Amoris Laetitia- resumo

AMORIS LAETITIA-RESUMO

A ALEGRIA DO AMOR-CHAVE DE LEITURA


Chaves de leitura para Amoris Lætitia

Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva


Mal se publicava a Exortação Apostólica Amoris Lætitia, os jornais italianos de maior expressão davam como manchete: “Sinodo, le aperture di papa Francesco:


‘Comunione possibile per i divorziati risposati’” (Repubblica.it); “Sacramenti ai risposati, il Papa apre” (Corriere.it).


Pois bem, nós não podemos cair no “magistério” de La Repubblica ou do Corriere, tão privados de profundidade teológica. Precisamos interpretar os textos do papa no mesmo espírito em que foram escritos. O Papa Francisco dialoga com um mundo em que o laicismo beligerante cresce.


O anticatolicismo está todo fundado sobre uma caricaturização da Igreja, que Francisco tenta sabotar. E está conseguindo.


Neste sentido, podemos partir de umas ideias chave, que nos sirvam como apoio para uma leitura mais consensual deste importante texto do Magistério ordinário e universal do Romano Pontífice, que, em sua simplicidade, é, contudo,muito bem escrito.


1. Introdução. Um documento pastoral. Uma Igreja em saída.


Esta exortação, ao ser o ponto de chegada de uma nova ótica pastoral que o Papa Francisco vem propondo desde o inicio de seu pontificado e ao culminar o trabalho de dois Sínodos, torna-se um divisor de águas na pastoral familiar da Igreja.


Embora deva ser lido em total continuidade doutrinal com os documentos anteriores, vivemos num tempo em que as famílias estão chagadas por situações dolorosas para as quais não basta um juízo doutrinal, moral; corremos, sim, o risco de “atirarmos pedras” sobre pessoas. Francisco nos coloca em alerta para abrirmos aos homens a porta da salvação, dirigida mais especialmente àqueles que necessitam dela.


Como foi amplamente divulgado, por ocasião das duas últimas Assembleias sinodais, o presente documento é de caráter eminentemente pastoral. O Santo Padre evita nitidamente dar a impressão de que está querendo emitir alguma novidade doutrinal.


A preocupação central da Exortação é que não podemos falar em Nova Evangelização sem reevangelizarmos as famílias da terra, em meio às dificuldades inerentes ao mundo de hoje:


“Considerei oportuno redigir uma Exortação Apostólica pós-sinodal que recolha contribuições dos dois Sínodos recentes sobre a família, acrescentando outras 

considerações que possam orientar a reflexão, o diálogo ou a práxis pastoral, e  simultaneamente ofereçam coragem, estímulo e ajuda às famílias na sua doação e nas suas dificuldades”1.


CHAVES DE LEITURA PARA AMORIS LÆTITIA


2 - Três palavras parecem-me delinear bem a natureza da preocupação pastoral do Papa: acompanhamento, discernimento e misericórdia..


PASTORAL DO ACOMPANHAMENTO.


“Acima de tudo, a novidade reside numa atitude de acompanhamento. O Papa Francisco, tal como os seus predecessores, reconhece a complexidade da vida familiar moderna. Mas ele atribui uma ênfase adicional à necessidade de a Igreja e os seus ministros estarem próximos das pessoas”2.


PASTORAL DO DISCERNIMENTO.


O Santo Padre, do mesmo modo, releva a importância pastoral do discernimento, em que a atitude dos pastores seja a de se debruçarem sobre a situação de cada pessoa particular, em espírito de oração e fidelidade à norma da fé, para encontrar o melhor modo de ajudá-la.


PASTORAL DA MISERICÓRDIA.


“O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero”3.


Precisamos ler o presente documento, também, em harmonia com a Encíclica Evangelii Gaudium, em que Francisco apresenta a necessidade de sermos uma “Igreja em saída”4.


O Papa não quer que as pessoas se relacionem com a Igreja a partir de um “não”, de uma “proibição”. É verdade que, em outros tempos, as pessoas na Igreja tinham uma abordagem, sobretudo negativa, diante das feridas existenciais. Este foi o caso, por exemplo, da Madre Angélica, que foi expulsa do Colégio das religiosas porque sua mãe foi abandonada pelo pai; ou mesmo do Card. Schörnborn que, na apresentação dessa Exortação à imprensa, disse ter sofrido preconceito na Igreja por ser filho de casais de segunda união. O Papa põe em ato uma “lógica da inclusão”, contrária a qualquer prática excludente.


Gostaria de sugerir três chaves de leitura para a interpretação de Amoris Lætitia.


3. CHAVES DE LEITURA PARA AMORIS LÆTITIA


3.1. Continuidade com a tradição da Igreja no Magistério sobre a família


No capítulo III de Amoris Lætitia, o Santo Padre coloca o presente documento


na esteira de todos os documentos eclesiais sobre a Família, desde o Concílio


Vaticano II5. Este nexo é fundamentalmente importante, se não quisermos dar margem a uma leitura equivocada do documento, como se este fosse um avulso entre tantos outros do magistério pontifício. A hermenêutica da continuidade de todos estes textos magisteriais é um critério importante para a interpretação de Amoris Lætitia. O Papa Francisco pressupõe o magistério precedente e, por isso, nem sempre o explicita no texto.


3.2. Uma estratégia para recuperar a sensibilidade para a lei natural


Talvez uma das chaves para compreender a relação deste pontificado com os anteriores seja a estratégia de Francisco para conquistar, por caminhos diferentes, aquilo que os papas precedentes levantaram como bandeira. Em nossa sociedade laicista, em que as pessoas têm a consciência moral desorientada, a sua própria sensibilidade não capta mais senão resquícios da “lei natural”. Os papas anteriores levantaram vigorosamente a bandeira da vida e da família. Francisco, mais do que levantar a bandeira, vai pela “porta dos fundos”…Por exemplo, o homem dos nossos dias é insensível para seu próximo, mas muito sensível para os animais… Francisco, então, escreve uma encíclica ecológica que, suavemente, vai elevando os nossos contemporâneos a uma ecologia humana, como ele mesmo afirma: “A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza”6. Pois bem, nesse documento, Francisco quer salientar que, mesmo em meio a todas as dificuldades, a família não é um projeto fracassado, e é o melhor lugar para um encontro com o amor e a misericórdia. Numa sociedade que despreza a família, o Santo Padre reapresenta-a em contornos não apenas empolgantes, mas profundamente realistas.


3.4. A “moral familiar” reapresentada em chave pastoral


Como fica claro na leitura de Amoris Lætitia, Papa Francisco não reformula a moral matrimonial. Sobre a polêmica situação dos recasados, ele afirma que “a lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem também ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda”7.


Ademais, afirma o Santo Padre,


“‘uma vez que na própria lei não há gradualidade (Familiaris Consortio, n. 34), este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. Para que isto aconteça, devem garantir-se as necessárias condições de

humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma’. Estas atitudes são fundamentais para evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente ‘exceções’, ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores. (…) Evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla”8.


Na perspectiva de interpretações equivocadas desta Exortação Apostólica, tais como as que mencionei no início, parece-me oportuno salientar dois eventuais pontos de confusão no que se refere à doutrina moral.


“MORAL DE SITUAÇÃO”?


Algumas pessoas menos formadas em Teologia Moral poderiam sustentar que a abordagem de Amoris Lætitia privilegia as circunstâncias sobre o objeto moral, quase subvertendo a relação de precedência desse sobre aquelas. O tema é, em si mesmo, complicado9.


Uma primeira resposta é que Amoris Lætitia pressupõe todo o magistério precedente a respeito. Portanto, os objetos morais estão claramente pressupostos em toda a sua elaboração: adultério é adultério, concubinato é concubinato, sacrilégio é sacrilégio etc. Todos estes conceitos estão solidamente estabelecidos no magistério da Igreja. Ademais, São João Paulo II afirma, na Veritatis Splendor, que:


“a Igreja ensina que ‘existem atos que, por si e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objeto’. (…) As circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objeto, num ato ‘subjetivamente’ honesto ou defensível como opção”10. Pressupondo isso, precisamos, porém, entender que as circunstâncias são importantes, sobretudo num encontro entre moral e pastoral. Cada caso precisa ser profundamente examinado, e há, inclusive, uma parte da virtude da prudência – e, portanto, da prudência pastoral – que se ocupa especificamente disso: a virtude da circunspecção11.


PARADIGMA FAMILIARIS CONSORTIO


Papa Francisco afirmou categoricamente que “não se devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares. Os sacerdotes têm o dever de "acompanhar as pessoas interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do  bispo" 12.


Portanto, como o Santo Padre não ofereceu uma nova tipificação de situações morais, devemos ater-nos àquelas já apresentadas por São João Paulo II na Exortação apostólica Familiaris Consortio:


“a reconciliação pelo sacramento da penitência - que abriria o caminho ao sacramento eucarístico - pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimônio. Isto tem como consequência, concretamente, que quando o homem e a mulher, por motivos sérios - quais, por exemplo, a educação dos filhos - não se podem separar – ‘assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cônjuges’”13.


É tarefa do teólogo moral aplicar os princípios doutrinais aos casos concretos, oferecendo aos pastores matéria suficiente para que possam julgar a moralidade dos atos daqueles que se aproximam para receberem a adequada orientação para a sua conversão pessoal e familiar. Neste sentido, parecem-me que são três as situações gerais que precisamos vislumbrar.


CHAVES DE LEITURA PARA AMORIS LÆTITIA


a) A dissolução da coabitação


Como prevê a Familiaris consortio, embora a dissolução da coabitação possa ser moralmente necessária em alguns casos (por exemplo, no caso de adultérios no interior de uma família, quando um homem passa a viver com a irmã de sua esposa), existem casos em que a dissolução da coabitação não é possível, e talvez sequer recomendável (a própria Exortação menciona os casais de divorciados que têm filhos, ou mesmo aqueles que são de idade avançada ou são muito pobres).


Os pastores devem ser extremamente acolhedores com tais casais, animando-lhes a uma conversão mais profunda.


b) A continência sexual


Para algumas pessoas, a proposta da Familiaris Consortio de uma continência sexual perpétua para os casais divorciados recasados parece algo irreal e até desumano. Contudo, indo para a prática pastoral corriqueira, os confessores têm a experiência cotidiana de como a vida sexual dos casais, nos tempos modernos, tornou-se tão tênue que, em certos casos, é quase inexistente. É frequente encontrarmos casais que não se dão o débito conjugal há meses, e até anos, com relativa tranquilidade 14. Em termos moralmente objetivos, existem casais de recasados que têm uma vida sexual tão esporádica que já estariam em condições de serem admitidos aos sacramentos, desde que arrependidos15. Os confessores, ao analisarem individualmente cada caso, devem delicadamente verificar se esta já não seria a situação presente do casal, ou mesmo se estes não estariam dispostos, para receber os sacramentos, a começarem a viver uma vida sexualmente abstinente. Como é óbvio, em tais casos, os sacerdotes devem ser compreensivos com eventuais quedas.


c) Acompanhamento pastoral dos concubinários


É um fato, porém, que existem realidades conjugais em que a continência sexual não será possível. Devemos considerar, entretanto, que este estado não é permanente. Com o passar dos anos, a situação de cada um dos cônjuges pode mudar: a libido vai diminuindo, ou aquele que está impedido consegue comprovar diante da Igreja a nulidade do casamento anterior, ou mesmo este se torna viúvo.


Precisamos superar este imediatismo pós-moderno, muito cômodo para as pessoas e mesmo para os pastores. É mais fácil dar logo a comunhão, e consequentemente cometer um sacrilégio. Contudo, é o melhor? As pessoas levam décadas para criar certos problemas pessoais, não é razoável que a solução para estes seja lenta, serena?… Não preservamos, assim, o matrimônio da banalização e, com isso, não se formam melhor os filhos, e a própria pessoa aprenderá o valor que tem este sacramento na economia da graça? A este respeito, diz com muita clareza o Papa Francisco:


“convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja”16.


Neste caminho de conversão, os pastores devem manifestar sua proximidade e amizade. Mesmo que não possam dar os sacramentos a estes fieis, devem lembrá-los que são membros da Igreja, e que podem progredir dia-após-dia em sua vida moral. É absurdamente contraditória a abordagem de quem, achando-se muito progressista, na verdade, padece de um odioso sacramentalismo, que parece mais forjado para esvaziar de sentido os próprios sacramentos. Cria-se a impressão de que “acolher” é “dar o sacramento da comunhão”, enquanto que o exemplo pessoal do Santo Padre é tão evangelicamente contundente: acolher é telefonar, abraçar, ouvir, visitar em casa, incluir na vida comunitária, oferecer um trabalho pastoral, rezar junto, ajudar na educação cristã dos filhos… Enfim, o engodo é tão gritante, que dispensa maiores exemplificações.


Em outras palavras, o Papa Francisco nos está propondo não apenas uma “pastoral da acolhida”, o que já seria maravilhoso; ele nos está desafiando para uma “pastoral da procura”, de irmos ao encontro das ovelhas feridas nos caminhos do mundo, para aliviar suas dores, mostrando que a Igreja é sua Mãe, e delas não se desinteressa.


Ao contrário do que propalam, o único modo de alcançar este objetivo não é com uma pastoral sacramentalista de facilidades e exceções, mas pelo acompanhamento personalizado, o discernimento espiritual e profundo, e a integração totalmente embebida de misericórdia, que vai levando os casais a uma autêntica conversão interior. Na verdade, a Amoris Lætitia nos está dando as estratégias pastorais para colocarmos em prática definitivamente a Familiaris Consortio, que os pastores deixaram descansando no papel.


O Santo Padre nos está tirando a todos da zona de conforto. Nem “sim”, nem “não”; mas um laborioso discernimento, fruto do amor cristão, consequência da 

caridade pastoral.




Notas


1 FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Lætitia (19.03.2016), n. 4.


2 SECRETARIA DO SÍNODO DOS BISPOS, Perguntas e respostas, 1.


3 FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Lætitia (19.03.2016), n. 296.


4 “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos”. FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Evangelii Gaudium (24.11.2013), n. 49.


5 Cf. FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Lætitia (19.03.2016), nn. 67-69.


6 FRANCISCO, S.S., Encíclica Laudato Sì (24.05.2015), n. 155.


CHA7 FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Lætitia (19.03.2016), n. 299.


8 Ibidem, n. 300.


9 “O elemento primário e decisivo para o juízo moral é o objeto do ato humano, o qual decide sobre o seu ordenamento ao bem e ao fim último que é Deus. Este ordenamento é identificado pela razão no mesmo ser do homem, considerado na sua verdade integral, e portanto, nas suas inclinações naturais, nos seus dinamismos e nas suas finalidades que têm sempre também uma dimensão espiritual: são exatamente estes os conteúdos da lei natural, e consequentemente o conjunto ordenado dos ‘bens para a pessoa’ que se põem ao serviço do ‘bem da pessoa’, daquele bem que é ela mesma e a sua perfeição. São estes os bens tutelados pelos mandamentos, os quais, segundo S. Tomás, contêm toda a lei natural”. JOÃO PAULO II, S., Encíclica Veritatis Splendor (6.08.1993), n. 79.


10 Ibidem, 80-81.


11 “Porque a prudência tem como objeto as ações singulares, às quais concorrem muitas coisas, acontece que alguma coisa, considerada em si mesma, seja boa e conveniente ao fim, pode tornar-se má ou inoportuna ao fim. (…) É por isso que a circunspecção é necessária para a prudência, afim de que se compare o que é ordenado ao fim com as circunstâncias”. TOMÁS DE AQUINO, S., Suma Teológica,


IIa-IIæ, q. 49, a. 7, Resposta.


12 FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal Amoris Lætitia (19.03.2016), n. 300.


13 JOÃO PAULO II, S., Exortação apostólica pós-sinodal Familiaris Consortio (22.11.1981), n. 84.


14 A práxis pastoral dos confessores, nesses casos, tem sido a de prudente e delicadamente exortar os casais unidos pelo vínculo do Matrimônio a se oferecerem livremente para a satisfação do débito


conjugal, como manifestação concreta do amor nupcial; enquanto que, àqueles que vivem em situação irregular, a de se irem conservando abstinentes.


15 É nesse sentido que se devem ler estas palavras do Papa Francisco: “é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”. FRANCISCO, S.S., Exortação apostólica pós-sinodal


Amoris Lætitia (19.03.2016), n. 305. Quando fala de situação objetiva de pecado, refere-se ao fato de serem um casal de “segunda união”, o que é objetivamente verificável; mas que talvez subjetivamente não seja culpável, ou seja, que talvez sequer tenham contatos sexuais.


16 Ibidem, n. 312.


03-RESUMO DA CARTA AMORIS LAETITIA


VEJA O DOCUMENTO TODO NESTE LINK:






RESUMO TIRADO DO SITE DA DIOCESE DE OSASCO






“Amoris laetitia” (AL – “A alegria do amor”), a Exortação apostólica pós-sinodal “sobre o amor na família”, datada não por acaso de 19 de março, Solenidade de S. José, recolhe os resultados de dois Sínodos sobre a família convocados pelo Papa Francisco em 2014 e 2015, cujas Relações conclusivas são abundantemente citadas, juntamente com documentos e ensinamentos dos seus Predecessores e as numerosas catequeses sobre a família do próprio Papa Francisco. Contudo, como já sucedeu noutros documentos magisteriais, o Papa recorre também a contributos de diversas Conferências episcopais de todo o mundo (Quênia, Austrália, Argentina…) e a citações de personalidades de relevo, como Martin Luther King ou Erich Fromm. Ressalta em particular uma citação do filme “A Festa de Babette”, que o Papa recorda para explicar o conceito de gratuitidade.


Premissa


A Exortação apostólica chama a atenção pela sua amplitude e articulação. Está dividida em nove capítulos e mais de 300 parágrafos. Tem início com sete parágrafos introdutórios que evidenciam a plena consciência da complexidade do tema, que requer ser aprofundado. Afirma-se que as intervenções dos Padres no Sínodo constituíram um «precioso poliedro» (AL 4) que deve ser preservado. Neste sentido, o Papa escreve que «nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais». Por conseguinte, para algumas questões «em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais. De facto,“as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral (…), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado”» (AL 3). Este princípio de inculturação revela-se como muito importante até no modo de articular e compreender os problemas, modo esse que, sem entrar nas questões dogmáticas bem definidas pelo Magistério da Igreja, não pode ser «globalizado».


Mas sobretudo o Papa afirma de imediato e com clareza que é necessário sair da estéril contraposição entre a ânsia de mudança e a aplicação pura e simples de normas abstratas. Escreve: «Os debates, que têm lugar nos meios de comunicação ou em publicações e mesmo entre ministros da Igreja, estendem-se desde o desejo desenfreado de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamentação até à atitude que pretende resolver tudo através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões teológicas» (AL 2).


Capítulo primeiro: “À luz da Palavra”


Enunciadas estas premissas, o Papa articula a sua reflexão a partir das Sagradas Escrituras no primeiro capítulo, que se desenvolve como uma meditação acerca do Salmo 128, característico da liturgia nupcial hebraica, assim como da cristã. A Bíblia «aparece cheia de famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares» (AL 8) e a partir deste dado pode meditar-se como a família não é um ideal abstrato, mas uma «tarefa “artesanal”» (AL 16) que se exprime com ternura (AL 28), mas que se viu confrontada desde o início também pelo pecado, quando a relação de amor se transformou em domínio (cf. AL 19). Então, a Palavra de Deus «não se apresenta como uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de viagem, mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas nalguma tribulação, mostrando-lhes a meta do caminho» (AL 22).


Capítulo segundo: “A realidade e os desafios das famílias”


Partindo do terreno bíblico, o Papa considera no segundo capítulo a situação atual das famílias, mantendo «os pés assentes na terra» (AL 6), bebendo com abundância das Relações conclusivas dos dois Sínodo se enfrentando numerosos desafios, desde o fenômeno migratório à negação ideológica da diferença de sexo («ideologia de gênero»); da cultura do provisório à mentalidade anti-natalidade e ao impacto das biotecnologias no campo da procriação; da falta de habitação e de trabalho à pornografia e ao abuso de menores; da atenção às pessoas com deficiência ao respeito pelos idosos; da desconstrução jurídica da família à violência para com as mulheres. O Papa insiste no carácter concreto, que é um elemento fundamental da Exortação. E é este carácter concreto e realista que estabelece uma diferença substancial entre «teorias» de interpretação da realidade e «ideologias».


Citando a Familiaris consortio, Francisco afirma que «é salutar prestar atenção à realidade concreta, porque “os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história” através dos quais “a Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profundado inexaurível mistério do matrimônio e da família”» (AL 31). Sem escutar a realidade não é possível compreender nem as exigências do presente nem os apelos do Espírito. O Papa nota que o individualismo exacerbado torna hoje difícil a doação a uma outra pessoa de uma maneira generosa (cf. AL 33). Eis um interessante retrato da situação: «Teme-se a solidão, deseja-se um espaço de proteção e fidelidade mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais» (AL 34).


A humildade do realismo ajuda a não apresentar «um ideal teológico do matrimônio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são» (AL 36). O idealismo não permite considerar o matrimônio assim como é, ou seja, «um caminho dinâmico de crescimento e realização». Por isso, também não se pode julgar que se possa apoiar as famílias «com a simples insistência em questões doutrinais, bioéticas e morais, sem motivar a abertura à graça» (AL 37). Convidando a uma certa “autocrítica” de uma apresentação não adequada da realidade matrimonial e familiar, o Papa insiste na necessidade de dar espaço à formação da consciência dos fiéis: «Somos chamados aformar as consciências, não a pretender substituí-las» (AL37). Jesus propunha um ideal exigente, mas «não perdia jamais a proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera» (AL 38).


Capítulo terceiro: “O olhar fixo em Jesus: a vocação da família”


O terceiro capítulo é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento da Igreja acerca do matrimônio e da família. É importante a presença deste capítulo, porque ilustra de uma maneira sintética em 30 parágrafos a vocação à família de acordo com o Evangelho, assim como ela foi recebida pela Igreja ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da sacramentalidade do matrimônio, da transmissão da vida e da educação dos filhos. Fazem-se inúmeras citações da Gaudium et spes do Vaticano II, daHumanae vitae de Paulo VI, da Familiaris consortio de João Paulo II.


O olhar é amplo e inclui também as «situações imperfeitas». Com efeito, lemos: «“O discernimento da presença dassemina Verbi nas outras culturas (cf. Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à realidade matrimonial e familiar. Para além do verdadeiro matrimônio natural, há elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições religiosas”, embora não faltem também as sombras» (AL 77). A reflexão inclui ainda as «famílias feridas», a propósito das quais o Papa afirma – citando a Relatio finalis do Sínodo de 2015 —«é preciso lembrar sempre um princípio geral: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações” (Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade não é igual em todos os casos, e podem existir fatores que limitem a capacidade de decisão. Por isso, ao mesmo tempo que se exprime com clareza adoutrina, há que evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diferentes situações,e é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 79).


Capítulo quarto: “O amor no matrimónio”


O quarto capítulo trata do amor no matrimônio e ilustra-o a partir do “hino ao amor” de São Paulo de 1 Cor 13, 4-7. O capítulo é uma verdadeira e autêntica exegese cuidadosa, precisa, inspirada e poética do texto paulino. Poderemos dizer que se trata de uma coleção de fragmentos de um discurso amoroso que cuida de descrever o amor humano em termos absolutamente concretos. Surpreende-nos a capacidade de introspeção psicológica evidenciada por esta exegese. O aprofundamento psicológico chega ao mundo das emoções dos cônjuges – positivas e negativas – e à dimensão erótica do amor.Este é um contributo extremamente rico e precioso para a vida cristã dos cônjuges, que não tinha até agora paralelo em anteriores documentos papais.


À sua maneira, este capítulo constitui um pequeno tratado no conjunto de um desenvolvimento mais amplo, plenamente consciente do carácter quotidiano do amor que se opõe a todos os idealismos: «não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimônio como sinal implica “um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”» (AL 122). Mas, por outro lado, o Papa insiste de modo enérgico e firme no facto de que «na própria natureza do amor conjugal, existe a abertura ao definitivo» (AL 123) precisamente no íntimo daquela «combinação necessária de alegrias e fadigas, de tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e buscas, de aborrecimentos e prazeres» (Al 126) que é de facto o matrimônio.


O capítulo conclui-se com uma reflexão muito importante acerca da «transformação do amor» uma vez que «o alongamento da vida provocou algo que não era comum noutros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha» (AL 163). A aparência física transforma-se e a atração amorosa não desaparece, mas muda: com o tempo, o desejo sexual pode transformar-se em desejo de intimidade e «cumplicidade». «Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade» (AL 163).


Capítulo quinto: “O amor que se torna fecundo”


O quinto capítulo centra-se por completo na fecundidade e no carácter gerador do amor. Fala-se de uma maneira espiritualmente e psicologicamente profunda do acolher uma nova vida, da espera própria da gravidez, do amor de mãe e de pai. Mas também da fecundidade alargada, da adoção, do acolhimento do contributo das famílias para a promoção de uma “cultura do encontro”, da vida na família em sentido amplo, com a presença de tios, primos, parentes dos parentes, amigos. A Amoris laetitia não toma em consideração a família «mononuclear», mas está bem consciente da família como rede de relações alargadas. A própria mística do sacramento do matrimônio tem um profundo carácter social (cf. AL 186). E no âmbito desta dimensão social, o Papa sublinha em particular tanto o papel específico da relação entre jovens e idosos, como a relação entre irmãos como aprendizagem de crescimento na relação com os outros.


Capítulo sexto: “Algumas perspetivas pastorais”


No sexto capítulo, o Papa aborda algumas vias pastorais que orientam para a edificação de famílias sólidas e fecundas de acordo com o plano de Deus. Nesta parte, a Exortação recorre às Relações conclusivas dos dois Sínodos e às catequeses do Papa Francisco e de João Paulo II. Volta-se a sublinhar que as famílias são sujeito e não apenas objeto de evangelização. O Papa observa que «os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias» (AL 202). Se, por um lado, é necessário melhorar a formação psicoafetiva dos seminaristas e envolver mais a família na formação para o ministério (cf. AL 203), por outro «pode ser útil também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados» (AL 202).


Em seguida, o Papa desenvolve o tema da orientação dos noivos no caminho de preparação para o matrimônio, do acompanhamento dos esposos nos primeiros anos da vida matrimonial (incluindo o tema da paternidade responsável), mas também em algumas situações complexas e, em particular, nas crises, sabendo que «cada crise esconde uma boa notícia, que é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração» (AL 232). São analisadas algumas causas de crise, entre elas uma maturação afetiva retardada (cf. AL 239).


Além disso, fala-se também do acompanhamento das pessoas abandonadas, separadas ou divorciadas e sublinha-se a importância da recente reforma dos procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial. Coloca-se em relevo o sofrimento dos filhos nas situações de conflito e conclui-se: «O divórcio é um mal, e é muito preocupante o aumento do número de divórcios. Por isso, sem dúvida, a nossa tarefa pastoral mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do nosso tempo» (AL 246). Referem-se de seguida as situações dos matrimônios mistos e daqueles com disparidade de culto, e a situação das famílias que têm dentro de si pessoas com tendência homossexual, insistindo no respeito para com elas e na recusa de qualquer discriminação injusta e de todas das formas de agressão e violência. A parte final do capítulo, «quando a morte crava o seu aguilhão», é de grande valor pastoral, tocando o tema da perda das pessoas queridas e da viuvez.


Capítulo sétimo: “Reforçar a educação dos filhos”


O sétimo capítulo é totalmente dedicado à educação dos filhos: a sua formação ética, o valor da sanção como estímulo, o realismo paciente, a educação sexual, a transmissão da fé e, mais em geral, a vida familiar como contexto educativo. É interessante a sabedoria prática que transparece em cada parágrafo e sobretudo a atenção à gradualidade e aos pequenos passos que «possam ser compreendidos, aceites e apreciados» (AL 271).


Há um parágrafo particularmente significativo e de um valor pedagógico fundamental em que Francisco afirma com clareza que «a obsessão (…) não é educativa; e também não é possível ter o controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a encontrar-se (…). Se um progenitor está obcecado com saber onde está o seu filho e controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu espaço. Mas, desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para enfrentar os desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia» (AL 261).


A secção dedicada à educação sexual é notável, e intitula-se muito expressivamente: «Sim à educação sexual». Sustenta-se a sua necessidade e formula-se a interrogação de saber «se as nossas instituições educativas assumiram este desafio (…) num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade». A educação sexual deve ser realizada«no contexto duma educação para o amor, para a doação mútua» (AL 280). É feita uma advertência em relação à expressão «sexo seguro», pois transmite«uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da sexualidade, como se um possível filho fosse um inimigo de que é preciso proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez do acolhimento» (AL 283).


Capítulo oitavo: “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”


O capítulo oitavo representa um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor propõe. O Papa usa aqui três verbos muito importantes: «acompanhar, discernir e integrar», os quais são fundamentais para responder a situações de fragilidade, complexas ou irregulares. Em seguida, apresenta a necessária gradualidade na pastoral, a importância do discernimento, as normas e circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral e, por fim, aquela que é por ele definida como a «lógica da misericórdia pastoral».


O oitavo capítulo é muito delicado. Na sua leitura deve recordar-se que «muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha» (AL 291). O Pontífice assume aqui aquilo que foi fruto da reflexão do Sínodo acerca de temáticas controversas. Reforça-se o que é o matrimônio cristão e acrescenta-se que «algumas formas de união contradizem radicalmente este ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de forma parcial e analógica». Por conseguinte, «a Igreja não deixa de valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina sobre o matrimônio» (AL 292).


No que respeita ao «discernimento» acerca das situações «irregulares», o Papa observa: «temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 296). E continua: «Trata-se de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto duma misericórdia “imerecida, incondicional e gratuita”»(AL 297). E ainda: «Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral» (AL 298).


Nesta linha, acolhendo as observações de muitos Padres sinodais , o Papa afirma que «os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo». «A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais (…).Não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja (…). Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos» (AL 299).


Mais em geral, o Papa profere uma afirmação extremamente importante para que se compreenda a orientação e o sentido da Exortação: «Se se tiver em conta a variedade inumerável de situações concretas (…) é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que “o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos”, as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos» (AL 300). O Papa desenvolve em profundidade as exigências e características do caminho de acompanhamento e discernimento em diálogo profundo entre fiéis e pastores. A este propósito, faz apelo à reflexão da Igreja «sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes» no que respeita à imputabilidade das ações e, apoiando-se em S. Tomás de Aquino, detém-se na relação entre «as normas e o discernimento», afirmando: «É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma» (AL 304).


Na última secção do capítulo, «A lógica da misericórdia pastoral», o Papa Francisco, para evitar equívocos, reafirma com vigor: «A compreensão pelas situações excecionais não implica jamais esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falimentos é o esforço pastoral para consolidar os matrimônio se assim evitar as ruturas» (AL 307). Mas o sentido abrangente do capítulo e do espírito que o Papa Francisco pretende imprimir à pastoral da Igreja encontra um resumo adequado nas palavras finais: «Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja» (AL 312). Acerca da «lógica da misericórdia pastoral», o Papa Francisco afirma com força: «Às vezes custa-nos muito dar lugar, na pastoral, ao amor incondicional de Deus. Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos de sentido concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho» (AL 311).


Capítulo nono: “Espiritualidade conjugal e familiar”


O nono capítulo é dedicado à espiritualidade conjugal e familiar, «feita de milhares de gestos reais e concretos» (AL 315). Diz-se com clareza que «aqueles que têm desejos espirituais profundos não devem sentir que a família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é um percurso de que o Senhor Se serve para os levar às alturas da união mística» (AL 316). Tudo, «os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são sentidos como uma participação na vida plena da sua Ressurreição» (AL 317). Fala-se de seguida da oração à luz da Páscoa, da espiritualidade do amor exclusivo e livre diante do desafio e do desejo de envelhecer e gastar-se juntos, refletindo a fidelidade de Deus (cf. AL 319). E, por fim, a espiritualidade «da solicitude, da consolação e do estímulo». «Toda a vida da família é um “pastoreio” misericordioso. Cada um, cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro» (AL 322), escreve o Papa. «É uma experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido com os olhos de Deus e reconhecer Cristo nele» (AL 323).


No parágrafo conclusivo,o Papa afirma: «Nenhuma família é uma realidade perfeita e confeccionada duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar. (…). Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! (…). Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida» (AL 325).


A Exortação apostólica conclui-se com uma Oração à Sagrada Família (AL 325).


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Como já se pode depreender a partir de um rápido exame dos seus conteúdos, a Exortação apostólica Amoris laetitiapretende reafirmar com força não o «ideal» da família, mas a sua realidade rica e complexa. Há nas suas páginas um olhar aberto, profundamente positivo, que se nutre não de abstrações ou projeções ideais, mas de uma atenção pastoral à realidade. O documento é uma leitura densa de motivos espirituais e de sabedoria prática útil a cada casal ou a pessoas que desejam construir uma família. Nota-se sobretudo que foi fruto de uma experiência concreta com pessoas que sabem a partir da experiência o que é a família e o viver juntos durante muitos anos. A Exortação fala de fato a linguagem da experiência e da esperança.


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