George Orwell - 1984

George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em 25 de junho de 1903, na cidade de Motihari, Bengala, região da Índia. De família inglesa, seu pai era funcionário da administração do império britânico. Ainda criança, sua família retornou à Inglaterra. Foi educado em escolas tradicionais inglesas. Em 1922, entrou para a polícia colonial britânica, servindo na Birmânia. Em janeiro de 1928, pediu demissão e retornou à Europa, onde viveu um período difícil, mendigando e trabalhando como lavador de pratos.

Na Inglaterra, Orwell passou a escrever na imprensa socialista e trabalhou como livreiro, professor e jornalista. Ganhava o suficiente para sobreviver. Nessa fase, publica Burmese Days (Dias na Birmânia), um romance antiimperialista. A partir de 1936, Orwell combateu na Guerra Civil Espanhola, numa milícia do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista). Essa experiência influenciou decisivamente suas concepções políticas, em especial, sobre o socialismo.

Orwell ganhou fama a partir da publicação de A Revolução dos Bichos – em agosto de 1945, quando os EUA demonstravam o seu poderio armado, bombardeando Hiroshima e Nagasaki. Em 1949, publicou outra obra-prima da literatura política: Nineteen-Eighty-Four (1984). Pouco tempo depois, em janeiro de 1950, morreu de tuberculose.

 

 

ENREDO

No livro conta-se a história de Winston, um apagado funcionário do Ministério da Verdade da Oceania e de como ele parte da indiferença perante a sociedade totalitária em que vive, passa à revolta, levado pelo amor por Júlia e incentivado por O'Brien, um membro do Partido Interno com quem Winston simpatiza; e de como acaba por descobrir que a própria revolta é fomentada pelo Partido no poder. E também de como, no Quarto 101, o chamado "pior lugar do mundo", todo homem tem os seus limites.

 

A trama se passa na Pista No. 1, o nome da Inglaterra sob o regime totalitário do Grande Irmão (no original, Big Brother) e sua ideologia IngSoc (socialismo inglês), e conta a história de Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, um órgão que cuida da informação pública do governo. Diariamente, os cidadãos devem parar o trabalho por dois minutos e se dedicar a atacar histericamente o traidor foragido Emmanuel Goldstein e, em seguida, adorar a figura do Grande Irmão. Smith não tem muita memória de sua infância ou dos anos anteriores à mudança política e, ironicamente, trabalha no serviço de rectificação de notícias já publicadas, publicando versões retroactivas de edições históricas do jornal The Times. Estranhamente, ele começa a interessar-se pela sua colega de trabalho Julia, num ambiente em que sexo, senão para procriação, é considerado crime. Ao mesmo tempo, Winston é cooptado por O'Brien, um burocrata do círculo interno do IngSoc que tenta cooptá-lo a não abandonar a fé no Grande Irmão.

 

De fato, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro é uma metáfora sobre o poder e as sociedades modernas. George Orwell escreveu-o animado de um sentido de urgência, para avisar os seus contemporâneos e as gerações futuras do perigo que corriam, e lutou desesperadamente contra a morte - sofria de tuberculose - para poder acabá-lo. Ele foi um dos primeiros simpatizantes ocidentais da esquerda que percebeu para onde o estalinismo caminhava e é aí que ele vai buscar a inspiração - lendo Mil Novecentos e Oitenta e Quatro percebe-se que o Grande Irmão é baseado na visão de Orwell sobre os totalitarismos de vária índole que dominavam a Europa e Ásia na época. Stalin, também Hitler e Churchill foram algumas das figuras que inspiraram Orwell a escrever o romance.

 

O Estado controlava o pensamento dos cidadãos, entre muitos outros meios, pela manipulação da língua. Os especialistas do Ministério da Verdade criaram a Novilíngua, uma língua ainda em construção, que quando estivesse finalmente completa impediria a expressão de qualquer opinião contrária ao regime. Uma das mais curiosas palavras da Novilíngua é a palavra duplipensar que corresponde a um conceito segundo o qual é possível ao indivíduo conviver simultaneamente com duas crenças diametralmente opostas e aceitar ambas. Os nomes dos Ministérios em 1984 são exemplos do duplipensar. O Ministério da Verdade, ao rectificar as notícias, na verdade estava mentindo. Porém, para o Partido, aquela era a verdade. Assim, o conceito de duplipensar é plausível a um cidadão da Oceania.

 

Outra palavra da Novilíngua era Teletela, nome dado a um dispositivo através do qual o Estado vigiava cada cidadão. A Teletela era como que um televisor bidirecional, isto é, que permitia tanto ver quanto ser visto. Nele, o "papel de parede" (ou seja, quando nenhum programa estava sendo exibido) era a figura inanimada do líder máximo, o Grande Irmão.

 

No livro, Orwell expõe uma teoria da Guerra. Segundo ele, o objectivo da guerra não é vencer o inimigo nem lutar por uma causa. O objetivo da guerra é manter o poder das classes altas, limitando o acesso à educação, à cultura e aos bens materiais das classes baixas. A guerra serve para destruir os bens materiais produzidos pelos pobres e para impedir que eles acumulem cultura e riqueza e se tornem uma ameaça aos poderosos. Assim, um dos lemas do Partido, "guerra é paz", é explicado no livro de Emmanuel Goldstein: "Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente".

 

 

Personagens

Winston Smith - protagonista do romance, um homem comum fleumático.

Júlia - Amante de Winston, uma secreta " rebelde da cintura para baixo", que elogia as doutrinas, é militante do Partido, enquanto vive secretamente em contradição com elas.

O'Brien - Um agente do governo que engana Winston e Julia fazendo-os acreditar que ele é um membro da resistência, e convencendo-os a aderir a esta, e depois usa isso contra eles para torturá-los. Ele convence-os de que eles não devem apenas obedecer, mas amar o Big Brother. O'Brien pode ser visto como principal antagonista da novela.

Big Brother - Autocrata da Oceânia. Actua de modo semelhante a "Joseph Stalin". Winston Smith aponta que ele nunca foi visto, nem ninguém se lembra de ver o Big Brother, e sugere que ele pode não existir. Declaração de O'Brien que o Big Brother "nunca vai morrer" também contribui para esta teoria, sugerindo que o Big Brother pode ser apenas uma representação simbólica do partido como um todo. Sua imagem está em toda parte, principalmente nos cartazes onipresentes que advertem: "Big Brother is Watching You".

Emmanuel Goldstein - Um ex-membro de topo e agora opositor do partido. Actua de modo semelhante a Leon Trotsky. Assim como o Big Brother, Goldstein, se alguma vez foi real, está provavelmente morto, ambos podem ter sido criados para fins de propaganda.

O Partido[editar | editar código-fonte]

É o grupo que se mantém no poder através de métodos totalitários, de forma explícita. O objetivo do partido não é nada menos do que o poder. O Partido é marcado pela onipresença do Grande Irmão, que ao país governa e a todos vigia.

 

Guerra é paz,

Liberdade é escravidão,

 Ignorância é força.

 — Lema do Partido

Ministérios

Os Ministérios são as principais representações do Partido, e encarregados, cada um, de manter a harmonia da ideologia do Partido.

 

Ministério da Verdade (em Novilíngua: Miniver ou Minivero)

 

É responsável pela falsificação de documentos e literatura que possam servir de referência ao passado, de forma que ele sempre condiga com o que o Partido diz ser verdade atualmente. Seguindo essa lógica, o Partido é infalível, pois nunca errou.

 

Ministério da Paz (em Novilíngua: Minipaz ou Minipax)

 

É responsável pela Guerra. Mantendo a Guerra contra os inimigos da Oceânia, no caso Lestásia ou Eurásia. A Guerra no contexto do livro é usada de forma permanente para manutenção dos ânimos da população num ponto ideal. Uma forma de domínio também.

 

Ministério da Fartura (em Novilíngua: Minifarto) ou Ministério da Riqueza (em Novilíngua: Minirrico)

 

É responsável pela fome. Em termos práticos, a economia da Oceânia é responsabilidade deste. Divulgando seus boletins de produção exagerados fazendo toda a população achar que o país vai muito bem. Entretanto, seus números faraônicos de nada adiantam para o bem-estar da camada mais baixa da população de Oceânia, a prole.

 

Ministério do Amor (em Novilíngua: Miniamo ou Miniamor)

 

É responsável pela espionagem e controle da população. O Ministério do Amor lida com quem se vira contra o Partido, julgando, torturando e fazendo constantes lavagens cerebrais. Para o Ministério, não basta eliminar a oposição, é preciso convertê-la. O prédio onde está localizado é uma verdadeira fortaleza, sem janelas. Seus "habitantes" não tem a menor noção de tempo e espaço, sendo este mais um instrumento do ingsoc para a lavagem cerebral dos dissidentes do regime.

 

Termos em Novilíngua

Uma das características da novilíngua é o fato de ela ser a primeira língua a reduzir seus termos.

Ao contrário das outras línguas, onde cada vez mais são anexadas novas gírias e conceitos, a novilíngua retira termos, como antónimos e sinónimos.

Entre os exemplos citados no livro, se algo é "bom", não é necessário existir a palavra "mau", simplesmente seria "imbom", sendo o prefixo "im-" (ou "in-") característica antonímia da palavra. Também não é necessário existir "ótimo" ou melhor que bom, seria simplesmente "plusbom". Se fosse melhor ainda, seria "dupliplusbom".

Outra característica básica da novilíngua é o fato de não representar pensamentos errados ou como chamadas "crimideias", afinal, se não era possível definir algo, seria como se esse algo não existisse.

 

Duplipensar - Duplo pensamento, duplicidade de pensamentos, saber que está errado e se convencer que esta certo. "Inconsciência é ortodoxia".

Crimideia - Crime ideológico, pensamentos ilegais19

Impessoa - Uma pessoa que não existe mais, e todas as referências a ela devem ser apagadas dos registros históricos

Bempensante - Pessoa naturalmente ortodoxa

Crimideter - "Faculdade de deter, de paralisar, como por instinto, no limiar, qualquer pensamento perigoso. Inclui o poder de não perceber analogias, de não conseguir observar erros de lógica, de não compreender os argumentos mais simples e hostis ao Ingsoc, e de se aborrecer ou enojar por qualquer trem de pensamentos que possa tomar rumo herético." - Como citado pelo próprio autor no livro.

Negrobranco - Como muitas outras palavras em Novilíngua, esta tem dois sentidos mutuamente contraditórios. Quando é aplicada a um adversário, é o hábito de se afirmar que o negro é branco, apesar dos fatos evidentes. Quando aplicada a um membro do Partido, simboliza a lealdade de afirmar que preto é branco, se isso for exigido pelo Partido. Também significa acreditar que o preto é branco, ou até mais, saber que o preto é branco, e acreditar que jamais foi o contrário.

 

 

Estrutura social no livro[editar | editar código-fonte]

No livro, a sociedade se divide em 3 classes:

 

Alta - Grande Irmão e Partido Interno (2%)

Média - Partido Externo (13%)

Baixa - Proles (85%)

O mundo do livro[editar | editar código-fonte]

No livro as nações se dividem em três grandes impérios modernos, que são grandes potências:

 

Oceania - o maior dos impérios, governa toda a Oceania, América, Islândia, Reino Unido, Irlanda e grande parte do sul da África.

Eurásia - o segundo maior império, governa toda a Europa (exceto Islândia, Reino Unido e Irlanda), quase toda a Rússia e pequena parte do resto da Ásia.

Lestásia - o menor império, governa países orientais como China, Japão, Coreia, parte da Índia e algumas nações vizinhas.

Territórios sob disputa: Outros territórios, como o norte da África, o centro e o Sudeste da Ásia e a Antártica permanecem em disputa.

 

 

 

 

 

 

 

PARTES DO LIVRO 1984:

Por trás de ‘Winston a voz da teletela ainda tagarelava a respeito do ferro gusa e da superação do Nono Plano Trienal. A teletela recebia e transmitia simultâneamente. Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também.

GUERRA É PAZ. LIBERDADE É ESCRAVIDÃO. IGNORANCIA É FORÇA.

 

Constava que o Ministério da Verdade continha três mil aposentos sôbre o nível do solo, e correspondentes ramificações no sub-solo. Espalhados por Londres havia outros três edifícios de aspecto e tamanho semelhantes. Dominavam de tal maneira a arquitetura circunjacente que do telhado da Mansão Vitória era possível avistar os quatro ao mesmo tempo. Eram as sedes dos quatro Ministérios que entre si dividiam todas as funções do governo: o Ministério da Verdade, que se ocupava das notícias, diversões, instrução e belas artes; o Ministério da Paz, que se ocupava da guerra; o Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem; e o Ministério da Fartura, que acudia às atividades econômicas. Seus nomes, em Novilíngua: Miniver, Minipaz, Miniamo e Minifarto.

Nada pertencia ao indivíduo, com exceção de alguns centímetros cúbicos dentro do crânio.

O inimigo do momento representava sempre o mal absoluto, daí decorrendo a impossibilidade de qualquer acordo passado ou futuro com êle.

Se o Partido tem o poder de agarrar o passado e dizer que êste ou aquele acontecimento nunca se verificou - não é mais aterrorizante do que a simples tortura e a morte?

Quem controla o passado,” dizia o lema do Partido, “controla o futuro: quem controla o presente controla o passado.” E no entanto o passado, conquanto de natureza alterável, nunca fôra alterado. O que agora era verdade era verdade do sempre ao sempre. Era bem simples. Bastava apenas uma série infinda de vitórias sôbre a memória. “Controle da realidade,” chamava-se. Ou, em Novilíngua, “duplipensar.”

 

Seu espírito mergulhou no mundo labiríntico do duplipensar. Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultâneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da democracia e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar.

 

Escreveu: Não se revoltarão enquanto não se tornarem conscientes, e não se tornarão conscientes enquanto não se rebelarem.

Nasciam, cresciam nas sargetas, iam para o trabalho aos doze, atravessavam um breve período de floração da beleza e do desêjo sexual, casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos sessenta. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jôgo, enchiam-lhes os horizontes. Mantê-los sob contrôle não era difícil. Alguns agentes da Polícia do Pensamento estavam sempre entre êles, soltando boatos, marcando e eliminando os poucos individuos julgados capazes de se tornar perigosos; mas não se tentava doutriná-los com a ideologia do partido. Não era desejável que os proles tivessem sentimentos políticos definidos. Tudo que se lhes exigia era uma espécie de patriotismo primitivo ao qual se podia apelar sempre que fosse necessário levá-los a aceitar rações menores ou maior expediente de trabalho. E mesmo quando ficavam descontentes, como às vezes acontecia, o descontentamento não os conduzia a parte alguma porque, não tendo idéias gerais, só podiam focalizar a animosidade em ridículas reivindicações específicas.

 

 

TEORIA E PRÁTICA DO COLETIVISMO OLIGARQUICO

Por

Emmanuel Goldstein

Winston pôs-se a ler:

Capítulo I

Ignorância é Fôrça

Desde que se começou a escrever a história, e provàvelmente desde o fim do Período Neolítico, tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa, assim como sua atitude em relação às outras, variaram segundo as épocas; mas nunca se alterou a estrutura essencial da sociedade. Mesmo depois de enormes comoções e transformações aparentemente irrevogáveis, o mesmo diagrama sempre se restabeleceu, da mesma forma que um giroscópio em movimento sempre volta ao equilíbrio, por mais que seja empurrado dêste ou daquele lado.

Os objetivos dêsses três grupos são inteiramente irreconciliáveis. O objetivo da Alta é ficar onde está. O da Média é trocar de lugar com a Alta. E o objetivo da Baixa, quando tem objetivo - pois é característica constante da Baixa viver tão esmagada pela monotonia do trabalho cotidiano que só intermitentemente tem consciência do que existe fóra de sua vida - é abolir tôdas as distinções e criar uma sociedade em que todos sejam iguais. Assim, por tôda a história, trava-se repetidamente uma luta que é a mesma em seus traços gerais. Por longos períodos a Alta parece firme no poder, porém mais cedo ou mais tarde chega um momento em que, ou perde a fé em si própria ou sua capacidade de governar com eficiência, ou ambas. É então derrubada pela Média, que atrai a Baixa ao seu lado, fingindo lutar pela liberdade e a justiça. Assim que alcança sua meta, a Média joga a Baixa na sua velha posição servil e transforma-se em Alta.

 

Em parte a razão dêste fato residia na impossibilidade dos governos do passado manterem sob constante vigilância os seus cidadãos. A invenção da imprensa, contudo, tornou mais fácil manipular a opinião pública, processo que o filme e o rádio levaram além. Com o desenvolvimento da televisão, e o progresso técnico que tornou possível receber e transmitir simultâneamente pelo mesmo instrumento, a vida particular acabou. Cada cidadão, ou pelo menos cada cidadão suficientemente importante para merecer espionagem, passou a poder ser mantido vinte e quatro horas por dia sob os olhos da polícia e ao alcance da propaganda oficial, fechados todos os outros canais de comunicação. Existia pela primeira vez a possibilidade de fazer impôr não apenas completa obediência à vontade do Estado como também completa uniformidade de opinião em todos os súditos.

As massas nunca se revoltarão espontâneamente, e nunca se revoltarão apenas por ser oprimidas. Com efeito, se não se lhes permite ter padrões de comparação -nem ao menos se darão conta de que são oprimidas.

Os mais bem dotados, que poderiam se tornar núcleos de descontentamento, são simplesmente assinalados pela Polícia do Pensamento e eliminados.

Na Oceania não existe lei. Pensamentos e atos que, descobertos, resultariam em morte certa, não são formalmente proibidos, e os intermináveis expurgos, prisões, torturas, detenções e vaporizações não são infligidos como castigo por crimes realmente cometidos, mas são apenas a liquidação de pessoas que poderiam talvez cometer um crime no futuro. O membro do Partido não só deve ter as opiniões certas, como os instintos certos. Muitas das crenças e atitudes dêle exigidas não são nunca declaradas abertamente, e não poderiam ser esmiuçadas sem pôr a nú as contradições inerentes do Ingsoc. Se for uma pessoa naturalmente ortodoxa (em Novilíngua bempensante), saberá, em tôdas as circunstâncias, sem precisar raciocinar, qual é a verdadeira crença e a emoção desejável. Mas, de qualquer maneira, um trabalhoso treino mental, a que se submeteu na infância, e que gira em tôrno das palavras novilinguísticas crimedeter, negrobranco e duplipensar, faz com que êle não tenha nem disposição nem capacidade para pensar a fundo em coisa alguma.

O primeiro e mais simples estágio dessa disciplina, e pelo qual passam até as crianças de tenra idade, chama-se, em Novilíngua, crimedeter. Crimedeter é a faculdade de deter, de paralisar, como por instinto, no limiar, qualquer pensamento perigoso. Inclui o poder de não perceber analogias, de não conseguir observar erros de lógica, de não compreender os argumentos mais simples e hostis ao Ingsoc, e de se aborrecer ou enojar por qualquer trem de pensamentos que possa tomar rumo herético. Crimedeter, em suma, significa estupidez protetora. Mas estupidez não basta. Pelo contrário, a ortodoxia, na sua expressão lata, exige sôbre o processo mental do indivíduo controle tão completo quanto o de um contorcionista sôbre seu corpo.

A alteração do passado é necessária por duas razões, uma das quais é subsidiária e, por assim dizer, precautória. A razão subsidiária é de que o membro do Partido, como o proletário, tolera as condições atuais em parte por não possuir padrões da comparação. Deve ser isolado do passado, da mesma forma que deve ser isolado do estrangeiro, porque lhe é necessário crer que vive melhor que os ancestrais e que o nível médio de confôrto material sobe constantemente.

Duplipensar quer dizer a capacidade de guardar simultâneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas.

O intelectual do Partido sabe em que direção suas lembranças devem ser alteradas; portanto sabe que está aplicando um truque na realidade; mas pelo exercício do duplipensar êle se convence também de que a realidade não está sendo violada.

Não há quase necessidade de dizer que os mais sutis praticantes do duplipensar são os que o inventaram e sabem que é um vasto sistema de fraude mental. Em nossa sociedade, os que têm o melhor conhecimento do que sucede são também os que estão mais longe de ver o mundo tal qual é. Em geral, quanto maior a compreensão, maior a ilusão: quanto mais inteligente, menos ajuizado. Nítida ilustração desta afirmativa é o fato da histeria de guerra aumentar de intensidade à medida que se sobe na escala social. Aqueles cuja atitude em face da guerra é mais próxima da sensatez são povos submissos dos territórios disputados. Para êles a guerra não passa de uma calamidade contínua que se diverte a jogá-los de um lado para outro como um maremoto. É-Ihes completamente indiferente saber quem está ganhando. Percebem que a mudança de donos significa apenas que farão o mesmo trabalho que antes para os novos amos, que os tratarão como os tratavam os antigos.

Até os nomes dos quatro Ministérios por que somos governados ostentam uma espécie de impudência na sua deliberada subversão dos fatos. O Ministério da Paz ocupa-se da guerra, o da Verdade com as mentiras, o do Amor com a tortura e o da Fartura com a fome. Essas contradições não são acidentais, nem resultam de hipocrisia ordinária: são exercícios conscientes de duplipensar. Pois é só reconcíliando contradições que se pode reter indefinidamente o poder. De nenhuma outra maneira seria possível quebrar o antigo ciclo. Se é preciso impedir para sempre a igualdade humana - se, como a chamamos, a Alta deve conservar permanentemente sua posição - então a condição mental deve ser a de insânia controlada.

Capítulo III

Guerra é Paz

O objetivo primário da guerra moderna (segundo os princípios do duplipensar, essa meta é simultâneamente reconhecida e não reconhecida pelos cérebros orientadores do Partido Interno) é usar os produtos da máquina sem elevar o padrão de vida geral. Desde o fim do século dezenove, foi latente na socíedade industrial o problema de dar fim ao excesso de artigos de consumo. Atualmente, que poucos seres humanos têm bastante para comer, êsse problema evidentemente não urge, e assim poderia vir a ser, mesmo sem a intervenção de um processo destruidor artificial. O mundo de hoje é um planeta nu, faminto e dilapidado, em comparação com o que existia antes de 1914, e ainda mais se comparado com o futuro imaginário aguardado pelos seus habitantes daquela era. No comêço do século vinte, a visão de uma sociedade futura incrivelmente rica, repousada, ordeira e eficiente - um refulgente mundo antissético de vidro, aço e concreto branco de neve - fazia parte da consciência de quase tôda pessoa alfabetizada. A ciência e a tecnologia se desenvolviam num ritmo prodigioso, e parecia natural imaginar que continuassem se desenvolvendo. Isto não ocorreu, todavia, em parte por causa do empobrecimento causado por longa série de guerras e revoluções, em parte porque o progresso científico e técnico dependia do hábito empírico do raciocínio, que não podia sobreviver numa sociedade estritamente regimentada. No seu conjunto, o mundo é hoje mais primitivo do que era cinquenta anos atrás.

Desde o momento em que a máquina surgiu, tornouse claro a todos que sabiam raciocinar que desaparecera em grande parte a necessidade do trabalho braçal do homem e, portanto, a da desigualdade humana. Se a máquina fosse deliberadamente utilizada com êsse propósito, a fome, o excesso de trabalho, a sujeira, o analfabetismo e a doença poderiam ter sido eliminados em algumas gerações. E na verdade, sem ter sido usada com êsse propósito, porém por uma espécie de processo automático - produzindo riqueza que às vezes se tornava impossível deixar de distribuir - a máquina elevou grandemente o padrão de vida do ser humano comum, num período de uns cinquenta anos, ao fim do século dezenove e no comêço do vinte.

Tornou-se também claro que o aumento total da riqueza ameaça a destruição - com efeito, de certo modo era a destruição - de uma sociedade hierárquica. Num mundo em que todos trabalhassem pouco, tivessem bastante que comer, morassem numa casa com banheiro e refrigerador, e possuissem automóvel ou mesmo avião, desapareceria a mais flagrante e talvez mais importante forma de desigualdade. Generalizando-se, a riqueza não conferia distinção. Era possível, sem dúvida, imaginar uma sociedade em que a riqueza, no sentido de posse pessoal de bens e luxos, fosse igualmente distribuida, ficando o poder nas mãos de uma pequena casta privilegiada. Mas na prática tal sociedade não poderia ser estável. Pois se o lazer e a segurança fossem por todos fruidos, a grande massa de seres humanos normalmente estupidificada pela miséria aprenderia a ler e aprenderia a pensar por si; e uma vez isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde veria que não tinha função a minoria privilegiada, e acabaria com ela. De maneira permanente, uma sociedade hierárquica só é possível na báse da pobreza e da ignorância.

Tampouco era solução satisfatória manter as massas na miséria restringindo a produção de mercadorias. Isto aconteceu, em grande parte, durante a fase final do capitalismo, mais ou menos entre 1920 e 1940. Permitiu-se que estagnasse a economia de muitos países, a terra deixou de ser arroteada, o maquinário básico permaneceu na mesma, grandes setores da população foram impedidos de trabalhar e mantidos semivivos por meio de caridade estatal. Mas isto também provocava debilidade militar, e como fossem evidentemente desnecessárias as privações, tornavam inevitável a oposição. O problema era manter em movimento as rodas da indústria sem aumentar a riqueza real do mundo. Era preciso produzir mercadorias, porém não distribui-las. E, na prática, a única maneira de o realizar é pela guerra contínua.

O essencial da guerra é a destruição, não necessàriamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que doutra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e portanto, com o passar do tempo, inteligentes.

Mesmo quando as armas de guerra não são destruidas, sua manufatura ainda é um modo conveniente de gastar mão de obra sem produzir nada que se possa consumir. Uma Fortaleza Flutuante, por exemplo, contém trabalho suficiente para construir várias centenas de navios cargueiros. Depois de algum tempo é demantelada, por obsoleta, sem ter trazido benefício material a ninguém, e com novo e enorme esfôrço, constrói-se outra. Em princípio, o esfôrço bélico é sempre planejado de maneira a consumir qualquer excesso que possa existir depois de satisfeitas as necessidades mínimas da população. Na prática, as necessidades da população são sempre subestimadas, e o resultado é haver uma escassez crônica de metade dos essenciais mas isto é considerado vantagem.

A atmosfera social é de uma cidade sitiada, onde a posse de um pedaço de carne de cavalo diferencia entre a riqueza e a pobreza. E, ao mesmo tempo, a consciência de estar em guerra e portanto em perigo, faz parecer natural a entrega de todo o poder a uma pequena casta: é uma inevitável condição de sobrevivência.

Veremos que a guerra não apenas realiza a necessária destruição como a efetua de maneira psicológicamente aceitável. Em princípio, seria bastante simples gastar o excesso de mão de obra construindo templos e pirâmides, cavando buracos e tornando a enchê-los, ou mesmo produzindo grandes quantidades de mercadorias e queimando-as. Mas isso só daria a base econômica, mas não a emocional, de uma sociedade hierárquica. Trata-se aqui não do moral das massas, cuja atitude não tem importância, contanto que sejam mantidas no trabalho, mas do moral do Partido. Espera-se que até mesmo o mais humilde membro do Partido seja competente, industrioso e inteligente, dentro de estreitos limites, Porém é também necessário que seja um fanático crédulo e ignorante, cujas reações principais sejam medo, ódio, adulação e triunfo orgiástico. Em outras palavras, é necessário que tenha a mentalidade apropriada ao estado de guerra. Não importa que de fato haja uma guerra e, como não é possível uma vitória decisiva, pouco importa que a guerra vá bem ou mal. O que importa é que possa existir o estado de guerra.

EXERCÍCIOS:

1.Você consegue entender a seguinte frase: “GUERRA É PAZ. LIBERDADE É ESCRAVIDÃO. IGNORANCIA É FORÇA.” O que ela realmente quer dizer?

2. Diga o por que cada ministério não cumpre o que diz:

3.O que quer dizer a frase: “Quem controla o passado controla o futuro, quem controla o presente controla o passado.”

4. “Seu espírito mergulhou no mundo labiríntico do duplipensar. Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultâneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da democracia e que o Partido era o guardião da democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar”. Dê dois exemplos de duplipensar na sociedade atual.

5.Na TEORIA E PRÁTICA DO COLETIVISMO OLIGARQUICO de Emmanuel Goldstein no cap. Ignorância é força quais seriam os objetivos da classe alta, média e baixa? E como elas atuam?

6.Por que as “as massas nunca se revoltarão” ?

7. O que significa crimedeter?

8. Qual é o objetivo primário da guerra e por que?

9.Como surge e se mantém uma soceidade hierárquica?

10. Por que devemos estar sempre em estado de guerra?

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Livro 1984