Karl Marx - Teoria do Valor

“O Capital” foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao Volume I, “revelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna”. Pensadores econômicos anteriores haviam captado um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo como um todo. Coerente com o método de análise e concepção de história, Marx analisou o capitalismo não como o fim da história, como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda.

Pode ser útil para leitores não familiarizados com a “sombria ciência” da economia (como a chamava Thomas Carlyle) esboçar brevemente o objeto deste capítulo. Ele começa com a pedra angular de “O Capital”, a teoria do valor-trabalho, segundo a qual as mercadorias - produtos vendidos no mercado - são trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Nós veremos como essa teoria sublinha a abordagem de Marx da exploração capitalista, pois é a mais-valia criada pelos trabalhadores a fonte dos lucros sobre os quais o capitalismo, enquanto um sistema econômico, se apoia. A competição entre capitais - sejam capitalistas individuais, companhias ou mesmo nações - cada um tentando abocanhar a maior porção da mais-valia, leva à formação de uma taxa geral de lucro e, portanto, como veremos, a uma modificação na teoria do valor-trabalho. A concorrência também dá lugar a uma tendência para uma queda na taxa de lucro, que é a causa fundamental das crises que afligem regularmente o sistema capitalista.

Valor de uso e Valor de troca

A base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve, em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém.

A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis. O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião.

Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado. São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria tem um valor de troca, “a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo”. (O Capital vol. .1, doravante C1 ) Assim, o valor de troca de uma camisa poderá ser uma centena de lata de ervilhas.

Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele nós morreríamos, mas que não possui um valor de troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito pouca utilidade, mas tem um valor de troca muito elevado.

Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades humanas específicas. Se você tem fome, um livro não poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o que as mercadorias têm em comum entre si, do que suas qualidades específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas utilidades sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum, que permite a ocorrência dessa troca?

A resposta de Marx é que todas as mercadorias tem um valor, do qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria.

Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos. Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de sua forma concreta. Marx escreve:

“Portanto, um valor de uso ou um bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato”. (C1, p 47)

Assim, o trabalho tem um “caráter dual”:

“Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso.” (Cl, p. 53)

Marx descreveu esse caráter dual do trabalho como um dos “melhores pontos em meu livro” (Correspondência Seleta). Foi aqui que a teoria de Marx separou-se das teorias de Ricardo e dos economistas políticos. Marx criticou Ricardo por se concentrar quase que exclusivamente na tentativa de achar uma fórmula precisa para determinar o valor de troca das mercadorias. Eles queriam, é claro, encontrar modos de prever os preços de mercado.

Marx não estava interessado especificamente em preços de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições levariam à sua futura transformação.

Para entender porque é assim, devemos olhar para os modos de produção pré-capitalistas, onde o objetivo da atividade econômica era primeiramente a produção de valores de uso, e cada comunidade podia satisfazer todas ou a maior parte de suas necessidades a partir do trabalho de seus membros. Assim, na “indústria rural patriarcal de uma família camponesa que produz para seu próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa, etc.(...) diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho que mudam com as estações do ano regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de trabalho dos membros individuais da família” (C1, 74)

A distribuição do trabalho é regulada coletivamente mesmo em sociedades pré-capitalistas onde existem exploração e classes. Assim, no feudalismo, “o trabalho e os produtos (...) entram na engrenagem social como serviços e pagamentos in natura. (...) Portanto, como quer que se julguem as máscaras que os homens ao se defrontarem aqui, vestem, as relações sociais entre as pessoas em seus trabalhos aparecem em qualquer caso como suas próprias relações pessoais, e não são disfarçadas em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho” (C1, 74)

No capitalismo as coisas são muito diferentes. O desenvolvimento da divisão de trabalho significa que a produção em cada local de trabalho é agora altamente especializada e separada dos outros locais de trabalho: cada produtor não pode satisfazer suas necessidades a partir de sua própria produção. Um trabalhador numa fábrica de abridores de latas não pode comer abridores de latas. Para viver ele deve vendê-los a outros. Os produtores são, portanto, interdependentes em dois sentidos: eles precisam cada um dos produtos dos outros, mas eles também precisam uns dos outros como compradores de seus produtos para que eles possam obter o dinheiro com o qual compram aquilo que precisam.

Este sistema Marx chama de produção generalizada de mercadoria. Os produtores estão ligados entre si somente pelo intercâmbio de seus produtos.

Há um segundo aspecto no qual há uma diferença entre o trabalho social e privado no capitalismo. Fabricantes de um mesmo produto irão competir pelo mesmo mercado. Seu relativo sucesso dependerá em como possam vender seus produtos por um menor preço. Isso implica em aumentar a produtividade do trabalho: “Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho exigido na produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto menor o seu valor”, escreve Marx (C1, 49).

A pressão da concorrência força os produtores a adotarem métodos de produção similares aos dos seus rivais, ou se vêem forçados a rebaixarem seus preços para poderem competir. Consequentemente o valor das mercadorias é determinado não pela quantidade total de trabalho usada para produzi-las, mas sim pelo tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho “requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho” (C1, 48). Um produtor ineficiente que usa mais do que o trabalho socialmente necessário para produzir algo achará que o preço que ele obtém pela mercadoria não compensará o seu trabalho extra.

Trabalho social abstrato é assim não apenas um conceito, algo que existe somente nas nossas mentes. Ele domina a vida das pessoas. A menos que os produtores sejam capazes de alcançar as “condições normais de produção” eles se verão forçados a sair fora do negócio. Mas isso não é tudo. Nós vimos que o trabalho privado útil somente se torna trabalho social uma vez que seu produto tenha sido vendido. Mas para ocorrer a troca deve haver algum modo de aferir o quanto de trabalho socialmente necessário está contido em cada mercadoria. A sociedade não pode fazer isso coletivamente, porque o capitalismo é um sistema no qual os produtores relacionam-se uns com os outros somente através de seus produtos.

A solução é que uma mercadoria assuma o papel de equivalente universal, em relação ao qual os valores de todas as outras mercadorias possam ser mensuradas. Quando uma mercadoria particular fixa-se no papel de equivalente universal, ela se torna dinheiro. E, escreve Marx, “a representação da mercadoria enquanto dinheiro implica (...) que as diferentes magnitudes de valores-mercadoria (...) estão todas expressas em uma forma na qual existem como a corporificação de trabalho social” (TMV).

Assim o capitalismo é um sistema econômico no qual os produtores individuais não sabem de antemão se os seus produtos atenderão uma necessidade social. Eles podem descobrir somente tentando vender esses produtos como mercadorias no mercado. A concorrência entre produtores que procuram tomar mercados vendendo a preços mais baratos reduz os seus diferentes trabalhos a uma medida, trabalho social abstrato corporificado em dinheiro. Onde a oferta de uma mercadoria excede a sua demanda, seu preço cairá, e os produtores irão mudar para outras atividades econômicas mais lucrativas. É desse modo, e somente indiretamente, que o trabalho social é distribuído entre diferentes ramos de produção.

A análise marxista do valor está, portanto, direcionada ao que faz do capitalismo uma forma de produção social única. O seu foco é “a real estrutura interna das relações burguesas de produção”. Seu propósito é mostrar que “como valores, as mercadorias são magnitudes sociais, (...) relações entre homens na sua atividade produtiva (...) Onde o trabalho é comunal as relações entre homens em sua produção social não se manifestam como “valores” de coisas”(TMV).

Mais-valia e a forma de ser do Capitalismo

O modo de produção capitalista envolve, de acordo com Marx, duas grandes separações. A primeira nós já discutimos - a separação das unidades de produção. Em outras palavras, a economia capitalista é um sistema dividido em produtores interdependentes e concorrentes entre si. Do mesmo modo importante é a divisão no interior de cada unidade de produção, entre o proprietário dos meios de produção e os produtores diretos, isto é, entre capital e trabalho assalariado.

Marx assinalou que as mercadorias podem existir sem capitalismo. Dinheiro e comércio são encontrados em sociedades pré-capitalistas. Todavia, a troca de mercadorias em tais sociedades é principalmente um meio de obter valores de uso, as coisas das quais as pessoas necessitam. A circulação de mercadorias em tais circunstâncias toma a forma de M-D-M, onde M é mercadoria e D dinheiro. Cada produtor toma sua mercadoria e vende-a por dinheiro para comprar uma outra mercadoria de outro produtor. O dinheiro é apenas o intermediário na transação.

Onde as relações de produção capitalistas prevalecem, todavia, a circulação de mercadorias toma uma outra forma, mais complexa: D-M-D1. Dinheiro é investido para produzir mercadorias que são, então, trocadas por mais dinheiro.

E mais, o D1, o dinheiro que o capitalista ou investidor consegue após a transação, é maior do que D, o dinheiro investido inicialmente. O dinheiro extra, ou lucro, Marx chamou “mais-valia”.

De onde vem a mais-valia?

Ricardo havia efetivamente respondido esta questão quando ele afirmou que o valor criado pelo trabalho era dividido entre salários e lucros. O trabalho seria a fonte de mais-valia. Contudo, ele foi incapaz de compreender isso claramente, porque ele entrou numa aparente contradição. Ele definiu os salários como o valor do trabalho. A explicação de Marx acerca da existência de mais-valia baseou-se na análise da relação entre o capital e o trabalho assalariado. O que o trabalhador vende ao capitalista em troca de seu salário não é trabalho, mas força de trabalho, como ele explica:

“O valor de uso que o trabalhador tem para oferecer ao capitalista (...) não está materializado em um produto, não existe de nenhum modo separado dele; existe, portanto (...) somente como potencialidade, como sua capacidade. Torna-se realidade somente quando (...) posto em movimento pelo capital.” (Grundrisse, doravante G)

A força de trabalho é uma mercadoria, e como toda mercadoria tem um valor de troca e um valor de uso. Seu valor é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário envolvido para manter o trabalhador vivo, e para educar as crianças que irão substituí-lo. “O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circulação, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força”. (C1, 143)

O valor de uso da força de trabalho é o trabalho, e uma vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor, e além disso, o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem”. (C1, 160)

Por exemplo, consideremos que em um dia de trabalho de 8 horas, o trabalho de 4 horas baste para compor o valor total do salário a ser pago pelo patrão pelas 8 horas. As demais 4 horas são embolsadas pelo patrão. Mais-valia, ou lucro, é meramente a forma peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção capitalista.

A importância desta análise da compra e venda da força de trabalho é que permite a Marx traçar as origens da mais-valia à exploração do trabalhador pelo capital. Mais ainda, ela ilumina o fato de que os padrões traçados pelos economistas clássicos não são nem naturais nem inevitáveis, mas relações de produção historicamente específicas.

Marx é capaz de realizar esta análise, ao mesmo tempo em que assume que todas as mercadorias, incluindo a força de trabalho, são vendidas pelo seu valor. Em outras palavras, o capitalista não ganha seus lucros pagando pela força de trabalho menos do que o equivalente ao tempo de trabalho socialmente necessário para reproduzi-la. A exploração não é nada anormal, é um típico resultado do funcionamento regular do modo de produção capitalista. Ela surge da diferença entre o valor criado pela força de trabalho e o valor da própria força de trabalho.

A compra e venda da força de trabalho depende da separação do trabalhador dos meios de produção. Desse modo, o trabalhador é “livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho”. (C1,140) A troca entre capital e trabalho assalariado pressupõe “a distribuição dos elementos da própria produção, os fatores materiais que estão concentrados de um lado, e a força de trabalho isolada, de outro”. (C2)

Marx mostra no volume I, parte 8, de O Capital como essa “distribuição” foi o resultado de um processo histórico, no qual o campesinato foi privado de sua terra, e os meios de produção - inicialmente a própria terra - tornou-se monopólio de uma classe cujo objetivo era o lucro.

Marx foi, portanto, capaz de explicar o contraste entre a aparente igualdade política de todos os cidadãos da sociedade capitalista e a desigualdade real da exploração de classe. A troca entre capital e trabalho assalariado é uma troca de equivalentes. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Tanto trabalhador e capitalista são proprietários de mercadoria: um da força de trabalho, e outro de dinheiro. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Então onde está a exploração?

Tanto quanto permaneçamos no “reino da circulação”, o mercado onde todo mundo é proprietário de alguma coisa agindo de acordo com o seu interesse, a exploração é invisível. É somente quando adentramos o “local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler: No admittance except on business [não se permite a entrada a não ser a negócio]” (C1, 144) que as coisas mudam. A exploração é possível por causa da propriedade peculiar da mercadoria vendida pelo trabalhador, notadamente do fato de que seu valor de uso é o trabalho, a fonte de valor e de mais-valia. E é na produção que a força de trabalho é posta em movimento.

Mas antes de olharmos o processo de produção no capitalismo, necessitamos precisar o que Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação de valor que atua para criar e acumular mais valor. Bem antes do capitalismo, homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de trabalho excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para consumo, sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades e luxúrias da vida. Essa riqueza não era capital, embora venha de uma fonte comum - trabalho excedente.

O primeiro indício de que uma acumulação de riqueza começou a agir como capital é a fórmula D-M-D1, a qual nos referimos antes. A fórmula denota uma transação na qual dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) as quais são então revendidas por uma soma maior de dinheiro (D1). No início tais transações eram feitas por comerciantes que, por exemplo importavam especiarias do Oriente e as revendiam no norte da Europa, onde a demanda por especiarias para preservar a carne garantia preços mais elevados. Mas o capital propriamente dito somente vem à existência quando a mercadoria comprada e vendida é a força de trabalho, pois esse trabalho assalariado é o que define as relações de produção particulares ao capitalismo.

Capital, portanto, é definido por duas coisas: o que ele é e como atua. Ele é uma acumulação de mais-valia produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode tomar a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção - e usualmente uma combinação dos três. Ele atua para assegurar acumulação posterior. Marx descreveu isso como “a auto-expansão de valor”.

Capital não é necessariamente identificado com capitalistas individuais. No desenvolvimento inicial do capitalismo, indivíduos ricos jogaram um papel importante, mas isso está longe de ser o caso nos dias de hoje. De fato está na natureza do capitalismo que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma lógica econômica que transcende quaisquer indivíduos. Unidades individuais de capital as quais são usualmente chamadas de “capitais”, podem ser desde uma pequena companhia a uma grande corporação, uma instituição financeira a um Estado-nação.

Para compreender a natureza peculiar do processo de produção capitalista, Marx formulou uma série de novos conceitos. Nós vimos no capítulo anterior que existem dois principais elementos em qualquer processo de trabalho - força de trabalho e os meios de produção. Sob o modo de produção capitalista ambos os elementos tomam a forma de capital. O capitalista tem que investir dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios de produção antes de poder aumentar seu investimento inicial. O dinheiro para comprar a força de trabalho Marx chamou-o Capital Variável; e o dinheiro investido para obter o prédio, equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção ele chamou Capital Constante.

A razão para esses nomes deve ser óbvia à luz da teoria do valor-trabalho. O capital variável, porque é investido a força de trabalho, a mercadoria que é a fonte de valor, expande em valor. O capital constante não. A produção capitalista envolve tanto trabalho vivo - o trabalho do operário que substitui o valor da força de trabalho e ao mesmo tempo cria mais-valia - e trabalho morto acumulado nos meios de produção. Esse trabalho morto é o trabalho acumulado pelos trabalhadores que fabricaram os meios de produção em primeiro lugar. Como a maquinaria deteriora-se gradualmente através de seu uso para produzir novas mercadorias, o seu valor é transferido para essas mercadorias.

A taxa de mais-valia foi o nome dado por Marx para a razão entre a mais-valia e o capital variável, o capital investido na força de trabalho. Ela mede a taxa de exploração, em outras palavras o grau em que o capitalista foi bem sucedido em extrair mais-valia do trabalhador. Para nos valermos de um exemplo anterior: Se o trabalho necessário é de 4 horas, e o trabalho excedente 4 horas, então a taxa de mais-valia é 4/4, ou 100%.

Existem dois modos, segundo Marx, pelos quais os capitalistas podem aumentar a taxa de mais-valia, um comum a todos os modos de produção, o outro específico do capitalismo. Esses modos correspondem respectivamente à produção de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A mais-valia absoluta é criada pelo aumento da jornada de trabalho. Assim, se os trabalhadores gastam 10 horas ao invés de 8 horas no trabalho, quando o trabalho necessário é ainda somente 4 horas, então mais 2 horas de trabalho são adicionadas. A taxa de mais-valia aumentou de 4/4 para 6/4, ou de 100% para 150%.

Algumas das páginas mais brilhantes de O Capital são aquelas nas quais Marx descreve como, especialmente nas fases iniciais da revolução industrial os capitalistas procuraram estender a jornada de trabalho tanto quanto possível, forçando até mesmo meninos de nove anos a trabalharem três turnos de doze horas nas terríveis condições das fundições de ferro. “O Capital”, ele escreve, “é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando o trabalho vivo e que vive quanto mais trabalho vivo chupa”. (C1, 189)

Existem todavia limites objetivos para aumento da jornada de trabalho. Se aumentada demais produz “não apenas a atrofia da força de trabalho, a qual é roubada de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade”, como também “produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de trabalho” (C1, 212). O capital que depende da força de trabalho como fonte de valor, atua assim contra seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, o impiedoso aumento da jornada engendra a resistência organizada de suas vítimas. Marx relata o papel cumprido pela ação coletiva dos trabalhadores para forçarem os capitalistas britânicos a aceitar o “Factory Acts” (leis fabris limitando as horas de trabalho). “E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora”. (C1, 190)

O capital pode, entretanto, aumentar a taxa de mais-valia também pela produção de mais-valia relativa. Um aumento na produtividade do trabalho levará a uma queda no valor das mercadorias produzidas. Se alguma melhoria técnica nas condições de produção barateia os bens de consumo que os trabalhadores compram com seus salários, então o valor da força de trabalho também cai. Menos trabalho social será necessário para reproduzir a força de trabalho, e a porção da jornada de trabalho dedicada ao trabalho necessário cairá, deixando mais tempo gasto criando mais-valia.

Digamos que uma maior produtividade em indústrias de consumo leve à queda pela metade do valor dos bens de consumo. Para retornarmos ao nosso exemplo, o trabalho necessário tomará agora apenas 2 horas de trabalho do total de 8 horas. Assim a taxa de mais-valia é agora 6/2. Ela aumentou de 100 para 300%.

Marx afirma que embora tanto a mais-valia absoluta como a relativa sejam encontradas em todas as fases do desenvolvimento capitalista, tende a haver uma mudança histórica em suas importâncias. Quando as relações de produção capitalistas foram introduzidas inicialmente, o foram sobre a base de métodos de produção herdados das indústrias artesanais da sociedade feudal. Esses métodos artesanais não são, de início alterados fundamentalmente: os trabalhadores são simplesmente agrupados em maiores unidades de produção e sujeitos a uma mais complexa divisão de trabalho. Novas relações de produção são enxertadas a um velho processo de trabalho:

“Dado o modo de trabalho preexistente (...) a mais-valia só pode ser criada pela ampliação do dia de trabalho, isto é, aumentando a mais-valia absoluta.” (C1)

Em um modo de produção como o feudalismo, onde nem o explorador nem o explorado tem necessariamente um interesse forte em expandir as forças produtivas, mais trabalho excedente só pode ser extraído dos produtores diretos fazendo-os trabalharem mais horas. O capitalismo, contudo, introduz um novo método de aumentar a taxa de exploração, conseguindo que os trabalhadores trabalhem mais eficientemente.

“Com a produção de mais-valia relativa toda forma de produção é alterada e vem à existência uma forma de produção especificamente capitalista”. (C1) O que Marx chama de manufatura, baseada sobre “a ampla base do artesanato urbano e da indústria doméstica rural” (C1,288) é suplantada pela moderna indústria de larga escala ou maquinofatura”, na qual a produção é organizada em torno de sistemas de máquinas e o processo de trabalho é constantemente alterado à luz de inovações tecnológicas. “Agora surge um modo de produção específico tecnologicamente - produção capitalista - que transforma o processo de trabalho e suas condições existentes.” (C1)

Marx enfatiza que o propósito das constantes transformações do processo de trabalho no capitalismo é de aumentar a taxa de exploração através da produção de mais-valia relativa: “igual a qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela [a maquinaria precisa para si mesmo. A fim de alargar a outra parte da sua jornada de trabalho ela dá de graça para o capitalista. Ela [a maquinaria] se destina a baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si mesmo. A fim de alargar a outra parte da sua jornada de trabalho ela dá de graça para o capitalista. Ela [a maquinaria] é meio de produção de mais-valia”. (C1, Tomo2, 5)

Isto ajuda a esclarecer o que nós vimos no último capítulo, que as força produtivas se desenvolvem até onde as relações de produção predominantes permitem. A peculiaridade do capitalismo é que essas relações exigem contínuos aperfeiçoamentos na produtividade do trabalho.

http://www.economiabr.net/biografia/km-o_capital.html

Exercício:

Encontre 15 conceitos-chave no texto e divida-os em tópicos.