um modo mentiroso, até conseguir o assassinato de um homem leal, praticando um crime com capas de infortúnio de guerra. Diz o Santo Padre:
"Este é um momento na vida de Davi que nos faz ver um momento pelo qual todos nós podemos passar em nossa vida: é a passagem do pecado à corrupção. Aqui Davi começa, ele dá o primeiro passo em direção à corrupção.
Ele detém o poder e a força. E por isso, a corrupção é um pecado mais fácil para todos nós que temos um poder qualquer, seja poder eclesiástico, religioso, econômico, político...
Porque o diabo nos faz sentir seguros: ‘Eu posso'".
Rotina do Pecado: endurecimento do coração
Davi, aquele mesmo rapaz de coragem, vencedor dos filisteus, teve o coração arruinado pela corrupção da alma.
"Hoje gostaria de destacar somente isso", disse o Papa.
Para o Pontífice, há "um momento em que a rotina do pecado, um momento em que a nossa situação é tão segura e somos bem vistos e temos tanto poder" que o pecado deixa "de ser pecado" e passa a ser "corrupção".
E "uma das piores coisas que há na corrupção é que o corrupto não sente necessidade de pedir perdão":
"Façamos hoje uma oração", propôs Francisco:
‘Senhor, salvai-nos, salvai-nos da corrupção. Pecadores sim, Senhor, somos todos pecadores, mas corrompidos, jamais'. Peçamos esta graça". (JSG)
: Não tenham medo ao sacrifício, a Igreja confia em vocês (este link acima leva à origem deste texto)
Vaticano, 16 Dez. 11
Em sua mensagem pela 45ª Jornada Mundial da Paz que será celebrada neste 1 de janeiro de 2012 e que foi divulgada hoje, o Papa Bento XVI fez um especial chamado aos jovens a não desanimar diante das dificuldades, a não ter medo ao sacrifício e a procurar sempre a Deus para viver os ideais do bem e da beleza.
Na mensagem titulada “Educar os jovens para a justiça e a paz” e dirigindo-se aos jovens, o Papa recordou que “não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente o voltar-se para o Deus vivo, que é o nosso criador, o garante da nossa liberdade, o garante do que é deveras bom e verdadeiro (…), o voltar-se sem reservas para Deus, que é a medida do que é justo e, ao mesmo tempo, é o amor eterno”.
“Queridos jovens, vós são um dom precioso para a sociedade. Não lhes deixem vencer pelo desânimo ante às dificuldades e não lhes entreguem às falsas soluções, que com freqüência se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas”.
Seguidamente o Santo Padre exortou a não temer: ” vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas.
Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação. Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo”.
“Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo. Cientes das vossas potencialidades, nunca vos fecheis em vós próprios, mas trabalhai por um futuro mais luminoso para todos”.
O Papa Bento XVI animou os jovens dizendo: “Nunca vos sintais sozinhos! A Igreja confia em vós, acompanha-vos, encoraja-vos e deseja oferecer-vos o que tem de mais precioso: a possibilidade de levantar os olhos para Deus, de encontrar Jesus Cristo – Ele que é a justiça e a paz”.
A “vós todos, homens e mulheres, que tendes a peito a causa da paz! Esta não é um bem já alcançado mas uma meta, à qual todos e cada um deve aspirar”, alentou o Santo Padre.
No texto o Pontífice descreveu algumas das características do mundo atual em meio da crise econômica cujas raízes são culturas e antropológicas. “Quase parece que um manto de escuridão teria descido sobre o nosso tempo, impedindo de ver com clareza a luz do dia”, assinala.
“Esta expectativa mostra-se particularmente viva e visível nos jovens; e é por isso que o meu pensamento se volta para eles, considerando o contributo que podem e devem oferecer à sociedade. Queria, pois, revestir a Mensagem para o XLV Dia Mundial da Paz duma perspectiva educativa:
“Educar os jovens para a justiça e a paz”, convencido de que eles podem, com o seu entusiasmo e idealismo, oferecer uma nova esperança ao mundo”, afirmou Bento XVI.
O Papa disse logo que “A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver “coisas novas”".
Bento XVI se referiu logo à educação das novas gerações como a “a aventura mais fascinante e difícil da vida”.
“Educar – na sua etimologia latina educere– significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa.
Este processo alimenta-se do encontro de duas liberdades: a do adulto e a do jovem. Isto exige a responsabilidade do discípulo, que deve estar disponível para se deixar guiar no conhecimento da realidade, e a do educador, que deve estar disposto a dar-se a si mesmo”, explicou.
“Mas, para isso, não bastam meros dispensadores de regras e informações; são necessárias testemunhas autênticas, ou seja, testemunhas que saibam ver mais longe do que os outros, porque a sua vida abraça espaços mais amplos. A testemunha é alguém que vive, primeiro, o caminho que propõe”.
O primeiro lugar da educação, recordou, é a família: “Antes de mais nada, a família, já que os pais são os primeiros educadores. A família é célula originária da sociedade. « É na família que os filhos aprendem os valores humanos e cristãos que permitem uma convivência construtiva e pacífica.
É na família que aprendem a solidariedade entre as gerações, o respeito pelas regras, o perdão e o acolhimento do outro ». Esta é a primeira escola, onde se educa para a justiça e a paz”.
Ante as ameaças e os desafios atuais que vivem a família, o Papa exorta aos pais a não desanimar-se: “induzam os filhos a colocar a esperança antes de tudo em Deus, o único de quem surgem justiça e paz autênticas”.
O Santo Padre também pediu aos educadores embarcar em sua missão respeitando e valorizando “em toda circunstância a dignidade de cada pessoa” e solicitou aos responsáveis políticos a ajudar “concretamente as famílias e instituições educativas a exercer seu direito-dever educar. Nunca deve faltar uma ajuda adequada à maternidade e à paternidade”.
O Papa recordou também que “os meios de comunicação de massa têm uma função particular: não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens”.
“É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de fato, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa”, afirmou.
O Papa se referiu logo ao fato de que só na relação com Deus o homem é capaz de entender e viver sua liberdade. “Quando o homem se crê um ser absoluto, que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que lhe apetece, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade.
De fato, o homem é precisamente o contrário: um ser relacional, que vive em relação com os outros e sobretudo com Deus. A liberdade autêntica não pode jamais ser alcançada, afastando-se d’Ele.”.
O Pontífice afirmou que “para exercer a sua liberdade, deve superar o horizonte relativista e conhecer a verdade sobre si próprio e a verdade acerca do que é bem e do que é mal.
No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz o chama a amar e fazer o bem e a fugir do mal, a assumir a responsabilidade do bem cumprido e do mal praticado”.
“Por isso o exercício da liberdade está intimamente ligado com a lei moral natural, que tem caráter universal, exprime a dignidade de cada pessoa, coloca a base dos seus direitos e deveres fundamentais e, consequentemente, da convivência justa e pacífica entre as pessoas”.
O Papa explicou logo a importância de educar para a justiça e a paz, dois valores fundamentais para o desenvolvimento humano integral que surgem do amor de Deus e que devem estar sempre presentes na sociedade e nas relações entre as pessoas.
“Olhemos, pois, o futuro com maior esperança, encorajemo-nos mutuamente ao longo do nosso caminho, trabalhemos para dar ao nosso mundo um rosto mais humano e fraterno e sintamo-nos unidos na responsabilidade que temos para com as jovens gerações, presentes e futuras, nomeadamente quanto à sua educação para se tornarem pacíficas e pacificadoras!
Apoiado em tal certeza, envio-vos estas reflexões que se fazem apelo: Unamos as nossas forças espirituais, morais e materiais, a fim de « educar os jovens para a justiça e a paz »”, concluiu.
O PAPA E OS POBRES
Mensagem do Papa para a Jornada Mundial dos Pobres.
Jesús Bastante, tradução Wagner Fernandes de Azevedo.
publicada por Religión Digital, 13-06-2019.
"Podem levantar muitos muros, porém Deus destruirá as barreiras e substituirá a arrogância de uns poucos pela solidariedade de muitos".
Como pode Deus tolerar essa disparidade? Como pode permitir que o pobre seja humilhado sem intervir para ajudá-lo? Por que permite que quem oprime tenha uma vida feliz enquanto seu comportamento deveria ser condenado precisamente ante o sofrimento do pobre? Muitas perguntas, muita dor..., porém também muita esperança. Esses são os eixos de “A esperança dos pobres nunca se frustrará”.
Um texto duro contra a atitude da sociedade e dos ricos, e a favor dos pobres, colocando-os onde Cristo quis que estivessem: no centro da justiça e da Igreja. Esse é o objetivo dessa jornada: “devolver a esperança perdida por causa da injustiça, o sofrimento e a precariedade da vida”.
Maltratados e explorados
As coisas não mudaram muito desde o Antigo Testamente, quando “Deus ia aos pobres para que se apoderassem do pouco que tinham e reduzi-los à escravidão”. “Hoje não é muito diferente. A crise econômica não impediu muitos grupos de pessoas um enriquecimento, que com frequência parece ainda mais anômalo. Se vamos às ruas de nossas cidades, o crescente número de pobres, que carecem do necessário e são maltratados e explorados”, denuncia o pontífice.
"Os séculos passam, mas a condição de ricos e pobres permanece inalterada, como se a experiência da história não tivesse nos ensinado nada", enfatiza, para citar aquelas que, hoje, são as "numerosas formas de nova escravidão, a qual milhões de homens, mulheres, jovens e crianças estão sujeitos ".
"Todos os dias encontramos famílias que são forçadas a abandonar suas terras para procurar meios de subsistência em outros lugares; órfãos que perderam seus pais ou que foram violentamente separados deles por causa da exploração brutal; jovens em busca de uma realização profissional a quem é negado o acesso ao trabalho por causa de políticas econômicas míopes; vítimas de tantas formas de violência, da prostituição às drogas, e humilhadas nas profundezas do seu ser ", diz ele.
"Como podemos também esquecer os milhões de imigrantes que são vítimas de tantos interesses ocultos, tão frequentemente explorados para fins políticos, aos quais se nega solidariedade e igualdade? E quanto aos muitos marginalizados e desabrigados que vagam pelas ruas de nossas cidades?".
Parasitas da sociedade?
“Considerados geralmente como parasitas da sociedade, os pobres aos pobres não se perdoa nem sequer pela sua pobreza”, adverte o Papa, que lamenta como “são vistos como uma ameaça ou gente incapaz apenas por serem pobres”.
Uma discriminação que chega às grandes cidades, onde se leva a cabo “uma arquitetura hostil para se desfazer da sua presença, inclusive nas ruas, últimos lugares de acolhida. Perambulam de uma parte a outra da cidade, esperando conseguir um trabalho, uma casa, um pouco de afeto...”.
No trabalho, as coisas não são muito melhores para os pobres. “Não têm segurança no trabalho, nem condições humanas que os permitam sentirem-se iguais aos demais. Para eles não existe o subsídio do desemprego, indenizações, nem sequer a possibilidade de adoecer”.
Os ricos, de caça
Nesse ponto, Francisco reprova a atitude dos ricos “que despojam os pobres”. É como se, para eles, "se tratasse de uma jornada de caça, na qual os pobres são encurralados capturados e feitos escravos”.
"Estamos diante de uma descrição realmente impressionante que jamais poderíamos imaginar", condena o papa, que, no entanto, afirma que "os pobres sabem que Deus não pode abandoná-los: é por isso que vive sempre na presença daquele Deus que se lembra dele ".
E que Deus é “aquele que ‘escuta’, ‘intervém’, ‘protege’, ‘defende’, ‘redime’, ‘salva’... Em resumo, os pobres nunca encontrarão Deus indiferente ou silencioso antes de sua oração".
"Você pode erguer muitas paredes e bloquear as portas de entrada com a ilusão de se sentir seguro com suas próprias riquezas em detrimento daqueles que permanecem fora", mas "não será assim para sempre", adverte Francisco, que afirma que Deus "destruirá as barreiras construídas entre os países e substituirá a arrogância de uns poucos com a solidariedade de muitos".
Os pobres são os oprimidos, os humildes
"A Palavra de Deus indica que os pobres são aqueles que não têm o que é preciso para viver porque dependem dos outros. Eles são os oprimidos, os humildes, os que estão prostrados ao chão", acrescenta. Ainda assim, "diante desta vasta multidão de indigentes, Jesus não teve medo de se identificar com cada um deles: ‘Sempre que fizeres a um destes, meus irmãos pequeninos, você fez isso comigo’”. "Fugir desta identificação é equivalente a falsificar o Evangelho e atenuar a revelação."
"Os séculos passam e a felicidade evangélica parece cada vez mais paradoxal; os pobres estão ficando mais pobres, e hoje em dia o são ainda mais," porém "a Igreja, por estar próxima dos pobres, se reconhece como um povo estendido entre tantas nações, cuja vocação é a de não deixar ninguém se sentir estranho ou excluídos, porque envolve todos em um caminho comum de salvação".
"A promoção dos pobres, também no social, não é um compromisso externo ao anúncio do Evangelho, pelo contrário, manifesta o realismo da fé cristã e sua validade histórica", diz o Papa, recordando a recente morte por Jean Vanier.
"O grito dos pobres foi escutado e produziu uma esperança inquebrável, gerando sinais visíveis e tangíveis de um amor concreto que hoje também podemos reconhecer”.
"A esperança também é comunicada através do consolo", conclui Francisco, que exorta aos crentes a "descobrirem, em cada pobre que encontrarem, o que ele realmente precisa; não para parar na primeira necessidade material, mas ir mais longe, descobrir a bondade escondida em seus corações ".
E, em primeiro lugar, reconhecer que "os pobres precisam de Deus". "Os pobres precisam de nossas mãos para voltar, nossos corações para sentir novamente o calor do afeto, nossa presença para superar a solidão. Simplesmente, eles necessitam de amor"
Os pobres nos salvam
“Por um dia deixemos de lado as estatísticas; os pobres não são números a que se possam recorrer para alardear com obras e projetos. Os pobres são pessoas as quais é preciso ir ao encontro: são jovens e anciãos sozinhos, a quem se podem convidar para entrar à casa para compartilhar a comida; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amigável. Os pobres nos salvam porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo”.
O PAPA, S. FCO. E C. FOUCAULD
Papa Francisco, São Francisco de Assis e Charles de Foucauld
“A espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos”. (CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM, 125).
Daniel-Rops
Escreve o renomado historiador francês Daniel-Rops: “É impressionante que as duas figuras espirituais que vão exercer maior influência neste tempo – Santa Teresa de Lisieux e o Padre Charles de Foucauld, esse último gigante da ascese – sejam ambos partidários do ‘pequeno caminho’, ou seja, da consagração pela prece dos deveres, das alegrias, das penas da vida quotidiana
Enzo Bianchi
Enzo Bianchi é religioso, formado em economia pela Universidade de Turim, jornalista e escritor italiano, fundador e ex-prior da Comunidade Monástica de Bose. Bianchi afirma que: “Depois de São Francisco de Assis e, agora, depois de Charles de Foucauld, toda vida religiosa e cada forma de testemunho na Igreja não podem mais ser vividos como antes: Charles mudou as formas até às raízes”.
Dom Beto Breis, ofm
A PAULUS Editora lançou o livro Francisco de Assis e Charles de Foucauld – Enamorados do Deus Humanado, escrito pelo bispo franciscano da diocese de Juazeiro (Bahia) Dom Beto Breis, ofm.
Nesta obra, o autor apresenta duas grandes figuras da espiritualidade cristã: São Francisco de Assis e o Bem-Aventurado Charles de Foucauld, homens de tempos distantes um do outro, mas que se aproximam de maneira admirável por um encanto comum: o fascínio pelo mistério da Encarnação e o modo apaixonado e terno de seguir os passos daquele que, sendo Deus, forte e grande, fez-se frágil e pequeno para assumir a condição humana.
Escrito em linguagem clara e acessível, o livro está dividido em três partes. Dom Beto Breis percorre escritos e testemunhos vividos por ambos para apresentar, em Francisco, o modo apostólico de seguir o Cristo e, em Charles, a vida oculta de Jesus de Nazaré. O volume também deixa transparecer, sobretudo, como Francisco de Assis foi conhecido e admirado por Charles, formando um confronto entre as ações e modelo radical dos dois místicos.
Com esse viés, a primeira parte da publicação traz o tema “Confronto e diálogo entre as duas espiritualidades”. Dom Beto apresenta a compreensão que Charles de Foucauld tinha de São Francisco e os pontos de contato específicos de cada um. Já a segunda parte reflete sobre a “mística” da encarnação em Charles de Foucauld. O autor destaca alguns elementos da espiritualidade de Charles que se aproximam do exemplo franciscano. Além disso, fala da missão e das consequências da evangelização.
Por fim, a terceira e última parte aborda a “mística” da encarnação em Francisco de Assis – como o irmão de Assis escolheu despojar-se de tudo para dar lugar ao desejo de Deus.
Dom Beto conta que a obra nasceu de sua dissertação de mestrado em Espiritualidade pela Pontifícia Universidade Antonianum de Roma. A inspiração em Francisco de Assis sempre estivera presente em sua caminhada na Ordem Franciscana; mais tarde, ao participar da beatificação Charles de Foucauld em 13 novembro de 2005, o bispo passou a conhecer de perto os escritos deixados pelo místico.
“O livro contribuirá para a espiritualidade de leigos e consagrados. Papa Francisco cita uma Igreja despojada, seguidora de Cristo. Os dois mostram esse encontro. A leitura é indicada para os religiosos e cristãos em geral, que querem conhecer duas figuras que mostram que é possível viver o Evangelho. Desejo que os dois sejam mais conhecidos e possam inspirar os cristãos do século XXI.”
Conclusão
A vida do Bem-aventurado Charles de Foucauld foi uma entrega total e absoluta a Deus, pela iluminação do Espírito Santo no escondimento de Nazaré. Tudo era na presença de JESUS: Eucaristia e adoração para JESUS ser amado pelo seu testemunho. Sua missão era deserto-solidão-ação, busca do Absoluto e a radicalidade do amor a Deus e ao próximo. A graça nele era de viver a mística no ser íntimo de Jesus de Nazaré, na evangelização até o fim do mundo, na pobreza, do último lugar, da abissal confiança e abandono no Pai Eterno. Sua vida e sua obra foram tremendamente impactantes e é causa de muitos seguirem a sua espiritualidade no mundo inteiro.
Exortou Charles de Foucauld: “O cristão deve olhar todo ser humano como um irmão bem-amado... Deve ter para com cada um os sentimentos do Coração de Jesus”. (Carta a J. Hours, 03/05/1912).
Frei Inácio José do Vale
Professor e Conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Doutor em História do Cristianismo
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Irmãozinho da Visitação da Fraternidade de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
Fontes:
Daniel-Rops, Henri. A Igreja das revoluções (II): um combate por Deus. São Paulo: Quadrante, 2006, Vol. IX, p. 656).
“A espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos”. (CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM, 125).
A vida do Bem-aventurado Charles de Foucauld foi uma entrega total e absoluta a Deus, pela iluminação do Espírito Santo no escondimento de Nazaré. Tudo era na presença de JESUS: Eucaristia e adoração para JESUS ser amado pelo seu testemunho. Sua missão era deserto-solidão-ação, busca do Absoluto e a radicalidade do amor a Deus e ao próximo. A graça nele era de viver a mística no ser íntimo de Jesus de Nazaré, na evangelização até o fim do mundo, na pobreza, do último lugar, da abissal confiança e abandono no Pai Eterno. Sua vida e sua obra foram tremendamente impactantes e é causa de muitos seguirem a sua espiritualidade no mundo inteiro.
Exortou Charles de Foucauld: “O cristão deve olhar todo ser humano como um irmão bem-amado... Deve ter para com cada um os sentimentos do Coração de Jesus”. (Carta a J. Hours, 03/05/1912).
Frei Inácio José do Vale
Professor e Conferencista
Sociólogo em Ciência da Religião
Doutor em História do Cristianismo
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Irmãozinho da Visitação da Fraternidade de Charles de Foucauld
E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com
O PAPA E O PATRIARCA ECUMÊNICO
Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla e o bispo de Roma Papa Francisco
«Com o coração repleto de alegria, estamos mais uma vez na Cidade Eterna, a Antiga Roma, para encontrar o nosso irmão, o papa Francisco, trocar com ele o beijo da paz e debatermos juntos questões importantes que dizem respeito à humanidade sofredora.»
Da mais bizantina das basílicas romanas, a dos Santos Doze Apóstolos, que guarda as relíquias de Filipe de Betsaida e Tiago "menor", primeiro bispo de Jerusalém, foi aberta com estas palavras na tarde de quarta-feira a visita a Roma do patriarca ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I, que hoje se encontra em privado com o papa Francisco.
A passagem pelo Vaticano, na qual se prevê uma saudação ao papa emérito Bento XVI, culminará no próximo sábado por ocasião da conferência internacional promovida pela Fundação Centesimus Annus a propósito do 25.º aniversário da fundação. A par de Francisco e do secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, Bartolomeu proferirá a alocução intitulada "Uma agenda cristã comum para o Bem Comum".
É significativo que a viagem a Roma de Bartolomeu se tenha iniciado com um momento de oração na basílica dos Santos Doze Apóstolos, confiada aos cuidados dos franciscanos menores conventuais, considerada uma ponte entre Oriente e Ocidente, onde, por vontade do imperador Justiniano e do papa Pelágio, repousam as relíquias dos dois apóstolos e mártires, trazidas há 1500 anos de Constantinopla.
Deslumbramento
“Deslumbramento, relação, comunhão, portanto amor de Deus”, afirmou Bartolomeu I.
«Por isso - prosseguiu - viemos da Igreja do Oriente para nos deslumbrarmos com a Igreja do Ocidente.» «Possamos viver continuamente este sentimento de cada vez que tivermos a possibilidade de nos encontrarmos com o nosso irmão bispo de Roma, mas também quando encontrarmos cada um de vós, amados irmãos e irmãs do Senhor, para não podermos não nos deslumbrarmos com as maravilhas que Deus opera a cada dia em cada um de nós. E se nos encontramos, a nossa relação torna-se plena, podemos falar, podemos simplesmente dialogar, sem nos isolarmos em atitudes defensivas, ou pior, de fechamento e de suspeita, mas também sem nada tirar à nossa consciência e fidelidade à nossa Igreja.»
«Estamos certos - concluiu Bartolomeu - que o diálogo enriquece, faz superar as divergências, faz compreender o pensamento do outro e nada tira a quem entra em diálogo. Por isso só podemos deslumbrarmo-nos com o progresso do diálogo teológico entre as nossas Igrejas e das relações existentes (1).
Oito religiões pela defesa da vida
Em 16 de maio de 2018, Oito religiões subscrevem o documento assinado em Portugal, numa tomada de posição conjunta contra a eutanásia.
Esta tomada de posição foi assinada no final de uma conferência sobre “Como cuidar com compaixão”, organizada pelo Grupo de Trabalho Inter-Religioso para as questões de saúde, que teve lugar na Academia das Ciências de Lisboa (…). O documento será agora entregue na Presidência da República e no Parlamento, antecipando a discussão e votação de quatro projetos de lei, do PAN, PEV, BE e PS, sobre a morte assistida, agendada para o dia 29 de maio (…).
Aliança Evangélica Portuguesa | Pastor Jorge Humberto, em representação do Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa, Dr. Pedro Calaim
Comunidade Hindu Portuguesa | Sr. Kiritkumar Bachu
Comunidade Islâmica de Lisboa | Sheik David Munir
Comunidade Israelita de Lisboa | Rabino Natan Peres
Igreja Católica (Apostólica Romana) | Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente
Patriarcado Ecumênico de Constantinopla | Arcipreste Ivan Moody
União Budista Portuguesa | Eng.º Diogo Lopes
União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia | Pastor António Carvalho, em representação do Presidente da União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia, Pastor António Amorim (2).
Ecumenismo: não é mais tempo de puxar brasa para a própria sardinha
“Acho que nós cristãos ainda temos que caminhar muito no sentido de nos unirmos porque fazemos parte de uma única família”, ressalta o bispo da Diocese de Almenara, Minas Gerais, Dom José Carlos Brandão Cabral.
Dom Cabral diz que no mundo moderno hoje, na sociedade atual, não calha mais ficar cada um puxando brasa para a própria sardinha. “Acho que nós cristãos ainda temos que caminhar muito no sentido de nos unirmos porque fazemos parte de uma única família”.
Tratamos do ecumenismo, um dos temas de particular importância no Concílio Vaticano II, tendo recebido deste um ulterior impulso na caminhada da Igreja católica na relação com as demais confissões cristãs.
Como é sabido, a Igreja católica no Brasil tem feito um esforço nesse sentido, inclusive promovendo iniciativas ecumênicas como a Campanhas da Fraternidade - como a última, por exemplo, (3).
Não há nenhuma dúvida que para promoção da paz, comunhão, justiça e ganhar respeitabilidade e ação transformadora aceita pela opinião pública requerem das igrejas e religiões uma profunda transparência de unidade concreta para o bem-estar da humanidade. Para tudo o fundamento é o amor abissal!
Íntegra do discurso do Papa Francisco ao Parlamento Europeu
Terça-feira, 25 de novembro de 2014.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Vice-Presidentes,
Ilustres Eurodeputados,
Pessoas que a vário título trabalhais neste hemiciclo,
Queridos amigos!
Agradeço-vos o convite para falar perante esta instituição fundamental da vida da União Europeia e a oportunidade que me proporcionais de me dirigir, por vosso intermédio, a mais de quinhentos milhões de cidadãos por vós representados nos vinte e oito Estados membros. Desejo exprimir a minha gratidão de modo particular a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Parlamento, pelas cordiais palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos os componentes da Assembleia.
A minha visita tem lugar passado mais de um quarto de século da realizada pelo Papa João Paulo II. Desde aqueles dias, muita coisa mudou na Europa e no mundo inteiro. Já não existem os blocos contrapostos que, então, dividiam em dois o Continente e, lentamente, está a realizar-se o desejo de que «a Europa, ao dotar-se soberanamente de instituições livres, possa um dia desenvolver-se em dimensões que lhe foram dadas pela geografia e, mais ainda, pela história»[1].
A par duma União Europeia mais ampla, há também um mundo mais complexo e em intensa movimentação: um mundo cada vez mais interligado e global e, consequentemente, sempre menos «eurocêntrico». A uma União mais alargada, mais influente, parece contrapor-se a imagem duma Europa um pouco envelhecida e empachada, que tende a sentir-se menos protagonista num contexto que frequentemente acolha com indiferença, desconfiança e, por vezes, com suspeita.
Hoje, falando-vos a partir da minha vocação de pastor, desejo dirigir a todos os cidadãos europeus uma mensagem de esperança e encorajamento.
Uma mensagem de esperança assente na confiança de que as dificuldades podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro– está a atravessar. Esperança no Senhor que transforma o mal em bem e a morte em vida.
Encorajamento a voltar à firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do Continente. No centro deste ambicioso projeto político, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito econômico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente.
Sinto obrigação, antes de mais nada, de sublinhar a ligação estreita que existe entre estas duas palavras: «dignidade» e «transcendente».
«Dignidade» é a palavra-chave que caracterizou a recuperação após a Segunda Guerra Mundial. A nossa história recente caracteriza-se pela inegável centralidade da promoção da dignidade humana contra as múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo dos séculos, nem mesmo na Europa. A percepção da importância dos direitos humanos nasce precisamente como resultado de um longo caminho, feito também de muitos sofrimentos e sacrifícios, que contribuiu para formar a consciência da preciosidade, unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa humana. Esta tomada de consciência cultural tem o seu fundamento não só nos acontecimentos da história, mas sobretudo no pensamento europeu, caracterizado por um rico encontro cujas numerosas e distantes fontes provêm «da Grécia e de Roma, de substratos celtas, germânicos e eslavos, e do cristianismo que os plasmou profundamente»[2], dando origem precisamente ao conceito de «pessoa».
Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objetos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.
Realmente que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher tornados objeto de todo o gênero de discriminação? Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que o unge de dignidade?
Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém e, muito menos, para benefício de interesses econômicos.
É preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mônada» (μονάς) cada vez mais insensível às outras «mônadas» ao seu redor. Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade.
Por isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social[3]. Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e violências.
Assim, falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que Deus imprimiu no universo criado[4]; sobretudo significa olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um futuro melhor.
Uma tal solidão foi, depois, agravada pela crise econômica, cujos efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atração, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.
A isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas, caracterizados por uma opulência atualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica[5]. O ser humano corre o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.
É o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização da técnica»[6], acabando por gerar «uma confusão entre fins e meios»[7],que é o resultado inevitável da «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte, ser objeto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte». Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardara memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade[8].
Mas, então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?
Para responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um dos mais famosos afrescos de Rafael que se encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.
O futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele «espírito humanista» que naturalmente ama e defende.
É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido, considero fundamental não apenas o patrimônio que o cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa.
Por isso, desejo renovar a disponibilidade da Santa Sé e da Igreja Católica, através da Comissão das Conferências Episcopais da Europa (COMECE), a manter um diálogo profícuo, aberto e transparente com as instituições da União Europeia. De igual modo, estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a tantos extremismos que campeiam no mundo atual – o que se fica a dever também ao grande vazio de ideais a que assistimos no chamado Ocidente –, pois «o que gera a violência não é a glorificação de Deus, mas o seu esquecimento»[9].
Não podemos deixar de recordar aqui as numerosas injustiças e perseguições que se abatem diariamente sobre as minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo. Comunidades e pessoas estão a ser objeto de bárbaras violências: expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas, decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e cúmplice de muitos.
O lema da União Europeia é Unidade na diversidade, mas a unidade não significa uniformidade política, econômica, cultural ou de pensamento. Na realidade, toda a unidade autêntica vive da riqueza das diversidades que a compõem: como uma família, que é tanto mais unida quanto mais cada um dos seus componentes pode ser ele próprio profundamente e sem medo. Neste sentido, considero que a Europa seja uma família de povos, os quais poderão sentir próximas as instituições da União se estas souberem conjugar sapientemente o ideal da unidade, por que se anseia, com a diversidade própria de cada um, valorizando as tradições individuais; tomando consciência da sua história e das suas raízes; libertando-se de tantas manipulações e fobias. Colocar no centro a pessoa humana significa, antes de mais nada, deixar que a mesma exprima livremente o próprio rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo.
Por outro lado, as peculiaridades de cada um constituem uma autêntica riqueza na medida em que são colocadas ao serviço de todos. É preciso ter sempre em mente a arquitetura própria da União Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja possível caminhar animados por mútua confiança.
Nesta dinâmica de unidade-particularidade, coloca-se também diante de vós, Senhores e Senhoras Eurodeputados, a exigência de cuidardes de manter viva a democracia dos povos da Europa. Não escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade afeta a vitalidade do sistema democrático, depauperando do que tem de fecundo e construtivo o rico contraste das organizações e dos partidos políticos entre si. Deste modo, corre-se o risco de viver no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma… acabando por confundir a realidade da democracia com um novo nominalismo político. Manter viva a democracia na Europa exige que se evitem muitas «maneiras globalizantes» de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria[10].
Manter viva a realidade das democracias é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.
Dar esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes. Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é seguramente o da educação, a começar pela família, célula fundamental e elemento precioso de toda a sociedade.
A família unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás, sublinhar a importância da família não só ajuda a dar perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico capaz de os acompanhar e apoiar.
Ao lado da família, temos as instituições educativas: escolas e universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. Aliás são numerosas as potencialidades criativas da Europa em vários campos da pesquisa científica, alguns dos quais ainda não totalmente explorados. Basta pensar, por exemplo, nas fontes alternativas de energia, cujo desenvolvimento muito beneficiaria a defesa do meio ambiente.
A Europa sempre esteve na vanguarda dum louvável empenho a favor da ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens. Isto significa, por um lado, que a natureza está à nossa disposição, podemos gozar e fazer bom uso dela; mas, por outro, significa que não somos os seus senhores. Guardiões, mas não senhores. Por isso, devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos frequentemente levados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração; não a “guardamos”, não a respeitamos, não a consideramos como um dom gratuito do qual cuidar»[11]. Mas, respeitar o ambiente não significa apenas limitar-se a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem. Penso sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao homem.
Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela. Por isso, a par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as minhas palavras.
O segundo âmbito em que florescem os talentos da pessoa humana é o trabalho. É tempo de promover as políticas de emprego, mas acima de tudo é necessário devolver dignidade ao trabalho, garantindo também condições adequadas para a sua realização. Isto implica, por um lado, encontrar novas maneiras para combinar a flexibilidade do mercado com as necessidades de estabilidade e certeza das perspectivas de emprego, indispensáveis para o desenvolvimento humano dos trabalhadores; por outro, significa fomentar um contexto social adequado, que não vise explorar as pessoas, mas garantir, através do trabalho, a possibilidade de construir uma família e educar os filhos.
De igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adotar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenômeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.
Senhor Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores Deputados!
A consciência da própria identidade é necessária também para dialogar de forma propositiva com os Estados que se candidataram à adesão à União Europeia no futuro. Penso sobretudo nos Estados da área balcânica, para os quais a entrada na União Europeia poderá dar resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente por causa dos conflitos do passado. Por fim, a consciência da própria identidade é indispensável nas relações com os outros países vizinhos, particularmente os que assomam ao Mediterrâneo, muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo internacional.
A vós, legisladores, compete a tarefa de preservar e fazer crescer a identidade europeia, para que os cidadãos reencontrem confiança nas instituições da União e no projeto de paz e amizade que é o seu fundamento. Sabendo que, «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária»[12], exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.
Um autor anônimo do século II escreveu que «os cristãos são no mundo o que a alma é para o corpo»[13]. A tarefa da alma é sustentar o corpo, ser a sua consciência e memória histórica. E uma história bimilenária liga a Europa e o cristianismo. Uma história não livre de conflitos e erros, mas sempre animada pelo desejo de construir o bem.
Vemo-lo na beleza das nossas cidades e, mais ainda, na beleza das múltiplas obras de caridade e de construção comum que constelam o Continente. Esta história ainda está, em grande parte, por escrever. Ela é o nosso presente e também o nosso futuro. É a nossa identidade. E a Europa tem uma necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o espírito dos seus Pais fundadores, na paz e na concórdia, já que ela mesma não está ainda isenta dos conflitos.
Queridos Eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente. Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!
Obrigado!
[1]Discurso ao Parlamento Europeu(11 de Outubro de 1988), 5.
[2]JOÃO PAULO II, Discurso à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (8 de Outubrode 1988), 2.
[3]Cf. BENTO XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 7; CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 26.
[4]Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 37.
[5]Cf. Carta ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 55.
[6]BENTO XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 71.
[7]Ibid., 71.
[8]Cf. Carta ap. Evangelii gaudium, 209.
[9]BENTO XVI, Discurso aos Membros do Corpo Diplomático (7 de Janeiro de 2013).
[10]Cf.Carta enc. Evangelii gaudium, 231.
[11]FRANCISCO, Audiência Geral (5 de Junho de 2013).
[12]CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 34.
[13]Carta a Diogneto, 6.
O PECADO DA PREGUIÇA
Cidade do Vaticano (Terça-feira, 28-03-2017, Gaudium Press) Voltando a celebrar sua Missa matutina na Capela da Casa Santa Marta, o Papa Francisco baseou sua homilia no Evangelho proposto pela liturgia do dia.
O Evangelho narra que um homem que já estava doente por trinta e oito anos estava deitado junto a uma piscina chamada Betesda, em hebraico.
Cegos, coxos, paralíticos e também portadores de outras doenças costumavam ficar deitados próximo à orla da piscina esperando que as águas dela se movessem.
Foto: Gustavo Kralj-Gaudium Press
Era uma crença generalizada que quando um anjo descia do céu e movimentasse as águas da piscina, o primeiro doente que nela entrasse, assim que suas águas se movessem, ficaria curado de qualquer doença.
Jesus passava por Betesda e viu esse homem ali deitado. Sabendo da situação em que ele se encontrava há tanto tempo, perguntou-lhe: 'Quer ficar curado?'
Quer ficar curado?
Francisco comentou esse episódio: "É belo, Jesus sempre nos diz ‘Quer ficar curado? Quer ser feliz? Quer melhorar a sua vida? Quer estar cheio do Espírito Santo?'... a palavra de Jesus... Todos os outros que estavam ali - doentes, cegos, paralíticos - disseram: ‘Sim, Senhor, sim!'.
Mas aquele homem de trinta e oito anos de doença, respondeu a Jesus:
‘Senhor, não tenho ninguém que me leve à piscina quando a água é agitada. Quando estou chegando, outro entra na minha frente'.
Era uma resposta-lamentação:
‘Veja, Senhor, como é ruim e injusta a vida comigo. Todos os outros podem entrar e se curar e eu estou doente há 38 anos, mas...'
Árvore de raízes secas: sempre lamentando
O Papa comentou que "Este homem era como a árvore plantada nos braços de um rio - como diz o primeiro Salmo - ‘mas tinha as raízes secas' e ‘as raízes não tocavam a água, não podiam extrair saúde das águas'":
"Isto se entende pelo comportamento, pelas lamentações... sempre tentando colocar a culpa no outro: ‘Mas são os outros que vão antes de mim, eu sou um coitadinho que está aqui há 38 anos...".
Este é um pecado feio, o pecado da preguiça, que é pior do que ter o coração morno, bem pior. É viver, mas ‘viver sem vontade de ir avante, de fazer alguma coisa na vida; é perder a memória da alegria'.
"Este homem não conhecia nem de nome a alegria, a havia perdido. Isto é pecado, é uma doença muito ruim". ‘Mas eu estou bem assim, me acostumei... A vida foi injusta comigo...'. "Sente-se o ressentimento, a amargura do seu coração", ainda comentou o Pontífice.
Era sábado...
Mas Jesus não o repreende, mas lhe diz: ‘Levanta-te, pega a tua cama e anda', lembrou Francisco. O paralítico se cura; mas era sábado, os Doutores da Lei lhe dizem que não lhe é permitido carregar a cama e lhe perguntam quem o havia curado naquele dia. ‘É contra a lei, este homem não é de Deus'. O Paralítico não tinha ainda agradecido Jesus, não lhe havia nem perguntado seu nome. "Levantou-se com a preguiça de quem vive porque o oxigênio é grátis", disse o Papa.
"Daqueles que vivem sempre vendo que os outros são mais felizes e vivem na tristeza, esquecendo-se da alegria. A preguiça, explicou o Santo Padre, é um pecado que paralisa, que nos deixa paralíticos, que não deixa caminhar. Hoje também o Senhor olha por todos nós; todos temos pecados, mas vendo este pecado, nos diz: ‘Levanta'":
Conhecer a alegria da Salvação
"Hoje o Senhor diz a cada um de nós: ‘Levanta, pega a tua vida como ela é: boa, ruim, como for, pegue-a e vá adiante. Não tenha medo, vai adiante, com a tua cama'.
‘Mas Senhor, não é o último modelo...'. ‘Vai avante! Com a cama ruim, mas avante!
É a sua vida e a sua alegria!'
"Quer ser curado? - é a primeira pergunta que o Senhor nos faz hoje. ‘Sim, Senhor'. ‘Levanta'.
Francisco recordou a antífona do início da missa, que ele considerou "tão bonito": ‘Vós, que tendes sede, vinde às águas -são grátis, não há pagamento- vinde e bebei com alegria'. E se dissermos ao Senhor ‘Sim, quero ser curado; sim, Senhor, ajuda-me porque quero me levantar', saberemos como é a alegria da salvação". (JSG)
Conteúdo publicado em gaudiumpress.org, no linkhttp://www.gaudiumpress.org/content/86264#ixzz4cj9YkzQm
O PAPA E OS CRUCIFICADOS DE HOJE
4 maio 2014 Autor: Bíblia Católica | Postado em: Santa Sé
Papa Francisco
Vaticano, 02 Mai. 14 / 02:15 pm (ACI/EWTN Noticias).- Durante a missa celebrada hoje na Casa Santa Marta, o Papa Francisco expressou que chorou pelos cristãos crucificados faz uns dias na Síria por parte de extremistas muçulmanos, e lamentou que ainda haja gente “que em nome de Deus, mata e persegue”.
“Eu chorei quando vi nos meios de comunicação social” a notícia de “cristãos crucificados em certo país não cristão. Também hoje há gente assim, que em nome de Deus, mata e persegue”, disse o Papa, e indicou que assim como os apóstolos, hoje também se veem tantos fiéis que se sentem “felizes por serem ultrajados em nome de Jesus”.
Faz uns dias, Rádio Vaticano publicou as declarações da irmã Raghida, que tinha estado na Síria e que denunciou crucificações de cristãos em povos ocupados por extremistas muçulmanos.
Em sua homilia se centrou no Evangelho da multiplicação dos pães e dos peixes e na narração dos Atos dos Apóstolos onde os discípulos de Jesus são flagelados pelo Sinédrio.
Conforme informou a Rádio Vaticano, Francisco propôs três ícones: o primeiro é o amor de Jesus pelas pessoas, os ciúmes das autoridades religiosas da época e o padecimento em nome de Jesus.
O Santo Padre recordou que Cristo não se preocupava com os que o seguiam, se eram muitos ou poucos… e, por conseguinte, não se preocupa se a Igreja aumentou ou não. Ele, simplesmente, pregava, amava, rezava, acompanhava, caminhava com as pessoas mansas e humildes. A todos os que o seguiam, o Senhor falava mediante a força do amor.
O segundo ícone refere-se aos “ciúmes” das autoridades religiosas daquele tempo que não toleravam as pessoas que seguiam Jesus. “Não o toleravam! Tinham ciúmes”, expressou o Papa, que advertiu que esta é uma atitude feia, pois dos ciúmes surge a inveja.
“Sabemos que o pai da inveja” é o demônio e pela inveja “entrou o mal no mundo”. “Estas pessoas sabiam bem quem era Jesus: sabiam! Estas pessoas eram as mesmas que tinham pago aos guardas para dizerem que os apóstolos tinham roubado o corpo de Jesus!” com o objetivo de silenciar a verdade
“Ele pagaram para calar a verdade. Mas, eram perversos! Pagar para esconder a verdade consiste em uma grande perversidade. As pessoas sabiam quem eles eram e não os seguiam. Elas apenas toleravam a sua autoridade: autoridade de culto, de disciplina eclesiástica e sobre o próprio povo. Enfim, o Sinédrio não tolerava a mansidão de Jesus, do Evangelho, do amor. Por isso, pagava por ter inveja e ódio”, expressou.
O último ícone apresentado pelo Pontífice, com base na liturgia do dia, consiste naqueles que são submetidos a ofensas por causa do nome de Jesus. Aqui, o Papa Francisco confessou ter até chorado diante da notícia, veiculada pela mídia, sobre a crucificação de cristãos em um país não-cristão.
Em nossos dias, concluiu o Santo Padre, muitos são assassinados e perseguidos por causa do nome de Jesus. Não obstante, os cristãos sempre se gloriam de seguir Jesus, tanto no presente como no passado. Eles não ocultam a verdade, que é o próprio Jesus Cristo.
OS SACERDOTES E O DINHEIRO
CELEBRAÇÃO NA CASA STA. MARTA
18/11/2016 10:28
Cidade do Vaticano (RV) - As pessoas não perdoam um sacerdote apegado ao dinheiro, que o Senhor nos dê a graça da pobreza cristã: foi o que disse o Papa durante a Missa na Casa Santa Marta da sexta-feira, (18/11). Concelebraram com Francisco os secretários dos núncios apostólicos, presentes no Vaticano para o seu Jubileu.
No Evangelho do dia, Jesus expulsa os mercantes do Templo que transformaram a casa de Deus, um lugar de oração, num “covil de ladrões”.
“O Senhor – explicou o Papa – nos faz entender onde está a semente do anticristo, a semente do inimigo, a semente que estraga o seu Reino”: o apego ao dinheiro. “O coração apegado ao dinheiro é um coração idolatra”. Jesus diz que não se pode servir dois senhores, dois patrões”, Deus e o dinheiro. O dinheiro – afirmou o Papa - é “o anti-Senhor”.
Mas nós podemos escolher:
“O Senhor Deus, a casa do Senhor Deus, que é casa de oração, de encontro com o Senhor, com o Deus do amor. E o senhor-dinheiro, que entra na casa de Deus, sempre tenta entrar. E essas pessoas que trocavam moedas ou vendiam coisas, mas, alugavam aqueles lugares, eh?: aos sacerdotes … alugavam para os sacerdotes, depois entrava o dinheiro. Este é o senhor que pode arruinar a nossa vida e pode nos conduzir a acabar com a nossa vida, sem felicidade, sem a alegria de servir o verdadeiro Senhor, que é o único capaz de nos dar a verdadeira alegria”.
”É uma escolha pessoal” – afirmou o Papa, que perguntou: “Como é a atitude de vocês em relação ao dinheiro? São apegados ao dinheiro?”:
Percepção:
"O Povo de Deus, que tem uma grande percepção de aceitar como em louvar e condenar - porque o Povo de Deus tem a capacidade de condenar -, perdoa as tantas fraquezas e pecados dos sacerdotes. Porém, não pode perdoar dois: o apego ao dinheiro, quando o vê interessado apegado ao dinheiro: isso ele não perdoa; e o maltrato aos fiéis: isto o Povo de Deus não suporta e não perdoa. Outras coisas, outras fraquezas, outros pecados não lhe estão bem, mas pobre homem é solitário... enfim, busca justificá-lo. Mas, a condenação não é tão forte e definitiva: o Povo de Deus é capaz de entender tudo isso. O estado de poder que o dinheiro tem pode levar um sacerdote a ser dono de uma empresa ou ser um príncipe e assim por diante...".
O Papa recordou os ídolos que Raquel, mulher de Jacó, mantinha escondidos:
"É triste ver um sacerdote que chega ao fim da sua vida, quando está em agonia ou em coma, e seus familiares estão ao seu lado como abutres, aguardando para ver o que lhes sobra. Procurem fazer um favor ao Senhor, como um verdadeiro exame de consciência: “Senhor, vós sois o meu Senhor”! Como Raquel, eliminemos os nossos deuses ocultos no coração, o ídolo do dinheiro”.
Assim, o Papa convidou todos a serem corajosos, a fazer escolhas. Façam escolhas justas! Que tenham o dinheiro suficiente, que faz um trabalhador honesto; fazer as devidas economias como um trabalhador honesto. Mas, é inadmissível a idolatria, os interesses pessoais. Que o Senhor dê a todos nós a graça da pobreza cristã".
"Que o Senhor - concluiu o Papa – nos dê a graça da verdadeira pobreza de um trabalhador, que labuta e ganha o necessário e nada mais”.
56º DIA DAS VOCAÇÕES
Francisco Mensagens Dia Mundial de Oração pelas Vocações
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O 56º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES
A coragem de arriscar pela promessa de Deus
Queridos irmãos e irmãs!
Depois da experiência vivaz e fecunda, em outubro passado, do Sínodo dedicado aos jovens, celebramos recentemente no Panamá a XXXIV Jornada Mundial da Juventude. Dois grandes eventos que permitiram à Igreja prestar ouvidos à voz do Espírito e também à vida dos jovens, aos seus interrogativos, às canseiras que os sobrecarregam e às esperanças que neles vivem.
Neste Dia Mundial de Oração pelas Vocações, retomando precisamente aquilo que pude partilhar com os jovens no Panamá, desejo refletir sobre a chamada do Senhor enquanto nos torna portadores duma promessa e, ao mesmo tempo, nos pede a coragem de arriscar com Ele e por Ele. Quero deter-me brevemente sobre estes dois aspetos – a promessa e o risco –, contemplando juntamente convosco a cena evangélica da vocação dos primeiros discípulos junto do lago da Galileia (cf. Mc 1, 16-20).
Dois pares de irmãos – Simão e André, juntamente com Tiago e João – estão ocupados na sua faina diária de pescadores. Nesta cansativa profissão, aprenderam as leis da natureza, desafiando-as quando os ventos eram contrários e as ondas agitavam os barcos. Em certos dias, a pesca abundante recompensava da árdua fadiga, mas, outras vezes, o trabalho duma noite inteira não bastava para encher as redes e voltava-se para a margem cansados e desiludidos.
Estas são as situações comuns da vida, onde cada um de nós se confronta com os desejos que traz no coração, se empenha em atividades que – espera – possam ser frutuosas, se adentra num «mar» de possibilidades sem conta à procura da rota certa capaz de satisfazer a sua sede de felicidade. Às vezes goza-se duma pesca boa, enquanto noutras é preciso armar-se de coragem para governar um barco sacudido pelas ondas, ou lidar com a frustração de estar com as redes vazias.
Como na história de cada vocação, também neste caso acontece um encontro. Jesus vai pelo caminho, vê aqueles pescadores e aproxima-Se... Sucedeu assim com a pessoa que escolhemos para compartilhar a vida no matrimónio, ou quando sentimos o fascínio da vida consagrada: vivemos a surpresa dum encontro e, naquele momento, vislumbramos a promessa duma alegria capaz de saciar a nossa vida. De igual modo naquele dia, junto do lago da Galileia, Jesus foi ao encontro daqueles pescadores, quebrando a «paralisia da normalidade» (Homilia no XXII Dia Mundial da Vida Consagrada, 2/II/2018). E não tardou a fazer-lhes uma promessa: «Farei de vós pescadores de homens» (Mc 1, 17).
Sendo assim, a chamada do Senhor não é uma ingerência de Deus na nossa liberdade; não é uma «jaula» ou um peso que nos é colocado às costas. Pelo contrário, é a iniciativa amorosa com que Deus vem ao nosso encontro e nos convida a entrar num grande projeto, do qual nos quer tornar participantes, apresentando-nos o horizonte dum mar mais amplo e duma pesca superabundante.
Com efeito, o desejo de Deus é que a nossa vida não se torne prisioneira do banal, não se deixe arrastar por inércia nos hábitos de todos os dias, nem permaneça inerte perante aquelas opções que lhe poderiam dar significado. O Senhor não quer que nos resignemos a viver o dia a dia, pensando que afinal de contas não há nada por que valha a pena comprometer-se apaixonadamente e apagando a inquietação interior de procurar novas rotas para a nossa navegação. Se às vezes nos faz experimentar uma «pesca miraculosa», é porque nos quer fazer descobrir que cada um de nós é chamado – de diferentes modos – para algo de grande, e que a vida não deve ficar presa nas redes do sem-sentido e daquilo que anestesia o coração. Em suma, a vocação é um convite a não ficar parado na praia com as redes na mão, mas seguir Jesus pelo caminho que Ele pensou para nós, para a nossa felicidade e para o bem daqueles que nos rodeiam.
Naturalmente, abraçar esta promessa requer a coragem de arriscar uma escolha. Sentindo-se chamados por Ele a tomar parte num sonho maior, os primeiros discípulos, «deixando logo as redes, seguiram-No» (Mc 1, 18). Isto significa que, para aceitar a chamada do Senhor, é preciso deixar-se envolver totalmente e correr o risco de enfrentar um desafio inédito; é preciso deixar tudo o que nos poderia manter amarrados ao nosso pequeno barco, impedindo-nos de fazer uma escolha definitiva; é-nos pedida a audácia que nos impele com força a descobrir o projeto que Deus tem para a nossa vida. Substancialmente, quando estamos colocados perante o vasto mar da vocação, não podemos ficar a reparar as nossas redes no barco que nos dá segurança, mas devemos fiar-nos da promessa do Senhor.
Penso, antes de mais nada, na chamada à vida cristã, que todos recebemos com o Batismo e que nos lembra como a nossa vida não é fruto do acaso, mas uma dádiva a filhos amados pelo Senhor, reunidos na grande família da Igreja. É precisamente na comunidade eclesial que nasce e se desenvolve a existência cristã, sobretudo por meio da Liturgia que nos introduz na escuta da Palavra de Deus e na graça dos Sacramentos; é nela que somos, desde tenra idade, iniciados na arte da oração e na partilha fraterna. Precisamente porque nos gera para a vida nova e nos leva a Cristo, a Igreja é nossa mãe; por isso devemos amá-la, mesmo quando vislumbramos no seu rosto as rugas da fragilidade e do pecado, e devemos contribuir para a tornar cada vez mais bela e luminosa, para que possa ser um testemunho do amor de Deus no mundo.
Depois, a vida cristã encontra a sua expressão naquelas opções que, enquanto conferem uma direção concreta à nossa navegação, contribuem também para o crescimento do Reino de Deus na sociedade. Penso na opção de se casar em Cristo e formar uma família, bem como nas outras vocações ligadas ao mundo do trabalho e das profissões, no compromisso no campo da caridade e da solidariedade, nas responsabilidades sociais e políticas, etc. Trata-se de vocações que nos tornam portadores duma promessa de bem, amor e justiça, não só para nós mesmos, mas também para os contextos sociais e culturais onde vivemos, que precisam de cristãos corajosos e testemunhas autênticas do Reino de Deus.
No encontro com o Senhor, alguém pode sentir o fascínio duma chamada à vida consagrada ou ao sacerdócio ordenado. Trata-se duma descoberta que entusiasma e, ao mesmo tempo, assusta, sentindo-se chamado a tornar-se «pescador de homens» no barco da Igreja através duma oferta total de si mesmo e do compromisso dum serviço fiel ao Evangelho e aos irmãos. Esta escolha inclui o risco de deixar tudo para seguir o Senhor e de consagrar-se completamente a Ele para colaborar na sua obra. Muitas resistências interiores podem obstaculizar uma tal decisão, mas também, em certos contextos muito secularizados onde parece não haver lugar para Deus e o Evangelho, pode-se desanimar e cair no «cansaço da esperança» (Homilia na Missa com sacerdotes, pessoas consagradas e movimentos laicais, Panamá, 26/I/2019).
E, todavia, não há alegria maior do que arriscar a vida pelo Senhor! Particularmente a vós, jovens, gostaria de dizer: não sejais surdos à chamada do Senhor! Se Ele vos chamar por esta estrada, não vos oponhais e confiai n’Ele. Não vos deixeis contagiar pelo medo, que nos paralisa à vista dos altos cumes que o Senhor nos propõe. Lembrai-vos sempre que o Senhor, àqueles que deixam as redes e o barco para O seguir, promete a alegria duma vida nova, que enche o coração e anima o caminho.
Queridos amigos, nem sempre é fácil discernir a própria vocação e orientar justamente a vida. Por isso, há necessidade dum renovado esforço por parte de toda a Igreja – sacerdotes, religiosos, animadores pastorais, educadores – para que se proporcionem, sobretudo aos jovens, ocasiões de escuta e discernimento. Há necessidade duma pastoral juvenil e vocacional que ajude a descobrir o projeto de Deus, especialmente através da oração, meditação da Palavra de Deus, adoração eucarística e direção espiritual.
Como várias vezes se assinalou durante a Jornada Mundial da Juventude do Panamá, precisamos de olhar para Maria. Na história daquela jovem, a vocação também foi uma promessa e, simultaneamente, um risco. A sua missão não foi fácil, mas Ela não permitiu que o medo A vencesse. O d’Ela «foi o “sim” de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora duma promessa. Pergunto a cada um de vós: sentes-te portador duma promessa? Que promessa trago no meu coração, devendo dar-lhe continuidade? Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas as dificuldades não eram motivo para dizer “não”. Com certeza teria complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam quando a covardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente, tudo claro ou garantido» (Vigília com os jovens, Panamá, 26/I/2019).
Neste Dia, unimo-nos em oração pedindo ao Senhor que nos faça descobrir o seu projeto de amor para a nossa vida, e que nos dê a coragem de arriscar no caminho que Ele, desde sempre, pensou para nós.
Vaticano, Memória de São João Bosco, 31 de janeiro de 2019.
TEXTO MUITO LINDO – BOM PARA REFLETIR – MELHOR PARA REALIZAR!!!
SER FELIZ !!!
Você pode ter defeitos, estar ansioso e viver irritado algumas vezes, mas não se esqueça que sua vida é a maior empresa do mundo.
Só você pode evitar que ela entre em decadência. Há muitas pessoas que precisam de você, te admiram e te gostam de sua companhia.
Eu gostaria que você se lembrasse que ser feliz não é ter um céu sem tempestades, um caminho sem acidentes, trabalho sem cansaço, relacionamentos sem decepções.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. Ser feliz não é somente valorizar o sorriso, mas também refletir sobre a tristeza.
Não é apenas comemorar o sucesso, mas sim aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter alegria com os aplausos, mas ter alegria no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas sim uma conquista para quem sabe viajar para dentro de seu próprio ser.Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor de sua própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no fundo de nossa alma.
É agradecer a Deus cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
É beijar os filhos, mimar aos pais, ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos machuquem.
Ser feliz é deixar livre a criatura alegre e simples que vive dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer "errei". Ter ousadia para dizer "me perdoe". Ter sensibilidade para expressar "te preciso". É ter capacidade de dizer "te amo".
Que sua vida se transforme num jardim de oportunidades para ser feliz. Que em suas primaveras seja um amante da alegria. E em seus invernos seja amigo da sabedoria. E que quando você erre no caminho, comece tudo de novo.
Pois assim será mais apaixonado pela vida. E descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas sim usar as lágrimas para regar a tolerância. As perdas para aprender a ter paciência. As falhas para esculpir a serenidade. A dor para lapidar o prazer. Os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Nunca desista...
Nunca desista das pessoas que você ama.
Nunca desista de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível.
E você é um ser humano especial. Agora sim. Tome um pouco de seu tempo para ler e processar tudo.