Ada Abaé - biografia
Ada Abaé - biografia
Sou Fátima.
Revelo a dor que me habita e a submissão que me sufoca.
Conseguirei vencer as imposições que me marcaram?
em breve
Mãe, mãe, mãe,
fala-me da razão deste manto rígido entre nós,
da cobardia em atravessar silêncios,
do medo de gritar até evaporar dúvidas mortais.
O corte do cordão umbilical não pode ter sido tão profundo
a ponto de nos perdermos do sopro vital que nos uniu.
A nossa relação, por falta de amor,
de laço em laçada, transformou-se.
Ou foi também a ausência do regaço que te gerou?
Se assim foi, nem tu poderás devolver-me
a vida que caiu no teu útero.
Escondidos pelos pinheiros,
gravámos juramentos.
Aves, soltámo-nos.
Aos corpos virgens
doámos o primeiro perfume da vida.
Descobrimo-nos em mergulhos,
aventura que apenas Deus viu
quando o seu corpo inexperiente
a minha inexperiência possuiu.
E eu vi, no canto da sua boca,
a vontade louca de devorar
o fogo quente do meu ventre,
chama ondulante sob a pele,
queimando suavemente.
Paixão sem rubor,
inesquecível sabor
de fruta recém-colhida,
doce e avassalador.
Momentos e promessas
de um primeiro amor.
Escondidos pelos pinheiros,
gravámos juramentos,
momento eterno
sem arrependimentos.
Aves, esculpindo a liberdade…
Existem muitos dias de sol,
mas não existem muitos dias de sol
onde este tomba aos nossos pés,
queimando-nos o corpo inteiro
e empurrando o coração até à garganta.
Com as mãos nos bolsos,
oferecia o braço à sua dama,
que, ao ver-me, o agarrou com mais firmeza.
Talvez quisesse dizer-me:
Ele é meu!
Eu não tinha nenhum braço masculino
para mostrar o quão afortunada era.
No entanto, a mão dela no braço dele
não impediu a recordação
dos meus dedos no seu rosto sardento
e dos meus lábios no seu cabelo ruivo.
Ele compunha sorrisos no meu cabelo escuro.
Amadurecia as mãos nas minhas pernas.
Sem palavras — apenas um aceno,
um olhar intenso, um sorriso tímido —
trocamos todo o amor que ainda sentíamos
e apagamos, por breves segundos,
a presença dela.
Varremos a poeira por um instante,
e a labareda que nos incendiou
fez os filhos que nunca tivemos.
Depois foi, em silêncio,
num segundo o último adeus...
Em direções opostas seguimos,
sem coragem para dar o salto.
A ambição de agradar aos outros
proibiu-nos de florescer.
Amarrámos, uma vez mais,
o barco que, uma vez,
há muitos anos tentamos remar.