Aristóteles

A primeira sistematização ocidental do saber

I. A “questão aristotélica”

O conhecimento da filosofia de Aristóteles (nascido em Estagira em 384/383 e falecido em 322 a.C.) depende, em grande medida, da particularidade de seus escritos e do modo pelo qual chegaram até nós. A nós chegaram sobretudo os escritos de escola, ou seja, suas anotações e o material por ele usado para as aulas, e não os escritos compostos para a publicação, dos quais nos chegaram apenas fragmentos. Sabemos que estes escritos publicados foram compostos em estilo acurado e refinado. As obras de escola que nos chegaram, ao contrário, sendo material para as aulas, apresentam estilo árido e em geral não têm, do ponto de vista literário, unidade formal e orgânica.

A partir dos anos Vinte do século passado formou-se uma escola denominada histórico-genética (fundada por Werner Jaeger), que interpretou várias obras do Estagirita, e sobretudo a Metafísica, como um conjunto de escritos compostos em tempos diferentes, e em particular como expressões do desenvolvimento de um pensamento, que teria partido da problemática platônica para chegar a um tipo de pesquisa sempre “conceitual” mais ligado ao estudo de dados empíricos.

Tal interpretação comprometeria em grande medida a de Aristóteles unidade filosófica do pensamento de Aristóteles. Porém, depois de extraordinário sucesso por mais de meio século, a partir dos anos Oitenta, o método histórico-genético foi abandonado. As obras de Aristóteles que nos chegaram, se não têm unidade literária (porque são anotações e cursos), têm em todo caso precisa coerência e unidade conceitual.

Aristóteles se diferencia de Platão em três aspectos gerais:

1. O abandono da componente místico-religioso-escatológica (ao menos nas obras que nos chegaram, porque, nas publicadas, também Aristóteles se servia do mito como expressão de verdades religiosas);

2. O escasso interesse pelas ciências matemáticas e, ao contrário, a viva atenção pelas ciências naturais e empíricas;

3. O método sistemático em vez do dialético-dialógico.

1. A vida de Aristóteles

Aristóteles nasceu em 384/383 a.C. em Estagira, na fronteira macedônica. O pai de Aristóteles, chamado Nicômaco, era médico corajoso, tendo servido ao rei Amintas, da Macedônia (pai de Filipe da Macedônia). Assim, deve-se presumir que, durante certo período, o jovem Aristóteles, com sua família, tenha morado em Pela, sede do reinado de Amintas, e que possa ter inclusive freqüentado a corte.

Sabemos com certeza que, com dezoito anos, isto é, em 366/365 a.C., Aristóteles, que já há alguns anos ficara órfão, viajou para Atenas e logo ingressou na Academia Platônica. Foi precisamente na Escola de Platão que Aristóteles amadureceu e consolidou a própria vocação filosófica de modo definitivo, tanto que permaneceu na Academia por vinte bons anos, ou seja, enquanto Platão viveu. Na Academia, Aristóteles conheceu os mais famosos cientistas da época, a começar pelo célebre Eudóxio, o qual, provavelmente, era a personagem mais influente na Academia, justamente nos primeiros anos em que Aristóteles a freqüentou, período em que Platão encontrava-se na Sicília. E certo que, durante os vinte anos passados na Academia, que são os anos decisivos na vida de um homem, Aristóteles assimilou os princípios platônicos em sua substância, defendendo-os em alguns escritos e, ao mesmo tempo, submetendo-os a prementes críticas, tentando encaminhá-los para novas direções.

Com a morte de Platão (347 a.C.), quando já estava se encaminhando para “o meio do caminho de nossa vida”, Aristóteles não se sentiu em condições de permanecer na Academia, porque a direção da Escola havia sido tomada por Espeusipo (que liderava a corrente mais distante das convicções que Aristóteles havia amadurecido). Sendo assim, foi embora de Atenas, viajando para a Ásia Menor.

Desse modo abriu-se uma fase importantíssima na vida de Aristóteles. Junto com um célebre companheiro de Academia, Xenócrates, estabeleceu-se primeiro em Assos (localizada na costa de Trôade), onde fundou uma Escola com os platônicos Erasto e Corisco, originários da cidade de Scepsis, que haviam se tornado conselheiros de Hérmias, hábil político, senhor de Atarneu e Assos. Aristóteles permaneceu cerca de três anos em Assos. Depois foi para Mitilene (na ilha de Lesbos), provavelmente impelido por Teofrasto (que nascera em uma localidade dessa ilha e estava destinado, mais tarde, a tornar-se sucessor do próprio Aristóteles).

Tanto a fase de seu magistério em Assos quanto a fase de Mitilene são fundamentais: é provável que, em Assos, o Estagirita tenha ministrado cursos sobre as disciplinas mais propriamente filosóficas, e que em Mitilene, ao contrário, tenha realizado pesquisas de ciências naturais, inaugurando e consolidando sua preciosa colaboração com Teofrasto, que terá papel tão relevante nos destinos do Perípato.

Em 343/342 a.C., inicia-se novo período na vida de Aristóteles.

Filipe da Macedônia chama-o para a corte, confiando-lhe a educação do filho Alexandre, ou seja, do personagem destinado a revolucionar a história grega e que estava então com treze anos de idade. Infelizmente, sabemos pouquíssimo sobre as relações que se estabeleceram entre os dois excepcionais personagens (um dos maiores filósofos e um dos maiores políticos de todos os tempos), que o destino quis ligar.

E certo que, embora tenha compartilhado a idéia de unificar as cidades gregas sob o cetro macedônico, Aristóteles, de certo modo, não compreendeu a idéia de helenizar os bárbaros e igualá-los aos gregos. Nesse campo, o gênio político do discípulo descerrou perspectivas históricas muito mais novas e audazes das que as categorias políticas do filósofo permitiam-lhe compreender, uma vez que eram categorias substancialmente conservadoras e, sob determinados aspectos, até reacionárias. Aristóteles permaneceu na corte macedônica até Alexandre subir ao trono, isto é, até por volta de 336 a.C. (mas também é possível que, depois de 340 a.C., ele tenha voltado para Estagira, estando Alexandre já ativamente empenhado na vida política e militar).

Finalmente, em 335/334 a.C., Aristóteles voltou para Atenas, alugando alguns prédios próximos a um pequeno templo sagrado dedicado a Apoio Lício, de onde provém o nome “Liceu” dado à Escola. E como Aristóteles ministrava seus ensinamentos passeando pelas veredas do jardim anexo aos prédios, a Escola também foi chamada de “Perípato” (do grego peripatós, “passeio”), e seus seguidores denominados “peripatéticos”. Assim, o Perípato se contrapôs à Academia, inclusive eclipsando-a inteiramente por certo tempo. Foram esses os anos mais fecundos na produção de Aristóteles, o período que viu o acabamento e a grande sistematização dos tratados filosóficos e científicos que chegaram até nós.

Em 323 a.C., com a morte de Alexandre, houve forte reação antimacedônica em Atenas, na qual Aristóteles foi envolvido, réu de ter sido mestre do grande soberano (formalmente, foi acusado de impiedade, por ter escrito em honra de Hérmias um poema que só seria digno de um deus). Para fugir de seus inimigos, retirou-se para Cálcis, onde possuía bens imóveis maternos, deixando Teofrasto na direção da Escola peripatética. Morreu em 322 a.C., depois de poucos meses de exílio.

2. Os escrito de Aristóteles

Os escritos de Aristóteles dividem-se em dois grupos: os “exotéricos” (compostos na maioria em forma dialógica e destinados ao grande público, ou seja, às pessoas “de fora” da Escola) e os “esotéricos” (que, ao contrário, constituíam ao mesmo tempo o fruto e a base da atividade didática de Aristóteles, não sendo destinados ao público, mas apenas aos discípulos, sendo portanto patrimônio “interno” da Escola).

O primeiro grupo de escritos perdeu-se completamente, dele restando apenas alguns títulos e pequenos fragmentos.

Talvez o primeiro escrito exotérico tenha sido Grilo ou sobre a Retórica (no qual Aristóteles defendia a posição platônica contra Isócrates), ao passo que os últimos foram o Protréptico e Sobre a filosofia.

Outros escritos do jovem Aristóteles dignos de menção são: Acerca das Idéias, Acerca do Bem, Eudemos ou sobre a alma. Hoje, a atenção dos estudiosos está particularmente fixada nessas obras, tendo-se conseguido até recuperar certo número de fragmentos delas.

No entanto, chegou até nós a maior parte das obras esotéricas, todas tratando da problemática filosófica e de alguns ramos das ciências naturais. Recordemos, em primeiro lugar, as obras mais propriamente filosóficas. No seu ordenamento atual, o Cor-pus Aristotelicum abre-se com o Organon, título com o qual, mais tarde, foi designado o conjunto dos tratados de lógica, que são: Categorias, De interpretatione, Analíticos primeiros, Analíticos segundos, Tópicos e Refutações sofísticas. Seguem-se as obras de filosofia natural, isto é, a Física, o Céu, A geração e a corrupção e a Meteorologia. Ligadas a elas, encontram-se as obras de psicologia, constituídas do tratado Sobre a alma e por um grupo de opúsculos reunidos sob o título de Parva naturalia. A obra mais famosa constitui-se dos catorze livros da Metafísica. Vêm depois os tratados de filosofia moral e política: a Ética a Nicômaco, a Grande Etica, a Ética Eudêmia e a Política. Por fim, devemos recordar a Poética e a Retórica. Entre as obras relativas às ciências naturais, podemos recordar a imponente História dos animais, As partes dos animais, O movimento dos animais e A geração dos animais.

II.A metafísica

Aristóteles dividiu as ciências em três ramos:

1. as ciências teoréticas, que procuram o saber pelo saber e que consistem na metafísica, na física (em que é incorporada também a psicologia) e na matemática;

2. as ciências práticas, que usam o saber com a finalidade da perfeição moral: a ética e a política;

3. as ciências poiéticas, isto é, que tendem à produção de das ciências determinadas coisas.

A metafísica é a principal das ciências teoréticas, as quais, por sua vez, são as ciências mais elevadas. A metafísica, portanto, toca uma espécie de primado absoluto. Aristóteles dá quatro definições dela:

1) ela indaga as causas ou os princípios supremos (e neste Definição sentido se pode chamar de etiologia);

2) indaga o ser enquanto ser (e portanto pode chamar-se de ontologia);

3) indaga a substância (e por isso pode chamar-se ousiologia, uma vez que em grego substância se diz ousia);

4) indaga Deus e a substância supra-sensível (e portanto Aristóteles a chama expressamente de teologia).

Quanto ao que se refere à pesquisa das causas e dos princípios primeiros, o Estagirita formulou a teoria, que se tornou célebre, das quatro causas:

1) a causa formal (a que confere a forma, e portanto a natureza e a essência de cada realidade singular);

2) a causa material (ou seja, o “aquilo de que” é composta toda realidade sensível);

3) a causa eficiente (aquilo que produz geração, movimento ou transformação);

4) a causa final (ou seja, o escopo, o “aquilo a que” toda coisa tende).

As categorias (que são 10: substância, qualidade, quantidade, relação, ação, paixão, onde, quando, (ter), (jazer)) constituem os gêneros supremos do ser. Isto significa que aquilo que é chamado de ser ou é substância, ou é qualidade, ou outra categoria.

E dividiu o Ser em três tipos ou O Tres Sgnificados do Ser:

O Ser em Potência e ato são dois significados não definíveis em abstrato, mas “demonstráveis” por meio de exemplos ou de uma experiência direta. Por exemplo, vidente é aquele que neste momento vê (vidente em ato), mas também aquele que tem olhos sãos, mas neste momento os fechou, e não está vendo: este é vidente porque pode ver, e neste sentido é em potência. Ou seja, o do ato e da potência, é muito importante. Com efeito, eles são originários e, portanto, não podem ser definidos em referência a outra coisa, mas apenas em relação mútua um com o outro e ilustrados com exemplos. Há grande diferença entre o cego e quem tem olhos sadios, mas os mantém fechados: o primeiro não é “vidente”; o segundo é, mas “em potência” e não “em ato”, pois só quando abre os olhos é vidente “em ato”. Do mesmo modo, dizemos que a plantinha de trigo “é” trigo “em potência”, ao passo que a espiga madura “é” trigo “em ato”. Veremos como essa distinção desempenha papel essencial no sistema aristotélico, resolvendo várias aporias em diversos âmbitos. A potência e o ato (e esta é uma observação que se deve ter sempre em conta) se dão em todas as categorias (podem ser em potência ou em ato uma substância, uma qualidade etc.).

O Ser Acidental é aquele que se apresenta de modo casual e fortuito, e que, portanto, não é nem sempre nem no mais das vezes, mas apenas às vezes. O ser acidental é o ser casual e fortuito (aquilo que “acontece de ser”). Trata-se de um modo de ser que não apenas depende de outro ser, como também não está ligado a ele por nenhum vínculo essencial (por exemplo, é puro “acontecer” que eu esteja sentado, pálido etc., em dado momento). Portanto, é um tipo de ser que “não é sempre nem o mais das vezes”, mas somente “às vezes”, casualmente.

O Ser como verdadeiro se tem quando a mente reúne coisas que na realidade estão de fato reunidas, ou desune coisas que na realidade estão desunidas.

Do ser como acidente não existe ciência, pois a ciência existe apenas do necessário e não do casual.

Do ser como verdadeiro ocupa-se a lógica.

O ser como verdadeiro é aquele tipo de ser próprio da mente humana que pensa as coisas e sabe conjugá-las como elas estão conjugadas na realidade, ou separá-las como estão separadas na realidade. O ser, ou melhor, o não-ser como falso, é quando a mente conjuga aquilo que não está conjugado ou separa aquilo que não está separado na realidade.

Este último tipo de ser estuda-se na lógica. Do terceiro não existe ciência, porque a ciência não se volta para o fortuito, mas só para o necessário. A metafísica estuda sobretudo os primeiros dois grupos de significados. Mas, como todos os significados do ser giram em torno do significado central da substância, como vimos, é a metafísica que se deve ocupar sobretudo da substância: “Em verdade, aquilo que, desde os tempos antigos, como agora e sempre, constitui o eterno objeto de busca ou o eterno problema, ‘o que é o ser?’, eqüivale a indagar ‘o que é a substância?’ (...); por isso, também nós, principalmente, fundamental e unicamente, por assim dizer, devemos examinar o que é o ser entendido nesse significado.”

A metafísica se ocupa dos primeiros dois grupos de significados.

As categorias se referem todas à primeira, ou seja, à substância, e a pressupõem (e com efeito não existe qualidade a não ser da substância; e o mesmo se diga sobre a quantidade e de todas as outras categorias). É, portanto, evidente que o estudo da substância é fundamental da substância para a metafísica. O que é a substância em geral? Aristóteles formulou também neste caso, assim como para o ser, uma resposta plurifa-cética: substância pode ser considerada, mas apenas em sentido bastante impróprio, a matéria (como queriam os Naturalistas); mas em particular e no mais alto grau a forma (ou seja, a essência de determinada realidade); e também o sinolo (isto é, a união de matéria e forma, ou seja, os entes singulares individuais).

Para ilustrar a relação entre a matéria e a forma, a potência e o ato, Aristóteles recorre ao exemplo da estátua de bronze. Na estátua de bronze é fácil distinguir a matéria (por exemplo, o bronze) da forma (Por exemplo, o deus Hermes). Mas também não é difícil ligar potência e ato ‘ a matéria à potência: e com efeito o bronze teria tido a possibilidade, ou seja, a potência, de assumir qualquer forma, e, portanto, também a do deus Hermes. A forma se liga ao contrário ao ato, dado que a estátua resulta perfeita em função da atuação da forma (e em tal sentido o ato se diz também enteléquia, que significa atuação).

Nesta perspectiva também se capta o maior valor do ato em relação à potência e, portanto, da forma em relação à matéria: com efeito, é a potência que se realiza no ato, e não vice-versa, assim como é a matéria que se realiza na forma.

O problema de fundo da metafísica é o seguinte: existem apenas substâncias sensíveis, ou também substâncias supra-sensíveis?

A resposta de Aristóteles é que as substâncias supra-sensíveis eternas existem, enquanto sem o eterno não poderia subsistir nem mesmo o devir.

Na demonstração ele parte da análise do tempo e do movimento. O tempo - e, portanto, também o movimento do qual é a medida - é eterno (com efeito, não pode existir um momento de origem do tempo, porque de outro modo deveríamos admitir um “antes” daquele momento, mas isso seria por sua vez um tempo; nem pode existir um fim do tempo, porque posteriormente a tal fim deveria existir um “depois”, que também é tempo). Contudo, se é assim, deve também existir uma causa adequada ao efeito, isto é, uma causa eterna, como um princípio do qual eternamente deriva o tempo-movimento.

E como deve ser esta causa eterna?

Deve ser imóvel, porque, se a causa fosse móvel, requereria outra causa, e esta ainda outra, ao infinito. Além disso, para ser eterna e imóvel, não deve ter nenhuma potencialidade (de outro modo poderia também não passar para o ato), isto é, nenhuma matéria; e, portanto, será puro ato, ou seja, pura forma imaterial (e, portanto, supra-sensível).

Contudo, como é possível que uma realidade mova permanecendo imóvel?

O Motor Imóvel move como o objeto de amor move o amante. Deus, portanto, é a causa final do mundo, e o efeito do movimento que produz, o produz justamente atraindo o primeiro céu por causa de sua perfeição.

A realidade mais perfeita é o ser vivo, e em particular o ser vivo inteligente. E Deus é inteligência e vida. E, justamente por causa de sua perfeição, Deus não pode pensar a não ser a coisa mais perfeita, e, portanto, a si mesmo. Portanto, Deus é “pensamento de pensamento”.

Como era impossível reduzir à unidade os vários movimentos das esferas celestes que, segundo as contagens de Aristóteles à substância inspiradas na astronomia de seu tempo, deveriam presumívelmente ser 55, ele entregou ao Motor Imóvel (causa do movimento do céu das estrelas fixas) outras 55 Inteligências motoras prepostas aos outros céus. Estas Inteligências divinas são independentes do Motor Imóvel e de natureza análoga, mas são não apenas inferiores a ele, mas também uma inferior à outra em escala hierárquica.

A problemática a respeito da substância

Com base no que foi dito, pode-se muito bem compreender por que Aristóteles também define a metafísica simplesmente como “teoria da substância”. E compreende-se também o motivo pelo qual a problemática da substância revela-se a mais complexa e espinhosa, precisamente pelo fato de ser a substância o eixo em torno do qual giram todos os significados do ser.

Aristóteles considera que os principais problemas relativos à substância são dois:

1) Quais substâncias existem? Existem apenas substâncias sensíveis (como sustentam alguns filósofos), ou também substâncias supra-sensíveis (como sustentam outros filósofos)?

2) O que é a substância em geral, ou seja, o que se deve entender quando se fala de substância em geral?

Em última análise, a questão a que se deve responder é a primeira; entretanto, é preciso começar respondendo a segunda questão porque “todos admitem que algumas das coisas sensíveis são substâncias” e porque é metodologicamente oportuno “começar por aquilo que para nós é mais evidente” (e que, portanto, todos admitem) para, depois, seguir rumo àquilo que para nós, homens, é menos evidente (mesmo que em si e por si, ou seja, por sua natureza, seja mais cognoscível).

O que é, então, a substância em geral?

1) Os Naturalistas apontam os elementos materiais como princípio substancial.

2) Os Platônicos indicam a forma como princípio substancial.

3) Para os homens comuns, no entanto, a substância pareceria ser o indivíduo e a coisa concreta, feitos a um só tempo de forma e matéria.

Quem tem razão? Segundo Aristóteles, ao mesmo tempo, todos e ninguém têm razão, no sentido de que, tomadas singularmente, essas respostas são parciais, ou seja, unilaterais; em seu conjunto, porém, nos dão a verdade.

1) A matéria (byle) é, indubitavelmente, um princípio constitutivo das realidades sensíveis, porque funciona como “substrato” da forma (a madeira é substrato da forma do móvel, a argila da taça etc.). Se eliminássemos a matéria, eliminaríamos todas as coisas sensíveis. Em si, porém, a matéria é potencialidade indeterminada, podendo tornar-se algo de determinado somente se receber a determinação por meio de uma forma. Assim, só impropriamente a matéria é substância.

2) Já a forma, enquanto princípio que determina, concretiza e realiza a matéria, constitui aquilo “que é” cada coisa, a sua essência, sendo assim de fato substância (Aristóteles usa as expressões “o que é” e “o que era o ser”, que os latinos traduziriam por quod quid est, quod quid erat esse, e sobretudo a palavra eidos, “forma”). Não se trata, porém, da forma como a entendia Platão (a forma hiperurânica transcendente), mas de uma forma que é como um constitutivo intrínseco da própria coisa (é forma-na-matéria).

3) Mas o composto de matéria e forma, que Aristóteles chama “sinolo” (que significa precisamente o conjunto ou o todo constituído de matéria e forma), também é de fato substância, porque reúne a “substancialidade” tanto do princípio material quanto do formal.

Sendo assim, alguns acreditaram poder concluir que “substância primeira” é precisamente o “sinolo” e o indivíduo, e que a forma é “substância segunda”. Essas afirmações, porém, que podem ser lidas na obra Categorias, são contrariadas pela Metafísica, onde se lê expressamente: “Chamo de forma a essência de cada coisa e a substância primeira. ”

Para concluir, podemos dizer que, desse modo, o sentido do ser fica plenamente determinado. Em seu significado mais forte, o ser é a substância; a substância em um sentido (impróprio) é matéria, em segundo sentido (mais próprio) é “sinolo” e em terceiro sentido (e por excelência) é forma; o ser, portanto, é a matéria; em grau mais elevado, o ser é o sinolo; e, no sentido mais forte, o ser é a forma. Desse modo, pode-se compreender por que Aristóteles chegou a chamar a forma até mesmo de “causa primeira do ser” (precisamente porque ela “informa” a matéria e funda o sinolo).

5. A substancia, o ato, a potência

As doutrinas expostas devem ainda ser integradas com algumas explicitações relativas à potência e ao ato referidos à substância. A matéria é “potência”, isto é, “potencialidade”, no sentido de que é capacidade de assumir ou receber a forma: o bronze é potência da estátua porque é efetiva capacidade de receber e de assumir a forma da estátua; a madeira é potência dos vários objetos que se podem fazer com a madeira, porque é capacidade concreta de assumir as formas desses vários objetos. Já a forma se configura como “ato” ou “atuação” daquela capacidade. O composto ou sinolo de matéria e forma, se considerado como tal, será predominantemente ato; considerado em sua forma, será sem dúvida ato ou “en-teléquia”; considerado em sua materialidade, será misto de potência e ato. Todas as coisas que têm matéria, portanto, como tais sempre possuem maior ou menor potencialidade. No entanto, como veremos, se forem seres imateriais, isto é, formas puras, serão atos puros, privados de potencialidade.

Como já acenamos, o ato também é chamado por Aristóteles de “enteléquia”, que significa realização, perfeição em atuação ou atualizada. Portanto, enquanto essência e forma do corpo, a alma é ato e enteléquia do corpo (como veremos melhor mais adiante). E, em geral, todas as formas das substâncias sensíveis são ato e enteléquia. Deus, como veremos, é enteléquia pura (assim como também as outras Inteligências motrizes das esferas celestes).

Diz ainda Aristóteles que o ato tem absoluta “prioridade” e superioridade sobre a potência. Com efeito, só se pode conhecer a potência como tal referindo-a ao ato de que é potência. Além disso, o ato (que é forma) é condição, norma, fim e objetivo da potencialidade (a realização da potencialidade ocorre sempre por obra da forma). Por fim, o ato é superior à potência ontolo-gicamente, porque é o modo de ser das substâncias eternas, como veremos.

III.METAFÍSICA E A MATEMÁTICA

Diferentemente de Platão, que atribuía escassa cognoscibilidade à realidade em movimento, Aristóteles estudou de maneira sistemática sua natureza na física, enfrentando com decisão e resolvendo a aporia eleática: A solução o movimento não implica, como queria Parmênides, uma passagem do ser ao não-ser (e, portanto, não implica um absurdo que comporta sua negação), mas implica passagem de uma forma de ser para outra forma de ser, e justamente do ser em potência ao ser em ato.

O movimento acontece segundo quatro categorias: conforme a substância toma o nome de geração e corrupção; conforme a qualidade toma o nome de alteração; conforme a quantidade toma o nome de aumento/diminuição; e, finalmente, conforme o lugar se chama translação.

Em relação ao movimento Aristóteles apresentou também uma teoria do lugar e uma teoria do tempo. Quanto ao lugar, o Estagirita admitiu a existência de “lugares naturais” aos quais cada elemento espontaneamente tende (por exemplo, o fogo tende naturalmente para o alto). Definiu o tempo “o número do movimento e o infinito conforme o antes e o depois”.

Na Física Aristóteles trata também do infinito, negando que ele possa existir em ato, enquanto é impensável a existência de um corpo infinito. O infinito existe apenas em potência: é a possibilidade de incrementar quanto se quiser, do ponto de vista conceituai, determinada realidade sem jamais chegar ao limite extremo. Um exemplo de tal infinito são os números, que podem aumentar sem limites, e o espaço que se pode dividir em grandezas, as quais, por mais que sejam pequenas, sempre são ulteriormente divisíveis.

O movimento é uma característica da realidade sensível e, portanto, está estreitamente ligado à matéria da qual as realidades sensíveis são constituídas.

Certas realidades sensíveis — as da nossa terra, ou, como diz Aristóteles, do mundo “sublunar” — estão sujeitas a toda forma de movimento, ou seja, a geração e corrupção, a alteração, a aumento e diminuição e movimento local, enquanto outras — as celestes, “supralunares” — se movem apenas segundo o lugar e em sentido circular. Isso depende do fato de que a matéria de que são constituídas as realidades terrestres e as celestes é diversa: os corpos terrestres são constituídos de quatro elementos (ar, água, terra e fogo), enquanto os corpos celestes são feitos de um quinto elemento, o éter, suscetível apenas de movimento local circular.

Enquanto Platão entendia os entes matemáticos como subsistentes em si e por si, ou seja, como realidades substanciais separadas, Aristóteles os considerou como características das realidades sensíveis, separáveis com a mente. Os números e as figuras geométricas, portanto, existiriam em potência nas coisas (e portanto têm realidade própria), mas em ato subsistem apenas em nossa mente, por meio da operação da separação-abstração.

1. Características da física aristotélicas

Para Aristóteles, a segunda ciência teorética é a física ou “filosofia segunda”, que tem por objeto de investigação a substância sensível (que é segunda em relação à substância supra-sensível, que é “primeira”), intrinsecamente caracterizada pelo movimento, assim como a metafísica tinha por objeto a substância imóvel. Na verdade, o leitor moderno pode ser induzido a engano pela palavra “física”. Para nós, com efeito, a física se identifica com a ciência da natureza entendida no sentido de Galileu, ou seja, entendida quantitativamente. Para Aristóteles, porém, a física é a ciência das formas e das essências; comparada com a física moderna, a de Aristóteles, mais que ciência, revela-se uma ontologia ou metafísica do sensível.

Assim, não deve ser motivo de surpresa o fato de, nos livros da Física, se encontrar abundantes considerações de caráter metafísico, já que os âmbitos das duas ciências são estruturalmente intercomunicantes: o supra-sensível é causa e razão do sensível e no supra-sensível termina tanto a investigação metafísica quanto a própria investigação física (embora em sentido diverso). Ademais, o método de estudo aplicado às duas ciências também é idêntico ou, pelo menos, afim.

2.Teoria do movimento

Aristóteles aprofundou ainda mais a questão do movimento, conseguindo estabelecer quais são todas as possíveis formas de movimento e qual a sua estrutura ontológica.

Mais uma vez, remontemos à distinção originária dos diversos significados do ser. Como vimos, potência e ato dizem respeito às várias categorias e não só à primeira. Conseqüentemente, também o movimento, que é passagem da potência para o ato, diz respeito às várias categorias. Sendo assim, é possível deduzir do quadro das categorias as várias formas de mutação. Em especial, devemos considerar as categorias:

1) da substância; a mutação segundo a substância é “a geração e a corrupção”;

2) da qualidade; a mutação segundo a qualidade é “a alteração”;

3) da quantidade; a mutação segundo a quantidade é “o aumento e a diminuição”;

4) do lugar; a mutação segundo o lugar é “a translação”.

“Mutação” é termo genérico, que cabe bem para todas essas quatro formas; já “movimento” é termo que designa genericamente as últimas três, especificamente a última.

Em todas as suas formas, o devir pressupõe um substrato (que é, aliás, o ser potencial), que passa de um oposto a outro: na primeira forma, de um contraditório a outro e, nas outras três formas, de um contrário a outro. A geração é o assumir a forma por parte da matéria, a corrupção é o perder a forma; a alteração é mudança da qualidade, ao passo que o aumento e a diminuição são uma passagem de pequeno a grande e vice-versa; o movimento local é passagem de um ponto para outro. Somente os compostos (os “sinolos”) de matéria e forma podem sofrer mutação porque só a matéria implica potencialidade: a estrutura hilemórfica (feita de matéria e forma) da realidade sensível, que necessariamente implica em matéria e, portanto, em potencialidade, constitui assim a raiz de todo movimento.

IV.A PSICOLOGIA

A psicologia, que em Aristóteles é considerada parte integrante da física, estuda os seres físicos enquanto animados. E os seres animados são tais por causa de um princípio de vida, ou seja, de uma alma.

A alma é a “forma” (em sentido ontológico), a “enteléquia” (isto é, o ato, a perfeição) de um corpo. Todavia, os seres vivos não têm todos as mesmas funções e, portanto, terão princípios vitais (ou seja, almas) diferentes, conforme as funções específicas que lhes são próprias:

1) os vegetais, que podem apenas reproduzir-se e crescer, terão alma adequada a estas suas faculdades, ou seja, alma e suas atividades vegetativa, _ , ,

2) os animais, que tem também percepção do mundo e Capacidade de movimento, serão igualmente dotados de alma sensitiva;

3) finalmente, os homens que têm também a faculdade de raciocinar serão providos, além de alma vegetativa e de alma sensitiva, igualmente de alma racional.

A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida, ou seja o princípio que governa e regula as atividades biológicas. Ela Preside à “reprodução”, que é o escopo de toda forma de vida finita no tempo. Com efeito, toda forma de vida, mesmo a mais elementar, faz-se para a eternidade e não para a morte.

A função capital da alma sensitiva é a sensação. O fenômeno da sensação é explicado por Aristóteles com os conceitos de potência e ato: nosso órgão de sentido tem a capacidade — isto é, a potência — de sentir, e esta . . capacidade de sentir torna-se sentir em ato quando entra em contato com o objeto sensível que tem capacidade ou potência e a faculdade ^ ser senado Mas o que se verifica efetivamente neste contato? Ocorre que o sentido assimila o sensível, e precisamente a forma dele.

Mais complexa é a gênese do conhecimento inteligível. Também este tipo de conhecimento consiste na assimilação de uma forma; mas, neste caso, trata-se não da forma sensível, mas da inteligível.

Mais uma vez Aristóteles, para explicar este tipo de conhecimento, serve-se dos conceitos de potência e de ato. De um lado distingue uma potencialidade do intelecto (o assim chamado intelecto passivo) de conhecer as formas inteligíveis, e, do outro, uma potencialidade das formas inteligíveis que estão nas coisas a ser conhecidas. A tradução em ato dessa dupla potencialidade pressupõe um intelecto agente que atualiza a potencialidade do intelecto de captar a forma e fazer passar a forma contida na imagem da coisa em conceito atualmente captado e possuído.

Este intelecto ativo é comparado por Aristóteles à luz, a qual, de um lado, dá ao olho a faculdade de ver e, do outro, dá às cores a faculdade de serem vistas. Apenas este intelecto é separado da matéria, e é imortal.

1. A alma e sua tripartição

A física aristotélica não investiga somente o universo físico e sua estrutura, mas também os seres que estão no universo, tanto os seres inanimados e sem razão como os seres animados e dotados de razão (o homem). O Estagirita dedica atenção muito particular aos seres animados, elaborando grande quantidade de tratados, dentre os quais se destaca pela profundidade, originalidade e valor especulativo, o célebre tratado Sobre a alma, que examinaremos agora.

Os seres animados se diferenciam dos seres inanimados porque possuem um princípio que lhes dá a vida, e esse princípio é a alma. Mas o que é a alma? Para responder à questão, Aristóteles remete-se à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade, segundo a qual todas as coisas em geral são sinolo de matéria e forma, onde a matéria é potência e a forma é enteléquia ou ato. Isso, naturalmente, vale também para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida mas não são vida. Portanto, são como que o substrato material e potencial do qual a alma é “forma” e “ato”. Temos assim a célebre definição de alma, que tanto êxito alcançou: “É necessário que a alma seja substância como forma de um corpo físico que tem vida em potência; mas a substância como forma é enteléquia (= ato); a alma, portanto, é enteléquia de tal corpo. (...) Portanto, a alma é enteléquia primeira de um corpo físico que tem a vida em potência.”

Assim raciocina Aristóteles: visto que os fenômenos da vida pressupõem determinadas operações constantes claramente diferenciadas (a tal ponto que algumas delas podem subsistir em alguns seres sem que as outras estejam presentes), então também a alma, que é princípio de vida, deve ter capacidades, funções ou partes que presidem a essas operações e as regulam. Ora, os fenômenos e funções fundamentais da vida são:

a) de caráter vegetativo, como nascimento, nutrição, crescimento etc.;

b) de caráter sensitivo-motor, como sensação e movimento;

c) de caráter intelectivo, como conhecimento, deliberação e escolha.

Assim sendo, Aristóteles introduz a distinção entre:

a) “alma vegetativa”;

b) “alma sensitiva”;

c) “alma intelectiva” ou racional.

As plantas possuem só a alma vegetativa, os animais a vegetativa e a sensitiva, ao passo que os homens a vegetativa, a sensitiva e a racional. Para possuir a alma racional o homem deve possuir as outras duas; da mesma forma, para possuir a alma sensitiva o animal deve possuir a vegetativa; no entanto, é possível possuir a alma vegetativa sem possuir as almas sucessivas. No que se refere à alma intelectiva, porém, o discurso é bem diverso e complexo, como veremos.

2. A alma vegetativa e suas funções

A alma vegetativa é o princípio mais elementar da vida, ou seja, o princípio que governa e regula as atividades biológicas. Com seu conceito de alma, Aristóteles supera claramente a explicação dos processos vitais dada pelos Naturalistas. A causa do “acréscimo” não está no fogo nem no calor, nem na matéria em geral: quando muito, o fogo e o quente são concausas, mas não a verdadeira causa. Em todo processo de nutrição e acréscimo está presente como que uma norma que proporciona grandeza e acréscimo, que o fogo por si mesmo não pode produzir e que, portanto, seria inexplicável sem algo distinto do fogo — e essa norma é precisamente a alma. E, assim, também o fenômeno da “nutrição”, conseqüentemente, deixa de ser explicado como jogo mecânico de relações entre elementos semelhantes (como sustentavam alguns) ou mesmo entre certos elementos contrários: a nutrição é assimilação do dessemelhante, tornada possível sempre pela alma, mediante o calor.

Por fim, a alma vegetativa preside a “reprodução”, que é o objetivo de toda forma de vida finita no tempo. Com efeito, toda forma de vida, mesmo a mais elementar, é para a eternidade e não para a morte.

3. A alma sensitiva, o conhecimento sensível, a apetição e o movimento

Além das funções que examinamos, os animais possuem sensações, apetites e movimento. Portanto, é preciso admitir outro princípio para presidir essas funções.

E esse princípio é precisamente a alma sensitiva.

A primeira função da alma sensitiva é a sensação, que, em certo sentido, é a mais importante e certamente a mais característica dentre as funções acima distintas. Os antecessores explicaram a sensação como transformação, paixão ou alteração que o semelhante sofre por obra do semelhante (pode-se ver, por exemplo, Empédocles e Demócrito), outros como ação que o semelhante sofre por obra do dessemelhante. Aristóteles parte dessas tentativas, mas vai bem mais além. Mais uma vez, busca a chave para interpretar a sensação na doutrina metafísica da potência e do ato. Temos faculdades sensitivas que não estão em ato, mas sim em potência, isto é, capazes de receber sensações. Elas são como o combustível, que só queima em contato com o comburen-te. Assim, a faculdade sensitiva, de simples capacidade de sentir, torna-se sentir em ato quando em contato com o objeto sensível. Aristóteles explica mais precisamente: “A faculdade sensitiva é em potência aquilo que o sensível já é em ato (...). Assim, ela sofre a ação enquanto não é semelhante; mas, depois de sofrê-la, torna-se semelhante e é como o sensível.”

Pode-se perguntar: mas o que significa dizer que a sensação é tornar-se semelhante ao sensível? Não se trata, evidentemente, de um processo de assimilação do tipo daquele que ocorre na nutrição. Com efeito, na assimilação que se dá na nutrição assimila-se também a matéria, ao passo que na sensação é assimilada apenas a forma.

O Estagirita examina então os cinco sentidos e os sensíveis que são próprios de cada um desses sentidos. Quando um sentido capta o sensível próprio, então a respectiva sensação é infalível. Além dos “sensíveis próprios” há também os “sensíveis comuns”, como, por exemplo, o movimento, a quietude, a figura, a grandeza, que não são perceptíveis por nenhum dos cinco sentidos em particular, mas podem ser percebidos por todos. Assim, pode-se falar de um “sentido comum”, que é como sentido não específico ou, melhor ainda, que é o sentido que atua de maneira não específica ao captar os sensíveis comuns. Ademais, indubitavelmente, também se pode falar de sentido comum a propósito do “sentir de sentir” ou do “perceber de perceber”. Quando o sentido atua de modo específico, pode cair facilmente em erro.

Da sensação derivam a fantasia, que é produção de imagens, a memória, que é a sua conservação, e, por fim, a experiência, que nasce da acumulação de fatos mnemô-nicos.

As outras duas funções da alma sensitiva mencionadas inicialmente são o apetite e o movimento. O apetite nasce em conseqüência da sensação: “Todos os animais têm pelo menos um sentido, ou seja, o tato. Mas quem tem a sensação sente prazer e dor, agradável e doloroso. E quem os experimenta também tem desejo: com efeito, o desejo é apetite do agradável.”

Por fim, o movimento dos seres vivos deriva do desejo: “O motor é único: a faculdade da apetência”, mais precisamente o “desejo”, que é “uma espécie de apetite”. E o desejo é posto em movimento pelo objeto desejado, que o animal capta através de sensações ou do qual, de qualquer forma, tem representação sensível. Assim, o apetite e o movimento dependem estreitamente da sensação.

4 A alma intelectiva e o conhecimento racional

Da mesma forma que a sensibilidade não é redutível à simples vida vegetativa e ao princípio da nutrição, mas contém um plus que não pode ser explicado senão introduzindo-se o princípio ulterior da alma sensitiva, assim também o pensamento e as operações a ele ligadas, como a escolha racional, são irredutíveis à vida sensitiva e à sensibilidade, pois contêm um plus que só pode ser explicado introduzindo-se outro princípio: a alma racional. E dela que agora falaremos.

O ato intelectivo é análogo ao ato perceptivo, porque é um receber ou assimilar as “formas inteligíveis”, da mesma forma que o ato perceptivo é um assimilar as “formas sensíveis”, mas difere profundamente dele, visto que não se mistura ao corpo e ao corpóreo: “O órgão dos sentidos não subsiste sem o corpo, enquanto a inteligência subsiste por própria conta.”

Assim como o conhecimento perceptivo, Aristóteles também explica o conhecimento intelectivo em função das categorias metafísicas de potência e ato. Por si mesma, a inteligência é capacidade e potência de conhecer as formas puras; por seu turno, as formas estão contidas em potência nas sensações e nas imagens da fantasia; é necessário, portanto, algo que traduza em ato essa dupla potencialidade, de modo que o pensamento se concretize captando a forma em ato, e a forma contida na imagem torne-se conceito captado e possuído em ato. Desse modo, surgiu aquela distinção que se tornou fonte de inumeráveis problemas e discussões, tanto na Antiguidade como na Idade Média, entre “intelecto potencial” e “intelecto atual”, ou, para usar a terminologia que se tornará técnica (mas que só está presente potencialmente em Aristóteles), entre intelecto possível e intelecto ativo. Leia-mos a página que contém essa distinção, porque ela permanecerá durante séculos como constante ponto de referência: “Como em toda a natureza há algo que é matéria e que é próprio a cada gênero de coisas (e isso é aquilo que, em potência, é todas aquelas coisas) e algo distinto que é causa eficiente, enquanto as produz a todas, como faz, por exemplo, a arte com a matéria, é necessário que também na alma existam essas diferenciações. Assim, há um intelecto potencial, enquanto se torna todas as coisas, e há um intelecto agente, enquanto as produz a todas, que é como um estado semelhante à luz: com efeito, em certo sentido, também a luz torna as cores em potência cores em ato. E esse intelecto é separado, impassível, não misturado e intacto por sua essência: efetivamente, o agente é sempre superior ao paciente e o princípio é superior à matéria (...). Separado (da matéria), ele é somente aquilo que precisamente é, e somente ele é imortal e eterno (...).”

Aristóteles, portanto, diz expressamente que esse intelecto ativo está “na alma”. Portanto, caem por terra as interpretações defendidas desde os mais antigos intérpretes de seu pensamento, no sentido de que o intelecto agente é Deus (ou, de qualquer fo ma, um Intelecto divino separado). É verdade que Aristóteles afirma que “o intelecto vem de fora e somente ele é divino”, ao passo que as faculdades inferiores da alma já existem em potência no germe masculino e, através dele, passam para o novo organismo que se forma no seio materno. Mas também é verdade que, mesmo vindo “de fora”, ele permanece “na alma” durante toda a vida do homem. A afirmação de que o intelecto “vem de fora” significa que ele é irredutível ao corpo por sua natureza intrínseca e que, portanto, é transcendente ao sensível. Significa que há em nós uma dimensão metaempírica, suprafísica e espiritual. E isso é o divino em nós.

Mas, embora não sendo Deus, o intelecto agente reflete as características do divino, sobretudo a sua absoluta impassibi-lidade.

Na Metafísica, depois de adquirido o conceito de Deus com as características que vimos, Aristóteles não conseguiu resolver as numerosas aporias que essa aquisição comportava. Assim, também dessa vez, adquirido o conceito do espiritual que está em nós, ele não conseguiu resolver as inúmeras aporias que daí derivam. Esse intelecto é individual? Como pode vir “de fora”? Que relação tem com nossa individualidade e nosso eu? E que relação tem com nosso comportamento moral? Está completamente subtraído a qualquer destino escatoló-gico? E que sentido tem o seu sobreviver ao corpo?

Algumas dessas interrogações não foram sequer propostas por Aristóteles. Contudo, estariam destinadas a ficar estruturalmente sem resposta: para serem propostas na ordem-do-dia e, sobretudo, para serem adequadamente resolvidas, essas questões teriam exigido a aquisição do conceito de criação, o qual, como sabemos, é estranho não apenas a Aristóteles, mas também a todo o mundo grego.

V. AS CIÊNCIAS PRATICAS: A ETICA E A POLÍTICA

Todas as ações humanas tendem a um fim, isto é, à realização de um bem específico; mas cada fim particular e cada a felicidade bem específico estão em relação com um fim último e com um próprio bem supremo, que é a felicidade.

O que é a felicidade? Para a maior parte dos homens é o prazer, ou a riqueza; para alguns é, ao invés, a honra e o sucesso. Mas estes presumidos “bens” têm todos um defeito, isto é, põem o homem em dependência daquilo de que dependem (os bens materiais, o público etc.), e, portanto, a felicidade ligada a tais coisas é totalmente precária e aleatória.

O homem, enquanto ser racional, tem como fim a realização desta sua natureza específica, e exatamente na realização desta sua natureza de ser racional consiste sua felicidade.

No homem têm notável importância, além da razão, os apetites e os instintos ligados à alma sensitiva. Tais apetites e instintos se opõem em si à razão, mas podem ser regulados e dominados pela própria razão. A submissão da alma sensitiva à razão ocorre por meio das virtudes éticas, as quais não são mais que os modos pelos quais a razão instaura sua soberania sobre os instintos.

De fato, as virtudes éticas se traduzem em busca da “justa medida” entre o “excesso” e a “carência” nos impulsos e nas paixões. Esta busca e aquisição da justa medida por meio da repetição se traduz em um habitus e, portanto, constitui a personalidade moral do indivíduo. Aristóteles teoriza deste modo a máxima dos gregos: “Nada em demasia”.

Ao lado destas virtudes éticas, que estão ligadas à vida prática, existem virtudes — as assim chamadas virtudes dianéticas — que dirigem o homem para o conhecimento de verdades imutáveis e para o sumo Bem, tanto para aplicá-lo à vida concreta, e então se tem a sabedoria, quanto, também, para fim puramente contemplativo, e então se tem a sapiência.

Justamente na contemplação das realidades que estão acima do homem consistem a felicidade suprema e a tangência do homem com o divino.

Esta é uma doutrina que leva às extremas conseqüências uma das conotações essenciais da espiritualidade dos gregos.

Aristóteles apresenta também análises detalhadas sobre a psicologia do ato moral, distinguindo:

1) a deliberação, que é o encontro dos meios que tornam possível a atuação de determinados fins;

2) a escolha, que é a decisão a tomar sobre os meios, ou seja, sobre quais meios se devem usar e sobre a sua colocação Psicologia em ato;

3) finalmente, a volição, que é a escolha dos próprios fins, da qual depende propriamente a bondade ou a maldade do homem, conforme ele escolha os verdadeiros bens ou os bens aparentes e falazes.

Aristóteles considera o homem não só como um “animal racional”, mas também como “animal político” (um ser vivo não-político pode ser apenas um animal ou então um deus).

Por homem “político” Aristóteles entende não todos os o homem sem distinção, mas (ligado ao estado político-social da sua época) aquele que goza plenamente dos direitos políticos e exerce em parte maior ou menor a administração da Cidade.

Por conseguinte, os colonos que não gozam de tais privilégios e os operários e camponeses não são considerados homens-cidadãos propriamente ditos. Os escravos, que não gozam de qualquer direito, em certo sentido, não são considerados homens propriamente ditos, mas apenas instrumentos animados.

Aristóteles formula um esquema orgânico das várias formas de constituições do Estado, fundando-se sobre dois pontos-chave:

1) a figura de quem exerce o poder (se “um só”, “poucos”, ou “muitos”);

2) o modo com o qual quem exerce o poder o leva a efeito (em função do “bem comum”, ou do “interesse privado”).

Dessa forma, podem ser obtidas, combinando as duas perspectivas, as seguintes formas de governo: a “monarquia”, a “aristocracia” e a “politía” (uma democracia ordenada pela lei), quando quem comanda age da melhor forma; a “tirania”, a “oligarquia” e a “democracia” (= demagogia), quando quem exerce o poder é movido por interesses privados e não pelo bem comum.

1. O fim supremo do homem, ou seja, a felicidade

Depois das “ciências teoréticas”, na sistematização do saber, vêm as “ciências práticas”, que dizem respeito à conduta dos homens e ao fim que eles querem atingir, tanto considerados como indivíduos, quanto como parte de uma sociedade política. O estudo da conduta ou do fim do homem como indivíduo é a “ética”; o estudo da conduta e do fim do homem como parte de uma sociedade é a “política”.

Todas as ações humanas tendem a “fins” que são “bens”. O conjunto das ações humanas e o conjunto dos fins particulares para os quais elas tendem subordinam-se a um “fim último”, que é o “bem supremo”, que todos os homens concordam em chamar de “felicidade”.

Mas o que é a felicidade?

a) Para a maioria, é o prazer e o gozo. Mas uma vida gasta com o prazer é uma vida que torna “semelhantes aos escravos”, e “digna dos animais”.

b) Para alguns, a felicidade é a honra (para o homem antigo, a honra correspondia àquilo que é o sucesso para o homem de hoje). Mas a honra é algo extrínseco que, em grande parte, depende de quem a confere. E, de qualquer maneira, vale mais aquilo pelo qual se merece a honra do que a própria honra, que é resultado e conseqüência.

c) Para outros, a felicidade está em juntar riquezas. Mas esta, para Aristóteles, é a mais absurda das vidas, chegando mesmo a ser vida “contra a natureza”, porque a riqueza é apenas meio para outras coisas, não podendo portanto valer como fim.

O bem supremo realizável pelo homem (e, portanto, a felicidade) consiste em aperfeiçoar-se enquanto homem, ou seja, naquela atividade que diferencia o homem de todas as outras coisas. Assim, não pode consistir no simples viver como tal, porque até os seres vegetativos vivem; nem mesmo viver na vida sensitiva, que é comum também aos animais. Só resta, portanto, a atividade da razão. O homem que deseja viver bem deve viver, sempre, segundo a razão.

Como se vê, acolhe-se aqui plenamente o discurso socrático-platônico. Mais ainda, Aristóteles reafirma claramente que não apenas cada um de nós é alma, mas também é a parte mais elevada da alma: “se a alma racional é a parte dominante e melhor, pareceria que cada um de nós consiste precisamente nela. (...) Fica, pois, claro que cada um é sobretudo intelecto.” Aristóteles proclama, portanto, os valores da alma como valores supremos, embora, com seu forte senso realista, reconheça a utilidade também dos bens materiais em quantidade necessária, já que eles, mesmo não estando em condições de dar a felicidade com sua presença, podem (em parte) comprometê-la com sua ausência.

2. As virtudes éticas como meio justo ou “meio-termo entre os extremos”

O homem é principalmente razão, mas não apenas razão. Com efeito, na alma “há algo de estranho à razão, que a ela se opõe e resiste”, e que, no entanto, “participa da razão”. Mais precisamente: “A parte vegetativa não participa em nada da razão, ao passo que a faculdade do desejo e, em geral, a do apetite, participa de alguma forma dela enquanto a escuta e obedece.” Ora, o domínio dessa parte da alma e sua redução aos ditames da razão é a “virtude ética”, a virtude do comportamento prático.

Esse tipo de virtude se adquire com a repetição de uma série de atos sucessivos, ou seja, com o hábito.

Assim, as virtudes tornam-se como que “hábitos”, “estados” ou “modos de ser” que nós mesmos construímos segundo o modo indicado. (Como são muitos os impulsos e tendências que a razão deve moderar, também são muitas as “virtudes éticas”, mas todas têm uma característica essencial comum: os impulsos, as paixões e os sentimentos tendem ao excesso ou à falta (ao muito ou ao muito pouco); intervindo, a razão deve impor a “justa medida”, que é o “caminho intermédio” ou “meio-termo” entre os dois excessos. A coragem, por exemplo, é o caminho intermédio entre a temeridade e a timidez, e a liberalidade é o justo meio entre a prodigalidade e a avareza.

É claro que o meio-termo não é uma espécie de mediocridade, mas sim “uma culminância”, um valor, pois é vitória da razão sobre os instintos. Aqui, há quase que uma síntese de toda a sabedoria grega que encontrara expressão típica nos poetas gnômicos, nos Sete Sábios, que haviam identificado no “meio intermédio”, no “nada em excesso” e na “justa medida” a regra suprema do agir, assim como há também a aquisição da lição pitagórica que identificava a perfeição no “limite”, e ainda, por fim, há o aproveitamento do conceito de “justa medida”, que desempenha papel tão importante em Platão.

Dentre todas as virtudes éticas, destaca-se a justiça, que é a “justa medida” segundo a qual se distribuem os bens, as vantagens, os ganhos e seus contrários. E, como bom grego, Aristóteles reafirma o mais elevado elogio à justiça: “Pensa-se que a justiça é a mais importante das virtudes, e que nem a estrela vespertina nem a estrela matutina sejam tão dignas de admiração quanto ela. E com o provérbio dizemos: ‘Na justiça está compreendida toda vitude.’”

3. As virtudes dianéticas e a felicidade perfeita

A perfeição da alma racional como tal, ao contrário, é chamada por Aristóteles de virtude “dianética”. E como a alma racional tem dois aspectos, conforme se volte para as coisas mutáveis da vida do homem ou para as realidades imutáveis e necessárias, ou seja, aos princípios e às verdades supremas, então duas também são, fundamentalmente, as virtudes dianéticas: a “sabedoria” (pbrónesis) e a “sapiência” (sophía). A sabedoria consiste em dirigir bem a vida do homem, ou seja, em deliberar de modo correto acerca daquilo que é bem ou mal para o homem. Já a sapiência é o conhecimento daquelas realidades que estão acima do homem, ou seja, é a ciência teorética, e, de modo especial, a metafísica.

Precisamente no exercício desta última virtude, que constitui a perfeição da atividade contemplativa, o homem alcança a felicidade máxima, quase uma tangência com o divino.

Eis uma das passagens mais significativas de Aristóteles: “Desse modo, a atividade de Deus, que sobressai por beatitude, será contemplativa e, conseqüentemente, a atividade humana mais afim será a que produz a maior felicidade. Uma prova, de resto, está no fato de que todos os outros animais não participam da felicidade, porque são completamente privados de tal faculdade. Para os deuses, com efeito, toda a vida é bem-aventurada, ao passo que, para os homens, só o é à medida que lhes cabe certa semelhança com aquele tipo de atividade: ao contrário, nenhum outro animal é feliz, porque não participa de modo algum da contemplação. Conseqüentemente, o quanto se estender a contemplação, tanto se estenderá a felicidade (...).”

Essa é a formulação mais típica daquele ideal que os antigos filósofos da natureza procuraram realizar em sua vida, que Sócrates já começara a explicitar do ponto de vista conceituai e que Platão já havia teorizado. Mas em Aristóteles aparece a tematização da tangência da vida contemplativa com a vida divina, que faltava em Platão, porque o conceito de Deus como Mente suprema, Pensamento de pensamento, só aparece com Aristóteles.

4. Alusões sobre a psicologia do ato moral

Aristóteles teve ainda o mérito de haver tentado superar o intelectualismo socrático. Como bom realista que era, percebeu perfeitamente que uma coisa é “conhecer o bem” e outra é “fazer e realizar o bem”. E, conseqüentemente, procurou determinar os processos psíquicos pressupostos pelo ato moral.

Ele chamou a atenção sobretudo para o ato da “escolha” (proháiresis), que vinculou estreitamente ao ato de “deliberação”. Quando queremos alcançar determinados fins, nós estabelecemos, mediante a “deliberação”, quais e quantos são os meios que colocaremos em ação para chegar àqueles fins, dos mais remotos aos mais próximos.

A “escolha” opera sobre estes últimos, transformando-os em ato. Assim, para Aristóteles, a “escolha” diz respeito apenas aos “meios”, não aos fins; portanto, nos torna responsáveis, mas não necessariamente bons (ou maus). Com efeito, ser “bom” depende dos fins e, para Aristóteles, os fins não são objeto de “escolha”, mas sim de “volição”. Mas a vontade quer sempre e só o bem, ou melhor, aquilo que “aparece nas vestes de bem”. Desse modo, para ser bom, é preciso querer o “bem verdadeiro e não aparente”; mas só o homem virtuoso, ou seja, o homem bom, sabe reconhecer o verdadeiro bem. Como se vê, gira-se num círculo que, de resto, é interessantíssimo. Aquilo que Aristóteles busca, mas ainda não consegue encontrar, é o “livre-arbítrio”. E suas análises sobre a questão são interessantíssimas precisamente por isso, ainda que aporéticas. Aristóteles compreendeu e afirmou que “o homem virtuoso vê o verdadeiro em toda coisa, considerando que é norma e medida de toda coisa”. Mas não explicou como e por que o homem se torna virtuoso. Assim, não é de surpreender o fato de que Aristóteles chegue a sustentar que, uma vez que o homem se torna vicioso, não pode mais deixar de sê-lo, embora, na origem, fosse possível não se tornar vicioso. Somos obrigados, porém, a reconhecer que não apenas Aristóteles, mas também nenhum outro filósofo grego conseguiu resolver essas aporias, pois só com o pensamento cristão é que o Ocidente iria descobrir os conceitos de vontade e de livre-arbítrio.

VI. A LÓGICA, A RETÓRICA E A POÉTICA

A lógica, que Aristóteles chamava de analítica, não entra no esquema geral das ciências. Ela constitui, com efeito, uma propedêutica a todas as ciências (e, portanto, liga-se, ao mesmo tempo, com a teorética, com a prática e com a poiética). A lógica mostra como procede o pensamento, sobre a base de quais elementos e segundo qual estrutura.

Os elementos primeiros do pensamento são as categorias: isso significa que, se decompusermos uma proposição simples (por exemplo, (“Sócrates corre”) obteremos elementos (por exemplo, “Sócrates” e “corre”), de qualquer modo reportáveis a uma das categorias (por exemplo. “Sócrates” à categoria da substância, e “corre” à categoria do agir).

As categorias são, portanto, os gêneros supremos (além do ser, como vimos na metafísica) também do raciocínio e justamente por isso são também chamadas de “predicados”.

Das categorias não é possível fornecer uma definição. Com efeito, para definir um conceito é preciso o gênero próximo (por exemplo, no caso do homem, “animal”) e a diferença específica, a diferença que distingue a espécie do objeto em questão em relação a todas as outras (por exemplo, no caso do homem, “racional”: daqui a definição do homem, como “animal racional”). Ora, no caso das categorias não existe um gênero mais amplo que as possa incluir, porquanto são os gêneros mais universais. Conseqüentemente, é impossível defini-las.

Indefiníveis são também os indivíduos, por sua particularidade: destes é possível apenas a percepção.

Ao contrário, perfeitamente definíveis são todas as noções que estão em vários níveis entre a universalidade das categorias e a particularidade dos indivíduos.

Verdade ou falsidade se têm não nas definições, mas no “julgamento”, e na sua enunciação, ou seja, na “proposição”. Na proposição se colocam nexos precisos (afirmativos ou negativos) entre um predicado e um sujeito: ora, se tais nexos correspondem aos nexos que existem na realidade, ter-se-á um julgamento verdadeiro (e, portanto, a proposição verdadeira); caso contrário, falso.

O raciocínio verdadeiro e próprio, porém, não consiste no julgamento apenas, mas em uma seqüência de julgamentos oportunamente ligados. A conexão rigorosa e perfeita dos julgamentos constitui o silogismo.

O silogismo (por ex.: “se todos os homens são mortais / e, se Sócrates é um homem / então Sócrates é mortal”) liga três proposições, das quais as duas primeiras são chamadas de premissas, e a terceira de conclusão.

A dobradiça do julgamento é o termo médio (no exemplo: “homem”), que é o que não aparece na conclusão.

Da posição do termo médio nas premissas Aristóteles deduz as várias formas de silogismo.

Além destas diferenças técnicas, há também vários modos de considerar o silogismo. Com efeito, posso considerá-lo apenas de um ponto de vista formal (ou seja, na sua coerência formal), sem ocupar-me do conteúdo; ou posso prestar atenção ao conteúdo de verdade de suas premissas, e então terei o silogismo científico ou demonstrativo; ou ainda, posso contentar-me com premissas não verdadeiras mas verossímeis e prováveis, e então terei o silogismo dialético. Finalmente, poderei voltar minha atenção — mas para refutá-los e para defender-me deles — aos silogismos falsos (= paralogismos), que na aparência parecem verdadeiros, mas que se fundam sobre premissas ambíguas e enganadoras. Neste caso temos silogismos erísticos.

Principalmente o segundo tipo de silogismo (o científico) é importante, porque a ciência se fundamenta sobre ele.

Todavia, poderíamos perguntar: quem garante a verdade das premissas no silogismo científico?

Não pode ser outro silogismo, porque, de outro modo, procederíamos ao infinito; deverá, portanto, ser uma forma de conhecimento imediato como a “intuição” (por exemplo, a captação imediata dos princípios primeiros), ou então a “indução” (o processo que leva do particular ao universal).

Para que uma ciência se constitua no seu conjunto, não bastam sequer apenas os silogismos científicos, mas são necessárias outras condições:

1) a assunção da existência do âmbito sobre o qual versa a pesquisa (por exemplo, na árítmética será a esfera dos números);

2) a definição de alguns termos operativos (por exemplo, na matemática, os pares e os díspares);

3) alguns axiomas, ou seja, proposições verdadeiras de verdade intuitiva. Alguns destes são universais, como o princípio de não-contradição (“não se pode dizer e negar ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto um mesmo caráter de uma mesma coisa”), que vale para todas as ciências, enquanto é pressuposto por todo tipo de demonstração. Este princípio não pode ser contradito, porque, para negá-lo, seriamos compelidos a dele fazer uso, isto é, a afirmá-lo: nisto, justamente, está sua firmeza, necessidade e universalidade.

O silogismo dialético, que se baseia na opinião, serve para fundar a retórica. A arte retórica propõe-se a descobrir quais são os meios e os modos de convencer. Ela, para atingir esta finalidade, utiliza dois instrumentos: um é o entimema, que consiste em um o silogismo dialético abreviado; e o outro é o exemplo, o qual tem a vantagem de tornar evidente de modo imediato qualquer raciocínio.

Aristóteles, diferentemente de Platão, não condenou a arte pelo seu caráter ilusório, e até lhe atribuiu valor catártico (purificatório). A arte - sustenta o Estagirita - é, sim, mimese da realidade, mas não imitação passiva e mecânica, e sim imitação criativa que reproduz as coisas segundo a dimensão do possível e do universal. O aspecto catártico consiste no fato de que ela liberta das paixões, ou que as sublima no prazer estético.

1. A lógica ou “analítica”

A “lógica” não tem lugar no esquema em base ao qual o Estagirita subdividiu e sistematizou as ciências, porque considera a forma que deve ter qualquer tipo de discurso que pretenda demonstrar algo e, em geral, que queira ser probante (aquele que prova). A lógica mostra como procede o pensamento quando pensa, qual é a estrutura do raciocínio, quais são seus elementos, como é possível apresentar demonstrações, que tipos e modos de demonstração existem, de que é possível fornecer demonstrações e quando.

O termo organon, portanto, que significa “instrumento”, introduzido por Alexandre de Afrodísia para designar a lógica em seu conjunto (e posteriormente utilizado também como título para o conjunto de todos os escritos aristotélicos relativos à lógica), define bem o conceito e o fim da lógica aristotélica, que pretende precisamente fornecer os instrumentos mentais necessários para enfrentar qualquer tipo de investigação.

Entretanto, deve-se observar ainda que o termo “lógica” não foi usado por Aristóteles para designar aquilo que nós hoje entendemos por ele. Ele remonta à época de Cícero (e talvez seja de gênese estóica), mas, provavelmente, só se consolidou com Alexandre de Afrodísia. O Estagirita denominava a lógica com o termo “analítica” (e Analíticos são intitulados os escritos fundamentais do Organon). A analítica (do grego análysis, que significa “resolução”) explica o método pelo qual, partindo de dada conclusão, nós a resolvemos precisamente nos elementos dos quais deriva, isto é, nas premissas e nos elementos de que brota, e assim a fundamentamos e justificamos.

2. As Categorias e os “predicamentos”

O tratado sobre as categorias estuda aquilo que pode ser considerado o elemento mais simples da lógica. Se tomarmos formulações como o “homem corre” ou então “o homem vence” e lhes rompermos o nexo, isto é, desligarmos o sujeito do predicado, obteremos “palavras sem conexão”, ou seja, fora de qualquer laço com a formulação, como “homem”, “corre”, “vence” (ou seja, termos não combinados que, combinando-se, dão origem à proposição).

Ora, diz Aristóteles, “das coisas ditas sem nenhuma conexão, cada qual significa a substância, a quantidade, a qualidade, a relação, o onde, o quando, o estar em uma posição, o ter, o fazer ou o sofrer”. Como se vê, trata-se das categorias, que já conhecemos pela Metafísica.

Do ponto de vista metafísico, as categorias representam os significados fundamentais do ser, do ponto de vista lógico elas devem ser (conseqüentemente) os “gêneros supremos” aos quais deve-se reportar qualquer termo da proposição. Tomemos a formulação “Sócrates corre” e vamos decompô-la: obteremos “Sócrates”, que entra na categoria de substância, e “corre”, que se enquadra na categoria do “fazer”. Assim, se digo “Sócrates está agora no Liceu” e decomponho a formulação, “no Liceu” será redutível à categoria do “onde”, ao passo que “agora” será redutível à categoria do “quando” e assim por diante.

O termo “categoria” foi traduzido por Boécio como “predicamento”, mas a tradução só expressa parcialmente o sentido do termo grego e, não sendo inteiramente adequada, dá origem a numerosas dificuldades, em grande parte elimináveis quando se mantém o original. Com efeito, a primeira categoria desempenha sempre o papel de sujeito e só impropriamente funciona como predicado, como quando digo “Sócrates é um homem” (isto é, Sócrates é uma substância); já as outras funcionam como predicado (ou, se quisermos, são as figuras supremas de todos os possíveis predicados, os gêneros supremos dos predicados). E, naturalmente, como a primeira categoria constitui o ser sobre o qual se apóia o ser das outras, a primeira categoria será o sujeito e as outras categorias não poderão deixar de se referir a esse sujeito e, portanto, só elas poderão ser verdadeiros predicados.

4. Os juízos e as proposições

Quando unimos os termos entre si, afirmando ou negando algo de alguma outra coisa, temos então o “juízo”. O juízo, portanto, é o ato com que afirmamos ou negamos um conceito em relação a outro conceito. E a expressão lógica do juízo é a “enunciação” ou “proposição”.

O juízo e a proposição constituem a forma mais elementar de conhecimento, a forma que nos dá a conhecer diretamente um nexo entre um predicado e um sujeito. O verdadeiro e o falso, portanto, nascem com o juízo, isto é, com a afirmação e com a negação: temos o verdadeiro quando, com o juízo, conjugamos aquilo que realmente é conjugado (ou se separa o que é realmente separado); já o falso temos quando, ao contrário, com o juízo, conjugamos aquilo que não é conjugado (ou separamos aquilo que não é separado). A enunciação ou proposição que expressa o juízo, portanto, expressa sempre afirmação ou negação, sendo assim verdadeira ou falsa. (Note-se que uma frase qualquer não é proposição que interessa à lógica: todas as frases que expressam súplicas, invocações, exclamações e semelhantes saem do âmbito da lógica, entrando no terreno do discurso de tipo retórico ou poético; só se inclui na lógica o discurso apofântico ou declaratório.)

No âmbito dos juízos e das proposições, Aristóteles realiza depois uma série de distinções, dividindo-os em afirmativos e negativos, universais, singulares e particulares. E estuda também as “modalidades” segundo as quais conjugamos o predicado ao sujeito (segundo simples assertiva, segundo a possibilidade ou então segundo a necessidade: A é B, A é possível que seja B, A é necessário que seja B).

5.O silogismo - em geral e sua estrutura

Quando nós afirmamos ou negamos alguma coisa de alguma outra coisa, isto é, quando julgamos ou formulamos proposições, ainda não estamos raciocinando. E, obviamente, também não estamos raciocinando quando formulamos uma série de juízos e relacionamos uma série de proposições desconexas entre si. Entretanto, estamos raciocinando quando passamos de juízo para juízo, de proposições para proposições, que tenham determinados nexos entre si e, de alguma forma, sejam umas causas de outras, umas antecedentes e outras conseqüentes. Se não houver esse nexo e essa conseqüencialidade, não haverá raciocínio. O silogismo é precisamente o raciocínio perfeito, isto é, aquele raciocínio em que a conclusão a que se chega é efetivamente a conseqüência que brota, necessariamente, do antecedente.

Geralmente, em um raciocínio perfeito deve haver três proposições, das quais duas funcionam como antecedentes, sendo assim chamadas de premissas, e a terceira é a conseqüente, isto é, a conclusão que brota das premissas. No silogismo, sempre estão em jogo três termos, dos quais um funciona como dobradiça que une os outros dois. Vejamos o exemplo clássico de silogismo:

1) Todos os homens são mortais,

2) Sócrates é homem,

3) Portanto, Sócrates é mortal.

Como se vê, o fato de Sócrates ser mortal é uma conseqüência que brota necessariamente do fato de se ter estabelecido que todo homem é mortal e que Sócrates, precisamente, é um homem. Portanto, “homem” é o termo sobre o qual se alavanca a conclusão. A primeira das proposições do silogismo chama-se premissa maior, a segunda premissa menor e a terceira conclusão. Os dois termos que são unidos na conclusão se chamam, o primeiro (que é o sujeito, Sócrates), “extremo menor”, o segundo (que é o predicado, “mortal”), “extremo maior”. E, como esses termos são unidos entre si através de outro termo, que dissemos funcionar como dobradiça, esse então chama-se “termo médio”, ou seja, o termo que opera a “mediação”.

Todavia, Aristóteles não somente estabeleceu o que é silogismo: ele também fez uma série de complexas distinções das possíveis diversas “figuras” dos silogismos e dos vários “modos” válidos de cada figura.

As diversas figuras (schémata) do silogismo são determinadas pelas diferentes posições que o termo médio pode ocupar em relação aos extremos nas premissas. E como o termo médio

a) pode ser sujeito na premissa maior e predicado na menor,

b) ou então pode ser predicado tanto na premissa maior como na menor,

c) ou ainda pode ser também sujeito em todas as premissas, então são três as figuras possíveis do silogismo (no interior das quais se dão, posteriormente, várias combinações possíveis, conforme as premissas do silogismo sejam universais ou particulares, afirmativas ou negativas).

O exemplo que demos acima é da primeira figura, que, segundo Aristóteles, é a figura mais perfeita, porque é a mais natural, enquanto manifesta o processo de mediação do modo mais claro. Por fim, Aristóteles estudou o silogismo modal, que é o silogismo que considera a “modalidade” das premissas, de que já falamos no item anterior.

6. O silogismo científico ou “demonstração”

O silogismo enquanto tal mostra qual é a própria essência do raciocinar, isto é, qual a estrutura da inferência e, portanto, prescinde do conteúdo de verdade das premissas (e, conseqüentemente, das conclusões). Já o silogismo “científico” ou “demonstrativo” se diferencia do silogismo em geral precisamente porque, além da correção formal da inferência, também diz respeito ao valor de verdade das premissas (e das conseqüências). As premissas do silogismo científico devem ser verdadeiras, pelas razões apresentadas; além disso, devem ser “primeiras”, ou seja, não tendo necessidade, por seu turno, de ulteriores demonstrações, mais conhecidas e anteriores, isto é, devem ser, por si mesmas, inteligíveis, claras e mais universais do que as conclusões, porque devem conter a sua razão.

E assim chegamos a um ponto delicadíssimo da doutrina aristotélica da ciência: como conhecemos as premissas? Certamente não através de novos silogismos, porque, desse modo, se caminharia para o infinito. Portanto, é por outro caminho. Que caminho é esse?

7. O conhecimento imediato: indução e intuição

O silogismo é um processo substancialmente dedutivo, porquanto extrai verdades particulares de verdades universais. Mas como são colhidas as verdades universais? Aristóteles nos fala de a) “indução” e de b) “intuição” como de processos em certo sentido opostos ao processo silogístico, mas que, de qualquer forma, o próprio silogismo pressupõe.

a) A indução é o procedimento pelo qual do particular se extrai o universal. Apesar de, nos Analíticos, Aristóteles tentar mostrar que a própria indução pode ser tratada silogisticamente, essa tentativa permanece inteiramente isolada. E ele reconhece, ao contrário, habitualmente, que a indução não é um raciocínio, mas sim um “ser conduzido” do particular ao universal por uma espécie de visão imediata ou de intuição, que a experiência torna possível. Em essência, a indução é o processo abstrativo.

b) A intuição, ao contrário, é a captação pura dos princípios primeiros por parte do intelecto. Assim, também Aristóteles (como Platão já havia feito, embora de modo diverso) admite uma intuição intelectiva; com efeito, a possibilidade do saber “mediato” pressupõe estruturalmente um saber “imediato”.

8. Os princípios da demonstração e o princípio de não-contradição

As premissas e os princípios da demonstração são captados por indução ou por intuição. A esse propósito deve-se notar que, antes de mais nada, cada ciência assume premissas e princípios próprios, isto é, premissas e princípios que só a ela são peculiares.

Em primeiro lugar, assume a existência do âmbito, ou melhor (em termos lógicos), a existência do sujeito em torno do qual verterão todas as suas determinações, que Aristóteles chama de gênero-sujeito. Por exemplo: a aritmética assume a existência da unidade e do número, a geometria a existência da grandeza espacial e assim por diante. E cada ciência caracteriza o seu sujeito pelo caminho da definição.

Em segundo lugar, cada ciência trata de definir o significado de uma série de termos que lhe pertencem (a aritmética, por exemplo, define o significado de pares, ímpares etc.; a geometria define o significado de co-mensurável, incomensurável etc.), mas não assume sua existência e sim a demonstra, provando precisamente que se trata de características que competem ao seu objeto.

Em terceiro lugar, para poder fazer isso, as ciências devem usar de certos “axiomas”, ou seja, de proposições verdadeiras de verdade intuitiva, e são esses os princípios pelos quais acontece a demonstração. Um exemplo de axioma é o seguinte: “Se de iguais tiram-se iguais, restam iguais.”

Indução. E o processo que permite remontar do particular ao universal. Opõe-se à dedução e a demonstração um particular a silogistica -que move em sentido oposto do universal ao particular. Está, porém, estreitamente ligada à própria dedução, porque esta não poderia existir sem aquela.Eis uma passagem significativa de Aristóteles: “Aprendemos ou por indução ou por demonstração. A demonstração procede dos universais, enquanto a indução procede dos particulares. Mas não e possível considerar os universais a não ser por indução”.

Entre os axiomas, há alguns que são “comuns” a várias ciências (como o axioma citado), outros a todas as ciências, sem exceção, como o princípio da não-contradição (“não se podem negar e afirmar dois predicados contraditórios do mesmo sujeito no mesmo tempo e na mesma relação”) ou o do terceiro excluído (“não é possível haver um termo médio entre dois contraditórios”). São os famosos princípios que podem ser chamados transcendentais, isto é, válidos para qualquer forma de pensar enquanto tal (porque válidos para todo ente enquanto tal), sabidos por si mesmos e, portanto, primários. Eles são as condições incondicionadas de toda demonstração e, obviamente, são inde-monstráveis, porque toda forma de demonstração os pressupõe. No quarto livro da Metafísica, Aristóteles mostrou que é possível uma espécie de prova dialética por “refutação” (élenchos) desses princípios supremos. E a refutação consiste em mostrar como todo aquele que negar esses princípios será obrigado a usá-los precisamente para negá-los. Quem diz, por exemplo, que “o princípio da não-contradição não vale”, se quiser que essa assertiva tenha sentido, deve excluir a assertiva a esse contraditório, isto é, deve aplicar o princípio da não-contradição exatamente no momento em que o nega. E assim são todas as verdades últimas: para negá-las, somos obrigados a fazer uso delas e, portanto, a reafirmá-las.

9. O silogismo dialético e o silogismo erístico

Tem-se silogismo científico só quando as premissas são verdadeiras e têm as características que acima examinamos.

Quando, ao invés de verdadeiras, as premissas são simplesmente prováveis, isto é, fundadas na opinião, então se terá o silogismo dialético, que Aristóteles estuda nos Tópicos. Segundo Aristóteles, o silogismo dialético serve para nos tornar capazes de discutir e, particularmente, quando discutimos com pessoas comuns ou mesmo doutas, serve para identificar os seus pontos de partida e o que concorda ou não com eles em suas conclusões, não partindo de pontos de vista estranhos a eles, mas precisamente do seu ponto de vista. Ensina-nos, portanto, a discutir com outros, fornecendo-nos os instrumentos para nos colocar em sintonia com eles. Ademais, para a ciência, serve não apenas para debater corretamente os prós e contras de várias questões, mas também para determinar os princípios primeiros, que, como sabemos, sendo indedutíveis silogisticamente, só podem ser colhidos indutiva ou intuitivamente.

Por fim, além de derivar de premissas fundadas na opinião, um silogismo pode derivar de premissas que parecem fundadas na opinião (mas que, na realidade, não o são).

Temos então o silogismo erístico. Também ocorre o caso de certos silogismos que só o são na aparência: parecem concluir, mas, na realidade, só concluem por causa de algum erro. Temos então os paralogismos, ou seja, raciocínios errados. Os Elencos sofísticos ou Refutações sofísticas estudam exatamente as refutações (élenchos quer dizer “refutação”) sofísticas, ou seja, falacias. A refutação correta é um silogismo cuja conclusão contradiz a conclusão do adversário. As refutações dos Sofistas, ao contrário (e, em geral, as suas argumentações), eram tais que pareciam corretas, mas, na realidade, não o eram, valendo-se de uma série de truques para enganar os inexperientes.

10. A Retórica

Assim como Platão, Aristóteles tinha a firme convicção, em primeiro lugar, de que a retórica não tem a função de ensinar e treinar acerca da verdade ou de valores particulares. Com efeito, essa função é própria da filosofia, por um lado, e das ciências e artes particulares, por outro. O objetivo da retórica é, ao contrário, o de “persuadir” ou, mais exatamente, o de descobrir quais são os modos e meios para persuadir.

A retórica, portanto, é uma espécie de “metodologia do persuadir”, uma arte que analisa e define os procedimentos com que o homem procura convencer os outros homens e identifica suas estruturas fundamentais. Assim, sob o aspecto formal, a retórica apresenta analogias com a lógica, que estuda as estruturas do pensar e do raciocinar e, particularmente, apresenta analogias com a parte da lógica que Aristóteles chama de “dialética”. Efetivamente, como vimos, a dialética estuda as estruturas do pensar e do raciocinar que movem não com base em elementos fundados cientificamente, mas sim em elementos fundados na opinião, ou seja, os elementos que se apresentam como aceitáveis para todos ou para a grande maioria dos homens. Analogamente, a retórica estuda os procedimentos com os quais os homens aconselham, acusam, se defendem e elogiam (estas, com efeito, são todas atividades específicas do persuadir), em geral não se movendo a partir de conhecimentos científicos, mas de opiniões prováveis.

As argumentações que a retórica fornece, portanto, não deverão partir das premissas originárias de que parte a demonstração científica, mas das convicções comumente admitidas das quais parte também a dialética. Ademais, em sua demonstração, a retórica não apresenta as várias passagens, através das quais o ouvinte comum se perderia, mas extrai a conclusão rapidamente das premissas, deixando subjacente a mediação lógica, pelas razões apresentadas. Esse tipo de raciocínio retórico denomina-se “entimema”. Portanto, o entimema é um silogismo que parte de premissas prováveis (de convicções comuns e não de princípios primeiros), sendo conciso e não desenvolvido nas várias passagens. Além do entimema, a retórica se vale também do “exemplo”, que não implica mediação lógica de qualquer gênero, mas torna imediata e intuitivamente evidente aquilo que se quer provar. Assim como o entimema retórico corresponde ao silogismo dialético, também o exemplo retórico corresponde à indução lógica, enquanto desenvolve função perfeitamente análoga.

11. A poética

Qual a natureza do fato e do discurso poético, e a que visa? São dois os conceitos sobre os quais devemos concentrar a atenção para poder compreender a resposta dada por nosso filósofo à questão: 1) o conceito de “mimese” e 2) o conceito de “catarse”.

1) Platão havia censurado fortemente a arte, precisamente porque é mimese, isto é, imitação de coisas fenomênicas, que, como sabemos, são por seu turno imitações dos eternos paradigmas das Idéias, de modo que a arte torna-se cópia de cópia, aparência de aparência, extenuando o verdadeiro a ponto de fazê-lo desaparecer. Aristóteles se opõe claramente a esse modo de conceber a arte, interpretando a “mimese artística” segundo uma perspectiva oposta, a ponto de fazer dela uma atividade que, longe de reproduzir passivamente a aparência das coisas, quase recria as coisas segundo nova dimensão.

A dimensão segundo a qual a arte “imita” é a dimensão do “possível” e do “verossímil”. E é precisamente essa dimensão que “universaliza” os conteúdos da arte, elevando-os a nível “universal” (evidentemente, não “universais” lógicos, mas simbólicos e fantásticos, como se dirá mais tarde).

2) Enquanto a natureza da arte consiste na imitação do real segundo a dimensão do possível, sua finalidade consiste na “purificação das paixões”. E Aristóteles o diz fazendo referência explícita à tragédia, “que, por meio da piedade e do terror, acaba por efetuar a purificação de tais paixões”. Mas ele desenvolve um conceito análogo também em referência ao efeito da música.

O que significa, portanto, purificação das paixões?

Alguns acharam que Aristóteles falasse de purificação “das” paixões em sentido moral, quase como que uma sublimação das paixões obtida por meio da eliminação daquilo que elas têm de inferior. Outros, porém, entenderam a “catarse” das paixões no sentido de remoção ou eliminação temporária das paixões, em sentido quase fisiológico, e portanto no sentido de libertação “em relação às” paixões.

Pelos poucos textos que chegaram até nós, temos claramente que a catarse poética não é certamente purificação de caráter moral (já que é expressamente distinta dela); parece que, embora com oscilações e incertezas, Aristóteles entrevia naquela agradável libertação operada pela arte algo de análogo àquilo que hoje chamamos “prazer estético”.

Platão condenara a arte, entre outros motivos, também pelo fato de ela desencadear sentimentos e emoções, reduzindo o elemento racional que os domina. Aristóteles subverte exatamente a interpretação platônica: a arte não nos carrega de emotividade, e sim nos descarrega; além disso, o tipo de emoção que ela nos proporciona (que é de natureza inteiramente particular) não apenas não nos prejudica, mas até nos recupera.

Exercícios:

1.Em que aspectos Aristóteles se diferenciava de Platão?

2.Como se dividem as obras de Aristóteles?

3.Diferencie os tres significados. E quais as Categorias?

4.Eplique a relação entre ato e potência do Primeiro tipo de significado.

5.Como Aristóteles descreveria, ou entende o infinito?

6. Descreva a teoria do movimento de aristóteles e sua junção com as categorias?

7. Resuma a tripartição da alma para Aristóteles e suas funções.

8. Quais as partes de um Silogismo e depois diferencie os tipos de Silogismos?

9.O que é a Lógica e o Organon e qual sua relação?

10.Para um silogismo o que é necessário para que haja um raciocínio? Dê um exemplo seu?

11. Defina o princípio da demonstração, indução e o princípio da não-contradição e qual a relação deste com a Dialética de Heráclito?

ARISTÓTELES_LÓGICA

ARISTÓTELES_VIDA_TEORIA