Freios e Contrapesos - Ditadura da maioria  e Ditadura da Minoria

Alexander Hamilton

Alexander Hamilton (Charlestown, 11 de janeiro de 1755Nova Iorque, 12 de julho de 1804) foi o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos da América. Estabeleceu o Primeiro Banco dos Estados Unidos e teve influência no desenvolvimento das bases do capitalismo americano. Morreu em 1804 num duelo com o então vice-presidente Aaron Burr.

A Constituição e O Federalista[editar | editar código-fonte]

Convenção e ratificação da Constituição[editar | editar código-fonte]

Em 1787, Hamilton foi nomeado deputado da Comarca de Nova Iorque e escolhido como delegado na Convenção da Constituição pelo seu sogro, Philip Schuyler.[43] [44]Embora Hamilton já se tivesse destacado como uma das principais vozes a pedir uma nova Convenção da Constituição, a sua influência na mesma foi bastante limitada. A facção do Governador George Clinton da comarca de Nova Iorque tinha escolhido outros dois delegados: John Lansing Jr. e Robert Yates e ambos se opunham ao objetivo de Hamilton de criar um governo nacional forte.[45][46] Assim, sempre que os outros dois membros da delegação de Nova Iorque estavam presentes, decidiam o voto de Nova Iorque, ou seja, garantir que não havia grandes alterações nos Artigos da Confederação.[47]

No início da Convenção, Hamilton fez um discurso onde propunha um "Presidente para a vida", o que não chegou a ser considerado nas deliberações da convenção. Propôs a eleição de um Presidente e de senadores que cumprissem mandatos vitalícios, dependendo do seu comportamento e sujeitos a expulsão caso cometessem corrupção ou abuso de poder. Esta ideia fez com que Hamilton fosse visto de forma hostil como uma simpatizante da monarquia, incluindo por James Madison.[48] Segundo os apontamentos de Madison, Hamilton afirmou em relação ao poder executivo: "O modelo inglês era o único bom neste aspecto. O interesse hereditário do rei estava de tal forma ligado ao interesse da nação e os seus emolumentos pessoais eram tão significativos que ele estava numa posição que o poupava do risco de ser corrompido por nações estrangeiras... Que se nomeie um executivo para toda a sua vida que tenha a coragem de cumprir os seus deveres".[49] Hamilton afirmou ainda: "E permitam-me fazer esta observação. Um executivo é menos perigoso para as liberdades do povo quando cumpre um mandato vitalício do que durante sete anos. Pode dizer-se que tal constitui uma monarquia eleitoral... Porém, ao sujeitar o executivo à destituição, não se pode aplicar o termo 'monarquia'..."[50] Durante a convenção, Hamilton elaborou um esboço de uma Constituição com base nos debates que aí tiveram lugar, mas não chegou a apresentá-la. Este esboço continha a maioria das características da futura Constituição dos Estados Unidos. Este esboço defendia que o Senado deveria ser eleito de acordo com a proporção da população e ter dois quintos dos membros da Câmara dos Representantes; o Presidente e os Senadores deveriam ser eleitos através de eleições complexas e com várias fases nas quais eleitores selecionados escolheriam grupos mais pequenos de eleitores e estes teriam mandatos vitalícios, mas poderiam ser destituídos do cargo por mau comportamento. O Presidente não teria o poder de vetar projetos de lei, o Supremo Tribunal teria competência imediata sobre todos os processos que envolvessem os Estados Unidos e os governadores seriam escolhidos pelo governo federal.[51]

No final da convenção, Hamilton continuava insatisfeito com o documento final da Constituição, mas assinou-a de qualquer forma uma vez que considerava que era bastante melhor do que os Artigos da Convenção e incentivou os delegados a fazerem o mesmo.[52] Uma vez que os outros dois delegados de Nova Iorque já se tinham retirado, Hamilton foi o único nova-iorquino a assinar a Constituição dos Estados Unidos.[53] De seguida, participou ativamente na campanha para a ratificação do documento em Nova Iorque em 1788 e que representou um passo crucial na sua ratificação a nível nacional.

Em 1788, Hamilton iniciou mais um mandato naquela que veio a ser a última sessão do Congresso Continental sob os Artigos da Confederação. Quando o mandato de Philip Schuyler terminou em 1791, este foi substituído pelo procurador-geral de Nova Iorque, Aaron Burr. Hamilton culpou Burr por este resultado e, a partir daí, começou a critcá-lo na sua correspondência. Os dois homens chegaram a trabalhar juntos em alguns projetos, incluindo no exército de Hamilton de 1798 e na Manhattan Water Company.[54]

O Federalista[editar | editar código-fonte]

Hamilton recrutou John Jay e James Madison para escrever uma série de ensaios que defendiam a Constituição proposta, agora conhecidos como O Federalista, e foi o que mais contribuiu para este projeto ao escrever 51 dos 85 ensaios publicados (Madison escreveu 29 e Jay apenas cinco). Hamilton supervisou todo o projeto, recrutou os participantes, escreveu a maioria dos ensaios e acompanhou a publicação. Durante o projeto, cada indivíduo era responsável pelas suas áreas de especialização: Jay era responsável pelas relações internacionais, Madison pela História das repúblicas e das confederações, assim como pela anatomia do novo governo, e Hamilton pelos ramos do governo que lhe eram mais pertinentes: os ramos judicial e executivo. Este cobriu ainda alguns aspectos do Senado, assim como assuntos militares e impostos. Os ensaios foram publicados pela primeira vez no The Independent Journal em 27 de outubro de 1787.[55]

Hamilton escreveu o primeiro ensaio e assinou-o sob o pseudônimo Publius, fazendo o mesmo com os restantes ensaios.[56] Jay escreveu os quatro ensaios seguintes onde falava sobre os pontos fracos da confederação a necessidade de união contra os ataques estrangeiros e a divisão em confederações rivais. Ele não contribuiu mais para O Federalista até ao ensaio Número 64.[57] Os pontos altos das contribuições de Hamilton incluem o argumento de que, apesar de as repúblicas terem causado desordem no passado, os avanço na "ciência da política" tinham fomentado princípios que garantiam que esses abusos podiam ser evitados. Alguns exemplos desses princípios incluem a divisão de poderes, revisões às leis, um poder judicial independente e legisladores representados por eleitores (Números 7-9).[58] Hamilton também escreveu uma extensa defesa da constituição (Números 23-26) e falou do Senado e dos ramos executivo e judicial nos números 65-85. Hamilton e Madison trabalharam juntos na descrição do estado anárquico da confederação nos Números 15-22. Ao contrário do que viria a acontecer mais tarde nas suas vidas, Hamilton e Madison partilhavam ideias semelhantes.[59]

Hamilton pouco depois da Revolução Americana.

Secretário do Tesouro: 1789–1795[editar | editar código-fonte]

Relatórios financeiros[editar | editar código-fonte]

George Washington nomeou Hamilton como o primeiro Secretário do Tesouro. Hamilton serviu no Departamento do Tesouro dos Estados Unidos de 11 de setembro de 1789 até 31 de janeiro de 1795. A maioria da estrutura do governo dos Estados Unidos foi estabelecida nos primeiros cinco anos do mandato de Hamilton, incluindo a estrutura e funções do Departamento do Tesouro. O biógrafo Forrest McDonald defende que Hamilton considerava o seu cargo similar ao de First Lord of the Treasury da Grã-Bretanha, ou seja, o equivalente de um Primeiro-Ministro. Hamilton seria responsável por supervisionar os seus colegas sob o reinado eleitoral de George Washington. Washington chegou a pedir conselhos e a colaboração de Hamilton em assuntos não relacionados com o Departamento do Tesouro.

No período de dois anos, Hamilton submeteu ao Congresso cinco relatórios que importaram em uma revolução financeira na economia norte-americana:[60]

No Relatório sobre o Crédito Público, o Secretário fez a controversa proposta de o governo federal assumir os débitos em que incorreram os estados durante a Revolução. Isto foi uma ousada manobra para dar poderes ao governo federal sobre os governos estaduais, e motivou severas críticas por parte do Secretário de Estado, Thomas Jefferson, e do representante James Madison. As divergências entre Jefferson e Hamilton estenderam-se a outras propostas que Hamilton encaminhou ao Congresso, e elas tornaram-se especialmente fortes, com os seguidores de Hamilton sendo conhecidos como federalistas, e os de Jefferson como republicanos. Estes foram os primeiros partidos políticos na história dos Estados Unidos.

O próximo notável relatório de Hamilton foi seu "Relatório sobre Manufaturas." O Congresso arquivou o relatório sem muito debate, exceto pela objeção de Madison contra a formulação de Hamilton da cláusula constitucional do bem-estar geral, que Hamilton interpretou extensivamente. Todavia, o Relatório sobre Manufaturas é um documento clássico anunciando o futuro industrial dos Estados Unidos que logo seria alcançado. Nisto Hamilton opunha-se à visão de uma nação americana agrária de fazendeiros de Jefferson e propunha uma clara visão de uma dinâmica economia industrial, subserviente aos interesses manufatureiros.

Hamilton ajudou a fundar a Casa da Moeda dos Estados Unidos, o First Bank of the United States, a Guarda Costeira e um elaborado sistema de tributos, tarifas e impostos. O programa hamiltoniano, uma vez completo, substituiu o caótico sistema financeiro da era da Confederação, em cinco anos, com um moderno aparato para dar estabilidade financeira ao novo governo e aos credores a confiança necessária para investir nos títulos da dívida federal.

Como principais fontes de receita, o sistema de Hamilton impôs um imposto de consumo sobre o uísque. Forte oposição ao imposto do uísque irrompeu na Rebelião do Uísque em 1794; na Pensilvânia ocidental e na Virgínia Ocidental, o uísque era habitualmente fabricado e usado (muitas vezes em lugar do dinheiro) pela maior parte da comunidade. Em resposta à rebelião — sobre o fundamento de que a obediência às leis era vital ao estabelecimento da autoridade federal — ele acompanhou o presidente Washington, o general Henry Lee e mais tropas federais ao lugar da rebelião. Essa irresistível demonstração de força intimidou os líderes da insurreição, encerrando a rebelião praticamente sem derramamento de sangue.

Surgimento de partidos[editar | editar código-fonte]

Enquanto Hamilton ainda era Secretário do Tesouro, começaram a surgir fações políticas. Um conselho do Congresso, liderado por James Madison e William Branch Giles começou como um grupo que se opunha aos programas financeiros de Hamilton e Thomas Jefferson juntou-se ao mesmo quando regressou da França. Hamilton e os seus aliados começaram a apelidar-se de Federalistas, enquanto que o grupo rival, atualmente denominado de Partido Republicano Democrático por historiadores políticos, era conhecido como Republicanos na altura.[61]

Hamilton formou uma aliança a nível nacional para conseguir apoio para o governo, incluindo para os seus programas financeiros e para a política de neutralidade do Presidente em relação às guerras revolucionárias francesas que se travavam na Europa na altura. A campanha de relações públicas de Hamilton atacava o ministro francês Edmond-Charles Genêt (que se apelidava a si próprio de "Cidadão Genêt") que tentou fazer apelos diretos aos eleitores, algo que os Federalistas consideravam um ato de interferência estrangeira em assuntos americanos.[62] Para ter sucesso, a república administrativa de Hamilton precisava que os americanos se considerassem cidadãos nacionais e tivessem uma administração firme que pusesse em prática os conceitos da Constituição.[63]

O Partido Republicano Democrático opunha-se à criação e bancos e apoiava a França na guerras revolucionárias. Este criou a sua própria aliança nacional para se opor aos Federalistas. Ambos os lados conseguiram o apoio de fações políticas a nível regional e criaram jornais partidários. Noah Webster, John Fenno e William Cobbett foram editores entusiastas dos Federalistas, enquanto Benjamin Franklin Bache e Philip Freneau editavam os jornais Republicanos. Todos os jornais se caracterizavam por ataques pessoais ferozes, grandes exageros e falsas acusações. Em 1801, Hamilton criou um jornal diário, o New York Evening Post e fez William Coleman o seu editor. Este jornal ainda se encontra em circulação atualmente sob o nome de New York Post.[64]

Industrialista[editar | editar código-fonte]

Hamilton estava entre os primeiros a predizer um futuro industrial para os Estados Unidos. Em 1778, ele visitou as Grandes Cataratas do Rio Passaic no norte de Nova Jersey e viu que as cataratas podiam um dia ser aproveitadas para prover energia para um centro industrial no estado. Enquanto ainda secretário do Tesouro, em 1791, ajudou a fundar a Sociedade para o Estabelecimento de Manufaturas Úteis, uma empresa privada que usaria a força das cataratas para operar fábricas. Ainda que a companhia não tenha sido bem sucedida em seu propósito original, ela arrendou a terra em torno das cataratas para outras aventuras fabris e continuou a operar por mais de dois séculos e meio.

Alexander Hamilton demitiu-se do cargo de Secretário do Tesouro em 1795 devido a problemas financeiros pessoais (o departamento só podia dispensar-lhe 3500 dólares de salário por ano) e juntou-se à Ordem dos Advogados de Nova Iorque.[65]

Últimos anos[editar | editar código-fonte]

Apesar de se ter demitido do seu cargo, Hamilton continuou a participar ativamente na vida política e manteve o seu papel de conselheiro e a amizade com George Washington. Hamilton teve um papel importante nas eleições presidenciais de 1796 e engendrou um plano para evitar que John Adams, que considerava ser demasiado instável para se tornar Presidente, fosse eleito. No entanto, o seu plano foi descoberto e John Adams acabou por vencer as eleições e o candidato preferido de Hamilton, Thomas Pinckney, ficou em terceiro lugar.[66]

Em 1798 e 99, Hamilton apelou a uma mobilização contra a França após o XYZ Affair, um incidente político e diplomático que levou à Quase-guerra. Hamilton tornou-se comandante de um novo exército que se preparou para uma guerra. No entanto, apesar de se terem registado alguns confrontos marítimos, a guerra nunca chegou a ser declarada oficialmente e o Presidente John Adams conseguiu encontrar uma solução diplomática antes que o exército pudesse entrar em ação.

Hamilton voltou a ser bastante influente nas eleições presidenciais de 1800 e a sua oposição a John Adams (o candidato do seu próprio partido) foi um dos fatores que levou a que estas acabassem com um empate entre Thomas Jefferson e Aaron Burr. Em 1801, Hamilton ajudou a derrotar Aaron Burr, que considerava ser um homem sem princípios e um inimigo malicioso, e, apesar das suas diferenças, ajudou a eleger Thomas Jefferson.

No entanto, a atitude de Hamilton durante estas eleições e principalmente um panfleto que escreveu intitulado Letter from Alexander Hamilton, Concerning the Public Conduct and Character of John Adams, Esq. President of the United States, fez com que criasse divisões no seu próprio partido e perdesse a sua influência.[67]

O Federalista

A obra "O Federalista" (Federalist Papers) é uma série de 85 artigos que argumentam para ratificar a Constituição dos Estados Unidos. É o resultado de reuniões que ocorreram na Filadélfia em 1787, para elaborar a Constituição Americana, e renderam vários artigos publicados em Nova York com o intuito de ratificar a Constituição Americana. Os artigos foram reunidos no livro "O Federalista".

Promulgada a Constituição, os autores dos artigos continuaram dedicados à política: James Madison foi um dos fundadores do então chamado Partido Republicano (não confundir com o atual Partido Republicano, fundando em 1852), junto com Thomas Jefferson (eleito presidente dos EUA em 1808); Alexander Hamilton foi o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos; John Jay foi conselheiro de George Washington, presidente dos EUA, em 1789, e também presidiu a Corte Suprema.

Assuntos tratados no texto[editar | editar código-fonte]

Conforme os próprios autores do texto, os assuntos que tratarão são:

"Proponho-me discutir, numa série de artigos, os interessantes tópicos que se seguem (MADISON, HAMILTON, JAY; p. 96): A utilidade da União para vossa prosperidade política; A insuficiência da atual Confederação para preservar essa União; A necessidade, para a consecução dessa meta, de um governo pelo menos tão vigoroso quanto o proposto; A conformidade da Constituição proposta com os verdadeiros princípios do governo republicano; Sua analogia com vossa Constituição estadual; A segurança adicional que sua adoção proporcionará à preservação dessa espécie de governo, à liberdade e à propriedade".

Vê-se, então, um retorno ao início deste texto, quando nos referimos aos aspectos centrais de Os Artigos Federalistas. Traduzidos nessa verdadeira "carta de intenções" dos autores estão os três pontos principais anteriormente destacados: federalismo, separação de poderes e república.

A escolha das palavras

Grande parte da novidade que se encontra nos textos dos Artigos Federalistas se dá pela ressignificação de alguns conceitos que anteriormente já havia aparecido em outros autores. Os mais importantes são o conceito de Constituição, o de República e o de Federação.

São nos Artigos que, pela primeira vez, há a formulação de uma teoria que se baseia no conceito moderno de Constituição, como documento formal que explicita tanto o passado de uma nação quanto direciona o seu futuro com base em seus valores maiores. Abandona-se, a partir de então, a visão Antiga de Constituição, uma visão que consiste apenas em descrever o modo de ser de um povo. Não faria sentido, tendo o conceito Antigo de Constituição, falar em aprovação de uma. A Constituição como um consenso de valores é uma invenção revolucionária norte-americana, tendo sua primeira teoria explícita n’Os Artigos Federalistas.

Já na reformulação do conceito de República o que ocorre é uma explícita contraposição do conceito norte-americano agora tecido com o conceito que fora tomado durante toda a teoria política moderna até então. A República até então tinha como modelos as repúblicas italianas da época de Maquiavel, pequenas cidades-Estado com governo e soberania próprios. Essa é a visão também de Montesquieu, autor lido pelos autores dos Artigos e, por várias vezes, contrariado para que sua teoria se encaixe na realidade americana. O conceito de República dos norte-americanos é, em suas próprias palavras:

“Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, a delegação do governo, nesta última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, o maior número de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode abranger” (MADISON, art. 10).

Vê-se assim que os federalistas alteraram de forma substancial o que antes se entendia por República. Romperam a barreira do espaço territorial, que anteriormente era vedada a cidades-Estado e a estendeu por grandes países. Criaram também uma maior restrição da forma de governo. Se anteriormente era possível ver pequenos “principados” serem chamados de repúblicas por haver um ou outro aspecto de representação do povo, os norte-americanos deixam bem claro que apenas é república aquele Estado no qual há um pequeno número de cidadãos eleitos para representar um grande número de cidadãos, formalizando aí o governo representativo.

Clara fica, então, a ruptura com os termos propostos por Montesquieu (MADISON, HAMILTON, JAY; p. 130), por sua inadequabilidade em grandes territórios e populações.

A última mudança de significado substancial realizada no texto é a do termo Federação. Antes da publicação dos Artigos, federação era apenas um dos sinônimos possíveis para Confederação, forma de governo adotado pelos Estados desde a independência até a aceitação da nova Constituição de 1786. Esta forma de governo constituía numa forma de governo muito próxima daquela proposta por Rousseau, com Estados de extensão não muito grande e Assembléia legislativas soberanas. Havia uma assembléia da confederação, mas esta não tinha poder algum, assemelhando-se muito ao modo de poder que a Assembléia Geral da ONU tem nos dias de hoje, já que não tem poder direto nem sobre os Estados (só pode sugerir) nem sobre os cidadãos (não há esse contato direto).

Hamilton, muito espertamente, utiliza o termo Federação para nomear a forma de governo que propõe nos Artigos. Digo isso seguindo Isaac Kramnick, em sua apresentação d’Os Artigos Federalistas. Este cientista político estadunidense afirma que o uso do termo Federação causou menos estranhamento do que a cunhagem de um termo totalmente estranho. Ou seja, colocou num termo conhecido e positivamente avaliado um termo novo, que ele desejava que fosse bem visto.

Assim, Federação passa a significar o Estado que, apesar de divido em Estados praticamente soberanos, tem um governo central forte. Mantém-se a soberania dos Estados federados em uma ampla variedade de assuntos, como legislação civil e penal em geral, mas fica a cargo da União (o governo centra único e forte) temas como tributação e tratados de paz e relações internacionais (o que Locke chama de “poder federativo”). A federação pode, assim, a ser considerada como o maior dos freios e contrapesos adotados pelos norte-americanos, criando formas de frear a tirania de Assembléias dos Estados e de ter contato direto com os cidadãos.

Freios e Contrapesos[editar | editar código-fonte]

Outra grande inovação proveniente dessa justificação da Constituição americana que vigora até hoje, nas palavras de Thomas Jefferson, “O melhor comentário jamais escrito sobre princípios de governo”, é o inédito sistema de freios e contrapesos. Para melhor entendê-lo, vamos a uma citação mais do que clássica de Madison no mais famoso dos artigos, o 51:

“Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos”. (MADISON, art. 51, p. 350)

Aqui fica a idéia de natureza humana para os federalistas. Apesar de não ser o ponto central da argumentação, é importante para uma boa compreensão do todo. Os Artigos Federalistas, mais do que apenas uma teoria política, é uma teoria política tecida e prontamente aplicada na realidade da época. Como diz Kramnick: “mais uma vez a teoria abstrata encontra-se com a realidade concreta do momento histórico” (KRAMNICK, p. 67).

Além da já referida Federação como forma de freio e contrapeso, podemos incluir também, num critério mais amplo, a separação dos poderes, primeiramente exposta por John Locke e refinada por Montesquieu, além de ter algumas referências em Rousseau, apesar deste não a utilizar em sua teoria do melhor governo. Além da separação de poderes, incluirei aqui também a constituição mista do governo.

Fica a separação de poderes definida nos Artigos como a distribuição regular do poder em distintos setores. Não há uma divisão de poderes em hierarquias, mas sim em competências. É o que Montesquieu afirmou como um poder limitando o outro.

A novidade nos Artigos fica com a introdução de equilíbrios e controles legislativos, ou seja, com a instituição de uma separação de poderes impura. Assim, a competência legislativa não caberia apenas ao Congresso e às Assembléias dos Estados, mas também ao Presidente, que possuiria o poder de vetar projetos do Congresso. Haveria também uma certa interferência do Judiciário na produção do legislativo, visto que aquele é, agora, não mais um poder “neutro”, mas sim o Guardião da Constituição, tendo o poder de declarar contra o sentido da Constituição leis do legislativo e atos do executivo.

Outro freio proposto, de menor influência, é a instituição de tribunais compostos de juízes que só perdem seus cargos por má conduta. É a primeira vez que se fala em estabilidade do judiciário e da burocracia, que deixaria de ser, relativamente, vinculados ao governo, para passarem a ser vinculados ao Estado.

Finalmente, como último exemplo, tendo em vista que o texto ainda propõe outras formas de freios e contrapesos, cito a já relativamente adotada representação do povo no legislativo por deputados eleitos por ele próprio. A diferença vem no que eu enxergo como um exemplo de constituição mista. Tal constituição mista vem do fato da instituição de duas casas legislativas federais, o Senado e a Câmara dos Representantes, esta representando o povo por si mesmo e aquela como representante dos Estados. Assim, se formam duas câmaras com competências bastante parecidas, mas com uma forma de escolha um pouco diferente, além do tamanho, sendo o Senado bastante menor que a Câmara dos Representantes. Dessa forma, enquanto a Câmara representa de forma mais fiel os anseios do povo, o Senado deveria representar os mais capazes do país, sendo, de certa forma, uma casa mais conservadora, com ideais e valores “mais altos”, apresentando um controle sobre a produção da Câmara dos Representantes.

O pensamento dos federalistas é praticamente uma antítese ao que pregava Rousseau, principalmente no que constitui a forma de governo, que, para Rousseau, a forma ideal é a de uma Assembléia soberana sobre um território limitado. Os federalistas escrevem em um Estados Unidos que está, de certa forma, sobre esta conformação, e os autores vêem que esta não é a melhor forma de governo, devido ao grande número de mandos e desmandos desses legislativos.

Coloco os escritos federalistas entre os pensamentos de Locke e de Montesquieu. Principalmente porque os escritores de tais artigos tiveram acesso a esses escritos, já que Thomas Jefferson, que estava na Europa à época, havia enviado a Madison um baú contendo grande parte dos escritos políticos europeus de então.

Assim, não obstante sua grande quantidade de inovações, podemos considerar os Federalistas como herdeiros da teoria política de Locke misturada com a de Montesquieu, aplicando, ou mesmo rejeitando, suas observações na realidade estadunidense de 1787 (quando da criação da Constituição dos Estados Unidos) e 1788 (quando da ratificação do referido Documento político-jurídico).

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

Tirania da maioria

Tirania da maioria, tirania das massas ou ditadura da maioria é um termo utilizado em discussões acerca de democracias com decisões por maioria absoluta, para descrever cenários em que os interesses de minorias são consistentemente obstaculizados por uma maioria eleitoral, constituindo uma opressão comparável à das tiranias.[1] Os casos mais comuns são as discriminações contra grupos étnicos, raciais, religiosos, homossexuais, entre outros. A expressão "tolerância repressiva" também costuma ser associada à tirania da maioria.

Em Ciência política, é a rotulação dada aos sistemas políticos nos quais a maioria dita as regras, sem apelo por justiça ou equidade. Seu principal problema é o desrespeito às minorias e opiniões discordantes, requisitos considerados essenciais para a Democracia.

Uma das formas mais comuns de se evitar a tirania por parte de parcelas majoritárias de uma sociedade é criar cláusulas constitucionais, utilizar sistemas eleitorais elaborados com a preocupação de evitá-la e criar estatutos que protejam determinado grupo minoritário, bem como a separação dos poderes.[2]

O termo usado na Grécia Clássica e na Grécia Helenística para a opressão popular foi oclocracia. A primeira referência a este conceito deve-se a Sócrates, num dos seus diálogos na obra Górgias, que foi escrito por Platão. O conceito de "Tirania da Maioria" de Sócrates (e Platão) foi depois repescado por outros autores, mantendo o significado original.

A expressão "tirania da maioria" foi usada por John Adams em 1788,[3] ganhando proeminência depois de aparecer em 1835, em Democracia na América, de Alexis de Tocqueville, quando foi título de uma seção.[4] O termo foi popularizado por John Stuart Mill, quando citou Tocqueville, em On Liberty (1859). O Federalist Papers refere-se a um conceito amplo, como em Federalist 10, primeiramente publicado em 1787, que chama de "a força superior de uma maioria interessada e arrogante."

Lord Acton também utiliza o termo, dizendo:

Anúncio de O Federalista.

Retrato de Hamilton enquanto Secretário do Tesouro.

The one pervading evil of democracy is the tyranny of the majority, or rather of that party, not always the majority, that succeeds, by force or fraud, in carrying elections.

The History of Freedom in Antiquity