Terceira Revolução Industrial

O fim dos empregos

Rifkin, Jeremy. Ofim dos empregos. Makron Books, 1996.

Valéria Pero*

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O desemprego tomou-se tema central do debate europeu na década de 80, quando o sofisticado sistema de cobertura social da Europa começava a ser visto como um obstáculo à competitividade. Nesse período, o diagnóstico predominante era o de que as rigidezes do mercado de trabalho europeu estavam na raiz do problema do desemprego. Nos anos 90, quando o desemprego se toma central no debate mundial, os grandes vilões passam a ser a globalização e as novas tecnologias de informação e de comunicação.

O livro O fim dos empregos, de Jeremy Rifkin, apresenta uma visão alarmista sobre os impactos dessas novas tecnologias na sociedade norte-americana. A Terceira Revolução Tecnológica está mudando as relações sociais, já que a essencial busca de melhorias da produtividade para aumentar a competitividade das empresas em um mundo globalizado tem significado uma mudança radical nas relações de trabalho, em direção à racionalização do emprego e a novas formas de trabalho.

Alarme geral

Partindo de uma perspectiva histórica, Rifkin acredita que os efeitos dos avanços das tecnologias de informação e de comunicação sobre o emprego serão extremamente negativos, desafiando a crença generalizada no que chama de “mágica” da tecnologia. O ciclo “avanço tecnológico/barateamento dos produtos/crescimento econômico” teria pouco respaldo na experiência histórica.

O autor até considera que a incorporação das tecnologias de informação nas empresas poderia significar uma queda da jornada de trabalho, maiores benefícios para milhões de pessoas e mais tempo livre para o lazer, proporcionando um aumento do bem-estar dos trabalhadores e da população em geral. Mas essa mesma tendência tecnológica poderia provocar um forte crescimento do desemprego e uma profunda recessão. Assim, apesar da revolução do computador representar um enorme potencial de liberdade para o trabalhador, ela substituirá milhões de empregos que não encontrarão mais espaço no mercado de trabalho.

A explicação para previsão tão pessimista decorre do fato de que, ao contrário das inovações ocorridas em outras épocas, o emergente setor de informação e de comunicação não seria capaz de absorver os desempregados de todos os setores da economia. Rifkin, então, toca o alarme geral para chamar a atenção de que o aumento generalizado do desemprego nas grandes empresas está somente no começo. O avanço potencial que pode ser obtido com as tecnologias de informação poupadoras de mão-de-obra ainda deve provocar profundas transformações nas relações sociais das economias no futuro.

Desde meados da década de 70, quando a economia japonesa conquistava crescentes parcelas de mercado antes dominadas pelos produtos norte-americanos, a reengenharia tornou-se o objetivo comum das principais empresas norte-americanas. Era necessário, então, caminhar para a especialização flexível, já que o processo de produção fordista estava se mostrando rígido diante da variabilidade do nível e da composição da demanda em um mundo crescentemente globalizado. A implantação de novas tecnologias, do just-in-time, do trabalho em equipe, do programa integrado de controle de qualidade e da produção “enxuta” faz parte do programa de reengenharia colocado em prática por essas empresas.

Os impactos dos ganhos de produtividade conseguidos com a reengenharia sobre o emprego na economia norte-americana e em outros países foram sentidos com mais intensidade nos anos 90. Segundo o autor, enquanto no início dos anos 80 a produtividade aumentava a um ritmo de 1 % a.a., nos anos 90 ela deu um salto para mais de 3%. Entre 1979 e 1992, a produtividade do setor industrial cresceu 35% e foi acompanhada por uma queda de 15% do nível de emprego.1

Não são poucos os exemplos de empresas, principalmente as grandes, que introduziram novas tecnologias, assim como implementaram novas formas de organização da produção e do trabalho, para aumentar a produtividade e a competitividade dos seus produtos, provocando uma forte queda do número de trabalhadores empregados no seu quadro de pessoal. As previsões dessas mesmas empresas para o futuro são também de queda ainda mais acentuada do emprego.

Vale destacar alguns casos de empresas gigantes e simbólicas no mercado mundial, citados por Rifkin, que desempregaram contingentes significativos de trabalhadores com o processo de reengenharia da produção. A indústria automobilística norte-americana, setor emblemático da indústria moderna, está num processo de constante busca de ganhos de eficiência para competir com as empresas japonesas. Esse processo significou, em uma empresa como a General Motors, a eliminação de 250 mil empregos desde 1978. A situação é desanimadora quando se verifica que os índices de produção-hora por trabalhador nas empresas norte-americanas ainda são muito inferiores aos das japonesas e é previsto que a GM diminua 1/3 da sua força de trabalho até o final desta década.

O destino das indústrias metalúrgicas e de borracha está intimamente ligado ao da indústria automobilística e, portanto, também vem passando por profundas transformações com a introdução de novas tecnologias. A primazia da indústria siderúrgica norte-americana no mercado mundial vem sendo contestada principalmente pela necessidade de se manter tecnologicamente atualizada com a revolução da informação que redefiniu o processo de produção nesse setor. O emprego na siderurgia foi drasticamente afetado pela incorporação de novas tecnologias de informação e comunicação, transformação do processo de laminação a frio em fluxo contínuo e introdução de miniusinas. Só para dar uma idéia, a United States Steel, a maior empresa siderúrgica dos Estados Unidos empregava 120 mil trabalhadores em 1980 e conseguiu atingir os mesmos níveis de produção em 1990 com apenas 20 mil. É previsto que esses números caiam mais fortemente nos próximos 20 anos com a incorporação de novas e mais avançadas operações computadorizadas ao processo de fabricação.

Na indústria de borracha, desponta o caso da Goodyear, onde a reengenharia implicou a introdução de equipes de trabalho e de programas de retreinamento para controle de qualidade, provocando o achatamento da hierarquia organizacional e demandando investimentos em equipamentos de automação. Essa empresa atingiu recorde de faturamento e chegou em 1992 com uma produção de pneus 30% maior do que em 1988 com 24 mil trabalhadores a menos.

Rifkin cita ainda outros casos de empresas em diversos setores da indústria de transformação com distintas intensidades de capital — como os de eletrodomésticos, têxtil, vestuário, alimentos, dentre outros — que também apresentaram uma queda do emprego quando introduziram os programas de reengenharia. Mesmo as empresas do setor têxtil, que ainda são intensivas em mão-de-obra na costura de roupas, também introduziram novas tecnologias em outras partes da produção e registraram uma queda significativa do nível de emprego na última década.

A queda do emprego decorrente da eliminação de ocupações com a introdução de novas tecnologias não é um fenômeno novo e nem surpreendente. Muito pelo contrário. O trabalho de Schumpeter da década de 30 apresenta um modelo em que o crescimento econômico seria provocado pela interação entre saltos tecnológicos e aumento da competição entre as firmas. As ondas de desenvolvimento do capitalismo provocadas por inovações tecnológicas eram como “vendavais de destruição criativa”, em que sumiam determinadas atividades e ocupações para dar lugar às novidades.

Assim, desde o ludismo que a introdução de máquinas nos processos de produção significa a redução do número de trabalhadores necessários para produzir determinada quantidade de bens. Quando, no início do século, os países desenvolvidos introduziram a mecanização no setor agrícola, conseguindo elevados ganhos de produtividade, houve um forte movimento de migração rural-urbana e uma queda da participação dos trabalhadores agrícolas na ocupação total.

A expansão do setor industrial, junto com o crescimento dos centros urbanos, absorveu grande parte do contingente de trabalhadores expulsos do setor agrícola. Assim, as grandes inovações urbanas como a eletricidade, a telefonia, os automóveis e a robótica criaram novas oportunidades de emprego. A partir da década de 50, a industrialização gerou uma rede de serviços integrados para a frente e para trás que absorviam parcelas crescentes dos entrantes no mercado de trabalho e daqueles desempregados devido à introdução de novas tecnologias no setor industrial. Nesse período, o setor serviços registra um aumento da participação na ocupação total.

Se Rifkin adota uma análise histórica, por que ele sustenta uma visão tão pessimista em relação ao impacto das tecnologias de informação sobre o emprego? Por que não acreditar que estamos vivendo o período da defasagem entre a perda de empregos antigos e a criação de novos? A resposta do autor está baseada, principalmente, nas características peculiares dessa inovação, que serão detalhadas a seguir.

Em primeiro lugar, porque ele considera que hoje, ao contrário do passado, todos os setores estão sucumbindo, vítimas da reengenharia, do downsizing e da automação. A característica da tecnologia de informação é que ela perpassa todos os setores da economia e as funções dentro de uma empresa. Assim, o autor argumenta que a diferença fundamental em relação às tecnologias anteriores é sua difusão absoluta. Mesmo o setor serviços está passando por uma profunda reestruturação produtiva, com números crescentes de trabalhadores sendo permanentemente substituídos pelas novas tecnologias de informação.

Exemplos de grandes empresas dos setores comunicação e financeiro são citados para mostrar os efeitos dos avanços tecnológicos sobre o emprego. O autor revela que a AT&T liderou o setor prestação de serviços de telefonia com a introdução de tecnologia substituidora do trabalho humano. As recentes inovações tecnológicas, entre as quais as redes de cabos de fibras óticas, sistemas de chaveamento e de transmissão digital, comunicação por satélite e automação de escritórios, mostram que os elevados ganhos de produtividade foram acompanhados da eliminação de 179.800 postos de trabalho entre 1981 e 1988 naquela empresa.

Um segundo fator diferenciador das revoluções tecnológicas anteriores apontado pelo autor é que as máquinas inteligentes vão substituir quase completamente o trabalho humano ligado à produção nas empresas em geral. O exemplo disso seria a fábrica de automóveis japonesa do futuro, operando como se fosse um laboratório, com máquinas programadas por um computador central que executariam as atividades necessárias para cumprir todas as etapas da produção sem necessidade de presença humana.

Se, por um lado, a fábrica do futuro acaba com aquelas ocupações repetitivas e mecânicas que pouco engrandeciam a personalidade do indivíduo, por outro lado, ela elimina uma série de ocupações qualificadas como as de técnicos, gerentes e engenheiros. Segundo Rifkin, sobrevirá no mercado de trabalho somente uma elite de profissionais, criadores, manipuladores e abastecedores do fluxo de informações. Logo, o surgimento de novas profissões ligadas à área do conhecimento, junto com novas maneiras de trabalhar — como, por exemplo, o escritório virtual —, estaria restrito à “nova aristocracia”.

Por último, se atualmente todos os setores estão eliminando empregos com a implementação generalizada da reengenharia e se o futuro das empresas é substituir cada vez mais trabalhadores por computadores até chegar à fábrica sem trabalhadores, o autor conclui que o setor emergente da indústria de informação e de comunicação não será capaz de absorver tamanho contingente de desempregados.

Não deixa de ser surpreendente essa visão tão alarmista tornar-se popular nos Estados Unidos, maior usuário da tecnologia de computação e país com uma taxa de desemprego relativamente baixa. Isso quer dizer que, apesar das inovações e das crises econômicas vividas nos últimos 15 anos, os Estados Unidos têm mostrado uma capacidade relativamente alta de gerar novos empregos, principalmente quando comparado com a Europa.

Países com mercados de trabalho e de produto flexíveis, como é o caso dos Estados Unidos, tendem, pelo menos teoricamente, a apresentar uma capacidade maior de realizar os sectorial shifts de forma mais rápida e suave. Portanto, a economia norte-americana poderia estar usufruindo de um aspecto positivo da flexibilidade ao agilizar o surgimento de novas atividades e possibilitar maior mobilidade dos trabalhadores dos setores que estão sendo negativamente atingidos por essas mudanças para aqueles que conseguem resultados positivos.

Rifkin dá pouca ou nenhuma atenção aos aspectos institucionais dos mercados de trabalho e de produto, ao papel das micro e pequena empresas, e do trabalho por conta própria na geração de trabalho e renda na economia norte-americana. Pelo menos para o caso do Brasil, que tem um mercado de trabalho flexível, são esses segmentos que têm cumprido um papel importante para manter a taxa de desemprego em níveis relativamente baixos.

Parece consenso que os trabalhadores com baixa qualificação são os que mais sofrerão com as novas tecnologias, visto que para ser capaz de atuar na área de conhecimento o requisito fundamental é um elevado nível de educação básica e geral.

Não há dúvidas de que aquele emprego tradicional em que o trabalhador tem garantias e benefícios sociais advindos do contrato formal e, portanto, com a perspectiva de escalar na hierarquia profissional e salarial de uma grande empresa, está cada vez mais escasso.

No entanto, outras formas de trabalho crescem e estão associadas a uma flexibilidade maior, no que concerne desde a jornada de trabalho e a renda até o local e a forma de execução do trabalho. Para algumas pessoas, essas mudanças podem significar uma precarização do trabalho, se for acompanhada por uma queda de renda e um aumento da insegurança no trabalho. No entanto, para outras, a maior liberdade para exercer a profissão pode representar uma melhoria da qualidade de vida, caso o trabalho se tome mais interessante e criativo e esteja acompanhado de aumento de renda.

Entre 1989 e 1993, mais de 1,8 milhão de trabalhadores perderam seus empregos no setor industrial nos Estados Unidos. Para aqueles que perderam seus empregos, vítimas da automação, apenas 1/3 foi capaz de encontrar novos empregos no setor serviços, ainda assim com uma queda de 20% da remuneração. Além disso, a maior parte dos empregos criados em 1993 foi de tempo parcial e no setor serviços de baixa remuneração.2

Para os operários que continuaram empregados em 1993, a sua renda média sofreu uma queda de 15% quando comparada com a de 1973. Com a ameaça do mundo globalizado, a queda dos salários médios pode estar, pelo menos em parte, associada ao enfraquecimento do poder dos sindicatos, principalmente depois da crise de 1981/82 vivida pelos norte-americanos. Além da queda do salário médio, o aumento da precarização do trabalho também pode ser vista pela diminuição e dificuldades de obter garantias trabalhistas e benefícios sociais para os trabalhadores.

A incorporação de novas tecnologias e formas de organização da produção e do trabalho afetou fortemente a classe média norte-americana, símbolo de prosperidade no passado. O achatamento das hierarquias ocupacionais das empresas provocou o desemprego de um enorme contingente de gerentes intermediários que não encontram empregos com níveis semelhantes de remuneração no mercado de trabalho.

O autor acredita também que as novas tecnologias vão agravar ainda mais as crescentes tensões entre ricos e pobres e dividirá ainda mais a sociedade norte-americana. O caminho em direção a uma “economia dual” traz perigos visíveis quanto ao aumento da violência que pode ser gerada quando se coloca frente a frente os abastados da nação e os que estão à margem desse processo.

Uma luz no fim do túnel

A luz do fim do túnel está, então, na combinação de redução de jornada de trabalho, redução de horas extras e do crescimento do trabalho no que o autor chama de terceiro setor. A idéia seria aproveitar adequadamente o maior tempo livre dos empregados e a ociosidade dos desempregados para atividades direcionadas à “reconstrução de milhares de comunidades e criação de uma terceira força que floresça independente do mercado e do setor público” (p. 263).

Seria estimular o espírito solidário e comunitário para que as pessoas voluntariamente trabalhem em atividades comunitárias que variam desde serviços sociais no atendimento a saúde, educação e pesquisa, às artes, a religião e advocacia até a ajuda a todos os tipos de deficientes e marginalizados da sociedade. A proposta do serviço comunitário é mudar radicalmente o referencial tradicional de trabalho baseado na expectativa de ganho material.

Exercícios:

1.Qual a principal tese do autor?

2.Em que dados o autor se apoia?

3. Quantos empregos foram perdidos na GM desde 1978?

4.E o caso da United States Steel?

5.E o caso da Goodyear?

6.Qual foi a primeira onda de desemprego tecnológico?

7.Como se deu a evolução do setor de serviços (ou terciário)?

8.Qual é a luz no fim do túnel?